“Quais os limites para rede social responder por danos?
:Otavio Luiz Rodrigues Junior é advogado da União,
pós-doutor (Universidade de Lisboa) e doutor em Direito Civil (USP); membro da
Association Henri Capitant des Amis de la Culture Juridique Française (Paris,
França) e da Asociación Iberoamericana de Derecho Romano (Oviedo, Espanha)
1. Colocação dos problemas
O Brasil é o paraíso das redes sociais. Na internet, encontram-se estatísticas dando conta de que 70% dos jovens brasileiros, na faixa etária de 9 a 16 anos, possuem perfil em alguma de entre as várias redes sociais disponíveis no mercado. Esse número torna-se ainda mais significativo quando se compara com a realidade europeia, na qual o número de crianças e adolescentes nessa situação é de 57% do total.[1] A comScore, tida como a principal consultoria sobre internet no mundo, no início de 2012, divulgou um levantamento sobre a participação brasileira nas redes sociais. O resultado não foi surpreendente: o país fica em quarto lugar, perdendo apenas para Estados Unidos, Espanha e Reino Unido, que juntos ocupam o pódio desse ranking.[2]
O Brasil é o paraíso das redes sociais. Na internet, encontram-se estatísticas dando conta de que 70% dos jovens brasileiros, na faixa etária de 9 a 16 anos, possuem perfil em alguma de entre as várias redes sociais disponíveis no mercado. Esse número torna-se ainda mais significativo quando se compara com a realidade europeia, na qual o número de crianças e adolescentes nessa situação é de 57% do total.[1] A comScore, tida como a principal consultoria sobre internet no mundo, no início de 2012, divulgou um levantamento sobre a participação brasileira nas redes sociais. O resultado não foi surpreendente: o país fica em quarto lugar, perdendo apenas para Estados Unidos, Espanha e Reino Unido, que juntos ocupam o pódio desse ranking.[2]
Esses dados são
extremamente convidativos a estudos antropológicos e sociológicos. A exposição
voluntária da vida, da imagem e da intimidade de milhões de pessoas, com todos
os riscos que essa ação implica, é um campo aberto para indagações de alto
relevo nesses campos do conhecimento. Haveria algo de peculiar no caráter de
nossos patrícios a esse respeito ou se devem afastar as explicações
estruturalistas (que colocam os elementos da nacionalidade como determinantes
do comportamento de um povo), dado seu caráter reducionista? Até mesmo o
conceito de “amizade” no Brasil é suscetível de investigação, pois nossos
conterrâneos também superam, e muito, qualquer outro povo em número de amigos
de redes virtuais.
As questões
metajurídicas são realmente instigantes e ainda desafiam um exame especializado
sistemático por outras áreas do saber humano. Para esta coluna (e seus
leitores), têm preeminência os problemas estritamente jurídicos — e não são
poucos — que essa proliferação de perfis em redes sociais pôs em relevo nos
últimos anos.
Quando se pensa em
“conflitos jurídicos” advindos do uso das redes sociais, é necessário, em
primeiro lugar, qualificar as relações jurídicas subjacentes e, em seguida,
classificar esses conflitos, com o objetivo de sistematizar e dar coerência às
soluções técnicas que se propõem a sua solução. Por último, apresentar um
quadro do Direito Comparado sobre esses problemas.
Nesta coluna,
enfrentar-se-á o primeiro problema — sobre a qualificação jurídica das relações
—, deixando os demais para as semanas seguintes.
2. Problemas de qualificação
Um perfil falso na internet foi criado em nome de um ator nacionalmente conhecido. Em um perfil verdadeiro, alguém faz ataques violentos contra a honra de terceiros. São divulgadas fotografias alheias na internet, sem autorização do titular do direito à imagem. Eis alguns exemplos de conflitos identificáveis no uso de redes sociais. Antes de proceder a seu exame, no entanto, surge um problema: qual o regime jurídico a ser utilizado para resolvê-los?
Um perfil falso na internet foi criado em nome de um ator nacionalmente conhecido. Em um perfil verdadeiro, alguém faz ataques violentos contra a honra de terceiros. São divulgadas fotografias alheias na internet, sem autorização do titular do direito à imagem. Eis alguns exemplos de conflitos identificáveis no uso de redes sociais. Antes de proceder a seu exame, no entanto, surge um problema: qual o regime jurídico a ser utilizado para resolvê-los?
De acordo com a
jurisprudência do STJ, as empresas que operam os serviços de internet
(denominadas nos acórdãos de “provedores de contéudo”) são prestadoras de
serviço, ainda que os ofereçam gratuitamente, e subordinam-se às regras do
Código de Defesa do Consumidor: “A exploração comercial da internet sujeita as
relações de consumo daí advindas à Lei nº 8.078/90. O fato de o serviço
prestado pelo provedor de serviço de internet ser gratuito não desvirtua a
relação de consumo, pois o termo ‘mediante remuneração’ contido no artigo 3º,
parágrafo 2º, do CDC deve ser interpretado de forma ampla, de modo a incluir o
ganho indireto do fornecedor”.[3] É de ser registrado o papel da
doutrina na formação desse entendimento, pois em um dos arestos relatados pela
ministra Nancy Andrighi há a honrosa referência a estudo de Newton de Lucca, um
dos primeiros a cuidar das relações entre internet e Direito do Consumidor no
Brasil.[4]
Sobre esse tema há
um “grupo de casos” julgado pelas Turmas da 2ª Seção do STJ, no qual figura
preponderantemente a empresa Google (com sua rede social Orkut). Nesses
acórdãos é também possível identificar outro problema de qualificação: a
natureza da responsabilidade civil, se objetiva ou se fundada na culpa, quando
da inserção de conteúdo ofensivo nas redes sociais. Prevaleceu, até o momento, tanto
na Terceira quanto na Quarta Turma, a tese da não incidência da
responsabilidade civil objetiva, indicada no parágrafo único do artigo 927 do
Código Civil.[5]
Há uma exceção a
esse posicionamento das turmas de Direito Privado do STJ. Trata-se de recurso
especial julgado em Segunda Turma do STJ (integrante da Primeira Seção, que é
de Direito Público), de relatoria do ministro Herman Benjamin, que examinava a
interdição prévia de páginas no Orkut, com conteúdo ofensivo a crianças e
adolescentes, decretada em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público
de Rondônia. Embora não tenha assumido posição explícita sobre os dois
problemas de qualificação aqui examinados, o aresto resolveu o caso sem se
utilizar do CDC, pois aludiu tão somente a dispositivos processuais (artigo 461
do CPC) e ao princípio da dignidade humana.[6] E, em relação à responsabilidade
objetiva, conquanto não a tenha mencionado, o acórdão sustentou que: a) não foi
comprovada a impossibilidade técnica do controle prévio do conteúdo de novas
páginas ou mensagens no Orkut, nas quais havia “a disseminação de fofocas e
difamações em relação a diversas menores das Comarcas de Pimenta Bueno, São
Felipe do Oeste e Primavera de Rondônia”; b) esse controle ex ante seria, em tese, factível, dado que
“[o] provedor de serviços responsável pela manutenção do Orkut já se utiliza da
fiscalização de conteúdo em outros países, como é o caso da China, não sendo
possível vislumbrar, de início, em que a situação ora analisada difere da que
vem sendo empregada naquele país”. Mais importante ainda foi concluir que:
“Quem viabiliza tecnicamente, quem se beneficia economicamente e, ativamente,
estimula a criação de comunidades e páginas de relacionamento na internet é tão
responsável pelo controle de eventuais abusos e pela garantia dos direitos da
personalidade de internautas e terceiros como os próprios internautas que geram
e disseminam informações ofensivas aos valores mais comezinhos da vida em
comunidade, seja ela real ou virtual”.[7] Em relação a esse último fundamento,
que também figura na ementa, far-se-á, oportunamente, um paralelo com a
responsabilidade das concessionárias e permissionárias de serviços de
radiodifusão por danos cometidos em entrevistas ao vivo.
As conclusões
extraídas do “grupo de casos” das Turmas da 2ª Seção do STJ coadunam-se com
acórdãos (pretéritos ou mais atuais) de órgãos inferiores da jurisdição
ordinária nacional. Encontram-se posições no sentido de que: a) “o Google é
apenas uma provedora de hospedagem, ou seja, empresa que sedia páginas de
usuários, se limitando a armazernar e disponibilizar arquivos e páginas
eletrônicas para uma rede de inúmeros interessados”[8];
b) não se deve utilizar o conceito de atividade de risco (artigo 927, parágrafo
único, CC/2002) para qualificar juridicamente os serviços dos provedores de
conteúdo na internet, pois “se for aprovado esse entendimento, haverá uma
retratação do mercado e os provedores certamente não mais atuarão no espaço, em
virtude da completa e total impossibilidade de estabelecimento de filtros de
contenção de conteúdo”, até porque “a responsabilidade pelo risco da atividade
deve ser imaginada e admitida em casos em que a empresa aceita os ônus do
perigo do trabalho lucrativo porque existe um aparato razoável para evitar e
prevenir os danos potenciais e nunca quando inexistem meios para bloqueio de
interferência de terceiros no exercício de uma função de cunho essencial para a
civilidade (Internet)”[9].
Um acórdão do
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro reconheceu a aplicabilidade das normas do
CDC, no entanto, condenou o Google por danos causados no Orkut ao proprietário
de um estabelecimento comercial, que foi injuriado nas páginas de uma
comunidade dessa rede social. O relator, em seus fundamentos, ponderou que “ao
possibilitar que qualquer um seja seu usuário, sem exigir um suficiente quadro
de informações a fim de identificá-los, permite que através do Orkut sejam
praticadas todo tipo de condutas ilícitas sem que se alcance os infratores”.[10]
Em conclusão, o
estado-da-arte da jurisprudência do STJ sobre a responsabilidade civil nas
redes sociais (excluído o Twitter, por sua especificidade) permite a definição
das seguintes enunciados: em primeiro lugar, a responsabilidade não é objetiva,
o que afasta a incidência do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil; em
segundo, o problema de qualificação das relações jurídicas resolve-se no marco
do CDC, ainda que se reconheça a natureza gratuita do serviço.
Na próxima coluna,
a doutrina nacional entrará no debate e também será exposta a classificação
desses conflitos.
[1] Conforme pesquisa
do Comitê Gestor da Internet no Brasil, divulgado aos 2.10.2012. Disponível em: http://idgnow.uol.com.br/internet/2012/10/02/jovens-do-brasil-usam-mais-redes-sociais-do-que-adolescentes-europeus/.
Acesso em 5-3-2013.
[2] Informações
extraídas de: http://www.agenciars.com.br/blog/brasil-e-o-4-pais-em-numero-de-usuarios-nas-redes-sociais/.
Acesso em 5.3-2013.
[3] STJ. REsp
1193764/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em
14/12/2010, DJe 08/08/2011.
[4] “Parece inegável
que a exploração comercial da internet sujeita as relações jurídicas de consumo
daí advindas à Lei nº 8.078⁄90. Newton De Lucca aponta o surgimento de ‘uma
nova espécie de consumidor (...) – a do consumidor internauta – e, com ela, a
necessidade de proteção normativa, já tão evidente no plano da economia
tradicional’ (Direito e internet: aspectos
jurídicos relevantes. Vol. II. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 27)” (STJ.
REsp 1308830/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em
08/05/2012, DJe 19/06/2012).
[5] “No caso de
mensagens moralmente ofensivas, inseridas no site de provedor de conteúdo por
usuário, não incide a regra de responsabilidade objetiva, prevista no art. 927,
parágrafo único, do Cód. Civil/2002, pois não se configura risco inerente à
atividade do provedor” (STJ. REsp 1306066/MT, Rel. Ministro Sidnei Beneti,
Terceira Turma, julgado em 17/04/2012, DJe 02/05/2012). No mesmo sentido: “O
dano moral decorrente de mensagens com conteúdo ofensivo inseridas no site pelo
usuário não constitui risco inerente à atividade dos provedores de conteúdo, de
modo que não se lhes aplica a responsabilidade objetiva prevista no art. 927,
parágrafo único, do CC/02” (STJ. REsp 1193764/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi,
Terceira Turma, julgado em 14/12/2010, DJe 08/08/2011).
[6] “A internet é o
espaço por excelência da liberdade, o que não significa dizer que seja um
universo sem lei e sem responsabilidade pelos abusos que lá venham a ocorrer.
No mundo real, como no virtual, o valor da dignidade da pessoa humana é um só,
pois nem o meio em que os agressores transitam nem as ferramentas tecnológicas
que utilizam conseguem transmudar ou enfraquecer a natureza de sobreprincípio
irrenunciável, intransferível e imprescritível que lhe confere o Direito
brasileiro.” (Voto do relator no STJ. REsp 1117633/RO, Rel. Ministro Herman
Benjamin, Segunda Turma, julgado em 09/03/2010, DJe 26/03/2010).
[7] Trechos do voto do
relator no STJ. REsp 1117633/RO, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma,
julgado em 09/03/2010, DJe 26/03/2010.
[9] Trechos do voto do
relator no TJSP - Ap 990.10.011800-5 - 4.ª Câmara de Direito Privado - j.
7/10/2010 - v.u. - rel. Ênio Santarelli Zuliani. RT 904/259.
[10] TJRJ. ApCiv
0035977-12.2009.8.19.0203, j. 8-2-2012 - v.u. - rel. Roberto Guimarães. RDCon
82/451.
Otavio Luiz Rodrigues Junior é advogado da União,
pós-doutor (Universidade de Lisboa) e doutor em Direito Civil (USP); membro da
Association Henri Capitant des Amis de la Culture Juridique Française (Paris,
França) e da Asociación Iberoamericana de Derecho Romano (Oviedo, Espanha).
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