Os juízes não são juízes porque
combatem a criminalidade, ou porque,
intrépidos como mocinhos do faroeste,
enfrentam e duelam com os bandidos,
os malvados e os maltrapidos. Os juízes
– e a lição é tão antiga quanto eles
próprios! – são juízes simplesmente
porque dizem publicamente o direito. E
dizer o direito hoje é, antes de mais
nada, pregar a Constituição, suas
garantias, seus fundamentos, seus
princípios e suas liberdades. Feito isso,
feito apenas isso, os juízes cumprem e
bem cumprem o que deles se reclama (
Editorial do Boletim da Associação
Juízes Para a Democracia – ano 6, n.29)
De acordo com o já observado no despacho anterior, a Portaria n. 04/2010 interditou o Presídio Regional de Joinville, limitando o número de presos em 800 masculinos e 100 femininas. Nestes autos, quando da homologação do flagrante foi verificado que o autuado J.L.E. permanecia da Central de Polícia aguardando vaga no Presídio. Requisitado então à DEAP e à Delegacia o imediato encaminhamento do autuado para uma unidade prisional, a autoridade policial informou que em contato com o diretor do presídio de Joinville, foi relatado "que no momento não há vagas naquele esgástulo público, razão pela qual não pode receber o preso J.L.E., permanecendo este na precária carceragem da Central de Polícia de Joinville, com outras pessoas presas nestas data" (fls.)(sublinhou-se). Ora, é fato notório, amplamente difundido na imprensa local, que a Central de Polícia de Joinville não possui as mínimas condições sanitárias e de segurança para manter pessoas detidas. Neste aspecto aliás, é de clareza solar que delegacias de polícia não são locais permitidos para permanência de presos, sejam condenados ou provisórios. Tanto é que por isso, por manter presos em delegacias, as mais variadas unidades da Federação, incluindo Santa Catarina, vem sendo sistematicamente denunciadas por organismos nacionais e internacionais de direitos humanos. Por outro lado, conforme os comandos constitucionais é direito do preso ter sua integridade física e moral respeitadas (art.5º, XLIX). E ainda, não cabe à polícia civil fazer as vezes de agente carcerário, a ela cabendo exclusivamente exercer as funções da polícia judiciária (art.144, §4º, da CF).
O principal porém é que a persistir esta situação, o autuado, preso em flagrante, estará nitidamente tendo sua dignidade constitucionalmente prevista violada. E este Juízo, que mantem a custódia, sob sua responsabilidade, não compactuará com violações desta natureza, jamais. Mesmo porque trata-se de prisão provisória, ou seja, sem julgamento e sentença condenatória transitada em julgado e delito em tese imputado que, muito embora cometido com grave ameaça contra pessoa, não extravasou a mera tipicidade legal. Sempre é bom repetir que o Princípio Fundamental da República Federativa do Brasil, consistente na dignidade da pessoa humana (art.1º, III, da CF), já suficientemente solidificado, precisa ser respeitado. E neste ponto, segundo os ensinamentos do Ministro Celso de Melo a dignidade da pessoa humana "representa – considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art.1º, III) – significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso país e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art.7º, ns. 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência" (HC n. 85.988, 2ª Turma, j.04.05.10, v.u., DJU 28.05.10). Ou seja, como já mencionado em decisões outras deste Juízo, nesta quadra da história e padrão de civilidade, numa sociedade que tem como princípio fundamental a dignidade da pessoa humana (art.1º, III, da CF) e objetivo de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com erradicação da pobreza e marginalização, reduzindo-se as desigualdades sociais (art.3º, I e III, da CF), não é razoável e muito menos proporcional manter um indivíduo preso numa Central de Polícia desprovida legal e factualmente de capacidade de encarceramento. Ex positis: Em obediência ao Princípio Fundamental da República Federativa do Brasil, consistente na dignidade da pessoa humana (art.1º, III, da CF), com base na garantia de respeito à integridade física e moral aos presos (art.5ª, XLIX, da CF) e na vedação da polícia civil em fazer as vezes de agente carcerário, a ela cabendo exclusivamente exercer as funções da polícia judiciária (art.144, §4º, da CF), RELAXO A PRISÃO de J.L.E. (art.5º, LXV, da CF). Expeça-se o r. Alvará de Soltura, se por al não estiver preso. Cientifique-se a autoridade policial sobre esta decisão. Intime-se o Ministério Público. Encaminhe-se cópia desta decisão ao CDH de Joinville/SC, para ciência. Aguardem-se as demais peças do auto. Joinville (SC), 10 de fevereiro de 2011."
>https://www.defensoria.sp.def.br/dpesp/Repositorio/30/Documentos/juiz-solta-preso-dignidade.pdf<. Acesso: 21/12/2018
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