terça-feira, 21 de abril de 2015

Direitos dos Consumidores. Empresa Aérea.

"Empresa aérea indeniza consumidores por atraso em voo internacional
“Configura dano moral o atraso de voo que ocasiona a perda de conexões, obrigando os consumidores a pernoitar em país estrangeiro totalmente estranho ao seu destino.” Com esse entendimento, a 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) manteve a decisão da juíza Cláudia Aparecida Coimbra Alves, da 11ª Vara Cível de Belo Horizonte, que condenou a TAP Air Portugal a indenizar um casal por danos morais em R$ 16 mil, além de R$ 850,44 e 18,55 euros por danos materiais.

O casal adquiriu passagens aéreas de São Paulo a Istambul, na Turquia. A viagem, que foi iniciada no dia 11 de julho de 2010, teria duas conexões, a primeira em Lisboa e a segunda em Frankfurt, Alemanha. Os dois primeiros voos seriam feitos pela TAP; e o voo de Frankfurt a Istambul, pela Turkish Airlines.

O voo saiu da capital paulista com mais de duas horas de atraso, o que causou a perda da conexão que levaria o casal à cidade alemã. Os passageiros foram então redirecionados para um voo da empresa Lufthansa, que sairia de Lisboa para Frankfurt às 12h30 no dia 12 de julho. Esse voo, porém, não levaria o casal à Alemanha a tempo de embarcar no voo para Istambul, que partiria às 15h30. Os viajantes alegam que solicitaram à TAP um voo mais cedo, mas que a empresa disse que só tinha o compromisso de encaminhá-los naquele dia para Frankfurt, não se responsabilizando pela outra conexão.

Ao chegarem ao aeroporto de Frankfurt, eles constataram que realmente haviam perdido o voo da Turkish Airlines e procuraram então o guichê da TAP com o objetivo de pedir ajuda para embarcar para Istambul. Ali eles receberam a resposta de que nada mais poderia ser feito, pois a responsabilidade da empresa era de levá-los até ali. O casal então percorreu os guichês de outras empresas que faziam o voo a Istambul, mas não conseguiu passagens, já que os voos estavam cheios devido ao período de férias na Europa. Dessa forma, eles só conseguiram passagens para Istambul no dia seguinte, vendo-se obrigados a pernoitar em um hotel caro no aeroporto, além de perder uma noite no hotel de Istambul, que já estava reservado, e os passeios programados para o primeiro dia naquela cidade.

O casal relata ainda que não teve auxílio da TAP para reaver suas bagagens em Lisboa, com a perda da conexão, tendo que esperar cerca de duas horas em um setor de perdidos e achados do aeroporto para recuperá-las.

A empresa aérea argumentou no processo que o atraso ocorreu por problemas técnicos na aeronave, o que a exime de responsabilidade pelos danos causados aos turistas. Em Primeira Instância, a juíza entendeu que há responsabilidade objetiva, ou seja, existe a responsabilidade de indenizar independentemente de culpa. Ela estabeleceu o pagamento de R$ 850,44 e 18,44 euros, gastos respectivamente com o hotel na Alemanha e com a alimentação no aeroporto, além de R$ 8 mil para cada um por danos morais.

A empresa recorreu ao Tribunal, dessa vez alegando que o atraso do voo se deu por determinação do controle de tráfego aéreo. O relator, desembargador Evandro da Costa Teixeira, em seu voto, ressaltou que a ocorrência de situações meteorológicas adversas que impeçam a realização de voos ou a aterrissagem no aeroporto de destino enquadra-se no conceito de caso fortuito ou força maior. Entretanto, no caso dos autos, a TAP “não se desincumbiu de comprovar a ocorrência de tais situações, vindo suas alegações desacompanhadas de qualquer prova nesse sentido, ônus que lhe cabia, na forma do art. 333, II do Código de Processo Civil”.

O relator afirmou também que a empresa aérea “não comprovou ter oferecido o suporte necessário aos autores/consumidores, repassando a eles informações precisas sobre o atraso da decolagem e arcando com os prejuízos de ordem material oriundos do atraso do voo internacional”. Ele entendeu que ficou demonstrada a falha na prestação de serviço por parte da TAP e seu comportamento ilícito.

Quanto aos danos morais, “estes são evidentes, já que os autores aguardaram por quase três horas para embarcarem, ...e perderam a conexão que os levaria ao destino final, sendo obrigados a pernoitar em país estrangeiro totalmente estranho ao roteiro inicial”.

Os desembargadores Eduardo Mariné da Cunha e Luciano Pinto votaram de acordo com o relator".
Fonte: http://www.tjmg.jus.br/…/empresa-aerea-indeniza-consumidore…
Acesso: 21/04/2015

sábado, 11 de abril de 2015

“A Prisão Preventiva gera direito à indenização em caso de arquivamento do inquérito policial ou de absolvição na ação penal?

Uma questão bastante controvertida acerca da prisão preventiva é a possibilidade de se exigir judicialmente do Estado uma indenização pelo lapso temporal em que o indiciado ou o acusado passou preso preventivamente e, ao final, teve o seu inquérito policial arquivado ou foi absolvido em ação penal.

Analisando o tema, os tribunais brasileiros têm entendido que o fato de o inquérito policial ter sido arquivado ou de ter sido prolatada absolvição em ação penal, mesmo que, durante o trâmite, indiciado ou acusado tenham sido custodiados cautelarmente, não gera para estes, de per si, o direito de receber indenização, porquanto o Estado, no exercício do jus puniendi, consubstanciado através do devido processo legal, exerce um ato de soberania.

Necessário pontuar que o Estado não pode, através desses atos de persecução criminal, agir de forma arbitrária, ou seja, o poder de polícia deve ser exercido de maneira regular. Assim, havendo qualquer tipo de ilegalidade ou irregularidade no ato que impõe, ou pretende impor, restrições à liberdade de locomoção de qualquer pessoa, pode ela se socorrer, por exemplo, do habeas corpus.

Tal ação constitucional serve justamente para coibir abusos do Estado quando do exercício do seu direito de punir, mas a própria Constituição Federal, ao lado da referida garantia e de outras, como a presunção de violência, possibilita ao Estado, no curso de uma ação penal ou de um inquérito policial, ou até mesmo na ausência deste, impor restrições à liberdade de locomoção de uma pessoa.

Nessa esteira, prevê o Código de Processo Penal que se poderá decretar a prisão preventiva como maneira de garantir a ordem pública, a ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, desde que exista prova da materialidade do crime e indício suficiente de autoria, dentre outros requisitos.

Dessa forma, se a decisão que determinar a custódia preventiva de uma pessoa obedecer aos requisitos legais e constitucionais, estando bem fundamentada, não surgirá para o preso provisório o direito de ser indenizado, mesmo que o seu inquérito policial seja arquivado ou, ao final da ação penal, que seja absolvido das acusações que lhe foram imputadas.

Compreender de forma diversa seria o mesmo que inviabilizar a persecutio criminis até mesmo por parte do Ministério Público, tendo em vista que a propositura de uma ação penal poderia significar constrangimento passível de ser indenizado, equiparando-se, assim, à “Lei da Mordaça”.

Neste viés, mostra-se bastante valioso averiguar na Constituição Federal a responsabilidade civil do Estado decorrente de ato judiciário, na qual sobressaem duas normas. A primeira delas, regra geral sobre a responsabilidade da Administração, encontra-se no art. 37, § 6º, e estabelece que:

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Consagrou-se, assim, a teoria do risco administrativo, segundo o qual a Administração Pública, em decorrência das atividades que desenvolve em prol da coletividade, gera riscos para os administrados, razão pela qual os danos que causar aos particulares devem ser indenizados por esta mesma coletividade que se beneficia dos serviços públicos.

Diante desta norma, tratando de modalidade de responsabilidade objetiva, não se discute acerca de culpa ou dolo do agente público, exigindo-se exclusivamente que o particular experimente um dano e que entre o dano e a atividade estatal exista um nexo de causalidade.

A segunda delas, prevista no art. 5º, inciso LXXV, prescreve que “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”, a qual é específica em relação a atos jurisdicionais e estabelece, portanto, os limites da responsabilidade do Estado por erros judiciários.

A questão sob foco diz respeito unicamente à possibilidade de o Estado ser responsabilizado pelo tempo em que o indiciado ou o acusado passou preso preventivamente, sendo obrigado a indenizá-lo, ou seja, refere-se somente ao erro judiciário, até mesmo porque se o inquérito policial foi arquivado ou ainda se aquele foi absolvido, não se trata de prisão por tempo superior à sentença.

Com isso, chega-se à conclusão de que, para que exista o dever de indenizar, é necessário que se prove que a decretação da prisão preventiva tenha decorrido de ilegalidade, de abuso de poder ou, de maneira ampla, de erro judiciário, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 220.982/RS, de relatoria do Ministro José Delgado, cuja ementa parcial segue abaixo.

1. O Estado está obrigado a indenizar o particular quando, por atuação dos seus agentes, pratica contra o mesmo, prisão ilegal. 2. Em caso de prisão indevida, o fundamento indenizatório da responsabilidade do Estado deve ser enfocado sobre o prisma de que a entidade estatal assume o dever de respeitar, integralmente, os direitos subjetivos constitucionais assegurados ao cidadão, especialmente, o de ir e vir. 3. O Estado, ao prender indevidamente o indivíduo, atenta contra os direitos humanos e provoca dano moral ao paciente, com reflexos em suas atividades profissionais e sociais. 4. A indenização por danos morais é uma recompensa pelo sofrimento vivenciado pelo cidadão, ao ver, publicamente, a sua honra atingida e o seu direito de locomoção sacrificado. 5. A responsabilidade pública por prisão indevida, no direito brasileiro, está fundamentada na expressão contida no art. 5º, LXXV, da CF. 6. Recurso especial provido. (julgado em 22/02/2000; 1ª Turma)

Essa é a inteligência, também, do Supremo Tribunal Federal:

RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO (CF, ART. 37, § 6º)- CONFIGURAÇÃO - "BAR BODEGA" - DECRETAÇÃO DE PRISÃO CAUTELAR, QUE SE RECONHECEU INDEVIDA, CONTRA PESSOA QUE FOI SUBMETIDA A INVESTIGAÇÃO PENAL PELO PODER PÚBLICO - ADOÇÃO DESSA MEDIDA DE PRIVAÇÃO DA LIBERDADE CONTRA QUEM NÃO TEVE QUALQUER PARTICIPAÇÃO OU ENVOLVIMENTO COM O FATO CRIMINOSO - INADMISSIBILIDADE DESSE COMPORTAMENTO IMPUTÁVEL AO APARELHO DE ESTADO - PERDA DO EMPREGO COMO DIRETA CONSEQÜÊNCIA DA INDEVIDA PRISÃO PREVENTIVA - RECONHECIMENTO, PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL, DE QUE SE ACHAM PRESENTES TODOS OS ELEMENTOS IDENTIFICADORES DO DEVER ESTATAL DE REPARAR O DANO - NÃO-COMPROVAÇÃO, PELO ESTADO DE SÃO PAULO, DA ALEGADA INEXISTÊNCIA DO NEXO CAUSAL - CARÁTER SOBERANO DA DECISÃO LOCAL, QUE, PROFERIDA EM SEDE RECURSAL ORDINÁRIA, RECONHECEU, COM APOIO NO EXAME DOS FATOS E PROVAS, A INEXISTÊNCIA DE CAUSA EXCLUDENTE DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO PODER PÚBLICO - INADMISSIBILIDADE DE REEXAME DE PROVAS E FATOS EM SEDE RECURSAL EXTRAORDINÁRIA (SÚMULA 279/STF)- DOUTRINA E PRECEDENTES EM TEMA DE RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO - ACÓRDÃO RECORRIDO QUE SE AJUSTA À JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. (AgRg no RE nº 385.943/SP, relator Ministro Celso de Mello, 2ª Turma, julgado em 15/12/2009)

Dessa forma, vê-se a evolução do pensamento jurídico atual no que concerne à indenização decorrente de prisão ilegal. Todavia, com o registro de que o fato de o inquérito policial ter sido arquivado ou de o acusado ter sido, ao fim da ação penal, absolvido, não implica, de per si, em indenização por parte do Estado”.

André Gonzalez Cruz
Mestre em Políticas Públicas pela UFMA. Doutorando em Direito pela UNLZ. Especialista em Ciências Criminais pela UGF. Especialista em Ciências Criminais pela ESMP/MA. Bacharel em Direito pela UFMA.

Acesso: 11/04/2015
Nota oficial em resposta à proposta de aceitação de provas ilícitas e à prisão sem o devido processo legal
A Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo emite nota em resposta à proposta de aceitação de provas ilícitas e à prisão sem o devido processo legal:

A Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo, cumprindo suas finalidades legais e estatutárias de defender a Constituição da República, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos fundamentais da pessoa humana, o aperfeiçoamento e a rápida administração da justiça, vê-se no indeclinável dever de se manifestar sobre a atual conjuntura vivida no país e sobre as inaceitáveis investidas de setores dos operadores do Direito contra inalienáveis valores positivados no corpo permanente da Charta Magna e no ordenamento jurídico ordinário.
A democrática ordem constitucional instaurada em 1988 com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, assegurou valores que têm a vocação da permanência, posto que, essenciais e indisponíveis, constituem o fundamento nuclear das liberdades de todos os cidadãos. Não são esses princípios transacionáveis ou permutáveis por soluções mágicas de supostas necessidades de ocasião, máxime quando manipuladas pelo influxo da volúvel opinião leiga.
Nessa ordem de ideias, não podem e não devem os advogados paulistas, de antigas e heroicas lutas em favor dos direitos da pessoa humana, deixar de manifestar o seu repúdio às propostas de eliminação de garantias básicas de quem se acha acusado em juízo. Por isso, aponta como manifestamente inconstitucionais as propostas de utilização de provas ilícitas no processo penal, sugestão esta feita por membros da magistratura e do ministério público, quando o artigo 5º, inciso LVI, da Carta Política garante que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Não pode haver em nosso Estado democrático de direito quem quer que seja, cujo voluntarismo e idiossincrasia possam se sobrepor ao comando constitucional.
Inassimiláveis, de outro turno, sugestões de alteração legislativa ordinária para o efeito de se desnutrir ou anular o mandamento constitucional de que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, como preceitua o inciso LVII do referido artigo 5º da Lei Maior, pela equivocada concepção de que se deva fazer iniciar o cumprimento de pena imposta em sentença de primeiro grau de que caiba ou penda recurso.
Causa espécie, por igual, a draconiana proposição de poder o juiz decretar prisão preventiva do acusado somente com a finalidade de “assegurar a devolução do dinheiro desviado”, eis que o encarceramento antes de condenação definitiva é uma excepcional violência do Estado que somente se admite em circunstâncias de absoluta necessidade e para resguardar a ordem pública ou a marcha regular da atividade processual. Sobre não se assentar em fundamentos técnicos, a prisão por motivo econômico parece não estar adequada a um sistema digno de ser conceituado como democrático.
Tais propostas, entre outras igualmente inacolhíveis, representam um regresso civilizatório que se não compatibiliza com o regime de liberdades que conquistamos, a duras penas, após uma longa noite de autoritarismo e violência contra os direitos fundamentais.
Os que não participaram dessa resistência contra o regime de força de que nos despedimos definitivamente em 1988, não se sensibilizam com o alto preço que a Nação teve de pagar para a restauração da civilização no corpo normativo brasileiro.
Como em tempos idos, também agora e sempre, os advogados paulistas dizem não a esses ensaios de tirania e arbítrio.
São Paulo, 2 de abril de 2015

Marcos da Costa
Presidente
“Nós e Eles”

É interessante observar até aonde vai esta colocação entre “Nós” e “Eles”, a

qual estimula a inevitável divisão de nossa sociedade, além de pregar a

instabilidade e desarmonizar a mesma como um todo. “Nós” faz referência a

grande massa da população, e “Eles” as supostas elites, ou seja, a classe

privilegiada segundo a ótica de alguns.

Esta colocação a esta altura da situação em que vivemos é péssima para a

democracia, pois, dificulta a governabilidade e provoca um distanciamento cada

vez maior do governo com a totalidade da nação. Como realizar reformas se

este descompasso persistir, e se as mesmas não forem realizadas, aonde iremos

parar, pois a crise hoje política poderá desaguar em uma imensa crise social.

Como fazer as necessárias correções na economia em um ambiente fragilizado e

conturbado, em que o “Nós” não se entende com o “Eles”, mas também não

acredita no comando de quem foi eleita prometendo mil maravilhas e não

conseguiu de forma alguma cumprir, tornando a situação cada vez mais

complicada.

Isto posto, sem conseguir atacar de frente o problema principal, o governo vai

tapeando com os acessórios, ou seja, em um certo momento faz parecer que vai

em uma direção, mas em outro toma o caminho contrário.

Desta forma, tanto o “Nós” como o “Eles”, não querem ficar passivos diante de

um governo, sem rumo, titubeante inseguro e que pode levar o país a maior das

desgraças. Precisamos urgentemente de objetivos claros, seguros e que

efetivamente venham de encontro aos desejos tanto do “Nós” como do “Eles”,

evitando desta forma um caos que parece ser eminente.

José Augusto C. Filippo, Mestre em Direito, com especialização em Filosofia

Política pela PUC/SP e Pós Graduação em Ciência Jurídicas e Políticas pela


Universidade de Coimbra, Portugal.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

"
INVENTÁRIO, SEPARAÇÃO E DIVÓRCIOS EXTRAJUDICIAIS - O IMPACTO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL



 O texto final do novo Código de Processo Civil, sancionado, no dia 16 de março de 2015, pela presidente Dilma Rousseff, trouxe novidades no campo extrajudicial.

Alguns apontamentos sobre os artigos da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, que cuidam do inventário e partilha, divórcio e separação consensuais lavrados pelos notários, que certamente serão objeto de análise e aprofundamento futuro, merecem nossa atenção.

O sistema românico-germânico (civil law) adota um sistema notarial, denominado “notariado latino”, habitualmente adotado, como o próprio nome pressupõe, nos países de origem latina.

O notário, a serviço das relações jurídico-privadas, recebe uma delegação do Estado para redigir documentos dotados de fé pública. Como jurista, exerce função assessora, de assistência, conselho e formação da vontade das partes e de adequação ou conformação daquela vontade ao ordenamento jurídico.

Nesse sentido, leciona Mónica Jardim, citada por Marcelo Figueiredo, em um parecer sobre a análise da importância da atividade notarial na prevenção dos litígios e dos conflitos sociais (p. 33 e 34), na revista de Direito Notarial n.2:

Por isso, acrescenta, “exercendo o notário, a par da função estritamente documental, uma função jurídica privada - que corresponde, além de outras tarefas, à adaptação ou conformação da vontade dos particulares ao ordenamento jurídico – a segurança preventiva é uma consequência manifesta da atuação do notário. A segurança que o notário (latino) proporciona é, antes de tudo, uma segurança documental, derivada de eficácia do instrumento público, dotado de autenticidade, eficácia essa que se expande pelo tráfico jurídico, pelo processo e em variadas outras direções (eficácia probatória, executiva, registral, legitimadora etc.). Mas a importância desta segurança formal não pode fazer esquecer que antes dela há uma outra – a segurança substancial – que requer que o ato ou contrato documentado seja válido e eficaz, segundo as prescrições do ordenamento jurídico. O instrumento público só pode ter por conteúdo um negócio válido. A função do notário não consiste em dar  fé a tudo que veja ou ouça, seja válido ou nulo, mas em dar fé conforme a lei. Existe, portanto, um controle da legalidade do negócio, cabendo ao notário detectar: incapacidades, erros de direito ou de fato, coações encobertas, fraudes à lei e, eventualmente, reservas mentais e simulações, absolutas ou relativas. Assim, por meio da redação e autorização de documentos válidos e conformes à lei, pelo seu conteúdo, e eficazes e executórios pela sua forma, os notários facilitam, escrituram ou tornam desnecessária a intervenção dos tribunais.



 A função do notariado latino (sistema adotado em nosso país) deve objetivar a desobstrução do Poder Judiciário, servindo como instrumento de pacificação social, evitando o acúmulo de processos instaurados, no intuito de restabelecer a Ordem Jurídica do país.

Nesse contexto, a atividade notarial vai ao encontro das necessidades sociais, alivia o Judiciário e garante a regularidade das contratações, atuando na prevenção contenciosa.

Fazendo jus à fé pública outorgada ao notariado latino, o novo Código de Processo Civil valoriza, ainda que de forma tímida, a atuação notarial nas relações jurídico-privadas.

Com o advento da Lei nº 11.441 de 2007, o Código de Processo Civil de 1973 sofreu alterações possibilitando a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa (alteração dos artigos 982, 983, 1.031 e acréscimo do 1.024-A).

A Resolução nº 35, de 24 de abril de 2007, do Conselho Nacional de Justiça, disciplinou a aplicação da Lei nº 11.441/2007 pelos serviços notariais e de registro e regulou as disposições referentes à separação consensual e aos outros institutos trazidos pela lei supra.

O projeto do novo Código de Processo Civil (PLS n.º 166, de 2010, com as alterações do substitutivo), impunha a obrigatoriedade de atuação dos notários frente aos divórcios e as extinções de uniões estáveis consensuais.

O mesmo projeto buscou eliminar o termo separação, sob o fundamento de que dispositivos relativos ao este instituto seriam desnecessários depois de a Emenda Constitucional nº 66 permitir o divórcio sem o cumprimento do prazo de rompimento do vínculo matrimonial.

O que nos acarretou algumas indagações. O projeto do novo Código de Processo Civil consolidou o posicionamento de extinção da separação com o advento da emenda constitucional nº 66 (em especial, destaque ao artigo 697 do PLS n.º 166, de 2010 com as alterações do substitutivo)?

Para tanto, não seria necessário e imperioso que o Código Civil também sofresse referida alteração para ficar em consonância com o código que instrumentaliza o direito material?

No mais, seria legítimo impor a atuação notarial quando preenchidos os requisitos legais? Não haveria afronta ao princípio garantidor do acesso a justiça?

Contudo, a redação final do novo Código de Processo Civil já com sanção presidencialesclarece os questionamentos acima e, parece-nos, coloca fim a discussão sobre a extinção ou não do instituto da separação.

Posicionando-se no sentido de que o instituto da separação ainda existe no ordenamento brasileiro, a redação final do Novo Código de Processo Civil, previu de forma expressa referido instituto, assim como o do divórcio direto.

 Vejamos o quadro comparativo abaixo, com alguns exemplos:

 

A Redação original do projeto de Lei do Senado n.º 166, de 2010 (sem as alterações apresentadas no relatório-geral do Senador Valter Pereira) abordava o instituto da separação em seu texto, o que nos parece ser a melhor forma de se interpretar a EC nº 66.

E dessa forma seguiu a redação final do Novo Código de Processo Civil, compreendendo que o aniquilamento dos prazos para o divórcio, a desnecessidade de se comprovar o estado de separado para se obter o mesmo não implica no desaparecimento do instituto da separação por si só.

Posicionamento este adotado pelo Conselho Nacional de Justiça, que não alterou a redação da Resolução 35, mantendo todos os artigos e referências à separação consensual (Pedido de providências n.°0005060-32.2010.2.00.0000).

Vejamos o quadro comparativo, no que tange ao capítulo na redação final do novo código, sobre Inventário e Partilha e sobre a seção Do Divórcio e da Separação Consensuais, da Extinção Consensual de União Estável e da Alteração do Regime de Bens do Matrimônio:




O novo Código processual assegura a escritura pública de inventário e partilha como documento hábil para qualquer ato de registro, bem assim para levantamento de importância depositada em instituições financeiras, em conformidade com o artigo 3º da Resolução nº 35/2007, do CNJ, merecendo elogios nesse ponto.

O novo artigo 733 destaca como condição para lavratura de divórcio consensual, separação consensual e extinção consensual de união estável, a inexistência de filhos incapazes e denascituro.

 Inova em relação ao CPC/73 que era omisso em relação à existência de nascituro e se coaduna com o melhor posicionamento que sempre defendeu a impossibilidade da lavratura não só de divórcio, separação e extinção de união estável consensuais, como de inventário extrajudicial quando houver nascituro envolvido.

Christiano Cassetari, na sua obra Separação, Divórcio e Inventário por Escritura Pública (p. 150),explica:

O objetivo da Lei 11.441/2007, ao proibir o inventário quando existir interessado incapaz, deve-se ao fato da necessária intervenção do Ministério Público, (...).

Esta conclusão, no nosso sentir, também vale para o caso de a viúva estar grávida do falecido, já que, segundo o Código Civil, o nascituro tem os seus direitos protegidos desde o momento da concepção (...).

Assim, como o nascituro teria, neste caso, direito sucessório, caso venha a nascer com vida, por ser ele incapaz impossível seria adotar o procedimento extrajudicial (...).



Vale lembrar, que as Normas de Serviço da Corregedoria Geral do Estado de São Paulo, destinadas aos cartórios extrajudiciais, prevê, no capítulo XIV, item 86.1, possibilidade do tabelião de notas lavrar escrituras públicas de separação e divórcio consensuais, se comprovada a resolução prévia e judicial de todas as questões referentes aos filhos menores (guarda, visitas e alimentos).

A supressão do parágrafo terceiro do artigo 1.124-A do CPC em vigor, inserido pela Lei nº 11.441, de 4 de janeiro de 2007, que cuida da gratuidade dos inventários, separações e divórcios realizados por escritura pública, elimina o fundamento legal em que se baseia a Resolução 35 do CNJ (artigo 6º e 7º).

Art. 6º A gratuidade prevista na Lei no 11.441/07 compreende as escrituras de inventário, partilha, separação e divórcio consensuais.



Art. 7º Para a obtenção da gratuidade de que trata a Lei no 11.441/07, basta a simples declaração dos interessados de que não possuem condições de arcar com os emolumentos, ainda que as partes estejam assistidas por advogado constituído.



Sabe-se que muito se discutiu sobre a possibilidade de gratuidade das escrituras de inventários consensuais, uma vez que a lei 11.441/2007 inseriu o tema no artigo que  cuida das escrituras de separações e divórcios consensuais.

O Conselho Nacional de Justiça posicionou-se no sentido de que referida previsão abrangeria inclusive os inventários extrajudiciais, conforme se verifica do próprio artigo 6º da Resolução 35 do CNJ acima exposto.

O parágrafo segundo do artigo 982 do CPC/73, inserido pela Lei nº 11.965, de 3 de julho de 2009, pois fim a discussão, prevendo expressamente a gratuidade no artigo que cuida do inventário extrajudicial. Contudo, referido parágrafo também não encontra correspondência na redação final do novo código processual.

Conforme se extrai da obra Direito Notarial e Registral Avançado (p.106):

No tocante à porção tributária dos emolumentos, a gratuidade assume a natureza ou de imunidade ou de isenção. Tem-se imunidade quando a Constituição Federal exclui a competência de se erigir determinado fato à condição de gerador do tributo. E tem-se aisenção quando, apesar da existir a referida competência, uma norma infraconstitucional impede o nascimento da obrigação tributária.

Exemplo de imunidade consta do art. 5.°, LXXVI, da CF/1988, segundo o qual são gratuitos para os reconhecidamente podres, na forma da lei, o registro civil de nascimento e a certidão de óbito. E a isenção pode ser ilustrada com a Lei Federal 11.441/2007, que prevê a gratuidade das escrituras e demais atos notarias de separação e divórcio, para os que se declaram pobres sob as penas da lei.



Dessa forma, não há mais fundamento legal para lavratura de escrituras de inventário, separação e divórcios consensuais de forma gratuita.

Contudo, na tentativa de desafogar o judiciário, onde se verifica a possibilidade real de conseguir a gratuidade almejada, o ideal seria uma proposta legislativa com o fim de garantir o ressarcimento integral de todos os atos gratuitos praticados não só pelos oficiais de registro, mas também pelos notários, com fundamento constitucional a seguir exposto:



Prevê o artigo 5º, inciso LXXVII, da Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LXXVII - são gratuitas as ações de habeas corpus habeas data, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania; (grifo nosso)



O artigo 5º, inciso XXX, da Constituição Federal garante o direito de herança:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXX - é garantido o direito de herança;



O conselheiro Fabiano Silveira, relator do Pedido de Providências 0006123-58.2011.2.00.0000 discorreu sobre a necessidade de se assegurar a sustentabilidade dos serviços prestados pelas serventias[1]:

A percepção de emolumentos pelo notário, como contraprestação do serviço público que o Estado prestado ao particular, por seu intermédio, é condição imprescindível para o titular fazer frente a despesas de custeio da Serventia, de remuneração de pessoal e de investimentos, além da retirada dos próprios dividendos a que faz jus pela delegação que lhe foi outorgada. Nesse sentido, a adequada prestação de serviços, que depende da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro das serventias extrajudiciais, passa a demandar, de fato, a contrapartida do Poder Público pelos custos dos atos oferecidos gratuitamente aos cidadãos.



A redação original do projeto de Lei do Senado n.º 166, de 2010, com as alterações apresentadas no relatório-geral do Senador Valter Pereira na tentativa de desafogar o judiciário previu que os divórcios consensuais (excluindo propositadamente o instituto da separação) e extinções de uniões estáveis, em que não haja filhos menores ou incapazes do casal, desde que preenchidos os requisitos legais, seriam realizados obrigatoriamentepor escritura pública.

A redação final do novo código andou bem ao alterar o dispositivo em comento, uma vez que o artigo retirava o fundamento legal para lavratura de escrituras públicas de separações consensuais e consequentemente, no futuro, não falaríamos mais em escrituras públicas de restabelecimento da sociedade conjugal.

No mais, concluir pela imposição aos interessados que se divorciem, fere o princípio da dignidade da pessoa humana, ignorando a intenção das pessoas, que uma vez lícita, deve ter um instrumento jurídico adequado para conformá-la.

Não nos olvidando que é dever do Estado proteger a família, adotando medidas normativas e fáticas suficientes para cumprir seu dever de tutela, fazendo a proteção de maneira adequada e efetiva.

Eliminar o instituto da separação confronta como o interesse do Estado de permanência da família como base da sociedade.

A redação final do novo código prevê a possibilidade de que as separações, os divórcios e as extinções de uniões estáveis consensuais, uma vez preenchidos os requisitos legais, sejam realizados extrajudicialmente, respeitando o princípio da inafastabilidade de jurisdição.

Um olhar singelo para nossa realidade permite-nos concluir:

O instituto da separação ainda existe e o novo código alarga nossa fundamentação para validar as escrituras públicas de separação consensual;

O Código de Processo Civil de 2015 assegura a força da escritura pública de inventário e partilha como documento hábil para qualquer ato de registro, bem assim para levantamento de importância depositada em instituições financeiras;

Não nos é permitido lavrar escritura pública de divórcio consensual, separação consensual e extinção consensual de união estável e, ousamos dizer, de inventário e partilha, diante da existência de nascituro envolvido (ressalvada previsão nas NSCGJ/SP, capítulo XIV, item 86.1);

Por fim, ausência de fundamento legal para lavratura de escrituras públicas de inventários, separações e divórcios consensuais gratuitos.

Espera-se que as observações aqui expostas possam propiciar alguma reflexão sobre a matéria, para seguirmos na elaboração de instrumentos jurídicos hábeis e capazes de gerar confiança no meio social.

As ideias apresentadas nesse artigo decorrem da contribuição do Doutor Claudio José Amaral Bahia e de Murillo Augusto de Oliveira Ribeiro, registrando-se nossos sinceros agradecimentos.





REFERÊNCIAS

CASSETTARI, Christiano. Separação, divórcio e inventário por escritura pública: teoria e prática. 5ª ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012.



Direito Notarial e Registral Avançado/ coordenação Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida, Marcelo de Oliveira Fausto Figueiredo Santos e Vicente de Abreu Amadei. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.



REVISTA DE DIREITO NOTARIAL, vol. 2. São Paulo: Quartier Latin, 2010.






[1] Disponível em: . Acesso em: 07 de março de 2015".


Fonte: http://www.notariado.org.br/blog/?link=visualizaArtigo&cod=436
Acesso: 09/04/2015