PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Registro: 2012.0000512888
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus nº 0172609-
72.2012.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é paciente GIANE DA
SILVA MATOS, Impetrantes PATRICK LEMOS CACICEDO e BRUNO
SHIMIZU. ACORDAM, em 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de
São Paulo, proferir a seguinte decisão: "CONVALIDADA A LIMINAR
ANTERIORMENTE DEFERIDA, CONCEDERAM A ORDEM PARA
SUBSTITUIR A PRISÃO PREVENTIVA DA PACIENTE GIANE DA SILVA
MATOS POR PRISÃO DOMICILIAR. V.U.", de conformidade com o voto do
Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores VICO
MAÑAS (Presidente) e PAULO ROSSI. São Paulo, 26 de setembro de 2012. Breno Guimarães
RELATOR
Assinatura Eletrônica
Este documento foi assinado digitalmente por BRENO DE FREITAS GUIMARAES JUNIOR. PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Habeas Corpus nº 0172609-72.2012.8.26.0000 2
VOTO Nº 22.368
HABEAS CORPUS nº 0172609-72.2012.8.26.0000
IMPETRANTES: PATRICK LEMOS CACICEDO
BRUNO SHIMIZU
PACIENTE: GIANE DA SILVA MATOS
O advogado ANDERSON DOS SANTOS DOMINGUES impetra
o presente pedido de “Habeas Corpus” em favor da paciente GIANE DA
SILVA MATOS, alegando que ela padece de constrangimento ilegal por
parte do MM. Juiz de Direito da 5ª Vara Criminal Central desta Capital, o
Exmo. Sr. Dr. Raphael Garcia Pinto, nos autos do processo-crime nº
0034026-54.2012.8.26.0050.
Aduzem os impetrantes que a paciente foi presa em flagrante
delito em 16/04/2012, acusada de infração aos artigos 33 e 35, ambos da
Lei nº 11.343/06. A audiência de instrução criminal foi designada para o
dia 25/09/2012 e, em impetração anterior, foi-lhe negada a revogação da
prisão preventiva.
Sustentam que a paciente está grávida, sendo a gestação de
alto risco. Ela foi atendida por médico do centro hospitalar e diagnosticada
“suspeita de início de centralização fetal”.
Em suma, pugnam pela substituição da prisão preventiva da
paciente por prisão domiciliar.
Deferida a liminar (fls. 32), vieram aos autos as informações
prestadas pela autoridade impetrada (fls. 47/49), acompanhadas das
peças copiadas às fls. 50/68, manifestando-se a douta Procuradoria Geral
de Justiça pela prejudicialidade da impetração, com a cassação da liminar
(fls. 71/74).
É o relatório.
De acordo com as peças que instruíram as informações, em
especial a inicial acusatória (fls. 50/52), GIANE DA SILVA MATOS, ora
paciente, foi presa em flagrante delito e denunciada como incursa nos
artigos 33, “caput”, e 35, ambos da Lei nº 11.343/2006, e no artigo 333,
“caput”, do Código Penal, porque, no dia 14 de abril de 2012, por volta das
10h50min, na rua Goivinho da Praia, esquina com a Rua Ardísia, Vila
Progresso, nesta capital, agindo em concurso com TIAGO LAUTON
PEREIRA (corréu), trazia consigo, guardava e transportava no interior do
veículo marca “Honda”, modelo “Civic”, placas DUB-3304/CarapicuíbaSP, para fins de tráfico e consumo de terceiros, 20 (vinte) porções de
cocaína em pó, acondicionadas em plástico, com peso líquido de 9,6g (nove
gramas e seis decigramas), além da quantia em dinheiro de R$ 2.420,00
(dois mil, quatrocentos e vinte reais), substância esta entorpecente, capaz
de determinar dependência física ou psíquica em seus usuários, sem
autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
Consta também que, nas mesmas circunstâncias de tempo e
lugar, GIANE DA SILVA MATOS se associou a TIAGO LAUTON PEREIRA
para o fim de praticar, reiteradamente ou não, o crime de tráfico de entorpecentes (artigo 35 da Lei nº 11.343/06).
Consta, ainda, que no mesmo dia, nos fundos do prédio da 7ª
Seccional de Flagrantes desta capital, TIAGO LAUTON PEREIRA e GIANE
DA SILVA MATOS, agindo em concurso, ofereceram vantagem indevida,
consistente em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a funcionários públicos
(policiais militares em serviço) para determiná-los a praticar, omitir ou
retardar ato de ofício.
A ordem comporta concessão.
O artigo 318 do Código de Processo Penal, com a redação dada
pela Lei nº 12.403/2011, estabelece que a prisão preventiva pode ser
substituída por domiciliar quando o agente foi maior de 80 (oitenta) anos,
extremamente debilitado por motivo de doença grave, imprescindível aos
cuidados especiais de pessoa menor de 06 (seis) anos de idade ou com
deficiência ou, ainda, gestante a partir do 7º (sétimo) mês de gravidez ou
sendo esta de alto risco.
A paciente, quando do deferimento da liminar, estava grávida e
havia sido atendida por médica do Centro Hospitalar do Sistema
Penitenciário, a qual diagnosticou suspeita de início de centralização fetal.
Essa profissional sugeriu a realização de “controle fetal diário, se possível
ao nível hospitalar”, e consignou não ter internado a paciente por não
existir, naquele nosocômio, ginecologista obstetra em plantão de 24 horas
ou UTI neonatal (fls. 19).
Esse quadro, embora não completamente adequado à previsão
contante no artigo 318, IV, do Código de Processo Penal, vez que não
demonstrado inequivocamente tratar-se gravidez de alto risco ou no 7º
(sétimo) mês, evidenciou a incapacidade do sistema penitenciário para oferecer o tratamento médico de que a paciente necessitava e justificou o
deferimento da liminar.
Sobreveio notícia de que a paciente, no dia 09/08/2012,
entrou em trabalho de parto. O bebê, prematuro, veio a óbito em
14/08/2012.
Com a devida vênia do entendimento exarado pela d.
Procuradora de Justiça, entendo que a liminar deve ser convalidada.
Não se olvida que a situação da paciente não mais se amolda
às hipóteses autorizadoras da prisão domiciliar. No entanto, forçoso
reconhecer a existência de situação peculiar, autorizadora, a meu ver, da
manutenção da benesse.
A paciente estava grávida enquanto presa provisoriamente.
Necessitava de atendimento médico diferenciado, o qual, segundo a médica
que a atendeu, não existia dentro do sistema penitenciário. Entrou em
trabalho de parto prematuramente e a criança veio a falecer.
Assim, deve ser levado em consideração que a paciente
suportou, recentemente, grave abalo, não sendo teratológico presumir que
este a atingiu física e psicologicamente. Determinar seu retorno ao cárcere
ao argumento de que ela não mais está grávida e de que, face ao
falecimento da criança, não é necessário prestar cuidados a esta, seria
desumano e violaria o princípio da dignidade da pessoa humana,
consagrado na Constituição Federal, em artigo 1º, inciso III.
O E. Supremo Tribunal Federal já reconheceu a possibilidade
de deferimento da prisão domiciliar em circunstâncias não enquadradas
na Lei de Execução, com base no princípio da dignidade da pessoa
humana, como se verifica no seguinte aresto: EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E
PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. PACIENTE
ACOMETIDO DE ENFERMIDADES GRAVES.
RECONHECIMENTO, PELO ESTABELECIMENTO PRISIONAL,
DE QUE NÃO TEM CONDIÇÕES DE PRESTAR ASSISTÊNCIA
MÉDICA ADEQUADA. PRISÃO DOMICILIAR. HIPÓTESE NÃO
ENQUADRADA NO ARTIGO 117 DA LEI DE EXECUÇÃO
PENAL. EXCEPCIONALIDADE DO CASO. ARTIGO 1º, INCISO
III DA CONSTITUIÇAO DO BRASIL [PRINCÍPIO DA DIGNIDADE
DA PESSOA HUMANA]. 1. Autos instruídos com documentos comprobatórios do
debilitado estado de saúde do paciente, que provavelmente
definhará na prisão sem a assistência médica de que necessita,
o estabelecimento prisional reconhecendo não ter condições de
prestá-la.
2. O artigo 117 da Lei de Execução Penal determina, nas
hipóteses mencionadas em seus incisos, o recolhimento do
apenado, que se encontre no regime aberto, em residência
particular. Em que pese a situação do paciente não se
enquadrar nas hipóteses legais, a excepcionalidade do caso
enseja o afastamento da Súmula 691-STF e impõe seja a
prisão domiciliar deferida, pena de violação do princípio da
dignidade da pessoa humana [artigo 1º, inciso III da
Constituição do Brasil]. Ordem concedida.
(HC 98675, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma,
julgado em 09/06/2009, DJe-157 DIVULG 20-08-2009
PUBLIC 21-08-2009 EMENT VOL-02370-05 PP-01023 RTJ
VOL-00211- PP-00483 RT v. 98, n. 889, 2009, p. 546-550
RSJADV out., 2009, p. 60-62)
Também o C. Superior Tribunal de Justiça entendeu possível a
benesse diante de situação excepcional, em homenagem ao mesmo
princípio, quando já em vigor a atual redação do artigo 318 do Código de
Processo Penal, como vemos:
FLAGRANTE. PACIENTE GESTANTE AO TEMPO DA
IMPETRAÇÃO. FILHO JÁ NASCIDO. CONDIÇÕES
INSALUBRES PARA O CRESCIMENTO DA CRIANÇA. NECESSIDADE DE ASSEGURAR AO RECÉM-NASCIDO SEUS
DIREITOS FUNDAMENTAIS. ARTS. 6º E 227 DA CF E LEI
8.069/90. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. PRINCÍPIO DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. POSSIBILIDADE DE
COLOCAÇÃO DA PACIENTE EM PRISÃO DOMICILIAR
CAUTELAR. EXEGESE DO ART. 318, III, DA LEI 12.403/2011.
CONSTRANGIMENTO RECONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA
DE OFÍCIO.
1. Com o advento da Lei 12.403/2011, permitiu-se ao juiz a
substituição da prisão cautelar pela domiciliar quando o
agente for: I - maior de oitenta anos; II - extremamente
debilitado por motivo de doença grave; III - imprescindível aos
cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade
ou com deficiência; IV - gestante a partir do 7º mês de gravidez
ou sendo esta de alto risco, consoante dispõe o art. 318 da
citada lei federal.
2. A excepcionalidade da situação em que se encontra a
paciente e seu filho, a essa altura já nascido, justifica que, por
razões humanitárias, pelo bem da criança que agora merece os
cuidados da mãe, em situação mais favorável do que aquela
apresentada na prisão, e isso sem ir-se contra o entendimento
pacificado nessa Quinta Turma no sentido da impossibilidade,
no caso, de deferimento da liberdade provisória, conceda-se a
ordem de ofício, para permitir que aguarde em prisão
domiciliar o julgamento da ação penal a que responde perante
o juízo singular.
3. Writ parcialmente conhecido e, nessa extensão, denegada a
ordem, concedendo-se, contudo, habeas corpus de ofício para
determinar que a paciente aguarde em prisão domiciliar o
julgamento da ação penal a que responde, forte nos arts. 1º, III,
da CF, e 318, III, da Lei 12.403/2011.
(HC 217.009/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA
TURMA, julgado em 06/12/2011, DJe 01/02/2012)
Por fim, deve ser observado que, de acordo com informações
constantes nos autos do “Habeas Corpus” nº 0100365-48.2012.8.26.0000,
julgado por esta C. Câmara em 25/07/2012, a paciente tem outros 05
(cinco) filhos, os quais certamente seriam atingidos caso determinado que
sua mãe, que recentemente voltou ao seu convívio, fosse novamente
conduzida ao cárcere.
Assim, por razões humanitárias e em homenagem ao princípio
da dignidade da pessoa humana, a ordem é de ser concedida,
convalidando a liminar anteriormente deferida.
Ante o exposto, convalidada a liminar anteriormente deferida,
CONCEDE-SE A ORDEM, para substituir a prisão preventiva da paciente
GIANE DA SILVA MATOS por prisão domiciliar.
BRENO GUIMARÃES Relator
https://www.defensoria.sp.def.br/dpesp/Repositorio/30/Documentos/HC%20-%20concess%C3%A3o%20-%20gravidez%20de%20risco%20-%20PAD.pdf
>HC - concessão - gravidez de risco - PAD.pdf<. Acesso: 21/12/2018
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