Direito de Família - Princípios

“Principiologia informadora do Direito de Família
1 Generalidades As mudanças ocorridas na sociedade atual, que trouxe valores como o afeto para as relações familiares, fez com que hodiernamente houvesse uma constitucionalização do direito de família. Destarte, a família deixou de pautar-se no “ter” para fundamentar-se no “ser”, notadamente por ter o ordenamento abraçado macro princípios, como o da dignidade da pessoa…

Autora: Elisabete Aloia Amaro:  Doutora em Direito Civil (USP), Mestre em Direito Penal (USP), Advogada militante na área cível.
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1 Generalidades
As mudanças ocorridas na sociedade atual, que trouxe valores como o afeto para as relações familiares, fez com que hodiernamente houvesse uma constitucionalização do direito de família.
Destarte, a família deixou de pautar-se no “ter” para fundamentar-se no “ser”, notadamente por ter o ordenamento abraçado macro princípios, como o da dignidade da pessoa humana.
Ao estabelecer como fundamento da República a dignidade da pessoa humana, a Constituição Federal privilegia o afeto, o sentimento, elegendo a pessoa, na sua dimensão humana, como centro da tutela do ordenamento jurídico, trazendo uma nova fase ao direito civil, abandonando seu caráter privado e patrimonialista do Direito de Família, dando mais ênfase à busca da dignidade da pessoa, como membro inerente da família e da sociedade.

Dentre os princípios previstos na Constituição Federal, podemos elencar:
a) a proteção de todas as espécies de família (art. 226 caput);
b) o reconhecimento expresso de outras formas de constituição familiar ao lado do casamento, como a união estável e as famílias monoparentais (art. 226, §§ 3º e 4º);
c) a igualdade entre os cônjuges (art. 5º, caput, I, e art. 226, § 5º);
d) a dissolubilidade do vínculo conjugal e do matrimônio (art. 226, § 6º);
e) a dignidade da pessoa humana e a paternidade responsável (art. 226, § 5º);
f) a assistência do estado a todas as espécies de família (art. 226, § 8º);
g) o dever de a família, da sociedade e do Estado garantirem às crianças e aos adolescentes direitos inerentes à sua personalidade (art. 227, §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 7º);
h) a igualdade dos filhos havidos ou não do casamento, ou por adoção (art. 227, § 6º);
i) o respeito recíproco entre pais e filhos; enquanto menores é dever daqueles assisti-los, criá-los e educá-los e, destes, o de ampararem os pais na
velhice, carência ou enfermidade (art. 229);
j) o dever da família, da sociedade e do Estado, em conjunto, ampararem as pessoas idosas, velando para que tenham uma velhice digna e integrada à comunidade (art. 230).
Esses princípios têm assento em uma hermenêutica constitucional que traduz, por sua vez, o mais cristalino espírito de uma ordem civil, ou seja, de um Direito Civil-Constitucional.
Abordaremos, a seguir, os princípios mais relevantes.
2 O princípio da solidariedade e da função social da família
A solidariedade social é prevista no art. 3º, inc. I, da Constituição Federal de 1.988. Como dito supra, esse princípio norteia as relações familiares.
O art. 226, caput, da Constituição Federal de 1.988 dispõe que a família é a base da sociedade, tendo especial proteção do Estado.
A solidariedade abrange a família tanto no aspecto patrimonial, quanto no afetivo, já que implica respeito e consideração mútuos em relação aos
membros da família.
A solidariedade, inerente à família, identifica-se no amparo recíproco entre os membros da comunidade familiar. Os alimentos constituem um exemplo desta concepção solidarista, da qual também é elucidação a diretriz principiológica adotada pelos Estatutos da Criança e do Adolescente e do Idoso, que objetivam amparar aqueles que se encontram em situação peculiar de fragilidade, seja pela falta de discernimento e maturidade, seja pela velhice. [1]
De nada vale falar em solidariedade social se, na família, não existir solidariedade. E, obviamente, esta solidariedade existe em decorrência do amor, do afeto que rege as relações familiares.
Vem de nossa tradição, da cultura judaico-cristã, o afeto que enlaça a família e a solidariedade existente entre seus membros. E este afeto, esta
solidariedade, marcam as famílias e devem ser observados nas normas relativas ao direito de família.
Estes princípios fazem com que, hoje, não mais se considere família somente aquela oriunda dos laços matrimoniais, mas todas as outras formas
familiares, inclusive as uniões estáveis entre homens e mulheres, as famílias monoparentais e as homoafetivas.
3 O princípio da dignidade da pessoa humana
De acordo com Rodrigo da Cunha Pereira[2], a dignidade é o atual paradigma do Estado democrático de Direito, a determinar a funcionalização de todos os institutos jurídicos à pessoa humana. Está em seu bojo a ordem imperativa a todos os operadores do Direito de despir-se de
preconceitos – principalmente no âmbito do Direito de Família –, de modo a se evitar tratar de forma indigna toda e qualquer pessoa humana, principalmente na seara do Direito de Família, que tem a intimidade, a afetividade e a felicidade como seus principais valores.
O direito de família atual, como dissemos, deixou o caráter privado e patrimonial para pautar-se na afetividade. A pessoa humana é o centro da atenção do Estado e o princípio da dignidade, portanto, norteia todos os aspectos do direito de família, seja no tocante às relações matrimoniais, às relações não matrimoniais, às relações de parentesco consanguíneo, civil e o socioafetivo.
Portanto, ao analisarmos questões inerentes ao Direito de Família, mister se faz levar em conta a dignidade do ser humano, a busca pela felicidade, o aspecto da afetividade envolvido nestas questões. Este princípio nos leva, por exemplo, a reconhecer as uniões homoafetivas, pois a dignidade da pessoa humana deve se sobrepor a qualquer norma infraconstitucional. Ou seja, a pessoa, na sua dimensão humana, foi eleita pelo constituinte como centro de tutela do ordenamento jurídico.
Portanto, por este princípio temos que a pessoa humana, como valor, deve prevalecer sobre qualquer outro interesse.
Na família, a tutela da dignidade deve ocorrer tanto nas relações familiares, quanto no caso de rompimento destas relações, notadamente no que concerne à tutela dos direitos da personalidade.
4 O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente
A criança e o adolescente encontram-se em posição de fragilidade por estarem em processo de amadurecimento e formação da personalidade. Assim, possuem posição privilegiada na família, consoante o art. 227 da Carta Magna:
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,violência, crueldade e opressão.”
Seguindo as diretrizes constitucionais, temos o Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece normas protetivas à criança e ao adolescente, notadamente em seus arts. 3° e 4°:
“Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.”
“Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos eferentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”
Tais dispositivos decorrem da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, promulgada pelo Decreto Presidencial n. 99.710, de 21/11/1990, a qual estabelece que “todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança”.
5 O princípio da igualdade
O princípio da igualdade se organiza em duas dimensões:
a) a igualdade de todos perante a lei, ou seja, a clássica liberdade jurídica ou formal, que afastou os privilégios da razão da origem, do sangue, do estamento social, e dotou a todos de iguais direitos subjetivos (art. 5º da CF).
b) igualdade de todos na lei, no sentido de vedar-se a desigualdade ou a discriminação na própria lei, como por exemplo, a desigualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres, na sociedade conjugal.
Homens e mulheres são iguais perante a lei e na lei. Portanto, nas relações familiares, busca-se preservar a igualdade de homens e mulheres nas relações afetivas.
Por este princípio, temos a igualdade de direitos do marido e da mulher na administração do patrimônio do casal, na condução da educação dos filhos, nos deveres de mútua assistência e de assistência moral e material aos filhos, a possibilidade da guarda compartilhada, entre outros.
A constituição Federal consagra o princípio da igualdade entre homens e mulheres nas relações familiares no art. 226, parágrafos 3º e 5º. Além disso, o art. 1º do Código Civil utiliza o termo “pessoa”, não mais “homem” como fazia o código revogado de 1916, não mais admitindo qualquer forma de discriminação de sexo. De se mencionar, ainda, o disposto no art. 1.511, que estatui que o casamento estabelece comunhão plena de vida entre homem e mulher, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.
Outrossim, como decorrência do princípio da igualdade entre cônjuges e companheiros, temos ainda as disposições legais que estabelecem a igualdade na chefia familiar, prevista nos arts. 226, § 5º, e 227, § 7º, da Carta Magna e arts. 1.566, III e IV, 1.631 e 1.634 do Código
Civil.
6 O princípio da autonomia e da menor intervenção estatal
Considerando que são prevalentes os interesses da sociedade e do Estado na proteção da família, uma das grandes questões com a qual nos deparamos hoje no Direito de Família é sobre o limite entre o público e o privado, isto é, sobre a inserção, ou não, das regras que disciplinam e regem as relações de família no Direito Civil como ramo do Direito Privado. [3]
A Constituição Federal prevê a liberdade de planejamento familiar. Ademais, o Código Civil atual, em seu artigo 1.513, estabelece ser defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família.
Assim, são os integrantes da família que estabelecem as regras próprias de sua convivência, bem como, o planejamento familiar, dentro de uma sociedade democrática.
Rodrigo da Cunha Pereira[4] afirma, com razão, que a aplicabilidade deste princípio “vincula-se à questão da autonomia privada, que vai muito além do direito patrimonial, e tornou-se, na contemporaneidade, uma das questões mais relevantes. Ela nos traz de volta, como se disse, a séria discussão dos limites entre o público e o privado”.
Sabemos que o Estado ainda interfere em questões que não mais deveria intervir, como por exemplo, ao estabelecer a obrigatoriedade do regime da separação de bens para pessoas acima de sessenta anos ou, ainda, como acentua Eduardo Oliveira Leite[5], quando o código mantém vivas as idéias de separação-sanção e separação-remédio, obrigando os cônjuges a revelar um a intimidade do outro.
Conforme asseveram Valéria Silva Galdino e Maíra de Paula Barreto[6] “o direito de família moderno caminha para a priorização do direito da
personalidade à intimidade e a violação ao princípio da autonomia e da menor intervenção estatal ainda é recorrente”.
7 O princípio da pluralidade das formas de família
A Constituição trouxe, além de novos preceitos para as famílias, princípios norteadores e determinantes para todas as formas de família. Foram positivadas as várias espécies de família, notadamente a família conjugal (estabelecida a partir de uma relação afetiva), a família parental (entidade familiar que se forma por um grupamento de pessoas unidas pelos laços de parentesco biológico ou socioafetivo), que inclui a família monoparental, formada por qualquer dos pais e seus descendentes, bem como as comunidades compostas por irmãos que não convivem com os pais e também aquelas compostas por avós e respectivos netos. Podemos citar, ainda as famílias reconstruídasreconstituídas, binucleares famílias “mosaico”, usualmente formadas pelo par e os filhos advindos de relações conjugais anteriores, surgindo assim as figuras do padrasto e da madrasta[7].
Cumpre mencionar, ainda, os single, ou seja, solteiros, viúvos ou separados/divorciados sem filhos, ou os que já constituíram outras famílias,
celibatários, etc..
Portanto, hoje o casamento não é a única forma de constituição e reconhecimento da família brasileira, vez que foram legitimadas todas as formas de família. Neste sentido, Rui Geraldo Camargo Viana[8] afirma que a evolução operada no conceito de família “retirou a primazia da
família legítima, cujo termo agora de aparenta impróprio, na medida em que, reconhecidas, as outras entidades familiares também gozam de legitimidade, daí que a apelidada família legítima melhor se identificará como família matrimonial”.
Esta é a nova ótica da família.
8 O princípio da afetividade
Sérgio Resende de Barros[9] define afeto familiar como:
“…um afeto que enlaça e comunica as pessoas, mesmo quando estejam distantes no tempo e no espaço, por uma solidariedade íntima e fundamental de suas vidas – de vivência, convivência e sobrevivência – quanto aos fins e meios de existência, subsistência e persistência de cada um e do todo que formam”.
Paulo Luiz Netto Lôbo[10] identifica como elementos definidores de um núcleo familiar, além da afetividade, a ostensibilidade e a estabilidade. A afetividade é fundamento e finalidade da família, com desconsideração do “móvel econômico”; a estabilidade implica em comunhão de vida e, simultaneamente, exclui relacionamentos casuais, sem compromisso; já a ostensibilidade pressupõe uma entidade familiar reconhecida pela sociedade enquanto tal, que assim se apresente publicamente.
Estes princípios devem ser levados em conta ao estudamos todos os institutos relativos ao Direito de Família e devem, inclusive, sobrepor-se ao direito infraconstitucional.
O afeto é princípio basilar das relações familiares. Onde há afeto, há família. Não há família sem amor, sem afeto. A família funda-se no afeto, formando uma comunhão de vida, que consiste em seu elemento central.
A Família hoje é entendida como um núcleo essencial no que diz respeito às relações sociais. Os familiares, enquanto sujeitos de direitos e obrigações, possuem o escopo de respeito à personalidade e individualidade de cada membro familiar.
Afeto, hoje, é elemento imprescindível à família. Deve o Estado, por conseguinte, envidar seus melhores esforços para proteger as relações afetivas, assegurando a dignidade de seus membros, o respeito à igualdade e às diferenças.
O princípio jurídico da afetividade é norteador das relações familiares, que são fruto do afeto.
Pietro Perlingieri[11] assevera que a família, enquanto formação social pode ser entendida como o local ou instituição onde se forma a pessoa humana:
“A família é valor constitucionalmente garantido nos limites de sua conformação e de não contraditoriedade aos valores que caracterizam as relações civis, especialmente a dignidade humana: ainda que diversas possam ser as suas modalidades de organização, ela é finalizada à educação e à promoção daqueles que a ela pertencem.
O merecimento de tutela da família não diz respeito exclusivamente às relações de sangue, mas, sobretudo, àquelas afetivas, que se traduzem em uma comunhão espiritual e de vida.”
Destarte, são as relações afetivas, e não necessariamente as relações de sangue, que traduzem a família moderna”.

[1] ANDRADE, André. Os alimentos como expressão da solidariedade constitucional. Artigo disponível no site http://www.webartigos.com/articles/5837/1/os-alimentos-como-expressao-da-solidariedade-constitucional/pagina1.html. Acesso em 21/05/08.
[2] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios gerais e norteadores para a organização jurídica da família. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Paraná. 2004, p. 76

[3] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios gerais e norteadores para a organização jurídica da família. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Paraná. 2004, p. 108.
[4] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Op. cit., p. 154.
[5] LEITE, Eduardo de Oliveira. Os sete pecados capitais do novo direito de famíliaIn Revista dos Tribunais, ano 94, vol. 833, março de 2005., p. 73.
[6] GALDINO, Valéria Silva e BARRETO, Maíra de Paula. Os princípios gerais de direito, os princípios de direito de família e os direitos da personalidade. Anais do XVI Congresso Nacional do CONPEDI – BH, disponível no site conpedi.org/manaus////arquivos/anais/bh/maira_de_paula_barreto.pdf. Acesso em 31 Maio 2008. P. 2873
[7] Op. Cit., p. 124.
[8] VIANA, Rui Geraldo Camargo. NERY, Rosa Maria de Andrade (Org.). Temas atuais de direito civil na Constituição Federal. São Paulo: RT, 2000, p. 27-8.
[9] BARROS, Sérgio Resende de. A ideologia do afeto. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, IBDFAM, v. 4, n. 14, p. 9, jul./set. 2002.
[10] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. In: CUNHA PEREIRA, Rodrigo da
(Coord.). Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família – Família e cidadania – O novo CÓDIGO CIVILB e a vacatio legis. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 91.
[11] PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. Tradução de Maria Cristina De Cicco. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 243.


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