Processo
REsp 1713167 / SP
RECURSO ESPECIAL
2017/0239804-9
RECURSO ESPECIAL
2017/0239804-9
Relator(a)
Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO (1140)
Órgão Julgador
T4 - QUARTA TURMA
Data do Julgamento
19/06/2018
Data da Publicação/Fonte
DJe 09/10/2018 RSTJ vol. 253 p. 615
Ementa
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. AQUISIÇÃO NA CONSTÂNCIA DO RELACIONAMENTO. INTENSO AFETO DOS COMPANHEIROS PELO ANIMAL. DIREITO DE VISITAS. POSSIBILIDADE, A DEPENDER DO CASO CONCRETO. 1. Inicialmente, deve ser afastada qualquer alegação de que a discussão envolvendo a entidade familiar e o seu animal de estimação é menor, ou se trata de mera futilidade a ocupar o tempo desta Corte. Ao contrário, é cada vez mais recorrente no mundo da pós-modernidade e envolve questão bastante delicada, examinada tanto pelo ângulo da afetividade em relação ao animal, como também pela necessidade de sua preservação como mandamento constitucional (art. 225, § 1, inciso VII - "proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade"). 2. O Código Civil, ao definir a natureza jurídica dos animais, tipificou-os como coisas e, por conseguinte, objetos de propriedade, não lhes atribuindo a qualidade de pessoas, não sendo dotados de personalidade jurídica nem podendo ser considerados sujeitos de direitos. Na forma da lei civil, o só fato de o animal ser tido como de estimação, recebendo o afeto da entidade familiar, não pode vir a alterar sua substância, a ponto de converter a sua natureza jurídica. 3. No entanto, os animais de companhia possuem valor subjetivo único e peculiar, aflorando sentimentos bastante íntimos em seus donos, totalmente diversos de qualquer outro tipo de propriedade privada. Dessarte, o regramento jurídico dos bens não se vem mostrando suficiente para resolver, de forma satisfatória, a disputa familiar envolvendo os pets, visto que não se trata de simples discussão atinente à posse e à propriedade. 4. Por sua vez, a guarda propriamente dita - inerente ao poder familiar - instituto, por essência, de direito de família, não pode ser simples e fielmente subvertida para definir o direito dos consortes, por meio do enquadramento de seus animais de estimação, notadamente porque é um munus exercido no interesse tanto dos pais quanto do filho. Não se trata de uma faculdade, e sim de um direito, em que se impõe aos pais a observância dos deveres inerentes ao poder familiar. 5. A ordem jurídica não pode, simplesmente, desprezar o relevo da relação do homem com seu animal de estimação, sobretudo nos tempos atuais. Deve-se ter como norte o fato, cultural e da pós-modernidade, de que há uma disputa dentro da entidade familiar em que prepondera o afeto de ambos os cônjuges pelo animal. Portanto, a solução deve perpassar pela preservação e garantia dos direitos à pessoa humana, mais precisamente, o âmago de sua dignidade. 6. Os animais de companhia são seres que, inevitavelmente, possuem natureza especial e, como ser senciente - dotados de sensibilidade, sentindo as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos animais racionais -, também devem ter o seu bem-estar considerado. 7. Assim, na dissolução da entidade familiar em que haja algum conflito em relação ao animal de estimação, independentemente da qualificação jurídica a ser adotada, a resolução deverá buscar atender, sempre a depender do caso em concreto, aos fins sociais, atentando para a própria evolução da sociedade, com a proteção do ser humano e do seu vínculo afetivo com o animal. 8. Na hipótese, o Tribunal de origem reconheceu que a cadela fora adquirida na constância da união estável e que estaria demonstrada a relação de afeto entre o recorrente e o animal de estimação, reconhecendo o seu direito de visitas ao animal, o que deve ser mantido. 9. Recurso especial não provido.
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Ministro Marco Buzzi negando provimento ao recurso especial por fundamentação diversa do relator, e o voto do Ministro Lázaro Guimarães no sentido da divergência,, por maioria, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do relator. Com ressalvas de fundamentação do Ministro Marco Buzzi. Votaram vencidos os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti e Lázaro Guimarães (Desembargador convocado do TRF 5ª Região). Os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira (Presidente) e Marco Buzzi (voto-vista) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Informações Complementares à Ementa
(VOTO VISTA) (MIN. MARCO BUZZI) "[...] nos termos dos artigos 1.314 e 1.315 do Código Civil, a copropriedade exercida sobre o bem semovente não necessita ser quantitativamente proporcional, ou seja, mediante o estabelecimento de quantidade de dias precisos sobre os quais terá cada qual dos sujeitos o direito de exercer a posse/guarda, mas sim que sejam os direitos qualitativamente proporcionais sobre a totalidade do bem, viabilizando que a posse/guarda e estabelecimento do vínculo afetivo sejam exercidos por ambos os ex-consortes. Nessa medida, sendo desnecessária a aplicação por analogia do instituto da guarda compartilhada no caso concreto, em virtude de existir no ordenamento jurídico pátrio ditame legal atinente ao Direito das Coisas - aplicação do instituto da copropriedade - para a solução da contenda, deve ser mantido o entendimento do Tribunal a quo que estabeleceu as diretrizes para esse exercício, bem delineando a distribuição - qualitativa - dos comunheiros sobre o animal [...]". (VOTO VENCIDO) (MIN. MARIA ISABEL GALLOTTI) "[...] no caso ora em exame, não se cogita mais de partilha de bens. Já houve, quando do rompimento da união, uma escritura declaratória de que nada havia a partilhar. Anos após foi ajuizada a presente ação, com o objetivo de 'regulamentação de guarda e visitas' do animal. Penso, data maxima venia, que as limitações ao direito real de propriedade são as previstas em lei. Não há nenhuma limitação de direito de propriedade baseada em afeto". "O que se pretende é exercer, com base em decisão judicial, um direito de visitas que não é previsto no ordenamento jurídico atual no Brasil. Parece-me que, no caso, não se trata de lacuna legal, mas de consciente opção do legislador de não regulamentar a matéria, tanto que havendo projeto legislativo para tanto, ele não teve andamento. Penso que escapa, portanto, à atribuição do Poder Judiciário criar direitos e impor obrigações não previstos em lei".
Referência Legislativa
LEG:FED CFB:****** ANO:1988***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ART:00225 PAR:00001 INC:00007 LEG:FED LEI:010406 ANO:2002 ***** CC-02 CÓDIGO CIVIL DE 2002 ART:00082 ART:00098 ART:00099 ART:00445 PAR:00002 ART:00936 ART:01315 ART:01444 ART:01445 ART:01446
Jurisprudência Citada
(PROCESSUAL CIVIL - ANIMAIS - PRESERVAÇÃO - MANDAMENTO CONSTITUCIONAL) STF - ADI 4983, ADI 1856 STJ - REsp 1115916-MG
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