quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Supremo Tribunal Federal. ADC 54 MC / DF.




MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE 54 DISTRITO FEDERAL


ADC 54 MC / DF DECISÃO AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE – MEDIDA ACAUTELADORA – RELATOR – ATUAÇÃO – EXCEPCIONALIDADE VERIFICADA – DEFERIMENTO. 1. Os assessores Dr. Rafael Ferreira de Souza e Dr. Eduardo Ubaldo Barbosa prestaram as seguintes informações: O Partido Comunista do Brasil – PCdoB ajuizou ação declaratória de constitucionalidade, com pedido de liminar, buscando seja assentada a harmonia do artigo 283 do Código de Processo Penal com a Constituição Federal. Eis o teor do dispositivo: Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. Ressalta a própria legitimidade, aludindo ao artigo 103, inciso VIII, da Lei Maior, considerada a representação no Congresso Nacional. Discorre sobre a pertinência da ação, frisando a existência de controvérsia sobre a validade do preceito, tida como das mais relevantes no cenário constitucional brasileiro desde a promulgação, em 5 de outubro de 1988, da chamada Carta Cidadã.

Reporta-se à alteração na óptica quanto à questão atinente à viabilidade de execução provisória, no âmbito penal, de decisão condenatória em sede de apelação, a partir da apreciação do habeas corpus nº 126.292, relator ministro Teori Zavascki, com acórdão publicado no Diário da Justiça de 17 de maio de 2016 e, posteriormente, quando do exame, sob a sistemática da repercussão geral e no denominado Plenário Virtual, do recurso extraordinário com agravo nº 964.246, relator ministro Teori Zavascki, com acórdão veiculado no Diário da Justiça de 25 de novembro seguinte. Diz da necessidade de o Supremo pronunciar-se, no campo de controle concentrado, sobre a constitucionalidade da norma em jogo. Menciona os debates havidos por ocasião da análise do habeas de nº 152.752, relator ministro Edson Fachin, encerrado na Sessão Plenária de 4 de abril de 2018. Segundo afirma, a votação, por maioria simples de 6 votos no sentido do indeferimento da ordem, não representa a visão majoritária do colegiado a respeito da constitucionalidade, em tese, do artigo 283 do Código de Processo Penal. Articula com a indicação da maioria dos integrantes do Tribunal no sentido de vedar-se a execução precoce de pena após julgamento em segundo grau de jurisdição, considerada a evolução, no entendimento, do ministro Gilmar Mendes. Sublinha que, mesmo não sendo possível assegurar a existência de maioria formada em favor da conclusão de condicionar-se o início do cumprimento da sanção ao trânsito em julgado do título condenatório, a posição majoritariamente compartilhada pelos Ministros consolidou-se pela imprescindibilidade de fundamentar-se a custódia em momento anterior à preclusão maior da condenação, mostrando-se inconstitucional determinação automática de execução da pena após a formalização de acórdão condenatório em grau de apelação, exemplificada no verbete nº 122 da Súmula do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. 

No tocante ao mérito, alega que o preceito em questão revela o alcance do princípio constitucional da não culpabilidade, conformando-o na moldura normativa prevista no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. Sob o ângulo do risco, realça que, na esteira do precedente firmado no habeas corpus nº 126.292, por apertada maioria de votos, magistrados têm determinado, sem motivação adequada, a execução provisória da pena de prisão antes do trânsito em julgado de decisão condenatória proferida em segunda instância. Aponta haver fato novo, ante a sinalização da maioria dos integrantes do Supremo no sentido de vedar a determinação de execução provisória e automática da sanção sem que proclamado o preenchimento dos requisitos versados no artigo 312 do Código de Processo Penal, bem assim levando em conta a indicação da revisão da óptica anteriormente assentada quando da apreciação, na Sessão Plenária de 5 de outubro de 2016, dos pedidos de implemento de medida acauteladora formulados nas peças primeiras das ações declaratórias de constitucionalidade nº 43 e 44. Requer, liminarmente, seja obstada a deflagração de novas execuções provisórias de pena de prisão até o julgamento final do contido neste processo e nos alusivos às citadas ações declaratórias, bem assim suspensas as que já estiverem em curso, libertando-se os cidadãos recolhidos antes da preclusão maior do ato condenatório. Sucessivamente, busca impedir e tornar sem efeito qualquer decisão a revelar a execução antecipada de sanção quando ausente fundamentação lastreada no artigo 312 do Código de Processo Penal, suspendendo-se a eficácia do verbete nº 122 da Súmula do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Postula, em definitivo, a declaração de constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal. Caso não acolhido o pedido, pretende seja proclamada a necessidade de motivação individualizada e à luz dos pressupostos do artigo 312 do referido Código para ter-se a prisão. Sucessivamente, postula a atribuição de interpretação conforme à Constituição, a fim de condicionar a execução de título penal condenatório à análise, pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso especial, da causa. Vossa Excelência, em 19 de abril de 2018, ante o disposto nos artigos 21 da Lei nº 9.868/1999 e 21, inciso IV, do Regimento Interno, pediu dia para inclusão, na pauta dirigida do Pleno, da apreciação do pleito de liminar formalizado na peça primeira. A Procuradoria-Geral da República, em 10 de agosto de 2018, apresentou parecer, manifestando-se pela inadmissão da ação e, no mérito, pela improcedência, nos seguintes termos: […] CONSTITUCIONAL. PROCESSO PENAL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. CONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTE VINCULANTE DO STF. ARE 964246. PERDA DE OBJETO DA ADC. OVERRULING. NÃO CABIMENTO. ART. 283 DO CPP NA REDAÇÃO CONFERIDA PELA LEI 12.403, DE 2011. LIMITES AO ESPAÇO DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR NA INTEGRAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. DISTINÇÃO ENTRE A GARANTIA PROCESSUAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E A GARANTIA DA LIBERDADE CONTRA A PRISÃO ARBITRÁRIA. PRISÃO APÓS CONDENAÇÃO CONFIRMADA POR INSTÂNCIA REVISIONAL COMO GARANTIA DE DIREITOS DAS VÍTIMAS, CONTRA PROTEÇÃO INSUFICIENTE DE DIREITOS INDIVIDUAIS E SOCIAIS. INCONSTITUCIONALIDADE POR OFENSA AO DEVER ESTATAL DE TUTELA. DEFINIÇÃO DA CULPA PENAL  PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. AUSÊNCIA DE EXCESSO ESTATAL NA PRISAO QUANDO PENDENTES RECURSOS EXTREMOS. 1. A pretensão, veiculada na ADC, de que o STF, em decisão objetiva dotada de caráter vinculante geral, se pronuncie acerca da (in) compatibilidade do art. 283 do CPP (na redação conferida pela Lei 12.403/2011) com a execução provisória da pena de prisão acabou sendo satisfeita supervenientemente, quando do julgamento do ARE n. 964.246/SP, donde decorre já não mais subsistir interesse/utilidade no julgamento do mérito da ADC. 2. Não estão satisfeitos os pressupostos materiais que justificariam o overruling do precedente vinculante ligado ao ARE n. 964.246/SP, a saber, a perda de congruência social e consistência sistêmica do julgado. Revogá-lo, mesmo diante de todos os argumentos jurídicos e pragmáticos que o sustentam, representaria retrocesso múltiplo: para o sistema de precedentes brasileiro, que, ao se ver diante de julgado vinculante revogado pouco mais de um ano após a sua edição, perderia em estabilidade e teria sua seriedade posta em xeque; para a persecução penal no país, que voltaria ao cenário do passado e teria sua funcionalidade ameaçada por processos penais infindáveis, recursos protelatórios e penas massivamente prescritas; e para a própria credibilidade da sociedade na Justiça, como resultado da restauração da sensação de impunidade que vigorava em momento anterior ao julgamento do ARE n. 964246/SP; para a proteção às vítimas. 3. O princípio constitucional da presunção de inocência, plasmado no art. 5º, LVII, CF, é garantia processual que dura enquanto tramitar a lide, impondo, particularmente a quem acusa e a quem sentencia, o dever de fundamentar a acusação e a decisão. Não pode, a pretexto de proteger em grau máximo direitos individuais do réu, proteger em grau mínimo ou insuficiente os direitos fundamentais dos cidadãos contra agressões de terceiros, mediante a imposição de restrições ao jus puniendi que levem à inoperância da tutela penal. 4. A garantia constitucional da liberdade e da proibição da prisão arbitrária, contida no inciso LXI do art. 5º (“ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente”) é desrespeitada pelo art. 283 do CPP, na redação dada pela Lei 12.403, de 2001, pela introdução de elemento estranho ao dispositivo constitucional, nomeadamente o que exige que a prisão decorra de sentença condenatória transitada em julgado. Considerando que, no Brasil, o trânsito em julgado da condenação, na prática, somente ocorrerá quando a defesa se conformar e deixar de recorrer, exigir-se que o início do cumprimento da pena de prisão dependa do trânsito em julgado, tal qual faz o art. 283 do CPP, conduz, inevitavelmente, a um sistema penal que ou pune tardiamente (anos após a prática do ilícito) ou simplesmente não pune (pela ocorrência da prescrição), o que gera a sua disfuncionalidade sob duas óticas: primeiro, ele deixa de dar resposta adequada e suficiente aos conflitos penais que lhe são submetidos, deixando de tutelar, assim, bens jurídicos relevantes à sociedade (função retributiva do Direito Penal); e segundo, ele deixa de produzir efeito intimidatório intenso e sério o bastante a inibir a prática de novos crimes (função preventiva do Direito Penal). Diante disso, o art. 283 do CPP é parcialmente inconstitucional, por promover uma proteção insuficiente a direitos fundamentais individuais e sociais, como a vida, a integridade física e a segurança. 5. A Constituição não assegura um direito a não ser preso. A Constituição assegura um direito a não ser arbitrariamente preso. E prisão após condenação – especialmente quando confirmada por instância revisional – não se confunde nem se equipara a prisão arbitrária. A  execução provisória da pena imposta por acórdão condenatório não representa excesso do Estado em face do réu: ela não deflui de um exame estatal precipitado ou arbitrário acerca da responsabilidade do réu, mas sim de um juízo exaustivo e definitivo, feito pelas únicas instâncias judiciais que, no sistema processual brasileiro, possuem atribuição para decidir sobre fatos e provas. Corroboram essa afirmação estudos empíricos que demonstram que são ínfimas as chances da defesa de reverter condenações em sede de recursos extremos. 6. A vedação à execução provisória da pena produz como efeito colateral o agravamento da já existente seletividade do sistema penal brasileiro. Neste, alguns poucos, por terem condições financeiras de apresentar recursos sucessivos contra condenação, logram livrar-se da sanção penal; ao assim fazê-lo, todavia, estes poucos abarrotam o Poder Judiciário de recursos protelatórios, em detrimento dos vários outros jurisdicionados que aguardam uma resposta judicial aos seus conflitos. Parecer pelo não conhecimento da ADC n. 54. No mérito, pela improcedência da ADC n. 54, com o reconhecimento da inconstitucionalidade parcial do art. 283 do CPP, especificamente no ponto em que veda a execução provisória da pena. Em 15 de agosto seguinte, determinou fossem providenciadas as informações e a manifestação da AdvocaciaGeral da União, sem prejuízo da eventual designação, pela Presidência do Supremo, de data de julgamento da medida cautelar. Esta ação declaratória foi distribuída por prevenção a Vossa Excelência, considerada a identidade de objeto com relação à de nº 43 (artigo 77-B do Regimento Interno do Supremo).


O processo foi incluído, pela Presidência, na pauta da Sessão Plenária do dia 10 de abril de 2019. 2. Atentem para a organicidade do Direito, em especial dos procedimentos alusivos ao itinerário processual das ações trazidas a exame do Supremo. Tenho por princípio inafastável, observado o artigo 21 da Lei nº 9.868/1999, a inviabilidade de haver, em processo objetivo, no curso do Ano Judiciário, quando o Colegiado realiza sessões semanais, atuação mediante decisão individual, ante a competência do Pleno para implemento de medida acauteladora, exigida a maioria absoluta – 6 votos. Firme nessa premissa, liberei, em 19 de abril de 2018, o processo para inserção na pauta dirigida do Plenário, o que apenas veio a ocorrer em 18 de dezembro último, por meio de designação do dia 10 de abril de 2019 para julgamento, circunstância a autorizar a excepcional atuação unipessoal do Relator, na forma dos artigos 10 da Lei nº 9.868/1999, 5º, § 1º, da Lei nº 9.882/1999 e 21, inciso V, do Regimento Interno, tendo em vista a impossibilidade de imediato enfrentamento da matéria pelo Colegiado em virtude do encerramento do segundo Semestre Judiciário de 2018 e, via de consequência, do início do período de recesso. No campo precário e efêmero, está-se diante de quadro a exigir pronta atuação, em razão da urgência da causa de pedir lançada pelo requerente na petição inicial desta ação e o risco decorrente da persistência do estado de insegurança em torno da constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal. O requerente, partido político com representação no Congresso Nacional – artigo 103, inciso VIII, da Constituição Federal –, sustenta a adequação da via eleita, dizendo configurada controvérsia judicial relevante sobre ato normativo federal, entendendo-a, não sem razão, como das mais significativas no cenário constitucional brasileiro desde a promulgação, em 5 de outubro de 1988, da chamada Carta Cidadã, tão desprezada em tempos estranhos. O objeto desta ação declaratória versa o reconhecimento, considerado o figurino do artigo 5º, inciso LVII, da Lei Maior, da constitucionalidade do citado artigo 283, no que condiciona o início do cumprimento da pena ao trânsito em julgado do título condenatório. Surge a identidade de objeto com relação às ações declaratórias de nº 43 e 44, de minha relatoria, fato a justificar a distribuição desta ação por prevenção, conforme disposto no artigo 77-B do Regimento Interno do Supremo. Na Sessão Plenária de 5 de outubro de 2016, a sempre ilustrada maioria concluiu pelo indeferimento das medidas acauteladoras postuladas nas mencionadas ações declaratórias de constitucionalidade, tendo ficado vencido na companhia dos ministros Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e, em parte, Dias Toffoli – circunstância que, a princípio, afastaria a pertinência de novo exame colegiado de pedido de implemento de medida acauteladora. Observada a ordem processual, em 4 de dezembro de 2017, liberei ambos os processos para inserção, visando o julgamento de mérito, na pauta dirigida do Pleno, ato situado no campo das atribuições da Presidência. Conforme aponta o requerente, sobreveio fato novo a respaldar, mesmo no campo precário e efêmero, nova manifestação deste Tribunal: os pronunciamentos dos integrantes do Supremo, por ocasião do exame do habeas corpus nº 152.752, relator ministro Edson Fachin, encerrado na Sessão Plenária de 4 de abril de 2018. A votação por maioria simples de 6 votos no sentido do indeferimento da ordem não mais representaria a visão majoritária do Colegiado a respeito da constitucionalidade, em tese, do artigo 283 do Código de Processo Penal, considerada a evolução, no entendimento, do ministro Gilmar Mendes, e a ressalva da posição pessoal quanto ao tema realizada pela ministra Rosa Weber, no que, apesar de assentar a possibilidade de execução provisória da pena, no caso específico, aludindo à dita jurisprudência dominante do Supremo, ressaltou a necessidade de ser a questão revisitada quando da análise dos processos objetivos de minha relatoria. O quadro conduziu o Partido Ecológico Nacional – PEN, na ação declaratória de nº 43, a requerer nova apreciação da matéria. Liberei o pedido para julgamento do Pleno em 23 de abril de 2018, conforme despacho cuja cópia foi remetida à Presidência. O fato de o Tribunal, no denominado Plenário Virtual, atropelando os processos objetivos acima referidos, sem declarar, porque não podia fazê-lo em tal campo, a inconstitucionalidade do artigo 283 do aludido Código, e, com isso, confirmando que os tempos são estranhos, haver, em agravo que não chegou a ser provido pelo relator, ministro Teori Zavascki – agravo em recurso extraordinário nº 964.246, formalizado, por sinal, pelo paciente do habeas corpus nº 126.292 –, a um só tempo, reconhecido a repercussão geral e “confirmado a jurisprudência”, assentada em processo único – no citado habeas corpus –, não afasta a relevância da causa de pedir lançada na petição inicial, no que direcionada à preservação de garantia constitucional de envergadura maior, revelada em cláusula pétrea – conforme a qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” – inciso LVII do artigo 5º da Carta da República. Ao tomar posse neste Tribunal, há 28 anos, jurei cumprir a Constituição Federal, observar as leis do País, e não a me curvar a pronunciamento que, diga-se, não tem efeito vinculante. De qualquer forma, está-se no Supremo, última trincheira da Cidadania, se é que continua sendo. O julgamento virtual, a discrepar do que ocorre em Colegiado, no verdadeiro Plenário, o foi por 6 votos a 4, e o seria, presumo, por 6 votos a 5, houvesse votado a ministra Rosa Weber, fato a revelar encontrar-se o Tribunal dividido. A minoria reafirmou a óptica anterior – eu próprio e os ministros Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Tempos estranhos os vivenciados nesta sofrida República! Que cada qual faça a sua parte, com desassombro, com pureza d’alma, segundo ciência e consciência possuídas, presente a busca da segurança jurídica. Esta pressupõe a supremacia não de maioria eventual – conforme a composição do Tribunal –, mas da Constituição Federal, que a todos, indistintamente, submete, inclusive o Supremo, seu guarda maior. Em época de crise, impõe-se observar princípios, impõe-se a resistência democrática, a resistência republicana. Fixadas tais balizas, tem-se a necessidade de nova análise do tema em processo objetivo, com efeitos vinculantes e eficácia geral, preenchendo o vazio jurisdicional produzido pela demora em levar-se a julgamento definitivo as ações declaratórias de constitucionalidade, há muito devidamente aparelhadas e liberadas para inclusão na pauta dirigida do Pleno. Observem a organicidade do Direito, levando em conta o previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. A literalidade do preceito não deixa margem para dúvidas: a culpa é pressuposto da sanção, e a constatação ocorre apenas com a preclusão maior. O dispositivo não abre campo a controvérsias semânticas. A Constituição Federal consagrou a excepcionalidade da custódia no sistema penal brasileiro, sobretudo no tocante à supressão da liberdade anterior ao trânsito em julgado da decisão condenatória. A regra é apurar para, em virtude de título judicial condenatório precluso na via da recorribilidade, prender, em execução da pena, que não admite a forma provisória.

A exceção corre à conta de situações individualizadas nas quais se possa concluir pela aplicação do artigo 312 do Código de Processo Penal e, portanto, pelo cabimento da prisão preventiva. O abandono do sentido unívoco do texto constitucional gera perplexidades, tendo em conta a situação veiculada nesta ação: pretende se a declaração de constitucionalidade de preceito que reproduz o texto da Constituição Federal. Não vivêssemos tempos estranhos, o pleito soaria extravagante, sem propósito; mas, infelizmente, a pertinência do que requerido na inicial surge inafastável. Ao editar o dispositivo em jogo, o Poder Legislativo, mediante a Lei nº 12.403/2011, limitou-se a concretizar, no campo do processo, garantia explícita da Constituição Federal, adequando-se à óptica então assentada pelo próprio Supremo no julgamento do habeas corpus nº 84.078, relator ministro Eros Grau, encerrado em 5 de fevereiro de 2009, segundo a qual “a prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar”. Evidencia-se a repercussão negativa do entendimento adotado na apreciação do habeas de nº 126.292: passados 7 anos, e não apenas 2, reverteu-se a óptica que embasou a própria reforma do Código de Processo Penal. Tem-se quadro lamentável, no qual o legislador alinhouse à Constituição Federal, enquanto este Tribunal dela afastou-se. Descabe, considerada a univocidade do preceito, manejar argumentos metajurídicos, a servirem à subversão de garantia constitucional cujos contornos não deveriam ser ponderados, mas, sim, assegurados pelo Supremo, como última trincheira da cidadania. Conforme fiz ver ao analisar o habeas de nº 126.292: O preceito, a meu ver, não permite interpretações. Há uma máxima, em termos de noção de interpretação, de  hermenêutica, segundo a qual, onde o texto é claro e preciso, cessa a interpretação, sob pena de se reescrever a norma jurídica, e, no caso, o preceito constitucional. Há de vingar o princípio da autocontenção. Já disse, nesta bancada, que, quando avançamos, extravasamos os limites que são próprios ao Judiciário, como que se lança um bumerangue e este pode retornar e vir à nossa testa. Considerado o campo patrimonial, a execução provisória pode inclusive ser afastada, quando o recurso é recebido não só no efeito devolutivo, como também no suspensivo. Pressuposto da execução provisória é a possibilidade de retorno ao estágio anterior, uma vez reformado o título. Indaga-se: perdida a liberdade, vindo o título condenatório e provisório – porque ainda sujeito a modificação por meio de recurso – a ser alterado, transmudando-se condenação em absolvição, a liberdade será devolvida ao cidadão? Àquele que surge como inocente? A resposta, Presidente, é negativa. Caminha-se – e houve sugestão de alguém, grande Juiz que ocupou essa cadeira – para verdadeira promulgação de emenda constitucional. Tenho dúvidas se seria possível até mesmo uma emenda, ante a limitação do artigo 60 da Carta de 1988 quanto aos direitos e garantias individuais. O ministro Cezar Peluso cogitou para, de certa forma, esvaziar um pouco a morosidade da Justiça, da execução após o crivo revisional, formalizado por Tribunal – geralmente de Justiça ou Regional Federal – no julgamento de apelação. Mas essa ideia não prosperou no Legislativo. O Legislativo não avançou. Porém, hoje, no Supremo, será proclamado que a cláusula reveladora do princípio da não culpabilidade não encerra garantia, porque, antes do trânsito em julgado da decisão condenatória, é possível colocar o réu no xilindró, pouco importando que, posteriormente, o título condenatório venha a ser reformado. O passo, Presidente, é demasiadamente largo e levará – já afirmou o ministro Gilmar Mendes – a um acréscimo considerável de impetrações, de habeas corpus, muito embora também seja dado constatar que o esvaziamento dessa ação nobre, no que vinga a autodefesa, considerada a grande avalanche de processos, e se busca uma base, seja qual for, para o não conhecimento da ação – nomenclatura, esta, que se refere a recursos –, considerados os pressupostos de recorribilidade. Peço vênia para me manter fiel a essa linha de pensar sobre o alcance da Carta de 1988 e emprestar algum significado ao princípio da não culpabilidade. Qual é esse significado, senão evitar que se execute, invertendo-se a ordem natural das coisas – que direciona a apurar para, selada a culpa, prender –, uma pena, a qual não é, ainda, definitiva. E, mais, não se articule com a via afunilada, para ter-se a reversão, levando em conta a recorribilidade extraordinária, porque é possível caminhar-se, como se caminha no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, para o provimento do recurso especial ou do recurso extraordinário. Também não merece prosperar a distinção entre as situações de inocência e não culpa. A execução da pena fixada mediante sentença condenatória pressupõe a configuração do crime, ou seja, a verificação da tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade. É dizer, o implemento da sanção não deve ocorrer enquanto não assentada a prática do delito. Raciocínio em sentido contrário implica negar os avanços do constitucionalismo próprio ao Estado Democrático de Direito. O princípio da não culpabilidade é garantia vinculada, pela Lei Maior, ao trânsito em julgado, de modo que a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal não comporta questionamentos. O preceito consiste em reprodução de cláusula pétrea cujo núcleo essencial nem mesmo o poder constituinte derivado está autorizado a restringir.

Essa determinação constitucional não surge desprovida de fundamento. Coloca-se a preclusão maior como marco seguro para a severa limitação da liberdade, ante a possibilidade de reversão ou atenuação da condenação nas instâncias superiores. O problema adquire envergadura ímpar quando considerada a superlotação dos presídios, destacada pelo Pleno ao apreciar a liminar postulada na arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 347, de minha relatoria, acórdão publicado no Diário da Justiça eletrônico de 19 de fevereiro de 2016. Naquela oportunidade, constatou-se o exorbitante número de cidadãos recolhidos provisoriamente, a salientar a malversação do instituto da custódia cautelar e, consequentemente, a inobservância do princípio da não culpabilidade. Inverte-se a ordem natural para prender e, depois, investigar. Conduz-se o processo criminal em automatismo incompatível com a seriedade do direito de ir e vir dos cidadãos. Daí se extrai a importância do marco revelado pelo trânsito em julgado do título condenatório, quando a materialidade delitiva e a autoria ficam estremes de dúvidas e devidamente certificadas pelo Estado-juiz: em cenário de profundo desrespeito ao princípio da não culpabilidade, sobretudo quando versada prisão cautelar, descabe antecipar, com contornos definitivos – execução da pena –, a supressão da liberdade. Deve-se buscar a solução consagrada pelo legislador nos artigos 312 e 319 do Código de Processo Penal, em consonância com a Constituição Federal e ante outra garantia constitucional – a do inciso LXVI do artigo 5º: “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”. A via de acesso a este Tribunal, para salvaguarda da liberdade, tem se estreitado sem respaldo constitucional. Em vez de incisivo na tutela de princípio tão caro ao Estado Democrático de Direito, o Supremo vem viabilizando a livre condução do processo persecutório por instâncias  inferiores, despedindo-se de papel fundamental. O quadro reforça ser imprescindível a adoção de postura fidedigna e rigorosa na conformação dos casos autorizadores da custódia antes da preclusão maior da sentença condenatória. Não se pode antecipar a culpa para além dos limites expressos na Lei Maior, quando o próprio processo criminal é afastado do controle do Supremo. Em resumo, suprime-se, simultaneamente, a garantia de recorrer, solto, às instâncias superiores e o direito de vê-la tutelada, a qualquer tempo, por este Tribunal. A harmonia do dispositivo em jogo com a Constituição Federal é completa, considerado o alcance do princípio da não culpabilidade, inexistente campo para tergiversações, que podem levar ao retrocesso constitucional, cultural em seu sentido maior. O quadro de delinquências de toda ordem, de escândalos no campo administrativo, a revelar corrupção inimaginável, apenas conduz à marcha processual segura, observados os ditames constitucionais e legais. Longe fica de reescreverse a Constituição Federal e a legislação que dela decorreu, muito menos pelo Supremo, em desprezo a princípio básico da República – o da separação e harmonia dos Poderes. Não é o fato de o Tribunal assim o ser, de os pronunciamentos que formalize não ficarem sujeitos a revisão judicial, que levará ao desrespeito da ordem jurídico-constitucional, sob pena de não se saber onde se parará. À Instituição, responsável pela higidez da Constituição Federal, cumpre papel de importância única e dele não pode despedir-se, ante o risco de vingar o critério de plantão, desmando de toda ordem, a intranquilidade na vida gregária. Urge restabelecer a segurança jurídica, proclamar comezinha regra, segundo a qual, em Direito, o meio justifica o fim, mas não o inverso. Dias melhores pressupõem a observância irrestrita à ordem jurídico-normativa, especialmente à constitucional. É esse o preço que se paga ao viver em Estado Democrático de Direito, não sendo demasia relembrar Rui Barbosa quando, recém-proclamada a República, no ano de 1892, ressaltou: “Com a lei, pela lei e dentro da lei; porque fora da lei não há salvação”. Sob a óptica do perigo da demora, há de ter-se presente a prisão ou efetivo recolhimento, antes da preclusão maior da sentença condenatória, não apenas dos condenados em segunda instância por corrupção – pelo denominado crime do colarinho branco –, mas de milhares de cidadãos acusados de haver cometido outros delitos. Se essa temática não for urgente, desconheço outra que o seja. 3. Convencido da urgência da apreciação do tema, aciono os artigos 10 da Lei nº 9.868/1999, 5º, § 1º, da Lei nº 9.882/1999 e 21, inciso V, do Regimento Interno e defiro a liminar para, reconhecendo a harmonia, com a Constituição Federal, do artigo 283 do Código de Processo Penal, determinar a suspensão de execução de pena cuja decisão a encerrá-la ainda não haja transitado em julgado, bem assim a libertação daqueles que tenham sido presos, ante exame de apelação, reservando-se o recolhimento aos casos verdadeiramente enquadráveis no artigo 312 do mencionado diploma processual. 4. Submeto este ato ao referendo do Plenário, declarando-me habilitado a relatar e votar quando da abertura do primeiro Semestre Judiciário de 2019. 5. Publiquem. Brasília, 19 de dezembro de 2018, às 14 horas. Ministro MARCO AURÉLIO Relator.

 >https://abrilveja.files.wordpress.com/2018/12/Liminar-segunda-inst%C3%A2ncia.pdf<.Acesso:19/12/2018

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