“O princípio da proporcionalidade no direito constitucional e
administrativo da Alemanha
Heinrich Scholler Professor
Emérito de Direito Constitucional, Administrativo e Filosofia do Direito da
Universidade de Munique, Alemanha
Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet
(tradutor)
Professor de Direito
Constitucional na Faculdade de Direito
(Graduação e Mestrado) da PUC/RS e na Escola Superior da Magistratura da
AJURIS
Juiz de Direito no RS (Publicado na Interesse Público nº 2, p. 93)
Nota do tradutor: O presente
artigo resultou da tradução, com algumas adaptações na configuração final do
texto, de uma palestra proferida pelo Prof. Dr. Heinrich Scholler, em 20.11.98,
no Curso de Aperfeiçoamento em Direito Público Comparado, realizado no
auditório da Justiça Federal de Porto Alegre (co-promoção da Escola Superior da
Magistratura da AJURIS, Escola Superior do Ministério Público, Escola da
Magistratura Federal, Escola Superior de Direito Municipal e Fundação Pedro
Jorge de Mello da PGR). As referências bibliográficas e jurisprudenciais foram
fiéis ao material fornecido pelo conferencista. Registre-se, neste contexto,
que a expressão "Rdnr.", utilizada nas notas de rodapé, substitui a
indicação da página, podendo ser traduzida, num sentido literal, como nota de
margem, critério predominantemente adotado na Alemanha.
1 - GENERALIDADES: O
DESENVOLVIMENTO DA IDÉIA DA VINCULAÇÃO DO LEGISLADOR
Quando se fala do princípio da
proporcionalidade no direito constitucional e administrativo da Alemanha,
poder-se-ia imaginar que este princípio originou-se no direito constitucional,
tendo sido transposto para o direito administrativo pelo caminho da hierarquia
normativa, agregado ao princípio da supremacia da Constituição. Do ponto de
vista histórico, contudo, não é este o caso. O princípio da proporcionalidade
desenvolveu-se, originariamente, no âmbito do direito administrativo, mais
especificamente, das normas sobre o poder de polícia e seus limites, evolução
que já remonta ao Século XIX.
Na esfera
jurídico-constitucional, onde o princípio implica uma vinculação do legislador,
acabou alcançando reconhecimento doutrinário e jurisprudencial apenas com a
vigência da atual Lei Fundamental da Alemanha, isto é, após 1949. Esta linha
evolutiva, do direito administrativo para o constitucional, encontra
explicação na circunstância de que,
inicialmente, com base na idéia da soberania popular, o legislador era tido
como juridicamente ilimitado. Esta concepção tinha validade geral e encontrou
sua expressão mais significativa no princípio britânico, de acordo com o qual o
Parlamento pode fazer tudo, menos transformar um homem numa mulher e uma mulher
num homem ("The Parliament can do anything, but not change a man into a
woman or a woman into a man"). Isto significava que apenas a lei natural
poderia limitar o soberano, isto é, o legislador democraticamente eleito.
Enquanto o legislador atuava nos limites de suas competências constitucionais,
inexistia qualquer vinculação. O postulado de que a lei é genérica e abstrata,
valendo para todos, não traduzia, em verdade, a idéia de vinculação do
legislador, mas integrava a própria definição de lei.
Que a própria noção de
generalidade da lei não tinha validade universal, restou demonstrado pela
discussão posterior em torno das assim denominadas leis-medida
(Massnahmegesetze), consideradas como tais as leis que se aplicam a determinado
número de pessoas (leis individuais), a determinado número de casos ou conjunto
de situações fáticas, ou mesmo com sua vigência temporalmente limitada.50 Uma
vinculação jurídica do legislador apenas teve condições de se desenvolver a
partir da trágica experiência histórica vivenciada pela humanidade sob o signo
dos regimes totalitários e da II Guerra Mundial, quando os juristas se deram
conta de que existem leis injustas. Neste contexto, cumpre referir a literatura
da época de Weimar, onde já se sustentava a vinculação do legislador ao
princípio da isonomia, mas especialmente os escritos de GUSTAV RADBRUCH
publicados depois de 1945, como no seu famoso ensaio sobre o direito supralegal
e as leis injustas.51 De acordo com esta
concepção, a legislação formalmente
perfeita e editada conforme as regras procedimentais previstas no ordenamento
jurídico poderia estar em tamanha contradição com a idéia de justiça que
perderia completamente a sua vinculatividade.
O seguinte exemplo, extraído da
jurisprudência do Tribunal Federal Constitucional da Alemanha, bem traduz a
problemática. No caso concreto, tratava-se de dois apenados, ambos condenados a
penas relativamente longas de reclusão. Um deles era ateu e não-fumante; o
outro, católico e fumante. O ateu prometeu ao colega católico que lhe daria a
metade de sua porção diária de cigarros, pelo restante do tempo da pena, caso
deixasse a Igreja, o que acabou acontecendo. Quando do exame da possibilidade
de concessão do livramento condicional, este foi negado ao apenado ateu e
não-fumante, sob o argumento de que - ao convencer o seu colega fumante e
católico a retirar-se da Igreja e renunciar ao seu credo - teria lançado mão de
um meio indevido (verwerfliches Mittel), chegando-se à conclusão de que não se
comportara de acordo com as exigências da lei sobre o livramento condicional. É
de se perguntar, neste contexto, se a negativa da autoridade responsável pela
execução da pena atentou contra o princípio da proporcionalidade, ou poderia o
apenado ateu ter sido mantido preso, sob a justificativa de que o seu
comportamente ofendeu a moral e os bons costumes, sendo proporcional a
negativa.52
Se neste primeiro exemplo
cuidava-se de analisar a conduta da administração à luz do princípio da
isonomia e da proporcionalidade, num outro caso, igualmente apreciado pelo
Tribunal Federal Constitucional, a problemática dizia diretamente com a
vinculação do legislador. Se o legislador tiver autorizado a retirada de
líquido da coluna do suposto autor de um delito, por um médico, para o
estabelecimento da responsabilidade criminal, e se esta lei for aplicada mesmo aos assim denominados crimes de
bagatela, então poder-se-á admitir a
existência de uma ofensa ao princípio da proporcionalidade, na medida em que
esta disposição legal não se revela como adequada e necessária à prevenção e
repressão de delitos de pequeno potencial ofensivo, notadamente no âmbito da
legislação de trânsito.53
2 - DA RESERVA LEGAL À RESERVA DA
LEI PROPORCIONAL
Até o advento da Lei Fundamental,
ao tempo da Constituição de Weimar (1919), advogava-se majoritariamente a idéia
de que os direitos fundamentais eram assegurados e valiam na medida das leis.
Sustentava-se, ainda, que o catálogo dos direitos fundamentais da Constituição
de Weimar nada mais representava do que especialização e concretização
constitucional do princípio da legalidade da administração. Por especialização,
compreendia-se a especial dimensão da vinculação da administração,
relativamente a determinadas situações e âmbitos da vida, tais como a liberdade
de imprensa e comunicação, a esfera religiosa, a propriedade, da liberdade
pessoal, etc. Apenas com o artigo 1º, inc. III, da Lei Fundamental de 1949, é
que tanto a administração quanto o legislador e os órgãos judicantes passaram a
ser objeto de vinculação à Constituição e, de modo especial, aos direitos
fundamentais nela consagrados. O
dispositivo citado representou, pois, uma radical mudança no âmbito do
pensamento jurídico-constitucional e na própria concepção dos direitos fundamentais,
já que o próprio legislador passou a ter sua atuação aferida a partir do
parâmetro representado pelos direitos fundamentais constitucionalmente
assegurados.54
Outros denominaram esta
transformação como significando uma evolução do princípio da "reserva de
lei" (Vorbehalt des Gesetzes) para o princípio da "reserva da lei
proporcional" (Vorbehalt des verhältnismässigen Gesetzes).55 De acordo com
o tradicional princípio da reserva de lei (ou reserva legal), quer se
reproduzir a idéia da legalidade da administração, de acordo com a qual o ato
administrativo que imponha alguma restrição ou ônus ao particular depende, para
sua validade, de um fundamento legal. De uma reserva de lei especial, fala-se
quando - como na hipótese do art. 104 da Lei Fundamental - necessita-se de um
ato legislativo formal, isto é, emanado do Parlamento. De regra, contudo, o
princípio da reserva de lei significa apenas a indispensabilidade de uma lei no
sentido material, isto é, que basta a existência de um decreto ou regulamento
como fundamento para um ato administrativo. Percebe-se, desde logo, que a
reserva da lei proporcional poderá significar tanto uma reserva da lei
proporcional no sentido formal, quanto no sentido material.
Importa consignar, nesta quadra
da exposição, que da reserva legal dos direitos fundamentais resultam os
limites da atuação do legislador, isto é, em que medida poderá o legislador
buscar a concretização de determinados fins que justifiquem uma restrição no
âmbito de proteção dos direitos fundamentais
e, de outra parte, em que medida
poderá utilizar a lei como meio de alcançar os fins almejados. É por esta razão
que se costuma falar de uma relação entre os meios e os fins como integrando o
princípio da proporcionalidade. Assim,
por exemplo, admite-se que a lei sirva de meio para determinar o afastamento de
uma criança de seus pais, de acordo com o art. 6º, inc. III, da Lei
Fundamental, quando a criança estiver abandonada e/ou submetida a maus-tratos
ou na iminência de ser abandonada. Da mesma forma, poderão ser estabelecidas
restrições legislativas ao sigilo da correspondência e das comunicações (art.
10, inc. II, da Lei Fundamental), quando se cuida de resguardar e proteger a
ordem livre e democrática.56
O Tribunal Federal
Constitucional, a partir da idéia de uma relação entre os fins e os meios,
sempre acentuou que a natureza da vinculação do legislador justamente se
caracteriza pelo fato de que ele se encontra sujeito ao controle do Tribunal no
que diz com a observância do princípio da proporcionalidade. O princípio da
reserva legal autoriza o Tribunal Constitucional a afastar atos administrativos
que carecem de base legal, assim como a eliminar diretamente as leis que, em
face de sua indeterminação e falta de clareza, ofendem o princípio do Estado de
Direito, no que diz com as exigências de clareza normativa e proporcionalidade.
No momento em que se reconheceu o princípio da reserva legal como sendo o da
reserva da lei proporcional, passou a ser admitida a possibilidade de
impugnação e eliminação não apenas das medidas administrativas desproporcionais,
mas também das leis que, ofensivas à relação entre os meios e os fins,
estabelecem restrições aos direitos fundamentais.
3 - CONTEÚDO DO PRINCÍPIO DA
PROPORCIONALIDADE
A sedes materiae do princípio da
proporcionalidade encontra-se no princípio do Estado de Direito, o qual - na
condição de princípio constitucional fundamental - vincula o legislador, na
medida em que serve de fundamento para o princípio da reserva de lei
proporcional.57 Uma supervalorização do princípio da proporcionalidade, por sua
vez, encontra limites no princípio da isonomia, de tal sorte que ambos
(princípio da proporcionalidade e da igualdade de tratamento) devem ser
aplicados de forma simultânea e harmônica.
A jurisprudência acabou por
desenvolver o conteúdo do princípio da proporcionalidade em três níveis: a lei,
para corresponder ao princípio da reserva da lei proporcional, deverá ser
simultaneamente adequada (geeignet), necessária (notwendig) e razoável
(angemessen). Os requisitos da adequação e da necessidade significam, em
primeira linha, que o objetivo almejado pelo legislador ou pela administração,
assim como o meio utilizado para tanto, deverão ser, como tais, admitidos, isto
é, que possam ser utilizados. Para além disso, o meio utilizado deverá ser
adequado e necessário.
Desde logo, deverá ser observada
a existência de diferenças significativas no âmbito da relação meios/fins
(Zweck-Mittel) na esfera legislativa e administrativa. Isto poderá ser melhor
detectado à luz do exemplo da liberdade
de comunicação e da proteção da infância e da juventude. Como objetivo
especialmente relevante a ser observado pelo legislador, a Lei Fundamental
estabeleceu a proteção da infância e da juventude (art. 5º, inc. II),
autorizando o legislador a buscar a realização desta finalidade, valendo-se dos
meios adequados e necessários. Entre os meios utilizados e o fim almejado
(proteção dos jovens) deverá existir uma relação de proporcionalidade, o que
também se aplica à administração, no que diz com a sua atividade de estabelecer
medidas protetivas à infância e à juventude, ainda que ofensivas à liberdade de
imprensa ou de comunicação em geral.
A atuação do legislador e da
administração distingue-se, todavia, na medida em que ao legislador é concedido
uma margem de arbítrio bem mais ampla para tomar medidas, inclusive para fazer
frente a situações de risco meramente potencial e hipotético, ao passo que a
administração, em regra, limita-se a zelar pela prevenção e repressão de
ameaças e agressões concretas a determinados bens jurídicos. Assim, ao
legislador basta que tenha avaliado as ameaças abstratamente, com base em
hipóteses confiáveis e plausíveis, para então editar a respectiva norma geral e
abstrata com vistas à prevenção ou à repressão desta ameaça.
No que diz com a diversa
vinculação da administração e do legislador ao princípio da proporcionalidade e
a maior margem de arbítrio do segundo, convém trazer à colação um exemplo
extraído da jurisprudência do Tribunal Federal Administrativo da Alemanha (Bundesverwaltungsgericht).
No caso ora referido, analisou-se a possibilidade de, em Berlim, mediante
exclusão da iniciativa privada,
organizar-se o serviço de atendimento médico emergencial no âmbito
público. Por um lado, dispunha-se do exemplo da Baviera, onde os serviços
privados de salvamento eram utilizados sem maiores problemas. O legislador e a
administração pública berlinense, por sua vez, entenderam que, na hipótese de
uma catástrofe, os serviços privados de salvamento não seriam suficientemente
eficientes. Para o caso de uma
catástrofe de âmbito privado, não existiam situações concretas, tanto de
Berlim, quanto oriundas de outros estados alemães, que pudessem servir de
exemplo. Neste contexto, entendeu-se que o legislador poderia dispor - de
acordo com a decisão do Tribunal Federal Administrativo - de uma larga margem de arbítrio, isto
é, que se deveria partir de uma
presunção favorável quanto à correção de sua apreciação. Na base desta ampla
margem de arbítrio em favor do legislador, situa-se uma espécie de presunção em
prol da confiança nele depositada, notadamente no que diz com a difícil tarefa
de avaliar o complexo nexo empírico existente entre o estado gerado pela
intervenção e o estado correspondente ao da consecução dos fins almejados.58
É justamente a este nexo de
pertinência (Zusammenhang) que se aplicam os critérios da adequação
(Geeignetheit) e da necessidade (Notwendigkeit). Adequação significa que o
estado gerado pelo poder público por meio do ato administrativo ou da lei e o
estado no qual o fim almejado pode ser tido como realizado situam-se num
contexto mediado pela realidade à luz de hipóteses comprovadas. A necessidade,
por sua vez, significa que não existe outro estado que seja menos oneroso para
o particular e que possa ser alcançado pelo poder público com o mesmo esforço
ou, pelo menos, sem um esforço significativamente maior. Também aqui o
legislador e a administração devem basear-se em hipóteses plausíveis e/ou já
comprovadas, que devem estar presentes para que, no âmbito de sua maior ou
menor liberdade de arbítrio, estejam autorizados a tomar as medidas que
julgarem necessárias .
Tomemos um exemplo concreto para
elucidar a problemática da utilização dos critérios da adequação e necessidade.
No combate ao perecimento das florestas, poder-se-á utilizar tanto a redução da
velocidade para os veículos automotores, ou exigir-se a colocação de
catalisadores. Não sendo o custo da colocação posterior de catalisadores muito
elevado, então esta medida provavelmente será a necessária, pois menos onerosa.
Por outro lado, sendo o custo demasadiamente elevado, então poderá cogitar-se
da redução da velocidade como sendo o meio - dentre os adequados (redução da velocidade e colocação de
catalisadores) - menos oneroso e, portanto, necessário. A simples redução do
limite de velocidade, por sua vez, talvez não fosse sequer uma medida adequada,
caso o objetivo a ser alcançado fosse a diminuição das mortes em acidentes de
trânsito, pois neste caso - à semelhança
da cobrança de pedágio nas auto-estradas - o trânsito acabaria sendo desviado
para as rodovias estaduais e locais, onde o risco para os motoristas e demais
usuários é ainda maior. Em ambas as hipóteses, contudo, o legislador dispõe de
ampla margem de arbítrio, caso possa valer-se de hipóteses comprovadas, seja no
que diz com o combate à morte das florestas, seja na diminuição dos acidentes
nas auto-estradas e rodovias federais.
A diferença entre a margem de
discrição do legislador e da administração, no que diz com os critérios da
adequação e da necessidade, isto é, na relação entre fins e meios, revela-se
especialmente quando se constatam dúvidas acerca da correção das hipóteses
utilizadas como referencial. Neste caso, o presunção de confiabilidade,
decorrente da prerrogativa de avaliação do legislador, deve ser considerada
como favorável ao Poder Legislativo.
Diversamente ocorre no caso do Poder Executivo, quando, em existindo
dúvidas relativamente às hipóteses com base nas quais as medidas foram tomadas,
o ônus é da administração, estabelecendo-se uma presunção em favor do
particular.
Um outro aspecto a ser examinado
diz com a relação entre os dois conceitos centrais na aferição da
proporcionalidade, quais sejam, adequação e necessidade.59 A adequação
representa a relação com a realidade empírica e deveria ser aferida em primeiro
lugar, ainda que o critério da necessidade tenha a maior relevância
jurídica. Meios que são adequados podem, mas não precisam ser necessários. Em
contrapartida, meios necessários serão sempre adequados.
Ao lado dos critérios da
adequação e da necessidade dos meios para a consecução dos fins previstos na
Constituição e nas leis, a doutrina e a jurisprudência desenvolveram um
terceiro critério, a assim denominada proporcionalidade em sentido estrito,
também designada de razoabilidade, exigibilidade ou justa medida (Zumutbarkeit
oder Angemessenheit).60 Este critério, todavia, tem importância secundária
relativamente aos demais. Como exemplo para a aferição da proporcionalidade em
sentido estrito, poder-se-á utilizar o princípio fundamental da dignidade da
pessoa humana. Ainda que este princípio esteja situado no início da Lei
Fundamental (art. 1º), ocupando lugar de destaque na ordem constitucional, ele
não tem sido considerado como sendo um direito fundamental, embora esteja em
relação direta com os direitos fundamentais.61 De modo especial, a dignidade da
pessoa humana tem sido referida em conjunto com a garantia do livre
desenvolvimento da personalidade, isto é, do direito geral de liberdade,
consagrado no art. 2º, inc. I, da Lei Fundamental. Com isto, todavia, na hipótese de uma alegada
ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana, haverá como efetuar um juízo
a respeito da proporcionalidade em sentido estrito.
As duas teorias que pontificam -
no âmbito do direito alemão - sobre o conteúdo e âmbito de proteção da garantia
da dignidade da pessoa humana são a
teoria do Mitgift (NIPPERDEY e HOFFMANN) e a teoria da prestação (LUHMANN). A
primeira baseia-se na tradição reliogiosa judaico-cristã, ao passo que LUHMANN
prioriza o estabelecimento de uma identidade para a pessoa humana. Do ponto de
vista jurídico, contudo, assume relevância uma concepção negativa (defensiva) e
casuística do âmbito de proteção.62 Na jurisprudência do Tribunal Federal
Constitucional, a interpretação do princípio oscilou entre uma exegese
tendencialmente objetiva, de acordo com a qual o Homem jamais poderia se
tratado como mero objeto, e entre uma exegese de feição mais subjetivista,
segundo a qual também se deveria fazer uso do critério da desconsideração, na
aferição de uma agressão à dignidade da pessoa humana. Neste contexto,
verifica-se que uma interpretação histórico-casuística (historisch-kasuistische
Interpretation) aponta para quatro complexos nevrálgicos onde se costumam
verificar ofensas ao princípio: a) igualdade (escravidão, discriminação racial,
etc.); b) integridade física (tortura); c) intimidade e privacidade (proibição
do detector de mentiras); d) garantias do Estado de Direito (princípio do
contraditório, acesso à justiça, etc.). O princípio da dignidade da pessoa
humana passa, neste contexto, a ser utilizado em conjunto com o postulado da
proporcionalidade da medida restritiva a ser imposta pelo Estado, no sentido de
que apenas restrições desproporcionais ao âmbito de proteção dos direitos
fundamentais referidos podem ser tidas como ofensivas ao princípio da dignidade
da pessoa humana.63
De destacada importância, no que
diz com a aplicação do princípio da proporcionalidade, é a concepção,
desenvolvida pela jurisprudência, da hierarquização entre os bens comunitários
constitucionalmente protegidos. Neste sentido, a decisão a respeito das
farmácias (Apothekenurteil), do Tribunal Federal Constitucional, ainda no
início de sua judicatura, já falava de bens comunitários de importância
preponderante (überragend wichtige Gemeinschaftsgüter), levando à constatação
de que também existem valores/bens comunitários não preponderantes, mas mesmo
assim relevantes, assim como bens
comunitários simples. Na hipótese de uma medida restritiva inadequada e
desnecessária constituir uma ofensa também ao princípio da dignidade da pessoa
humana, há como sustentar que, ao menos em princípio (prima facie), tudo indica
que esta restrição também não poderá ser tida como razoável ou apropriada. Ao
revés, constata-se que uma restrição, mesmo sendo adequada e necessária, ainda
assim será desarrazoada (desproporcional em sentido estrito), quando implicar
ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Aqui convém inserir uma breve
referência ao já citado "Caso do tabaco", onde o Tribunal Federal
Constitucional, na fundamentação de sua decisão, entendeu que a prática - em si
mesma não vedada - de propagar determinada crença religiosa ou de dissuadir
alguém de sua própria crença será tida como
abusiva e ofensiva ao direito fundamental da liberdade de culto e
expressão religiosa quando alguém, direta ou indiretamente, tentar, mediante o
uso de métodos reprováveis, desleais e/ou ofensivos aos bons costumes,
convencer outrem a renunciar ao seu credo ou retirar-se de sua igreja.64
Este controle da
proporcionalidade em sentido estrito (Angem-essenheitsprüfung) acabou tendo,
contudo, importância preponderantemente teórica. Na prática jurisprudencial,
inclusive no âmbito do Tribunal Federal Constitucional, tem sido considerada
mais como sendo uma técnica de controle.
No que diz com este aspecto, cumpre lembrar outro exemplo extraído da
jurisprudência constitucional. No caso concreto, cuidava-se de alguém
processado criminalmente por delito de menor potencial ofensivo (crime de
bagatela). A prova deveria ter sido obtida mediante a extração de líquido da
coluna do acusado. Contra esta determinação, foi impetrada uma reclamação
constitucional (Verfassungsbeschwerde), alegando ofensa ao direito à
integridade física e corporal (art. 2º, inc. II, da Lei Fundamental). O
Tribunal Federal Constitucional, ao apreciar o caso, considerou que a medida
restritiva (invasiva da integridade física e corporal) não se afigurava como
proporcional, relativamente à gravidade da infração penal atribuída ao
particular, o que parece uma conclusão ligada à proporcionalidade em sentido
estrito. Com efeito, seria manifestamente desarrazoado alcançar a condenação de
alguém por um delito de insignificante ofensividade, expondo-o a um risco tão expressivo
para sua saúde e integridade física. Convém frisar, ainda neste contexto, que se poderá chegar ao
mesmo resultado a partir do critério da necessidade. O próprio Tribunal Federal
Constitucional, na decisão ora tomada como exemplo, entendeu que as seqüelas
decorrentes da investigação e determinação da autoria e responsabilidade pelo
delito não poderão atingir o autor de forma mais gravosa do que a sanção penal
a ser aplicada no caso.65
Num outro caso, examinado pelo
autor deste ensaio há muitos anos,
tratava-se de examinar a constitucionalidade de medidas tomadas pela
administração relativamente a um aluno, que, por ocasião da realização dos
exames finais, atentou contra o princípio da honestidade, ao valer-se de meios
ilegítimos, tais como copiar a prova de colegas. De acordo com a prática
vigente, uma vez constatada a fraude, o aluno era considerado como reprovado na
prova. Esta medida até pode ser tida como correta quando a fraude é detectada
apenas após o término e entrega da prova, já que não será mais possível
averiguar quais (ou qual) as questões que foram respondidas de forma indevida.
Tratando-se de mera tentativa ou mesmo em sendo possível aferir e destacar qual
(ou quais) a questão viciada, já se poderá duvidar da legitimidade do critério
adotado, à luz do princípio da proporcionalidade.66 Na hipótese de existirem
dúvidas a respeito da correção da decisão da autoridade administrativa, em
virtude de uma falha no exercício da discricionariedade, estas dúvidas devem
favorecer o particular. Assim, verifica-se que o princípio da proporcionalidade
reclama uma diferenciação na aplicação da sanção.
Na aferição da
constitucionalidade de restrições aos direitos fundamentais, o Tribunal Federal
Constitucional acabou por desenvolver, como método auxiliar, a "teoria dos
degraus" (Stufentheorie) e a assim denominada "teoria das
esferas" (Sphärentheorie). De acordo com a primeira concepção, as
restrições a direitos fundamentais devem ser efetuadas em diversos degraus.
Assim, por exemplo, já se poderá admitir uma restrição na liberdade de
exercício profissional (art. 12 da Lei Fundamental) por qualquer motivo
objetivamente relevante (aus jedem sachlichen Grund), ao passo que no degrau ou
esfera mais profunda, o da liberdade de escolha da profissão, tida como sendo
em princípio irrestringível, uma medida restritiva apenas encontrará
justificativa para salvaguardar bens e/ou valores comunitários de expressiva
relevância de ameaças concretas, devidamente comprovadas, ou pelo menos
altamente prováveis.
Importa consignar, além disso,
que a restrição deverá operar apenas em um degrau (ou esfera) do âmbito de
proteção do direito fundamental, passando-se para a fase seguinte tão-somente
quando uma restrição mais intensa se fizer absolutamente indispensável para a
consecução dos fins almejados. No
exemplo que versou sobre os serviços de salvamento (urgências médicas), o
Tribunal Federal Administrativo acabou por reconhecer a constitucionalidade da
restrição no âmbito da liberdade de exercício profissional dos empresários do
setor privado, sob o argumento de que
esta em si significativa restrição da liberdade profissional, consistente no
estabelecimento de um monopólio público ou, pelo menos, da realização de um
controle rigoroso de admissão a este tipo de atividade, se revelava como
necessária à proteção de bens constitucionais e coletivos de inequívoca
relevância (vida e saúde dos cidadãos) contra riscos comprovados ou altamente
prováveis.67
Por derradeiro, convém ressaltar
que também a figura das esferas (ou degraus), assim como a constatação da
existência de diversos níveis no âmbito de proteção dos direitos fundamentais,
constitui-se em importante critério para a tormentosa tarefa de controlar a
constitucionalidade das medidas restritivas aos direitos fundamentais. Assim,
verifica-se que a esfera mais central, notadamente a esfera mais íntima,
encontra-se, de regra, completamente imune a restrições legislativas e/ou
administrativas. Pelo menos, cumpre admitir que a esfera reservada ou íntima no
âmbito de proteção de determinado direito fundamental encontra-se sujeita a uma
proteção significativamente maior do que a outorgada na esfera da privacidade
ou mesmo na esfera pública.68 De tudo o que foi exposto, conclui-se, portanto,
que a aferição da proporcionalidade de uma medida restritiva apenas poderá
fazer sentido em se lançando mão de outros critérios além da adequação e da
necessidade.
4 - O PRINCÍPIO DA
PROPORCIONALIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO
O princípio da proporcionalidade,
consoante já referido, foi desenvolvido originariamente no âmbito do direito de
polícia.69 Hoje, reconhece-se que se trata de um princípio de hierarquia
constitucional, que encontra validade para toda a atividade estatal, inclusive
vinculando o legislador. No âmbito da administração pública, o princípio obteve
previsão legal expressa, no art. 9º, inc. II, da Lei Federal sobre o Processo
Administrativo (Bundesverwaltungsverfahrensgesetz), de 1976. Assim,
constata-se, desde logo, que o princípio da proporcionalidade não se aplica
apenas na esfera dos atos discricionários, mas igualmente - no sentido de uma
"interpretação das leis conforme a Constituição" - na interpretação
de conceitos jurídicos, assim como no caso da avaliação da necessidade de uma
determinada medida coercitiva no exercício do poder de polícia.
Medidas que atentam contra o
princípio da proporcionalidade ferem, portanto, os limites externos da
discricionariedade administrativa,
encontrando-se sujeitas à anulação por meio de um processo
administrativo. Para além disso, poderá se configurar até mesmo uma hipótese de
responsabilização civil por ato do agente público, caso este tenha tido
condições de reconhecer que sua conduta era ofensiva ao princípio da proporcionalidade.
Cada agente da administração interna (innere Verwaltung) encontra-se, pois,
obrigado - antes de proceder a qualquer atuação restritiva - a avaliar se, no
caso concreto, existem bens jurídicos coletivos e até mesmo particulares de
maior relevância a serem preservados. A administração pública, em sendo este o
caso, deverá abster-se de intervir ou contentar-se com um resultado mais
modesto, notadamente quando a medida a ser tomada presumivelmente poderá vir a
acarretar o sacrifício ou uma grave restrição ao bem jurídico individual ou à
existência do particular.
No âmbito desta ponderação de
bens, devem ser levados em conta não apenas a natureza e intensidade da medida
restritiva, mas também eventuais efeitos colaterais, de modo especial, que
venham a atingir terceiros, já que geralmente os efeitos das medidas da
administração interventiva (Eingriffsverwaltung) não se limitam a atingir
apenas a pessoa ou grupo de pessoas a que se destinam. Estes efeitos podem vir
a ser de tal forma significativos, ou mesmo virem a alcançar um tão expressivo
círculo de pessoas, que acabam por representar uma restrição maior ao interesse
coletivo do que a ameaça que originalmente se pretendia afastar. Neste caso,
quando os riscos e gravames oriundos da atuação da administração forem
consideravelmente maiores do que a ameaça ou dano concreto a ser prevenido ou
eliminado, a administração deverá renunciar à medida restritiva. Por outro lado, não se poderá partir da
premissa de que tais efeitos negativos eram previsíveis, com base no simples
fato de que os danos efetivamente acabaram por se concretizar, presumindo-se,
portanto, uma irregularidade no procedimento da administração no momento de sua
atuação (da medida restritiva). O que importa, neste contexto, é se a administração
avaliou a situação de forma correta e zelosa, no momento em que foi tomada a
decisão, razão pela qual se tem sustentado que aos Tribunais não compete
estabelecer o que se denominou de uma espécie de prognose póstuma.70
Para além disso, é de se chamar a
atenção para dois equívocos, hoje largamente difundidos. Em primeiro lugar, não
se poderá incorrer no erro de considerar descabida uma medida administrativa
quando a restrição almejada e os efeitos colaterais esperados tiverem, em seu
conjunto, o mesmo peso do dano (efetivo ou potencial) a ser afastado, ou forem,
em certa medida, até mesmo superiores. Isto porque se deve partir da premissa
de que a necessária ponderação, entre o interesse dos particulares atingidos
pela medida e o da coletividade, foi levada a efeito pelo legislador, tendo,
neste sentido, impregnado os dispositivos legais do direito da segurança
pública (Sicherheitsrecht). Enquanto a
norma legal não for ela própria desproporcional
(e não há razão para que se parta desta presunção), há que se ter a
administração como vinculada à ponderação levada a efeito pelo legislador. Na
hipótese de a autoridade administrativa exigir a remoção de uma obra edificada
em flagrante infração à lei, não se poderá afirmar que apenas por isto já
ocorreu uma violação do princípio da proporcionalidade. No processo ponderativo
não se pode considerar apenas o dano a ser afastado no caso particular, já que
também a preservação da ordem jurídica como tal se constitui em valor merecedor
de proteção. Por esta razão, uma medida determinando a demolição de uma obra
poderá ser legítima ainda que venha a acarretar um elevado gravame financeiro
para o atingido, seja para salvaguardar a ordem jurídica, seja para obter um
efeito de cunho preventivo em relação a terceiros. A administração poderá,
portanto, tomar medidas sensíveis para coibir e/ou afastar até mesmo um dano ou
ameaça relativamente insignificantes, de modo especial quando se tornarem
habituais ou não puderem ser afastados de outro modo.
A partir do exposto, pode-se
afirmar que uma limitação da liberdade de arbítrio (da discricionariedade) da
administração pelo princípio da proporcionalidade é de ser admitida apenas
quando o dano a ser esperado, aferido com base no dano efetivo ou potencial a
ser afastado, for especialmente significativo. Em outras palavras: o princípio
da proporcionalidade apenas pode ser tido como transgredido quando as seqüelas
negativas oriundas de determinada medida interventiva estiverem visivelmente em
desproporção com o objetivo almejado, isto é, quando se verificar uma
inequívoca disparidade. Da mesma forma que a administração não pode deixar de
pautar sua atuação pelo princípio da proporcionalidade, também não poderá ela
ir além das exigências deste postulado. A administração, portanto, também age
de forma antijurídica quando o princípio da proporcionalidade acaba por ser
superestimado e a administração, em virtude disso, deixar de tomar medidas
necessárias.
5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na literatura anglo-americana
sustenta-se que o princípio da proporcionalidade, no direito alemão e
continental em geral, acabou por assumir a função da doutrina do Rule of Law.
Isto não deixa de ser correto, mas não se pode olvidar que o princípio da
proporcionalidade foi desenvolvido a partir do princípio do Estado de Direito e
da vinculação das leis e do próprio legislador aos direitos fundamentais. A
doutrina do Rule of Law, por sua vez,
pode ser reconduzida ao case law e ao direito judicial no âmbito da
common law, ao passo que o princípio da proporcionalidade encontra sua vertente
no direito constitucional e legal escrito, típico do sistema do civil law, o
que não significa que a jurisprudência (já na época do Tribunal Superior
Administrativo da Prússia) não tenha exercido
expressiva influência no desenvolvimento do conteúdo e aplicação prática do
princípio. No âmbito do sistema da common law (especialmente no direito
inglês), a própria idéia da vinculação do legislador a uma Constituição escrita
não poderia vingar, na medida em que o sistema se baseia na idéia da supremacia
do Parlamento, razão pela qual também não se poderá cogitar da vinculação do
legislador ao princípio da proporcionalidade.
Na aplicação do princípio da
proporcionalidade em sentido estrito, assume relevância determinante a
ponderação entre os fins e os meios. Os fins a serem alcançados e os bens
jurídicos para cuja realização ou proteção o Estado pode (ou deve) intervir
devem igualmente encontrar guarida na ordem constitucional. Os meios utilizados para a consecução dos
fins, por sua vez, não podem ir além dos próprios fins. Os motivos pelos quais
pode existir uma tal situação de conflito entre os fins e os meios dizem
com a circunstância de que os fins
geralmente são fixados de forma demasiadamente vaga e indeterminada, seja na
Constituição, seja na legislação ordinária. Assim, por exemplo, verifica-se que
o termo segurança e ordem pública revela um conceito aberto, sujeito a uma
definição de sentido que varia conforme o contexto concreto no qual é inserido
e interpretado.
Para melhor percepção deste
pensamento, vale a pena referir recente decisão do Superior Tribunal de Justiça
da Alemanha (Bundesgerichtshof), a
respeito da legitimidade de uma intervenção policial relativamente a um
repórter tido como perturbador da ordem. O Tribunal de Justiça de Hamburgo
havia julgado procedente uma demanda proposta pelo repórter, requerendo a
responsabilização do Estado na esfera cível e o conseqüente pagamento de uma
indenização pelas agressões por parte da polícia. O Superior Tribunal de
Justiça (BGH) acabou reformando a decisão sob o argumento de que o repórter
havia ele próprio dado margem à atuação violenta da autoridade policial (que,
portanto, agiu conforme a lei), na medida em que gerou a impressão de estar
ameaçando a ordem pública. A partir do exemplo citado, verifica-se que houve um
dissenso - não apenas entre ambos os Tribunais, mas também no âmbito da opinião
pública e os diversos grupos de interesse - a respeito da pergunta se também o
transgressor aparente (que em verdade não é transgressor) pode ser tido, no
momento da atuação da autoridade policial, como representando uma ameaça para a
ordem pública. Tudo isto demonstra que a
"ordem pública" é um conceito jurídico (e legal) indeterminado, que
carece de concretização pela jurisprudência.
Um outro motivo para a
divergência entre os meios utilizados pelo poder público e o objetivo por este
almejado, ou seja, para a avaliação de uma ofensa à relação meios/fins, reside
na circunstância de que a própria Constituição (mas também as leis) acaba, por
vezes, estabelecendo objetivos conflitantes entre si. Assim, a garantia do
Estado de Direito, com a conseqüente necessidade de assegurar a segurança e a
ordem pública, encontra-se, ocasionalmente e no caso concreto, em contradição
com a garantia da liberdade de comunicação, de expressão e de reunião. No caso
de um conflito entre objetivos constitucionais, há que proceder, no que diz com
a relação entre meios e fins, a uma cuidadosa ponderação dos bens em pauta,
devendo ser priorizada, na avaliação da medida restritiva, a posição
jurídico-constitucional mais importante.
Para além do exposto, verifica-se
que um outro ponto de vista, atualmente objeto de certo descaso, desempenha um
papel significativo. Com efeito, cumpre lembrar que o próprio legislador já
tomou uma decisão no âmbito de um processo de ponderação de bens, estabelecendo
determinados parâmetros por ocasião da edição da lei. Quando, por exemplo,
alguém, valendo-se de um spray de tinta, decorar as paredes de uma residência
alheia, sem o consentimento do proprietário, o legislador, por meio da proteção
da propriedade e da tipificação penal da conduta (crime de dano), na verdade já
procedeu a uma ponderação. Caso quisermos outorgar à garantia da livre
expressão artística também uma eficácia no âmbito das relações entre
particulares, deveremos interpretar o conceito de "arte" de tal forma
a lhe dar uma importância superior ao da propriedade.
Por derradeiro, cumpre consignar
que o princípio da proporcionalidade também encontra sua expressão no princípio
da lealdade (Fairness-Prinzip), já desenvolvido por JOHN RAWLS. Aqui podemos
detectar - mais uma vez - pontos de contato entre o sistema anglo-americano e o
princípio da proporcionalidade, tal como pensado no âmbito do direito de matriz
germânica, notadamente, da necessidade, adequação e proporcionalidade das
ingerências do poder público na esfera da liberdade pessoal dos cidadãos. O
princípio da lealdade pode ser encarado, neste contexto, como sendo o princípio
da proporcionalidade com especial consideração pelas minorias no seio de uma
determinada comunidade.”
Acesso: 31/072014