Processo
REsp 1679190 / SP
RECURSO ESPECIAL
2017/0086518-1
Relator(a)
Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (1147)
Órgão Julgador
T3 - TERCEIRA TURMA
Data do Julgamento
26/09/2017
Data da Publicação/Fonte
DJe 02/10/2017
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. TRANSTORNO MENTAL. DEPRESSÃO.
TRATAMENTO PSICOTERÁPICO. LIMITAÇÃO DO NÚMERO DE CONSULTAS.
ABUSIVIDADE. FATOR RESTRITIVO SEVERO. INTERRUPÇÃO ABRUPTA DE
TERAPIA. CDC. INCIDÊNCIA. PRINCÍPIOS DE ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL NA
SAÚDE SUPLEMENTAR. VIOLAÇÃO. ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE
DA ANS. CUSTEIO INTEGRAL. QUANTIDADE MÍNIMA. SESSÕES EXCEDENTES.
APLICAÇÃO DE COPARTICIPAÇÃO. INTERNAÇÃO EM CLÍNICA PSIQUIÁTRICA.
ANALOGIA.
1. Cinge-se a controvérsia a saber se é abusiva cláusula contratual
de plano de saúde que limita a cobertura de tratamento psicoterápico
a 12 (doze) sessões anuais.
2. Conforme prevê o art. 35-G da Lei nº 9.656/1998, a legislação
consumerista incide subsidiariamente nos planos de saúde, devendo
ambos os instrumentos normativos incidir de forma harmônica nesses
contratos relacionais, sobretudo porque lidam com bens sensíveis,
como a manutenção da vida. Incidência da Súmula nº 469/STJ.
3. Com o advento da Lei nº 9.656/1998, as doenças mentais passaram a
ter cobertura obrigatória nos planos de saúde. Necessidade, ademais,
de articulação dos modelos assistenciais público, privado e
suplementar na área da Saúde Mental, especialmente após a edição da
Lei nº 10.216/2001, a qual promoveu a reforma psiquiátrica no Brasil
e instituiu os direitos das pessoas portadoras de transtornos
mentais.
4. Para os distúrbios depressivos, a RN ANS nº 338/2013 estabeleceu
a cobertura mínima obrigatória de 12 (doze) sessões de psicoterapia
por ano de contrato. Posteriormente, a RN ANS nº 387/2015 majorou o
número de consultas anuais para 18 (dezoito).
5. Os tratamentos psicoterápicos são contínuos e de longa duração.
Assim, um número exíguo de sessões anuais não é capaz de remediar a
maioria dos distúrbios mentais. A restrição severa de cobertura
poderá provocar a interrupção da própria terapia, o que comprometerá
o restabelecimento da higidez mental do usuário, a contrariar não só
princípios consumeristas, mas também os de atenção integral à saúde
na Saúde Suplementar (art. 3º da RN nº 338/2013, hoje art. 4º da RN
nº 387/2015).
6. A jurisprudência deste Tribunal Superior é firme no sentido de
que é o médico ou o profissional habilitado - e não o plano de saúde
- quem estabelece, na busca da cura, a orientação terapêutica a ser
dada ao usuário acometido de doença coberta.
7. Na psicoterapia, é de rigor que o profissional tenha autonomia
para aferir o período de atendimento adequado segundo as
necessidades de cada paciente, de forma que a operadora não pode
limitar o número de sessões recomendadas para o tratamento integral
de determinado transtorno mental, sob pena de esvaziar e prejudicar
sua eficácia.
8. Há abusividade na cláusula contratual ou em ato da operadora de
plano de saúde que importe em interrupção de tratamento
psicoterápico por esgotamento do número de sessões anuais
asseguradas no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, visto
que se revela incompatível com a equidade e a boa-fé, colocando o
usuário (consumidor) em situação de desvantagem exagerada (art. 51,
IV, da Lei nº 8.078/1990).
9. O número de consultas/sessões anuais de psicoterapia fixado pela
ANS no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde deve ser considerado
apenas como cobertura obrigatória mínima a ser custeada plenamente
pela operadora de plano de saúde.
10. A quantidade de consultas psicoterápicas que ultrapassar as
balizas de custeio mínimo obrigatório deverá ser suportada tanto
pela operadora quanto pelo usuário, em regime de coparticipação,
aplicando-se, por analogia, com adaptações, o que ocorre nas
hipóteses de internação em clínica psiquiátrica, especialmente o
percentual de contribuição do beneficiário (arts. 16, VIII, da Lei
nº 9.656/1998; 2º, VII e VIII, e 4º, VII, da Resolução CONSU nº
8/1998 e 22, II, da RN ANS nº 387/2015). 11. A estipulação de
coparticipação se revela necessária, porquanto, por um lado, impede
a concessão de consultas indiscriminadas ou o prolongamento em
demasia de tratamentos e, por outro, restabelece o equilíbrio
contratual (art. 51, § 2º, do CDC), já que as sessões de
psicoterapia acima do limite mínimo estipulado pela ANS não foram
consideradas no cálculo atuarial do fundo mútuo do plano, o que
evita a onerosidade excessiva para ambas as partes.
12. Recurso especial parcialmente provido.
Acórdão
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima
indicadas, decide a Terceira Turma, por unanimidade, dar parcial
provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro
Relator. Os Srs. Ministros Moura Ribeiro (Presidente), Nancy
Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro
Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze.
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