Justa causa por abandono de emprego exige prova da intenção do empregado de não retornar ao trabalho

 Justa causa por abandono de emprego exige prova da intenção do empregado de não retornar ao trabalho


A caracterização do abandono de emprego exige a comprovação, pelo empregador, de dois requisitos essenciais. Um deles é objetivo: o não comparecimento do empregado ao serviço por período prolongado. Já o outro é de ordem subjetiva: a intenção ou disposição do empregado de não mais retornar ao trabalho. Assim orientam nossos mais consagrados juristas, como Maurício Godinho Delgado e Amauri Mascaro Nascimento. Foi essa também a linha de pensamento adotada pelo juiz André Figueiredo Dutra, ao julgar um caso em que se discutiu a matéria, na Vara do Trabalho de Araçuaí-MG.

Segundo as alegações da ré, após três meses de afastamento do trabalho para tratamento de saúde, com recebimento de auxílio-doença, a empregada não concordou com a decisão do INSS que a considerou apta para o trabalho e também não mais compareceu ao serviço, mesmo tendo sido convocada para tanto. E foi essa a situação que teria culminado na sua dispensa por justa causa, por motivo de abandono de emprego, quase três meses depois. Na versão da reclamante, a dispensa é inválida, já que ela estava doente e buscando obter um novo benefício junto ao INSS. De todo modo, não se caracterizou a justa causa, pois ela nunca teve intenção de abandonar o emprego. Apenas não compareceu ao serviço porque sentia dores nos pés e não conseguia se firmar de pé para ir trabalhar.

Ao analisar o caso, o juiz constatou que a reclamante esteve em gozo de auxílio-doença previdenciário comum, e não acidentário. Isso significa que a doença dela não teve origem ocupacional, como confirmado pelo laudo pericial. Assim sendo, ela não tem direito à estabilidade provisória no emprego e por isso o juiz indeferiu o pedido de reintegração no emprego. Por outro lado, o perito oficial concluiu, pelo exame clínico e atestados e receituários trazidos ao processo, que a reclamante apresenta esporão de calcâneo e fascite plantar, enfermidade que não é incapacitante, mas pode, de fato, causar dores nos pés, segundo alegado pela trabalhadora.

Ao confrontar esses dados, o magistrado entendeu que os fatos apurados até poderiam caracterizar o abandono de emprego, pois a trabalhadora permaneceu muito mais de 30 dias após o fim do auxílio-doença sem comparecer ao trabalho, o que atrairia a aplicação da Súmula 32/TST, pela qual configura-se o abandono de emprego quando o trabalhador não retornar ao serviço, no prazo de 30 dias, após a cessação do benefício previdenciário, nem justificar o motivo de não o fazer.

Mas há um porém, segundo concluiu o juiz ao analisar as particularidades do caso: É que o abandono de emprego, previsto no art. 482, i, da CLT, como causa justificadora da rescisão contratual, somente pode ser configurado quando há evidência de animus correspondente. De acordo com o julgador, a simples ausência do empregado ao serviço faz presumir a existência da intenção de não mais voltar ao trabalho, mas trata-se de presunção juris tantum, ou seja, aquela que pode ser derrubada por prova em sentido contrário.

Além do que, o juiz é adepto da corrente doutrinária pela qual a existência de justa causa para a dispensa do trabalhador deve ser provada de forma robusta. E não é o trabalhador quem tem de provar a inexistência da justa causa, mas sim o empregador é quem tem o ônus de provar a existência dos motivos justificadores da penalidade aplicada.

Assim, concluiu o magistrado que, uma vez que a empregada é portadora de enfermidade, sente dores e possui atestados médicos comprovando a sua inaptidão para o trabalho em alguns períodos, tudo leva a crer que ela não teve a intenção de abandonar o emprego. Seria diferente, por óbvio, se ela simplesmente tivesse deixado de prestar serviços, mas as circunstâncias, como visto, são outras, pontuou o magistrado, acrescentando que a reclamante não tinha motivos lógicos aparentes para querer abandonar o emprego, manchando um contrato de trabalho que durou por quase duas décadas.

Faltou, então, no caso, o elemento subjetivo, já que a reclamante não tinha a intenção de abandonar o emprego. Por isso, o juiz descaracterizou a justa causa e deferiu à reclamante as parcelas típicas da dispensa imotivada, como aviso prévio indenizado e multa de 40% sobre o FGTS de todo o período contratual.

( 0000824-66.2010.5.03.0141 ED )


Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região

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