Emergência médica com final feliz: o socorro da jurisprudência nos momentos mais difíceis
Os problemas com o plano de saúde começaram meses antes, quando a mãe da menina, Carol Sales da Mota, trocou de emprego e teve de transferir a filha do seu plano para o do marido, Thiago Nogueira da Mota.
Embora a menina já tivesse cumprido o período de carência como dependente da mãe, a operadora – que era a mesma – exigiu nova carência (prazo durante o qual o cliente paga a mensalidade, mas não há cobertura para determinados procedimentos).
Quatro meses após se tornar dependente do pai, Alice amanheceu doente. Com o rosto muito inchado, foi ao pediatra, que diagnosticou a celulite em face e disse que, se a menina piorasse, deveria ser levada direto para a emergência.
No hospital, com o estado da menina se agravando a cada momento, a terrível surpresa: “Mesmo argumentando com a atendente da operadora, enviando o laudo escrito de próprio punho pela médica da emergência, mostrando que era um caso de internação urgente, de uma criança com apenas um ano de idade, o plano negou a autorização para internar minha filha”, contou a mãe de Alice.
Liminar
Para dar início ao tratamento de urgência, a família teve de assumir pessoalmente as despesas perante o hospital particular, mas, inconformada, decidiu buscar o auxílio do Poder Judiciário.
“Pesquisei na internet e li em sites jurídicos que as decisões judiciais dependiam muito de jurisprudência. Ainda argumentei com a atendente do plano por telefone. Pedi, implorei, falei que a jurisprudência entendia que a negativa era um abuso e que havia várias decisões em que as operadoras foram condenadas, mas eles foram irredutíveis. A atendente me disse que isso não importava para o plano, que eu tinha que cumprir a carência. Era uma criança. Não era eu. Mas, enfim, nenhum argumento convenceu o plano de saúde”, contou a mãe.
Orientado pela Defensoria Pública, o pai conseguiu na Justiça uma liminar para que a operadora custeasse os valores da internação se a menina tivesse que ficar mais tempo internada do que os dois dias previstos inicialmente.
Thiago contou que a família ficou receosa de não conseguir pagar o tratamento: “Nosso principal medo na época era não conseguir arcar com os valores do restante do tratamento. Felizmente, saiu a decisão liminar dizendo que, se fosse necessário continuar o tratamento da Alice internada, a operadora teria de bancar os gastos”.
Ressarcimento
A liminar acabou não sendo usada, pois Alice só ficou internada por dois dias. Depois da alta, a família foi atrás de um ressarcimento. A ideia inicial era, pelo menos, recuperar o dinheiro que tiveram de pagar pela internação e pelo tratamento da menina – cerca de R$ 5 mil.
A recusa da operadora motivou o pai, representando a criança, a entrar com uma ação na Justiça para que o plano custeasse o que foi gasto com o tratamento e indenizasse a família por danos morais. Ganhou em primeira instância e decidiu recorrer ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) para majorar a indenização.
“O que eu passei vendo a minha filha cada hora mais inchada, cada hora mais inflamada, nenhum dinheiro do mundo consegue pagar. Não dá para minimizar o sentimento ruim que eu tive, o medo de perder a minha filha. Entramos na Justiça, e o advogado do plano de saúde nos chamou para fazer um acordo. Mas não aceitamos”, disse a mãe.
Jurisprudência
O plano de saúde também recorreu, e teve o pedido negado. Tendo por base a jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), o TJDF entendeu que a negativa de custear a internação de urgência, além da resistência em indenizar o que fora gasto com o tratamento da criança, feriu o princípio da dignidade humana e caracterizou o dano moral, cuja reparação deveria ser majorada em relação ao valor originalmente fixado.
O TJDF aplicou as regras protetivas previstas pelo STJ no que diz respeito à incidência do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde. No entender do STJ, a relação estabelecida entre os planos e o paciente é uma relação jurídica de consumo, que pode ser conceituada como uma relação existente entre fornecedor e consumidor, e tem por objeto a aquisição de um produto ou a utilização de um serviço.
A corte local aplicou, ainda, a Súmula 597 do STJ, segundo a qual, mesmo durante o período de carência, o tempo máximo de espera para usar o plano de saúde em procedimentos de urgência ou emergência é de 24 horas, a contar da data de contratação.
De acordo com o ministro do STJ Luis Felipe Salomão (AgInt no AREsp 892.340), a cláusula de carência do contrato de plano de saúde deve ser amenizada diante de situações emergenciais graves nas quais a recusa de cobertura possa frustrar o próprio sentido e a razão de ser do negócio jurídico firmado. “A recusa indevida de tratamento médico – nos casos de urgência – agrava a situação psicológica e gera aflição, que ultrapassam os meros dissabores, caracterizando o dano moral indenizável”, explicou Salomão.
“Com efeito, a jurisprudência deste tribunal vem reconhecendo que a recusa indevida à cobertura médica é causa de danos morais, pois agrava o contexto de aflição psicológica e de angústia sofrido pelo segurado”, ressaltou a ministra Nancy Andrighi no Recurso Especial 1.072.308.
A aplicação, pelo TJDF, dos entendimentos já pacificados no STJ foi fundamental para evitar que o caso fosse enviado para ser discutido nas instâncias superiores.
Um ano e meio depois de entrar com a ação, a família de Alice (hoje com quatro anos) recebeu de volta os valores gastos e a indenização majorada, conforme determinou o TJDF. “Ingressamos com uma ação judicial para reaver nosso dinheiro, pelo menos. Em setembro de 2017, a justiça foi feita e, além do valor pago, ainda recebemos uma indenização por danos morais”, disse Thiago.
Fonte: http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Emerg%C3%AAncia-m%C3%A9dica-com-final-feliz:-o-socorro-da-jurisprud%C3%AAncia-nos-momentos-mais-dif%C3%ADceis. Acesso: 24/03/2019
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