sábado, 30 de novembro de 2019

Defensoria obtém salvo-conduto da Justiça para que mãe possa cultivar maconha e produzir óleo utilizado em tratamento de filho com autismo.





A Defensoria Pública de SP obteve um salvo-conduto para que uma mãe possa cultivar maconha e dela extrair óleo de Cannabis sativa para tratamento medicinal de seu filho, diagnosticado com transtorno do espectro autista grave. Essa mais recente decisão soma-se a outras duas semelhantes também obtidas pela Defensoria paulista neste ano de 2019.
A autorização atendeu a um pedido de habeas corpus preventivo proposto pela Defensoria perante o Departamento de Inquéritos Policiais (DIPO) da Capital. O pedido foi feito de forma preventiva por não haver qualquer processo criminal ou investigação em andamento contra a mãe. A decisão favorável fez referência expressa, ainda, a precedente obtido no início de 2019 pela Defensoria junto à 10ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça paulista (TJ-SP), que também autorizou uma mãe a cultivar maconha em casa para produzir óleo para tratamento de sua filha.
Conheça o caso
No caso analisado pelo DIPO, o jovem Rafael*, de 22 anos, recebia, desde criança, diversos tratamentos baseados em remédios e terapias para o transtorno do espectro autista. No entanto, nos últimos anos, os tratamentos convencionais não estavam mais surtindo os efeitos desejados para controlar as crises de agressividade que o acometiam. O grande volume de medicamentos também contribuiu para agravar o quadro de saúde do rapaz, que passou a apresentar problemas nos rins, intestino, fígado, estômago e outros órgãos.
Em contato com diversas famílias com parentes também diagnosticados com autismo, a mãe de Rafael, Marta*, tomou conhecimento das propriedades medicinais da cannabis e do sucesso no controle das crises dos pacientes que faziam uso da substância. Marta conversou sobre isso com o médico de seu filho, que então prescreveu o uso de um medicamento a base de cannabis para o paciente.
Em que pese a autorização para importação da medicação, a dificuldade em obtê-la levou Marta a produzir o óleo extraído a partir da flor da maconha. De acordo com relatórios médicos, após a utilização da substância, o quadro de Rafael melhorou muito, o que permitiu, inclusive, que ele voltasse a frequentar o ambiente escolar.
Para que pudesse continuar o cultivo do vegetal, e assim, extrair o óleo necessário para tratamento de seu filho, Marta procurou a Defensoria Pública, que então ingressou com um habeas corpus preventivo, com pedido de salvo-conduto, uma vez que o cultivo desta planta para uso próprio é considerado crime pela legislação brasileira.
Atuação da Defensoria
"No presente caso, Marta está na iminência de sofrer uma coação, vez que o plantio e uso de cannabis não está completamente regulamentado, conforme prevê a legislação pátria. Apesar de o cultivo e produção caseira de canabinóides configurar medida essencial para a garantia dos direitos fundamentais de seu filho, e que, além disso, a correta interpretação constitucional abre possibilidade para o regular exercício deste direito, a União ainda não cumpriu seu dever legal de regulamentação deste tipo de prática", afirmam os Defensores e Defensoras Rafael Lessa Vieira, Davi Quintanilha Failde de Azevedo, Daniela Trettel (Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos), Fernanda Dutra Pinchiaro e Daniela Skromov de Albuquerque (Núcleo Especializado dos Direitos da Pessoa Idosa e Pessoa com Deficiência).
Em sua decisão, a Juíza Tatiane Saes Valverde Ormeleze observou que a concessão do salvo conduto busca "a efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana, bem como dos direitos à vida e à saúde, os quais devem prevalecer sobre a proibição de se cultivar a planta de onde se extrai a substância utilizada especificamente para o tratamento do paciente, em um contexto de necessidade, adequação e proporcionalidade". E acrescentou: "Não se afigura coerente que a lei, cujo bem jurídico tutelado é a saúde pública, impeça a fruição plena deste mesmo direito".
Dessa forma, autorizou o cultivo de Cannabis sativa por Marta, com finalidade estritamente medicial, permitindo a extração artesanal das substâncias necessárias à produção do óleo caseiro. Determinou, ainda, que as forças de segurança (polícias civil, militar e federal) sejam impedidas de proceder a prisão de Marta pela produção da substância em sua residência, bem como de apreender as plantas utilizadas para fins estritamente medicinais. A autorização tem validade de 1 ano, quando novo relatório médico deve ser apresentado indicando a necessidade de continuação do tratamento, a fim de obter renovação do salvo-conduto.
Outro caso
Além do caso levado ao TJ-SP e julgado no início de 2019, a Defensoria Pública de SP obteve no último mês de outubro mais uma decisão que a mãe de uma jovem que sofre com epilepsia e deficiência intelectual grave possa cultivar maconha em casa para produzir de forma artesanal óleo de extrato da Cannabis sativa para tratamento da filha. A decisão, em caráter liminar, foi concedida no dia 25/10 pela 2ª Vara de Ubatuba, atendendo a habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública em Taubaté. Saiba mais aqui.
*nomes fictícios

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