domingo, 3 de novembro de 2019

ANIMAL DE ESTIMAÇÃO.GUARDA COMPARTILHADA.

Processo

REsp 1713167 / SP
RECURSO ESPECIAL
2017/0239804-9

Relator(a)

Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO (1140)

Órgão Julgador

T4 - QUARTA TURMA

Data do Julgamento

19/06/2018

Data da Publicação/Fonte

DJe 09/10/2018
RSTJ vol. 253 p. 615

Ementa

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ANIMAL
DE  ESTIMAÇÃO.  AQUISIÇÃO  NA  CONSTÂNCIA DO RELACIONAMENTO. INTENSO
AFETO   DOS   COMPANHEIROS   PELO   ANIMAL.   DIREITO   DE  VISITAS.
POSSIBILIDADE, A DEPENDER DO CASO CONCRETO.
1.  Inicialmente,  deve  ser  afastada  qualquer  alegação  de que a
discussão envolvendo a entidade familiar e o seu animal de estimação
é  menor,  ou  se  trata  de  mera futilidade a ocupar o tempo desta
Corte.  Ao  contrário,  é  cada  vez  mais  recorrente  no  mundo da
pós-modernidade e envolve questão bastante delicada, examinada tanto
pelo  ângulo  da  afetividade em relação ao animal, como também pela
necessidade  de sua preservação como mandamento constitucional (art.
225,  §  1,  inciso  VII  - "proteger a fauna e a flora, vedadas, na
forma  da  lei,  as  práticas  que  coloquem  em  risco  sua  função
ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a
crueldade").  2.  O Código Civil, ao definir a natureza jurídica dos
animais,  tipificou-os  como  coisas  e, por conseguinte, objetos de
propriedade,  não  lhes atribuindo a qualidade de pessoas, não sendo
dotados  de  personalidade  jurídica  nem  podendo  ser considerados
sujeitos  de  direitos. Na forma da lei civil, o só fato de o animal
ser  tido como de estimação, recebendo o afeto da entidade familiar,
não  pode  vir  a alterar sua substância, a ponto de converter a sua
natureza  jurídica.  3.  No entanto, os animais de companhia possuem
valor  subjetivo  único  e  peculiar, aflorando sentimentos bastante
íntimos em seus donos, totalmente diversos de qualquer outro tipo de
propriedade privada. Dessarte, o regramento jurídico dos bens não se
vem  mostrando  suficiente  para  resolver, de forma satisfatória, a
disputa  familiar  envolvendo  os  pets,  visto  que não se trata de
simples  discussão atinente à posse e à propriedade. 4. Por sua vez,
a guarda propriamente dita - inerente ao poder familiar - instituto,
por  essência,  de  direito  de  família,  não  pode  ser  simples e
fielmente  subvertida para definir o direito dos consortes, por meio
do  enquadramento de seus animais de estimação, notadamente porque é
um  munus  exercido no interesse tanto dos pais quanto do filho. Não
se  trata de uma faculdade, e sim de um direito, em que se impõe aos
pais a observância dos deveres inerentes ao poder familiar.
5.  A  ordem  jurídica não pode, simplesmente, desprezar o relevo da
relação  do  homem com seu animal de estimação, sobretudo nos tempos
atuais.   Deve-se   ter   como   norte   o   fato,   cultural  e  da
pós-modernidade,  de  que há uma disputa dentro da entidade familiar
em  que  prepondera  o  afeto  de  ambos  os  cônjuges  pelo animal.
Portanto,  a  solução deve perpassar pela preservação e garantia dos
direitos  à  pessoa  humana,  mais  precisamente,  o  âmago  de  sua
dignidade.
6.  Os  animais de companhia são seres que, inevitavelmente, possuem
natureza  especial e, como ser senciente - dotados de sensibilidade,
sentindo  as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos animais
racionais -, também devem ter o seu bem-estar considerado. 7. Assim,
na  dissolução  da  entidade  familiar em que haja algum conflito em
relação  ao  animal  de estimação, independentemente da qualificação
jurídica  a ser adotada, a resolução deverá buscar atender, sempre a
depender  do  caso  em  concreto, aos fins sociais, atentando para a
própria evolução da sociedade, com a proteção do ser humano e do seu
vínculo  afetivo  com o animal. 8. Na hipótese, o Tribunal de origem
reconheceu  que  a  cadela  fora  adquirida  na  constância da união
estável  e  que  estaria  demonstrada  a  relação  de  afeto entre o
recorrente  e  o  animal de estimação, reconhecendo o seu direito de
visitas ao animal, o que deve ser mantido.
9. Recurso especial não provido.

Acórdão

Vistos,  relatados  e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta
Turma  do  Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos
votos  e  das notas taquigráficas Prosseguindo no julgamento, após o
voto-vista  do  Ministro  Marco  Buzzi negando provimento ao recurso
especial  por fundamentação diversa do relator, e o voto do Ministro
Lázaro  Guimarães  no  sentido  da  divergência,, por maioria, negar
provimento  ao  recurso especial, nos termos do voto do relator. Com
ressalvas de fundamentação do Ministro Marco Buzzi. Votaram vencidos
os   Srs.   Ministros  Maria  Isabel  Gallotti  e  Lázaro  Guimarães
(Desembargador convocado do TRF 5ª Região).
Os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira (Presidente) e Marco Buzzi
(voto-vista) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Informações Complementares à Ementa

     (VOTO VISTA) (MIN. MARCO BUZZI)
     "[...]  nos termos dos artigos 1.314 e 1.315 do Código Civil, a
copropriedade  exercida  sobre  o  bem  semovente  não necessita ser
quantitativamente  proporcional, ou seja, mediante o estabelecimento
de  quantidade  de  dias  precisos sobre os quais terá cada qual dos
sujeitos  o  direito de exercer a posse/guarda, mas sim que sejam os
direitos  qualitativamente  proporcionais sobre a totalidade do bem,
viabilizando que a posse/guarda e estabelecimento do vínculo afetivo
sejam exercidos por ambos os ex-consortes.
     Nessa  medida,  sendo desnecessária a aplicação por analogia do
instituto  da  guarda  compartilhada no caso concreto, em virtude de
existir  no  ordenamento  jurídico  pátrio  ditame legal atinente ao
Direito  das Coisas - aplicação do instituto da copropriedade - para
a solução da contenda, deve ser mantido o entendimento do Tribunal a
quo   que   estabeleceu  as  diretrizes  para  esse  exercício,  bem
delineando  a  distribuição  - qualitativa - dos comunheiros sobre o
animal [...]".
     (VOTO VENCIDO) (MIN. MARIA ISABEL GALLOTTI)
     "[...]  no caso ora em exame, não se cogita mais de partilha de
bens.  Já  houve,  quando  do  rompimento  da  união,  uma escritura
declaratória de que nada havia a partilhar. Anos após foi ajuizada a
presente  ação,  com  o  objetivo  de  'regulamentação  de  guarda e
visitas' do animal.
     Penso,  data maxima venia, que as limitações ao direito real de
propriedade  são  as  previstas  em lei. Não há nenhuma limitação de
direito de propriedade baseada em afeto".
     "O  que se pretende é exercer, com base em decisão judicial, um
direito  de visitas que não é previsto no ordenamento jurídico atual
no Brasil. Parece-me que, no caso, não se trata de lacuna legal, mas
de  consciente  opção  do  legislador de não regulamentar a matéria,
tanto  que  havendo  projeto  legislativo  para  tanto, ele não teve
andamento.
     Penso  que  escapa,  portanto, à atribuição do Poder Judiciário
criar direitos e impor obrigações não previstos em lei".

Referência Legislativa

LEG:FED CFB:****** ANO:1988*****  CF-1988     CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
        ART:00225   PAR:00001   INC:00007

LEG:FED LEI:010406 ANO:2002
*****  CC-02       CÓDIGO CIVIL DE 2002
        ART:00082   ART:00098   ART:00099   ART:00445   PAR:00002
        ART:00936   ART:01315   ART:01444   ART:01445   ART:01446

Jurisprudência Citada

(PROCESSUAL CIVIL - ANIMAIS - PRESERVAÇÃO - MANDAMENTO
CONSTITUCIONAL)
     STF - ADI 4983, ADI 1856
     STJ - REsp 1115916-MG

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