“Novo Código de
Processo Civil para uma nova sociedade
Alexandre Freire, especial para o
Imirante
29/04/2013 14h00 - Atualizado em
29/04/2013 16h15
Professor José Miguel Garcia Medina
SÃO LUÍS - Tramita no Congresso
Nacional um dos projetos de lei mais polêmicos do momento. Trata-se do projeto
de novo Código de Processo Civil. Para alguns juristas, o projeto conferirá
poderes em demasia para os juízes e mitigará garantias processuais dos
litigantes. Para outros, o projeto assegurará maior simplicidade, celeridade e
efetividade para o processo.
O professor da Pós-graduação em
Direito Processual Civil da PUC-RJ e pesquisador do núcleo de Direito
Processual Civil da PUC-SP, Alexandre Freire, que é colaborador do jornal O Estado, entrevistou o Professor José Miguel Garcia Medina, Doutor pela PUC-SP,
integrante da comissão de juristas, instituída pelo Presidente José Sarney,
encarregada de apresentar o anteprojeto de novo Código de Processo Civil e
atualmente professor visitante na Universidade de Columbia nos EUA.
Nesta entrevista concedida para o
colaborador do jornal O Estado, José Miguel
Garcia Medina apresenta sua visão a respeito dos pontos mais controvertidos
deste tema de relevante importância para Justiça Brasileira.
Professor José Miguel Garcia Medina,
o senhor integrou a comissão de juristas, instituída pelo Presidente José
Sarney, para a apresentação de anteprojeto de novo Código de Processo Civil.
Quais foram os principais propósitos desta comissão para o aperfeiçoamento do
processo civil brasileiro?
Procurou-se elaborar um anteprojeto
ajustado aos princípios constitucionais, com aptidão para servir às
necessidades da sociedade moderna. Há preocupação com valores fundamentais como
a segurança jurídica, exigindo-se do magistrado maior cuidado na fundamentação
das decisões judiciais, estabelecendo-se balizas a serem observadas pelos
órgãos jurisdicionais para se evitar que haja variações bruscas e
injustificadas na jurisprudência. Os procedimentos são simplificados, evitando-se
burocracias desnecessárias.
Uma das primeiras críticas ao projeto
do novo CPC foi a de que uma grande reforma por setores seria mais recomendável
que a elaboração de um novo código. O senhor considera que seria possível
inserir uma nova principiologia e, sobretudo, uma ideologia de equilíbrio entre
ampla defesa e razoável duração do processo por esse método de reforma?
Até agora, o CPC de 1973 veio sendo
reformado por setores e por etapas, e chegamos ao que temos. O risco de
reformas parciais, pontuais no Código é o de se criarem antinomias. Como cada
uma das microrreformas segue princípios próprios, isso permite a existência de
disposições contraditórias, às vezes incompatíveis. Espera-se que um projeto de
um novo Código tenha condições de evitar tais problemas.
Quais pontos do texto do anteprojeto
o senhor poderia destacar como inovações de impacto para o processo civil
brasileiro?
Penso que o que há de mais importante
é a principiologia do projeto. É um projeto que muda o foco do processo, que
passa a dar ênfase aos direitos das partes. Já mencionei o dever de os juízes
observarem a jurisprudência, evitando oscilações injustificadas, bem a
necessidade de haver maior cuidado quando da fundamentação da decisão judicial.
Esse ponto, particularmente, vem nos chamando a atenção há muitos anos.
Tornou-se "lugar comum", hoje, fundamentar a decisão judicial em
princípios jurídicos para se realizar qualquer tipo de julgamento, ainda que
existentes regras precisas a respeito. E, ao se fundamentar a decisão judicial
em princípios, há a necessidade de se justificar desde a existência do
princípio, até o porque de sua incidência no caso, o modo de incidência etc.
Hoje, não raro, as decisões judiciais limitam-se a mencionar um valor jurídico
(por exemplo, dignidade da pessoa humana) como se isso bastasse para se tomar
uma opção por esse ou aquele resultado. Há risco de decisões arbitrárias, e
essa confusão deve ser evitada. Algo parecido é previsto em relação às chamadas
cláusulas gerais, textos legais com conceitos vagos ou indeterminados etc. Há,
também, toda uma preocupação em observar-se o contraditório efetivo, impedindo
que o juiz use em sua decisão algum fundamento com surpresa para as partes.
Aliás, o dever de cooperação - por muitos visto como algo que existe apenas das
partes para com o juiz - deve ser observado também do órgão judicial para com
as partes. Assim, por exemplo, deve o Poder Judiciário possibilitar às partes a
correção de vícios de atos processuais, com o intuito de se analisar o mérito,
isto é, o pedido, e se resolva efetivamente o litígio.
O texto do anteprojeto sofreu
alterações substanciais ao longo do processo legislativo? Quais delas o senhor
poderia destacar como oportunas e inoportunas?
Muitos dizem que nunca antes se
discutiu direito processual civil como agora, durante os debates a respeito do
possível novo CPC. De fato, as discussões que vêm sendo travadas fazem com que
todos se preocupem em responder a esta questão: qual é, de fato, o melhor CPC
para o Brasil? Quando elaborávamos o anteprojeto, tentamos contemplar todas as
boas sugestões que nos foram enviadas. Pude ver o trabalho que depois foi
desenvolvido no Senado e que, agora, está sendo realizado na Câmara. Os
Senadores e Deputados estão sendo assessorados por juristas de destaque, e
professores, advogados, magistrados, promotores de justiça, enfim,
representantes de todos os segmentos estão sendo ouvidos, participando,
debatendo. Naturalmente, eu não concordo com algumas das propostas existentes
no projeto - aliás, já discordava de algumas que foram inseridas no
anteprojeto, elaborado pela comissão de que faço parte. Mas isso faz parte da
democracia, e é necessário saber viver assim. Esse projeto não é um projeto
autoritário, mas fruto de amplo debate.
Existem setores da academia que
consideram que a versão atual deste projeto concentrará poderes demasiados para
os juízes e fragilizará a ampla defesa dos litigantes. O senhor concorda com
essas críticas?
Ocorre exatamente o contrário.
Compreendo que a leitura de algumas disposições, isoladamente, possa levar a
esse entendimento. Mas não é isso o que está sendo previsto, no projeto. É
necessário ler com cuidado, com seriedade, para poder levantar críticas ao que
está sendo feito. Basta ler os dispositivos que prevêem as soluções que
mencionei acima para se perceber que amplia-se, com apoio na norma
constitucional, aquilo que se convencionou chamar de direito das partes à
participação procedimental. Espero que a Câmara dos Deputados siga esse
caminho, e assim também o Senado. Seria muito triste perdermos a oportunidade
de elaborarmos um novo CPC, de desperdiçarmos a chance de produzir um Código de
Processo Civil que observe os valores democráticos do processo civil moderno.
Qual a sua opinião a respeito da
questão da transcendência da questão federal p/ o recurso especial ?
Tenho me manifestado contrariamente a
esse requisito, previsto em uma PEC que ora tramita na Câmara dos Deputados.
Entendo que o Superior Tribunal de Justiça, através do recurso especial, exerce
uma função importantíssima, que é a de evitar a existência de divergências a
respeito da inteligência da lei federal. Caso aprovada a PEC, há o risco de o
Código Civil, o Código Penal, o Código Penal, enfim, de as leis federais serem
interpretadas de modo diferente, em cada um dos Estados do país. Temos que
encontrar uma alternativa mais moderada à solução proposta na PEC. Por exemplo,
defendo que o requisito não seja exigido na hipótese de recurso especial
interposto contra decisão que der à lei federal interpretação divergente da que
lhe haja dado outro tribunal.
O senhor considera adequado o atual
modelo de recrutamento de ministros para o STF?
Entendo que devemos tentar caminhar
no sentido de ter, em nosso direito, algo mais aproximado de uma verdadeira
corte constitucional. E uma das mudanças que devem ser feitas para que
alcancemos isso é o aperfeiçoamento no modo de escolha dos juízes do STF. O
critério atual, em si mesmo, não é ruim, e se parece com o existente em outros países.
Mas há propostas interessantes, algumas, inclusive, em discussão no Congresso
Nacional, que conferem maior transparência ao processo de escolha dos
ministros, ou que permitem, por exemplo, que o próprio Poder Executivo
apresente nomes de possíveis ministros... Também entendo, pessoalmente, que os
ministros deveriam ter mandato de algo em torno de 12 anos, como acontece em
vários países. O assunto é polêmico, mas, creio, é algo que deve ser objeto de
debate.
O senhor no momento é Visiting
Scholar na Columbia University (NYC-EUA). Em apertada síntese, o que tem
pesquisado nesta prestigiosa instituição?
Há anos tenho me preocupado com a
criação da solução judicial fundada em princípios jurídicos. Em minha tese de
doutorado, em 2001, escrevi a respeito, mas com outra perspectiva. Mais
recentemente, tenho realizado muitas pesquisas a respeito do assunto - e parte
delas me levaram a escrever uma série de ensaios, que inseri na CF Constituição
Federal Comentada, publicada pela Editora Revista dos Tribunais. Há alguns
anos, passei por universidades europeias, e procurei conhecer a experiência
local para escrever a respeito do tema, em nosso direito. Mais recentemente,
senti a necessidade de compreender a práxis da jurisprudência norte americana,
e, para tentar entender melhor o que ocorre no modelo decommon Law,
passei a estudar, com mais vagar, o que se tem produzido na literatura jurídica
anglosaxônica. Minha estada como visiting scholar na Columbia University me permite compreender melhor o que ocorre no dia
a dia das pessoas que operam o direito, naquele país. Há coisas que só
conseguimos entender quando a vivenciamos, e não apenas quando as lemos em
livros”.
http://imirante.globo.com/noticias/2013/04/29/pagina337965.shtml.
Acesso: 14/6/2013
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