“Família e Estado
ANDRÉ GONÇALVES FERNANDES - Juiz de Direito
I - Família e Estado: modernidade
Os estudiosos da ciências humanas coincidem no mesmo
diagnóstico atual da sociedade: um paciente que passa por uma crise de sentido
e que reflete, em parte, o mal do homem moderno, a depressão. O discurso da
modernidade esclarecida representou um longo salto para a promoção da ciência e
da tecnologia. Contudo, foi pouco capaz de proporcionar um crescimento profundo
do ser humano como pessoa.
Uma das razões desta crise estrutural está na polarização
que a modernidade criou entre indivíduo e Estado. Certamente, a vida humana é
marcada por uma tensão dialética entre sua dimensão pessoal e sua dimensão
social, mas tensão não significa necessariamente alienação ou mesmo oposição.
Supõe uma harmonia íntima reforçada mutuamente, pois somente
por meio da relação com os outros, a reciprocidade e o exercício do diálogo com
nossos semelhantes a pessoa desenvolve todas as suas potencialidades e pode
responder à sua vocação natural.
Com efeito, um novo paradigma social deve evitar as
patologias de um individualismo institucionalizado, que tende a reduzir a
pessoa nas dimensões econômica e política. Resulta urgente promover iniciativas
que fortaleçam o tecido social e impeçam o império da mercantilização das
interações sociais ou mesmo de uma vazia politização social.
Por ocasião da comemoração do centenário da encíclica Rerum
novarum, João Paulo II lembrou-nos de que "o indivíduo é hoje muitas vezes
sufocado entre os dois pólos do Estado e do mercado. De fato, às vezes, parece
que ele existe apenas como produtor e consumidor de mercadorias ou como objeto
da administração do Estado, esquecendo que a coexistência dos homens não tem
como fim nem o mercado nem o Estado, já que a pessoa tem em sim mesma um valor
singular, a cujo serviço devem estar o Estado e o mercado (in Enc. Centesimus
Annus,1991, n. 49)”.
O banimento das esferas de sentido humano, fruto próprio da
extremada racionalização da vida contemporânea, aumenta a entropia do sistema
social, cuja legitimidade vai sendo constantemente questionada, em razão do
esfacelamento do consenso social (con-senso: sentir com os outros) nas áreas
vitais. Como reação, estes âmbitos tendem a dobrar sobre si mesmos e a
autorreferencialidade dos sistemas sociais passa a refletir a
autorreferencialidade dos indivíduos.
Daí a oportunidade de assegurar contínuos e flexíveis
intercâmbios entre “o sistema (político e econômico) e o mundo da vida”, na
linguagem de Habermas. O desengate havido entre sistema e mundo da vida criou
uma falsa contraposição entre a tese pública do bem comum e a antítese privada
do bem pessoal que, na prática, resulta numa confusa síntese entre conformidade
estática (perfil do cidadão brasileiro) e alienação hedonista (perfil de
celebridade social).
Creio que o “reacoplamento” das duas esferas, sistema e
mundo da vida, poderia ser feito pela adoção da esfera social como espaço para
uma gestão livre e solidária, fruto da criatividade das organizações
intermediárias autônomas e com reconhecimento público pela burocracia estatal.
Logo, o sistema deve favorecer, na prática, tais grupos sociais, pois estão em
condições de alcançar metas que transcendem os interesses setoriais e de
desenvolver objetivos comunitários de envergadura universal.
Por meio destes canais sócio-culturais, o sistema passaria a
ser um grande delta que, alimentado pelo leito das águas sociais, acumularia os
ricos sedimentos das ações do mundo da vida, que sempre estimulam uma maior
abertura dos indivíduos para a vida social. O núcleo dessas iniciativas repousa
sobre o conceito clássico de amizade social e sua importância reside na atenção
conferida aos dados pré-políticos e pré-econômicos da vida cotidiana, como a
educação familiar, ajudando no resgate das fibras do esfacelado tecido social.
Além das agências de solidariedade secundárias, como as
organizações não-governamentais, mais importante ainda, para o fomento da
amizade social, são os grupos de solidariedade primários, onde a família,
notória vítima das ideologias modernas, tem o principal destaque: é fonte
radical de sociabilidade e de mediação humana cheia de sentido.
É necessário, assim, sublinhar a “subjetividade” da família.
Porque a pessoa é um sujeito e assim também é a família, por estar constituída
por pessoas que, unidas por um laço profundo de comunhão, formam um único
sujeito comunitário. Além disso, a família precede outras instituições, como a
própria sociedade e mesmo uma nação, os quais gozam de uma subjetividade
peculiar na medida em que a recebem das pessoas e de suas famílias.
II - Família e Estado: vida social
A família é o único ente social presente constantemente em
todas as civilizações. As ciências humanas já mostraram que este ente está
fadado a transformar o ser humano em todas suas dimensões, a par da evidência
de que, nesta missão, seu papel é insubstituível.
Não se estranha porque a filosofia, desde seus primórdios,
tenha dedicado várias linhas à importância social da vida doméstica. Cícero (in
De Officiis, 1, 17, 54), por exemplo, chamava-a de principium urbis et quasi
seminarium rei publicae, princípio contido também, em versão moderna, na
Declaração Universal dos Direitos do Homem (art.16, 3 – A família é o elemento
natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção desta e do Estado).
Por ser a base da sociedade, daí decorre o fato de que o bom
funcionamento da sociedade deriva, em grande parte, de uma praxis familiar
adequada: a família é a cátedra do humanismo mais rico e a primeira escola das
virtudes sociais, os quais são a alma vital do desenvolvimento da mesma
sociedade.
No lar familiar, pode-se aprender (ou não) os princípios da
solidariedade, do serviço mútuo e desinteressado, a lealdade, a honra, além de
se poder conhecer, desde cedo, o frágil equilíbrio das relações humanas, sobretudo
quando envolvidas em responsabilidades comunitárias.
Os reflexos da família na vida social são tão grandes que a
política, a economia, as leis e a cultura devem sempre zelar por um constante e
amplo trabalho institucional destinado a assegurar à família seu papel de lugar
primário de humanização da sociedade e de protagonista ativa do crescimento
social. Deste modo, a família poderá exigir, sobretudo das autoridades
públicas, o respeito aos direitos que, salvando a família, salvam a mesma
sociedade.
Estudiosos do nascimento e declínio das civilizações, como
Sorokin e Dawson, mostram justamente que a vida de uma cultura está em íntima
conexão com a evolução dos valores familiares. Aristóteles já descrevia a
família como um comunidade instituída pela natureza para o cuidado das
necessidades que se apresentam na vida cotidiana (in Política, 1, 2, 1252 b
13-17).
E não só aquelas mais imediatas, como o sustento material,
mas outras tão importantes quanto: a educação, o trabalho, a cultura, o amor ao
bom, ao belo e ao verdadeiro, o respeito ao outro. Consequentemente, a
instituição familiar deve ser tratada como fundamental e essencial na
realização de uma autêntica comunidade social.
Com efeito, a íntima sinergia entre as duas sociedades
naturais, a família e a coletividade social, resulta evidente. É um círculo
virtuoso (ou não) entre a prosperidade da família e a prosperidade da
sociedade. Para que a família cumpra seus propósitos, é necessário um efetivo
apoio da sociedade e, para que a sociedade funcione como esperado, requer-se o
desenvolvimento de uma vida familiar correta.
Enfatizar a responsabilidade do Estado para com a família
não importa concluir que esta deva permanecer deitada em berço esplêndido, a
ponto de abandonar seus deveres políticos. Pelo contrário, o fato de que a
sociedade tenha a obrigação de fomentar uma sã vida familiar demanda um maior e
constante empenho da família para exigir seus direitos, a fim de se fazer
ativamente presente em todos as esferas da vida social.
III - Família e Estado: direitos
Desde as primeiras teorias sobre o estado, o papel
sócio-político da família sempre teve uma posição destacada, diante do mútuo
vínculo entre a vida doméstica e a vida social. Com efeito, uma comunidade
acaba por institucionalizar aquele rol de realidades que considera
verdadeiramente importantes. Por isso, o modo de se governar a família pode
demonstrar o valor que a sociedade lhe confere
Na dinâmica da realidade, a legislação e as instituições
sociais (políticas, econômicas, culturais, religiosas) têm um grande influxo
para o desenvolvimento da instituição familiar. Elas constituem uma pedra de
toque para o reconhecimento das profundas intenções estatais e sua efetiva
aceitação e aplicação dos direitos humanos.
Uma sociedade que não fomenta os direitos elementares da
família, dificilmente assegura o respeito aos direitos fundamentais do
indivíduo. Todos os projetos políticos, teóricos ou práticos, que puseram
obstáculos intransponíveis para a família, como o comunismo e o nazismo,
acabaram por negar o valor do ser humano como ente único e irrepetível, ou
seja, como pessoa.
Na experiência de reengenharia social mais longa e
traumática do século XX, o comunismo entendia que a família nascia com a
propriedade privada capitalista, como instituição social monogâmica e como
reflexo, em menor escala, da luta de classes (burguesia x proletariado).
Abolido o capitalismo, a família desapareceria, porquanto seria um mero reflexo
histórico de uma época em que o interesse particular era preponderante.
O nazismo afastava as crianças das famílias desde cedo para
o trabalho de doutrinação teórica e prática, processo esse que culminava com o
alistamento nas forças armadas ou nas frentes de trabalho, quando a criança já
havia se transformado num adulto acabado. Vista a pessoa como um ser coletivo,
a pobreza antropológica de ambos experimentos foi de uma evidência empírica sem
precedentes, comparável apenas ao número de cadáveres que cada um deles
produziu.
Assim, um importante dever dos governos é, em sentido
negativo, evitar tudo aquilo que degrade a genuína identidade familiar e, em
sentido positivo, fomentar tudo que possa garanti-la e favorecê-la. E tais
posturas supõem legislar e estabelecer instituições que salvaguardem os valores
familiares: respeito à vida nascente, liberdade de educação dos filhos,
promoção da intimidade e da convivência familiar, mas, principalmente, a
eleição de instrumentos que favoreçam o desenvolvimento destes valores.
A par disso, a chancela jurídica, cultural e prática dos
direitos da família reforça a atuação governamental no cumprimento das
obrigações estatais. Tais direitos derivam da natureza própria da entidade
familiar e, em razão disso, não podem ser condicionados pelos poderes políticos
ou econômicos que, no mais, têm o dever de reconhecê-los e tutelá-los.
Essa afirmação decorre do fato de que o homem não é ele
mesmo senão em seu meio social, onde a família tem um função primordial. E
família, em seu sentido mais profundo e real, não define qualquer ajuntamento
de pessoas, mas decorre da união entre homem e mulher, monogâmica e estável.
Em suma, a família natural, tal como concebida por
Aristóteles e entendida por Agostinho como uma estrutura antropológica
objetiva, de sorte que seja o ponto existencial em que coincidem distintas
gerações que se auxiliam mutuamente a fim de se alcançar uma plena realização
humana e harmonizar os direitos das pessoas com as exigências da vida social.
Se os abusos cometidos pelos totalitarismos do século XX
foram evidentes, não menos graves e nocivos para a vida doméstica são os
desvios sutis e esfumaçados das democracias modernas, quando não afirmam estes
direitos na prática cotidiana
O reconhecimento e o desempenho desses direitos exige um
esforço contínuo de todos os indivíduos da sociedade, especialmente do braço
estatal e das próprias famílias, que ganham mais força institucional se atuam
por meio de associações intermediárias.
Como é notório, o sedimento dos valores requer uma formação
de um conjunto de atitudes intelectuais e morais, de molde a permear todas as
realidades humanas, como o lar, a escola, a cultura, a política e a economia.
Ninguém, independentemente de sua posição social, pode ser dispensado de tal
esforço.
IV – Família e Estado: escola
Entre os deveres próprios dos pais, um dos primordiais é a
educação dos filhos. A importância da família na formação da pessoa vem de
longa data: as escrituras, os textos dos primeiros padres que fizeram a paideia
cristã, síntese entre a paideia grega e os ensinamentos evangélicos, as obras
pedagógicas clássicas e numerosos estudos psico-sociológicos.
Esta influência
deriva de sua própria natureza. O elemento mais íntimo e fundamental da tarefa
educativa dos pais está no amor materno e paterno, posto ao serviço dos filhos
para auferir deles o melhor de si mesmos, de maneira a alcançar a própria
plenitude como pessoa.
Por isso, o amor deve guiar todo o projeto pedagógico da
família, cujo objetivo deve ser o aprimoramento da pessoa humana na perspectiva
de sua finalidade última, de seu bem-estar temporal e de sua contribuição para
a vida social. Os pais são, portanto, os primeiros responsáveis pela educação
dos filhos em ordem de tempo e de importância.
Conta-nos um santo de nossos dias que os pais são os
principais educadores de seus filhos, tanto na dimensão humana quanto na
espiritual e hão de sentir a responsabilidade dessa missão, que exige deles
compreensão, prudência, saber ensinar e, sobretudo, saber querer. E devem se
empenhar para dar bom exemplo. Não é caminho certo para a educação a imposição
autoritária e violenta. O ideal dos pais concretiza-se mais eficazmente em
chegar a ser amigos de seus filhos: amigos a quem eles podem confiar suas
inquietações e com quem se pode consultar os problemas. Deles se espera um
auxílio sempre eficaz e amável.
Ainda que a família seja a primeira, não é a única
comunidade formadora. Tem a necessidade de outras instituições pedagógicas, o
que não significa que os pais possam renunciar à educação de seus filhos ou
delegá-la por completo, nem em aspectos aparentemente neutros.
É um grave poder-dever que vincula diretamente as famílias e
também a sociedade como um todo. Os pais, como protagonistas da educação dos
filhos, têm o direito fundamental de assumir a tarefa pedagógica
(homeschooling), escolher para eles uma instituição escolar ou um método
pedagógico que corresponda a suas próprias convicções
E, estritamente nesse ponto, convém que o Estado não se
intrometa. Mesmo. Aliás, o melhor que pode fazer é garantir esse direito aos
pais, assegurando as condições reais de seu exercício, ainda mais no âmbito do
ensino privado: educação bilíngue, integral, religiosa, laica, diferenciada,
mista e assim por diante. E fiscalizar o cumprimento das diretrizes de base da
educação e a observância das normas administrativas.
A escola surgiu
historicamente como uma instituição subsidiária e complementar da família.
Logo, a missão da escola é ajudar a família e não substituí-la. Não podemos
esquecer que a formação recebida na escola tem uma influência decisiva sobre as
opções que vão forjando a vida das pessoas e não só as de cunho profissional.
Daí decorre a responsabilidade dos pais em escolher
cuidadosamente uma instituição escolar que fomente o cultivo do saber, mas
também os valores transmitidos no seio do lar familiar. Além disso, os pais têm
o direito de erigir instituições de formação geral e profissional para os seus
filhos, onde seja ministrada uma educação segundo um dado método pedagógico, de
forma a atender seus justos anseios.
As autoridades civis têm a obrigação de garantir e as
famílias o dever de exigir uma autêntica liberdade de ensino, como efeito da
liberdade dos cidadãos e das organizações intermediárias. E deve ser visto,
como uma injustiça flagrante, a falta de apoio institucional, legal e financeiro (pela renúncia fiscal) por parte
do Estado.
Neste assunto, o papel do Estado é secundário: sua função é
a de assegurar, proteger, promover e suprir. Quando o Estado reivindica o
monopólio educacional, viola a justiça e o aprendizado torna-se ensino de
cartilha ideológica. O Estado não pode, sem cometer iniquidade, apenas tolerar
as chamadas escolas privadas. Elas prestam um serviço público e, portanto, têm
o direito de serem ajudadas institucionalmente. E sempre coadjuvando a família.
V – Família e Estado: dimensões
A função econômica da família decorre da própria origem
etimológica da palavra “economia”, que deriva do grego oikós, que significa
casa, no sentido de lar ou de família. Com efeito, a economia primitiva estava
intimamente condicionada pelas necessidades da vida doméstica.
Antes da revolução industrial, a família funcionava como uma
unidade econômica em sentido estrito. Era uma pequena linha de produção e,
concomitantemente, um pequeno mercado consumidor. Depois disso e, atualmente,
com a divisão social do trabalho, iniciada pelo capitalismo e desenvolvida pelo
marxismo, o papel econômico do lar passou a assumir outras dimensões.
Mas não desapareceu. Nos países de economia agrária e mesmo
nos rincões do país, a célula produtiva ainda existe: o exemplo demográfico
chinês de opção pelo sexo masculino. Em países desenvolvidos, grande parte da
renda, poupança, consumo e investimento é alimentada por meio das relações
familiares. Na Itália, uma parcela considerável do produto interno bruto é
proveniente dos negócios das “famílias” mafiosas...
Essas evidências empíricas demonstram a delicada
reciprocidade entre economia e família que requer, da parte das autoridades
políticas e econômicas, as adequadas medidas para que tal conexão favoreça cada
vez mais o crescimento da família e, indiretamente, das pessoas que as compõem.
Certa vez, ouvi de um conferencista, num seminário sobre
ética empresarial, que as balizas legais devem assinalar princípios, critérios
e diretrizes éticas para a vida econômico-social, insistindo nas inúmeras
obrigações e responsabilidades da empresa em relação ao conjunto das famílias:
delineamentos sobre o salário justo, a duração e a flexibilidade da jornada de
trabalho, o descanso semanal remunerado, a necessidade de revalorização da
maternidade, o desemprego estrutural, a responsabilidade patronal e sindical
pelo aprimoramento do trabalhador, entre outros temas.
A família tambem guarda um mútua e particular relação de
dependência com o trabalho profissional. Este é normalmente o fundamento sobre
o qual se assenta a família e a condição que torna possível a constituição de
um lar, pela aplicação dos meios de subsistência obtidos com o suor do
trabalho. Afinal, Deus não paga as contas no final do mês...
Não menos importante para a aquisição de bens e de serviços,
o trabalho e a laboriosidade são um excelente meio pedagógico familiar,
constituindo-se num sólido e concreto caminho para se crescer em humanidade e
na virtude.
Por isso, muitos pensadores recordam e afirmam que a família
constitui um dos pontos de referência mais importantes, em torno do qual deve
organizar-se a ordem social e ética do trabalho humano, pois o lar doméstico é
uma comunidade feita possível graças ao trabalho e a primeira escola de
laboriosidade para todo homem.
A família também está entrelaçada na questão demográfica.
Não é segredo, salvo para os jejunos da vida, que os projetos demográficos
carregam consigo uma grande carga ideológica. Desde criança, ouço que o mundo
vai explodir demograficamente, que os celeiros do mundo vão se esgotar, que a
água doce não vai suportar tanta gente...enfim, toda uma cantilena que não se
sustenta depois de submetida ao crivo da reta razão.
Hoje, o cenário é bem diferente. O mundo aumentou para sete
bilhões de pessoas e não foi o apocalipse; a água não evaporou e criou-se uma
consciência racional de seu uso; os países exportadores de commodities
continuam batendo recordes de produção agrícola e existe uma mentalidade
ecológica no uso dos recursos naturais.
Enfim, a discrepância entre as razões “públicas” e as razões
“secretas” da questão demográfica, agravada pelo “ecologismo” militante do ex
vice-presidente americano Al Gore, deve ser superada pela apresentação do tema,
por parte das autoridades públicas, de maneira mais transparente.
E sem fatalismos, de forma que se conheça a verdadeira
articulação que existe entre crescimento demográfico, alimentos e recursos
naturais, na defesa da dignidade da pessoa humana (não entendida como um número
ou uma cifra), salvaguardando-se a liberdade conjugal na decisão sobre o número
de filhos e pelo implemento de uma política familiar que colabore com o
desenvolvimento da pessoa, fincada nos princípios da paternidade responsável,
da solidariedade e da subsidiariedade.
A vitalidade da pessoa e da sociedade humana estão
estreitamente ligadas à prosperidade da comunidade conjugal e familiar. E, como
compete ao Estado o crescimento do bem comum, há que se tutelar as várias
dimensões da família, sem realizar ingerências impróprias ou invasivas, pois um
Estado que faz mais do que pode, não faz o que deve. Com respeito à
divergência, é o que penso”.
Autor: André Gonçalves Fernandes é juiz de Direito e
professor do Instituto Internacional de Ciências Sociais
Acesso: 07/06/2014