quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Kastenbaum: “A sociedade precisa de velhos. – A velhice é um estado de espírito. – Dez anos mais velho não quer dizer dez anos pior ou dez anos menos valiosos”.


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Autor: Marco Antonio Vilas Boas.
( ex-Juiz, Professor e Advogado)




LEI N. 10.741, DE 1º DE OUTUBRO DE 2003

TÍTULO I DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1º É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.


 O vocábulo “idoso” tem sua origem latina no substantivo aetas, aetatis, de cujo caso acusativo aetatem (caso lexiogênico de onde nasceu a maioria das palavras num grande número de línguas modernas) deu-se existência à palavra “idade”. “Idoso” é vocábulo de duas componentes: “idade” mais o sufixo “oso” que, no léxico, denota “abundância ou qualificação acentuada”.
Portanto, o vocábulo “idoso” pode significar: cheio de idade, abundante em idade etc. A figura do idoso poderia até ser controvertida se não existisse uma nomenclatura própria em lei, definida no exercício legislativo de 2003.
A Lei n. 10.741, de 1º de outubro, no ano citado (que dispõe sobre o Estatuto do Idoso), já estabeleceu de forma lacônica, que o idoso é a pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.
Como fez a lei citada, não se imprimiu para a configuração do idoso, a diferença de sexo, condição social ou outras variantes denotativas da individualidade humana.
O antigo Código Civil, de 1916, sem ao menos mencionar a palavra “idoso”, já havia obrigado a adoção do regime matrimonial da separação de bens quando o homem contasse com sessenta anos de idade e a mulher com cinquenta e cinco.
Com isso, pretendia-se proteger um grau determinado de faixa etária, preservando-a de golpes contra sua condição econômico-social ou fortuna.
Já o atual Código Civil (Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002), diferentemente, veio para nivelar homens e mulheres e exigiu que as pessoas maiores de setenta anos adotassem o regime da separação de bens no casamento.
Com a implementação de novos conhecimentos médicos e avanços sociais concomitantes surgiu uma maior expectativa de vida. A longevidade, como um fato já apurado, marcou um limite único para homens e mulheres.
Nesse particular, o Estatuto como lei especial é que deve se adequar à lei comum. Trata-se de um caso atípico. Tal estipulação etária veio em um dos incisos do art. 1.641 da nova lei substantiva. Já o Código Penal, ao tratar das circunstâncias que atenuam a pena, para o agente da infração penal, considerou o momento etário somente para os maiores de 70 (setenta) anos, à hora da sentença.
Não se sabe, no âmago do legislador da época, se a vida com setenta anos era realmente o marco da idade provecta. Todavia, nos dias de hoje, com a vigência do Estatuto, não se pode dizer (e se dizê-lo far-se-á uma odiosa discriminação) que a idade senil seja semelhante a do idoso.
 Na senilidade há um incidente biológico que implica na diminuição da capacidade físico-mental; no caso do idoso, simplesmente se dá a partida teórico-temporal.
Enfim, considera-se idoso o sexagenário e pouco importa sua condição de vitalidade, esteja ele em pleno vigor físico ou nos anos da decrepitude.
Pode haver atletas idosos de excelente desempenho físico, com desenvoltura admirável, o que não acontece com os humanos senis.
A Convenção Americana dos Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica, em 1969), adotada e aberta à assinatura na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992, adotou no seu preâmbulo: “Direito à Vida”, art. 4º, um princípio de proteção ao maior de 70 (setenta) anos, no caso de pena de morte. Diz seu número 5: Não se deve impor a pena de morte à pessoa que, no momento da perpetração do delito, for menor de dezoito anos, ou maior de setenta, nem aplicá-la à mulher em estado de gravidez.
Por fim, o Estatuto do Idoso incluiu na sua esfera de proteção não só as pessoas maiores de sessenta anos de idade, mas também as próprias pessoas com idade de sessenta anos.
Antes de o Estatuto ingressar no arcabouço jurídico do País havia a Lei n. 8.842, de 4 de janeiro de 1994, que criava a Política Nacional do Idoso.
Seu art. 2º registrava o idoso nos seguintes termos: Considera-se idoso, para os efeitos desta lei, a pessoa maior de sessenta anos de idade.
Porém, sendo lei especial posterior (e prevalente sobre a outra, já referida), o Estatuto ampliou o campo de abrangência e agasalhou no seu manto as pessoas com sessenta anos de idade, considerando-as como “idosas”.
Como já foi acentuado, idoso não é sinônimo de decrépito nem morto-vivo, tem idade que pode ser considerada como velha, teoricamente.
Porém, a velhice tem seus graus brandos e graus acentuados. Nem toda velhice se alia à enfermidade ou apresenta o reduzimento de aptidões em menor escala, se comparada aos outros homens não abrangidos por seu foco.
Robert Kastenbaum acentuou: “a palavra ‘velho’ é muito significativa. Tomamos muitas decisões – ou os outros as tomam por nós – baseados em pressupostos referentes à idade.
É frequente lembrarem-nos que ‘já estamos velhos demais’ ou que ainda ‘não temos idade suficiente’ para exercer algumas atividades ou desfrutar certas oportunidades e experiências.
Da mesma forma nós próprios também tendemos a julgar os outros pela idade.
Comecemos, então, examinando algumas ideias e praxes que acabaram por associar-se com a idade das pessoas. Na verdade, teremos de falar em ‘idades’ porque há diferentes modos de ser velho”.
 Em trabalho da Unidade de Serviços – USBC/MG, da Biblioteca Central, no SESC de Minas Gerais – Belo Horizonte, sob o título: Pesquisando a terceira idade, às fls. 2/3, vislumbra-se interessante posicionamento: “Velhice é a palavra usada para indicar o período final da vida.
A velhice não pode ser definida com precisão, por dois motivos: o processo de envelhecimento difere bastante de indivíduo para indivíduo.
Uma pessoa de idade avançada pode ter mais saúde e agilidade mental que uma pessoa bem mais nova; uma pessoa pode ser vista como velha em determinada sociedade, e ser considerada relativamente jovem em outra sociedade.
O indivíduo é um conjunto complexo de órgão e células, funções, hábitos e reações diversas, entrelaçando-se o todo de maneira equilibrada. O homem é uno, sua vida é una: ela não se divide em períodos como a juventude, a maturidade, a velhice, mas continua e se transforma.
Cada um de seus elementos tem seu modo de viver, e, portanto, de evoluir e regredir. A noção de um limiar de envelhecimento varia e parece muito discutível.
A transformação insidiosa que fará do adulto um velho, se desenrola em várias dezenas de anos. Entretanto, do ponto de vista biológico, a maioria dos médicos modernos considera que o envelhecimento começa no fim do período de crescimento; a idade cronológica, que é útil conhecer, é, portanto insuficiente para determinar o estado de aptidões do indivíduo idoso e difere muitas vezes da idade biológica, a única que conta (sic)”.
 “Velho” e “idoso” são dois termos quase sinônimos, por analogia, uma vez que o processo de envelhecimento afeta a todos, avança com a faixa etária de todos os viventes, mas de modos distintos em tempo e espaço.
Velho, porém, é um termo mais depreciativo, se visto na sua pura conotação unívoca, na consequente perda de sentidos e vigor.
Há idoso no seu quase pleno vigor e não há velho que não tenha experimentado a fraqueza orgânica visível.
(...)
pode-se dizer que o “envelhecimento caracteriza-se por uma modificação da estatura e do volume do corpo. Há uma diminuição das células ativas ou nobres e de um aumento dos tecidos de apoio chamados intersticiais.
As células e as fibras nervosas condutoras do influxo diminuem consideravelmente no cérebro. Compreende-se, então, que cada uma de nossas funções regride com o envelhecimento, uma vez que cada uma de nossas células é afetada por ele. Os órgãos do sentido despertam a atenção e dão o alarme relativamente cedo.
O olho perde, pouco a pouco, seu poder de acomodação, pois o cristalino se torna opaco e duro. A pupila se contrai com lentidão e reage mal aos estímulos luminosos. O ouvido envelhece, precocemente, tal que o olho”.
Ao falar sobre o idoso, o SESC mineiro foi mais complacente, diferenciando-o do velho e pontuando que “o idoso não pode deixar de ter ambição, deve plantar, aos 90 anos, árvores que levam 30 anos para crescer”.
A idade tem seus estágios, de tal sorte a cometer às pessoas uma classificação por critérios múltiplos e variados.
Há, por incrível que possa parecer, um critério atemporal. Robert Kastenbaum falou de um “método alternativo de classificar as pessoas pela idade.
As distinções baseiam-se na situação de vida da pessoa, especialmente no lugar por ela ocupado na sociedade, mais do que no número de anos transcorridos desde seu nascimento.
Sociólogos e antropólogos por vezes se referem a isso como a um método de classificação de idade por estágios. Este tem sido o critério mais importante para a distinção de idades em muitas sociedades, e ainda subsiste como enfoque suplementar nas nações industrializadas de hoje.
Um método simples de classificação por estágios divide a população em jovens, adultos e velhos. Ele segue de perto o modelo do desenvolvimento psicossexual.
As pessoas são classificadas, na verdade, como pré-paternas, paternas ou pós-paternas. Muitas sociedades acrescentam outra categoria, a ‘adolescência’.
A pessoa é reconhecida como adulta sob muitos aspectos, mas ainda tem que subir mais um grau para obter plena aceitação como adulto completo”.
Para encerrar este tópico, é salutar repetir os ensinamentos de Kastenbaum: “A sociedade precisa de velhos. – A velhice é um estado de espírito. – Dez anos mais velho não quer dizer dez anos pior ou dez anos menos valiosos”. (nossos grifos)
Enfim, idoso, no Estatuto sob comento, nada mais é que o cidadão ou cidadã com sessenta ou mais anos de idade”.

Vilas Boas, Marco Antonio Estatuto do idoso comentado / Marco Antonio Vilas Boas. – 5. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2015.Comentários ao art.1º., do Título I.

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