terça-feira, 4 de outubro de 2011

Projeto defende inclusão social de crianças especiais pela fotografia

"Quando a norte-americana Heidi Lewis procurou pela primeira vez um profissional para fotografar o filho Taylor, à época com um ano de idade, não imaginava ouvir tantos “nãos”. O motivo: Taylor tinha uma deficiência congênita, considerada pelos fotógrafos um empecilho para uma bela sessão de fotos. A mãe ficou perturbada e, conversando com outras mães de crianças especiais, descobriu que as recusas dos fotógrafos não aconteciam só com ela. Assim, em 2000, ela criou o Special Kids Photography nos Estados Unidos. Nove anos depois, o projeto ganhou um braço no Brasil, pelas lentes de Rubens Vieira.

O objetivo é capacitar profissionais latino-americanos para fotografar crianças com necessidades especiais, a começar pelo Brasil, e combater o preconceito contra crianças e adultos com deficiências por meio das imagens.

Já foram realizados workshops com 17 turmas de fotógrafos, do Recife à Florianópolis, em várias capitais. “O sentimento que eu tive ao saber da história por trás do Special Kids Photography foi muito parecido com o da mãe que teve o direito de ter uma foto do filho negado, mas em menor proporção”, relembra Rubens. Leia entrevista com ele.

iG: Qual foi a sua principal intenção ao trazer o projeto para o Brasil?
Rubens Vieira: Eu sempre estive envolvido com atividades voluntárias e, quando eu conheci o Special Kids Photography nos Estados Unidos, a minha maior intenção naquele momento era torná-lo ainda mais capaz de transformar a sociedade e fazer com que outros fotógrafos se abrissem para isso. O fotógrafo tem a capacidade de atuar diretamente com as famílias e mexer com a autoestima delas. Muitas famílias podem consumir a fotografia, mas não o fazem por acharem que o resultado não será interessante. No Brasil inteiro, há uma parte muito representativa de pessoas com deficiência. Elas também comem e também se vestem, e da mesma maneira a fotografia é mais uma coisa à qual elas devem ter direito. É preciso, portanto, se preparar para atender essa demanda.
Quando vê nosso trabalho, a mãe fica com aquela sensação de que sempre viu o filho dela daquele jeito, mas nunca soube explicar para as outras pessoas.
iG: Como a fotografia pode aumentar a autoestima da família de uma criança com necessidades especiais? Como o projeto estimula as mães neste aspecto?
Rubens Vieira: Quando um casal tem um filho com deficiência, normalmente a mãe se afasta do trabalho para dar assistência à criança. Mais próxima à criança, quando ela vê nosso trabalho, fica com aquela sensação de que sempre viu o filho dela daquele jeito, mas nunca soube explicar para as outras pessoas. A fotografia, portanto, dá respaldo para a mãe mostrar essa criança que ela sempre soube que tinha. Fotografamos uma menininha de quatro anos de idade, uma vez. Ela anda em uma cadeirinha de rodas. Ela é muito inteligente e ativa e, no primeiro semestre deste ano, ela foi convidada para desfilar para uma marca de roupa infantil bem conhecida. O desfile aconteceu porque a mãe olhou para as fotos da filha como uma ferramenta de inclusão. A fotografia, afinal, não é o fim de nada, mas o meio do caminho.

iG: Como funcionam os workshops?
Rubens Vieira: A proposta é capacitarmos o fotógrafo a dizer “sim”, a se abrir, independentemente do nível técnico dele. Nossos workshops não ensinam fotografia, mas sim as adaptações que devem ser feitas para um fotógrafo atingir as expectativas deste público, das crianças especiais em particular. A gente derruba uma série de estigmas, preconceitos e paradigmas. E o fotógrafo precisa entender quais alterações devem ser feitas na rotina da sessão. Usualmente ele recebe uma pessoa sem dificuldades físicas nem intelectuais e pode dizer ao modelo para olhar para cima, para baixo, pular e abaixar. Mas dentro de algumas patologias e deficiências, esses estímulos podem não funcionar. Então o objetivo do Special Kids Photography é mostrar aos fotógrafos quais estímulos funcionam, de acordo com as possíveis deficiências das crianças, e como aproveitar cada um deles. Mas isso não quer dizer que fotografar uma criança com Síndrome de Down, por exemplo, seja muito diferente de fotografar uma criança típica.

iG: Existem diferenças na hora de fotografar essas crianças?
Rubens Vieira: É e não é diferente, ao mesmo tempo. No caso de uma criança com Síndrome de Down, a intensidade delas pode fazer a diferença. Ela pode participar da sessão de fotos com mais empolgação e você pode até não conseguir fotografá-la com facilidade por isso. Mas o mesmo pode acontecer com uma criança típica.

iG: E como estas crianças com necessidades especiais lidam com o fato de estarem sendo fotografadas?
Rubens Vieira: A criança com alguma deficiência, quando chega para ser fotografada, nos proporciona uma série de surpresas. A gente pode encontrar aquela que nos vê como algo hostil e então se protege, já que não sabe se é bom ou ruim, como também podemos encontrar aquela que nunca participou de uma sessão de fotos e se atira, sem medo algum. Então, a melhor resposta é: a criança com deficiência se comporta exatamente como uma criança típica, dentro da capacidade dela. A gente vê o mesmo nível de birra, de manha, de alegria, de diversos sentimentos que também existem ao fotografarmos qualquer criança típica. As diferenças que surgem estão, portanto, nas limitações. Uma criança manhosa, na hora da fotografia, pode correr para debaixo da saia da mãe. A criança cadeirante não tem esse artifício. Então, em vez disso, ela irá chorar. A forma de manifestar os sentimentos muda, mas elas são iguais. E queremos que as crianças típicas também saibam disso.
iG: Como? Com esse trabalho, você busca também atingir as outras crianças?
Rubens Vieira: A exposição que será realizada agora no início do mês em Porto Alegre, assim como já foi feita em São Paulo e em Brasília, tem esse objetivo: mostrar as fotografias às crianças, muito mais que aos pais. Queremos disponibilizar aos pais conscientes a oportunidade de colocar a fotografia de uma criança com necessidades especiais diante do filho e falar sobre as diferenças. Temos bastante público para dar às crianças de hoje, durante a fase de formação de caráter, essa oportunidade. Afinal, é esta criança que irá tomar decisões no futuro. É diferente de um pai levar o filho ao shopping e, ao encontrar uma família com uma criança com alguma deficiência severa, se sentir incapaz de explicar a situação, por medo de tornar a situação constrangedora. A solução desse pai é o “deixa pra lá”. Mas em uma exposição, ou até mesmo na web, ele pode se sentir mais à vontade. Esta é a intenção do Special Kids Photography: dar aos pais a oportunidade de atuar quando o filho ainda é novo e está formando o próprio caráter. Os resultados virão em longo prazo: o medo e o preconceito irão embora e permitirão às crianças se aproximar umas das outras com mais facilidade.

iG: Em que ponto está o projeto no Brasil e quais os objetivos agora?
Rubens Vieira: Estamos hoje na terceira etapa do projeto. A primeira etapa foi de capacitação de fotógrafos. A segunda etapa foi a procura por instituições para formar parceiros de iniciativa privada e entrar em contato com esse público específico. Agora estamos dando a cara e efetivamente falando com a sociedade inteira. Mês passado, no aniversário de dois anos do Special Kids Photography Brasil, lançamos o “Especial Sim”, que fala sobre a iniciativa e entra em contato com o público em geral."

>http://delas.ig.com.br/filhos/projeto-defende-inclusao-social-de-criancas-especiais-pela-fotografia/n1597246911861<.

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