"A RAZÃO BATE À PORTA. TEM ALGUÉM AÍ...
Jorge Luiz Souto Maior
Algumas notícias da última semana explicitaram a essencialidade dos direitos trabalhistas para a própria lógica de mercado e demonstraram que a razão, da qual se extrai essa inevitável conclusão, está querendo entrar em cena.
Na última quinta-feira, depois da notícia de que a economia do Brasil está flertando com a recessão[1], o Ministro da Economia afirmou que o governo pretende liberar os recursos dos trabalhadores depositados em contas inativas e ativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e também o dinheiro do abono salarial PIS-Pasep, para estimular o reaquecimento da economia[2].
Na sexta-feira, em meio à notícia de que o desemprego no último trimestre subiu de 12% para 12,5%, na comparação com o trimestre anterior, atingindo 13,2 milhões de brasileiros; que o número de brasileiros que não trabalham ou trabalham menos do que gostariam bateu novo recorde em abril, chegando a 28,4 milhões de pessoas, o equivalente a 24,9% dos brasileiros em idade para trabalhar (maior número da série histórica da PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, iniciada em 2012), o que representou um crescimento de 3,9%, ou 1,06 milhão de pessoas, na comparação com o trimestre anterior; que a quantidade de pessoas “subocupadas” e desalentadas também bateu recorde no último trimestre (encerrado em abril), sendo os “subocupados” 7 milhões de trabalhadores, 3,3% a mais do que no trimestre anterior, e 4,9 milhões de desalentados, uma alta de 4,3%, que afeta principalmente mulheres, pretos e pardos, houve quem conseguisse ver ponto positivo no dado de que, pela primeira vez nos últimos 16 meses, cresceu o número de brasileiros com carteira assinada[3], mesmo que não esteja claro qual o percentual de contratos precários (terceirizados e intermitentes) desse aumento, o que muito provavelmente não é baixo, diante do aumento considerável da subutilização da força de trabalho[4].
De todo modo, na comparação com o primeiro trimestre de 2017, se teria um saldo positivo de 480 mil contratações com carteira assinada, chegando-se ao número total de 33,1 milhões de pessoas (em abril de 2019).
Para o coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo, isso seria “um primeiro sinal de recuperação do mercado” [5]. Visão compartilhada pelo economista da FGV, Bruno Ottoni: “De certa maneira, dá um alento”[6].
Mas reparemos bem o que essas pessoas estão dizendo: estão afirmando que os direitos trabalhistas aquecem a economia e que é a relação de emprego, com carteira assinada e, portanto, com direitos, que mede a saúde de uma economia capitalista.
Ora, o FGTS é um direito trabalhista e está sendo invocado para aquecer a economia. Se já tivesse sido eliminado também esse direito, como tantos pretendiam, que solução preconizariam?
E não cabe o argumento de que se o FGTS não existisse o total do valor depositado já estaria no mercado porque, certamente, a não obrigação do recolhimento não teria como efeito a integração do valor correspondente ao salário. O efeito seria o da maior acumulação da riqueza, sem benefício à economia de mercado, conforme se verificou em quase um ano e meio de vigência da “reforma” trabalhista, em que, depois da redução de direitos trabalhistas, as grandes empresas e os bancos aumentaram consideravelmente os seus lucros e os salários dos trabalhadores não acompanharam sequer o índice inflacionário do mesmo período.
Chegando ao ponto da crise profunda, quando as falácias perdem toda graça e a emergência clama pela racionalidade, pela honestidade e até mesmo pelo espírito de solidariedade, ainda que impulsionado por certo egoísmo e um relevante grau de conservadorismo, é que se consegue compreender que as fórmulas jurídicas e políticas criadas no pós-guerra, ou seja, no maior momento de crise, servem, precisamente, para tentar superar a crise e impulsionar a economia de mercado sem abrir mão de um projeto mínimo de humanismo.
O fato é que, à beira da recessão, o Ministro da Economia e os analistas econômicos confessaram o quanto um direito trabalhista pode alavancar a economia e o quanto o maior número de empregos com direitos mede o nível do desenvolvimento econômico.
Assim, em direção inversa daquela preconizada pela “reforma” trabalhista, o caminho necessário a seguir agora, para tentar evitar o caos total, seria, então, o de se reconhecer a relevância da aplicação de outros institutos jurídicos trabalhistas, tais como: a garantia de emprego contra dispensa arbitrária; a proibição das dispensas coletivas; a fixação de um salário mínimo que, efetivamente, possa garantir a satisfação dos valores constitucionalmente assegurados; a limitação da jornada de trabalho e até a sua redução (sem retração de salário), para que mais pessoas possam se inserir no mercado de trabalho e menos pessoas adoeçam no trabalho (o que gera grande custo à Previdência Social); as normas de proteção contra acidentes do trabalho; os períodos de descanso (uma hora de intervalo, no mínimo; onze horas entre duas jornadas; férias anuais); a fixação dos horários de trabalho (permitindo que se tenha vida fora do trabalho); a participação dos trabalhadores na gestão da empresa; a sindicalização; a greve; e o reconhecimento de que não será com contratos precários que se vai conseguir enfrentar a crise, vez que esses vínculos, além dos graves problemas ligados à saúde dos trabalhadores (que são também problemas econômicos) apenas diminuem a parcela de participação dos trabalhadores na riqueza produzida, gerando impacto no consumo e, consequentemente, rebaixando o Produto Interno Bruto.
A razão, portanto, está batendo à porta, mas, talvez, para alguns, não seja bem-vinda, o que nos faz, inclusive, desacreditar na seriedade e na sensibilidade de quem está do outro lado da porta. Vejam que com todos os efeitos claramente produzidos, registrados em dados explicitados pelo próprio governo, e já na beira do caos, o que analistas econômicos ligados ou não ao governo estão dizendo é que é preciso mais reformas destruidoras de direitos sociais[7].
O Ministro da Economia, por exemplo, não perdeu a chance de formular mais uma chantagem contra a população brasileira, dizendo que o governo somente promoverá a liberação do FGTS depois que "forem aprovadas as reformas"[8].
Ou seja, não tendo mais o argumento de que “se a reforma da Previdência não for aprovada o Brasil quebra”, pois já estaria quebrado (e isso se deu, em grande medida, por causa das apostas feitas na “reforma” trabalhista), agora diz, com outras palavras, que “se a reforma da Previdência não for aprovada não vai tentar tirar o Brasil do buraco”.
Em meio a tudo isso, o alento veio do Supremo Tribunal Federal, que parece ter percebido que os ataques aos direitos sociais e humanos já superaram, e muito, a linha do risco da promoção de uma instabilidade típica de guerra civil.
No dia 29 de maio, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), por 10 votos contra 1, julgou procedente a ADI 5938, declarando inconstitucionais trechos de dispositivos da “reforma” que admitiam a possibilidade de trabalhadoras grávidas e lactantes desempenharem atividades insalubres quando apresentassem “atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher”, conforme previam os incisos II e III do artigo 394-A, da CLT, com a redação dada pela Lei n. 13.467/17.
Mais do que isso, as manifestações dos Ministros reafirmaram os pilares do Direito do Trabalho e dos Direitos Humanos e Fundamentais, ressaltando, entre outros aspectos, a desigualdade material das partes nas relações de trabalho, a vedação ao retrocesso social e a irrenunciabilidade dos Direitos Fundamentais.[9]
E quando se socorrem aos direitos fundamentais, como tábua de salvação, ou seja, sem as retóricas da viabilidade econômica, é porque, efetivamente, se reconhece que o fundo do poço foi atingido.
O que será preciso ver agora é se há no fundo do poço uma mola que nos impulsione para cima, revertendo todos os desmontes sociais e humanos que nos trouxeram até aqui, notadamente os rebaixamentos impostos pela “reforma” trabalhista (e se o STF seguir o STF do dia 29/05 e se os trabalhadores acreditarem em sua relevância não é difícil concluir essa obra), ou se prevalecerá uma aposta para saber o que há abaixo desse limite, levando-se adiante, então, “reformas” (previdenciária e tributária) que continuam favorecendo unicamente a bancos e a grandes empresas (mas que, na recessão, já não favorecem a ninguém[10]), ao mesmo tempo em que se oferece como política de “organização social” a distribuição de armas (para quem tem “status” e poder econômico), a criminalização da pobreza e a destruição do conhecimento.
A razão está nos indagando: “tem alguém aí?”
A resposta, meu amigo, como diria Bob Dylan, está soprando no vento. Mas, também, seguindo os parâmetros de inafastáveis considerandos[11], está expressa no art. 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos:
“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.”
São Paulo, 02 de junho de 2019".
Na sexta-feira, em meio à notícia de que o desemprego no último trimestre subiu de 12% para 12,5%, na comparação com o trimestre anterior, atingindo 13,2 milhões de brasileiros; que o número de brasileiros que não trabalham ou trabalham menos do que gostariam bateu novo recorde em abril, chegando a 28,4 milhões de pessoas, o equivalente a 24,9% dos brasileiros em idade para trabalhar (maior número da série histórica da PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, iniciada em 2012), o que representou um crescimento de 3,9%, ou 1,06 milhão de pessoas, na comparação com o trimestre anterior; que a quantidade de pessoas “subocupadas” e desalentadas também bateu recorde no último trimestre (encerrado em abril), sendo os “subocupados” 7 milhões de trabalhadores, 3,3% a mais do que no trimestre anterior, e 4,9 milhões de desalentados, uma alta de 4,3%, que afeta principalmente mulheres, pretos e pardos, houve quem conseguisse ver ponto positivo no dado de que, pela primeira vez nos últimos 16 meses, cresceu o número de brasileiros com carteira assinada[3], mesmo que não esteja claro qual o percentual de contratos precários (terceirizados e intermitentes) desse aumento, o que muito provavelmente não é baixo, diante do aumento considerável da subutilização da força de trabalho[4].
De todo modo, na comparação com o primeiro trimestre de 2017, se teria um saldo positivo de 480 mil contratações com carteira assinada, chegando-se ao número total de 33,1 milhões de pessoas (em abril de 2019).
Para o coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo, isso seria “um primeiro sinal de recuperação do mercado” [5]. Visão compartilhada pelo economista da FGV, Bruno Ottoni: “De certa maneira, dá um alento”[6].
Mas reparemos bem o que essas pessoas estão dizendo: estão afirmando que os direitos trabalhistas aquecem a economia e que é a relação de emprego, com carteira assinada e, portanto, com direitos, que mede a saúde de uma economia capitalista.
Ora, o FGTS é um direito trabalhista e está sendo invocado para aquecer a economia. Se já tivesse sido eliminado também esse direito, como tantos pretendiam, que solução preconizariam?
E não cabe o argumento de que se o FGTS não existisse o total do valor depositado já estaria no mercado porque, certamente, a não obrigação do recolhimento não teria como efeito a integração do valor correspondente ao salário. O efeito seria o da maior acumulação da riqueza, sem benefício à economia de mercado, conforme se verificou em quase um ano e meio de vigência da “reforma” trabalhista, em que, depois da redução de direitos trabalhistas, as grandes empresas e os bancos aumentaram consideravelmente os seus lucros e os salários dos trabalhadores não acompanharam sequer o índice inflacionário do mesmo período.
Chegando ao ponto da crise profunda, quando as falácias perdem toda graça e a emergência clama pela racionalidade, pela honestidade e até mesmo pelo espírito de solidariedade, ainda que impulsionado por certo egoísmo e um relevante grau de conservadorismo, é que se consegue compreender que as fórmulas jurídicas e políticas criadas no pós-guerra, ou seja, no maior momento de crise, servem, precisamente, para tentar superar a crise e impulsionar a economia de mercado sem abrir mão de um projeto mínimo de humanismo.
O fato é que, à beira da recessão, o Ministro da Economia e os analistas econômicos confessaram o quanto um direito trabalhista pode alavancar a economia e o quanto o maior número de empregos com direitos mede o nível do desenvolvimento econômico.
Assim, em direção inversa daquela preconizada pela “reforma” trabalhista, o caminho necessário a seguir agora, para tentar evitar o caos total, seria, então, o de se reconhecer a relevância da aplicação de outros institutos jurídicos trabalhistas, tais como: a garantia de emprego contra dispensa arbitrária; a proibição das dispensas coletivas; a fixação de um salário mínimo que, efetivamente, possa garantir a satisfação dos valores constitucionalmente assegurados; a limitação da jornada de trabalho e até a sua redução (sem retração de salário), para que mais pessoas possam se inserir no mercado de trabalho e menos pessoas adoeçam no trabalho (o que gera grande custo à Previdência Social); as normas de proteção contra acidentes do trabalho; os períodos de descanso (uma hora de intervalo, no mínimo; onze horas entre duas jornadas; férias anuais); a fixação dos horários de trabalho (permitindo que se tenha vida fora do trabalho); a participação dos trabalhadores na gestão da empresa; a sindicalização; a greve; e o reconhecimento de que não será com contratos precários que se vai conseguir enfrentar a crise, vez que esses vínculos, além dos graves problemas ligados à saúde dos trabalhadores (que são também problemas econômicos) apenas diminuem a parcela de participação dos trabalhadores na riqueza produzida, gerando impacto no consumo e, consequentemente, rebaixando o Produto Interno Bruto.
A razão, portanto, está batendo à porta, mas, talvez, para alguns, não seja bem-vinda, o que nos faz, inclusive, desacreditar na seriedade e na sensibilidade de quem está do outro lado da porta. Vejam que com todos os efeitos claramente produzidos, registrados em dados explicitados pelo próprio governo, e já na beira do caos, o que analistas econômicos ligados ou não ao governo estão dizendo é que é preciso mais reformas destruidoras de direitos sociais[7].
O Ministro da Economia, por exemplo, não perdeu a chance de formular mais uma chantagem contra a população brasileira, dizendo que o governo somente promoverá a liberação do FGTS depois que "forem aprovadas as reformas"[8].
Ou seja, não tendo mais o argumento de que “se a reforma da Previdência não for aprovada o Brasil quebra”, pois já estaria quebrado (e isso se deu, em grande medida, por causa das apostas feitas na “reforma” trabalhista), agora diz, com outras palavras, que “se a reforma da Previdência não for aprovada não vai tentar tirar o Brasil do buraco”.
Em meio a tudo isso, o alento veio do Supremo Tribunal Federal, que parece ter percebido que os ataques aos direitos sociais e humanos já superaram, e muito, a linha do risco da promoção de uma instabilidade típica de guerra civil.
No dia 29 de maio, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), por 10 votos contra 1, julgou procedente a ADI 5938, declarando inconstitucionais trechos de dispositivos da “reforma” que admitiam a possibilidade de trabalhadoras grávidas e lactantes desempenharem atividades insalubres quando apresentassem “atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher”, conforme previam os incisos II e III do artigo 394-A, da CLT, com a redação dada pela Lei n. 13.467/17.
Mais do que isso, as manifestações dos Ministros reafirmaram os pilares do Direito do Trabalho e dos Direitos Humanos e Fundamentais, ressaltando, entre outros aspectos, a desigualdade material das partes nas relações de trabalho, a vedação ao retrocesso social e a irrenunciabilidade dos Direitos Fundamentais.[9]
E quando se socorrem aos direitos fundamentais, como tábua de salvação, ou seja, sem as retóricas da viabilidade econômica, é porque, efetivamente, se reconhece que o fundo do poço foi atingido.
O que será preciso ver agora é se há no fundo do poço uma mola que nos impulsione para cima, revertendo todos os desmontes sociais e humanos que nos trouxeram até aqui, notadamente os rebaixamentos impostos pela “reforma” trabalhista (e se o STF seguir o STF do dia 29/05 e se os trabalhadores acreditarem em sua relevância não é difícil concluir essa obra), ou se prevalecerá uma aposta para saber o que há abaixo desse limite, levando-se adiante, então, “reformas” (previdenciária e tributária) que continuam favorecendo unicamente a bancos e a grandes empresas (mas que, na recessão, já não favorecem a ninguém[10]), ao mesmo tempo em que se oferece como política de “organização social” a distribuição de armas (para quem tem “status” e poder econômico), a criminalização da pobreza e a destruição do conhecimento.
A razão está nos indagando: “tem alguém aí?”
A resposta, meu amigo, como diria Bob Dylan, está soprando no vento. Mas, também, seguindo os parâmetros de inafastáveis considerandos[11], está expressa no art. 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos:
“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.”
São Paulo, 02 de junho de 2019".
Fonte: https://www.jorgesoutomaior.com/blog/a-razao-bate-a-porta-tem-alguem-ai. Acesso: 04/07/2019
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