Princípio
da Função Social do Contrato
Marcia
Cristina Diniz Fabro [1]*
Introdução
A Pandemia da Covid-19 declarada
pela OMS culminou com a paralisação de algumas atividades, eis que suscitou restrições
na circulação dos bens de consumo e nos serviços.
Trouxe o isolamento social e
desta forma, setores produtivos sofreram prejuízos.
Muitas obrigações deixaram de
ser cumpridas por impossibilidade de adimplemento de prestações contratuais.
A invocação de caso fortuito
e da força maior do art. 393[2] do Código Civil não pode
ser aplicada de forma absoluta para alicerçar o descumprimento das prestações
contratuais
Examinar o efeito da pandemia causada pela
COVID-19 nos contratos e a aplicação do Caso Fortuito e Força Maior e seus
reflexos na responsabilidade civil nos contratos demanda
a aplicação do Princípio da Função Social do Contrato sob o aspecto da Lei da
Liberdade Econômica.
O artigo trará considerações
sob a perspectiva da aplicação do Princípio da Função Social sob o crivo da
atual redação do art. 421[3] do Código Civil, o qual propõem
intervenções minimalistas nos contratos privados, face a recente Lei de
Liberdade Econômica. O desdobramento das circunstancias serão estudadas neste
artigo.
Conceito
de contrato
Leciona Maria Helena Diniz acerca
do contrato que este é como qualquer negócio jurídico, o qual possui um ciclo
de existência: nasce do mútuo consentimento, sofre as vicissitudes de sua
carreira jurídica e termina normalmente com o cumprimento das prestações
(Curso..., 2003, p. 150). Nesse contexto, a execução ou o cumprimento do
contrato é o modo normal de extinção de uma relação contratual.[4]
Álvaro Villaça Azevedo ensina
que contrato é uma:
(...)
obrigação como a relação jurídica transitória, de natureza econômica, pela qual
o devedor fica vinculado ao credor, devendo cumprir determinada prestação
pessoal, positiva ou negativa, cujo inadimplemento enseja a este executar o
patrimônio daquele para satisfação de seu interesse.[5]
Os contratos são permeados
por princípios tais como: Autonomia da vontade; Prevalência da ordem pública; Força
obrigatória dos contratos; Boa-fé objetiva e Função social.[6]
Princípio
da Função Social
Definição
O Princípio da Função Social
dos Contratos, nas lições do Professor Flávio Tartuce, pode ser conceituado
como sendo um princípio de ordem pública, pelo qual o contrato deve ser,
necessariamente, visualizado e interpretado de acordo com o contexto da
sociedade.[7]
Trata-se de princípio que
pode ser utilizado em duas vertentes, tanto para a extinção como para a
manutenção do contrato.
Na realidade a função social
pode ser reportada enquanto uma cláusula geral através da qual decorre um conjunto
de deveres de proteção da liberdade de contratar. Mas veja-se que os deveres
entabulados pelas contratantes indicam o parâmetro para o correto exercício da
livre iniciativa das pessoas, sem que a liberdade de um interfira ilicitamente
na esfera jurídica do outro. Tais deveres se destinam às partes e a terceiros
de um vínculo contratual.[8]
O Enunciado nº 22, aprovado na I Jornada de Direito Civil, dispõe:
"a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil,
constitui cláusula geral que reforça o princípio de conservação do contrato,
assegurando trocas úteis e justas".[9]
Anota Judith Martins -Costa,
que a função social é, uma condicionante posta ao princípio da liberdade contratual.
(...)
Representa não apenas uma restrição à liberdade contratual, pois tem um peso
específico, a que é o de entender a eventual restrição à liberdade contratual
não mais como uma “exceção” a um
direito absoluto, mas como expressão da função metaindividual que integra
aquele direito. Há, portanto, aduz, um valor operativo, regulador da disciplina
contratual, que deve ser utilizado não apenas na interpretação dos contratos,
mas, por igual, na integração e na concretização das normas contratuais
particularmente consideradas.[10]
Pandemia
e o Caso Fortuito e Força Maior
Importante saber se a
pandemia constitui em seus efeitos, o Caso Fortuito e Força Maior, ambos
previstos no art. 393[11] do Código Civil.
Isto porquê, se considera um
evento externo ao contrato, mas com repercussões internas para os contratantes
no sentido de haver ou não responsabilidade civil, quanto ao inadimplemento de
prestações contratuais de sorte a possibilitar possível revisão do negócio
jurídico.
A revisão
dos contratos em casos excepcionais ou quando atendidos os requisitos de alguma
das teorias tais como “teoria da imprevisão”, “teoria da quebra da base
objetiva” ou a “teoria da onerosidade excessiva”, poder ser aplicada tendo-se
em vista que não há circunstância mais extraordinária e excepcional do que o
surto de coronavírus.[12]
Para Carlos Roberto
Gonçalves,
É
possível afirmar que o atendimento à função social pode ser enfocado sob dois
aspectos: um, individual, relativo aos contratantes, que se valem do contrato
para satisfazer seus interesses próprios, e outro, público, que é o interesse
da coletividade sobre o contrato. Nessa medida, a função social do contrato
somente estará cumprida quando a sua finalidade – distribuição de riquezas –
for atingida de forma justa, ou seja, quando o contrato representar uma fonte
de equilíbrio social.[13]
Em sendo a Pandemia uma
situação de calamidade pública, isto implica que os efeitos de a Covid19, não
podem ser imputados como elemento provocador de inadimplemento
contratual a ser imputado para qualquer das partes contratantes.
Pelo elemento extraordinário
e imprevisível, o qual seria inevitável e irresistível, seria difícil imaginar
que uma parte no contrato tivesse condições de adotar medidas que pudessem
evitar ou impedir os efeitos danosos da pandemia sobre suas obrigações
contratuais.[14]
A respeito do tema, leciona
Silvio Salvo Venosa:
Para
o Código, caso fortuito e força maior são situações invencíveis, que refogem às
forças humanas, ou às forças do devedor em geral, impedindo e impossibilitando
o cumprimento da obrigação. É o devedor faltoso, o inadimplente que deve provar
a ocorrência desses fatos. Há dois elementos a serem provados, um de índole
objetiva, que é a inevitabilidade do evento,
e outro de índole subjetiva, isto é, ausência de culpa.[15]
A
pandemia e seus efeitos podem se encaixar no conceito de caso fortuito e de
força maior, visto que inegavelmente constituem evento externo, inevitável e
imprevisível. Ocorre que a esses requisitos deve ser agregado mais um fator
fundamental, sem o qual o efeito de exoneração do art. 393 do Código Civil não
se verificará. É preciso que esse evento externo, inevitável e imprevisível
gere a impossibilidade do cumprimento da obrigação, ainda que temporária. Como
se lê na clássica lição de Mazeaud, Mazeaud et Chabas “[a] força maior ou caso
fortuito é um evento exterior imprevisível e irresistível que impede alguém de
cumprir sua obrigação.[17]
Neste desiderato se
comprovado o impedimento objetivo de determinada prestação, como por exemplo
entrega de mercadorias ou prestação de serviços, seu descumprimento motivado
por fato alheio à vontade das partes pode tornar a obrigação impossível de ser
praticada, o que ensejaria ausência de responsabilidade civil por parte do
devedor.
Ainda
que a pandemia causada pelo coronavírus possa impactar de maneira negativa, um
contrato (ou o negócio por ele regulado), não necessariamente incide ou impede
o cumprimento de uma obrigação de pagamento nele prevista. A pandemia pode
impactar adversamente a atividade empresarial, mas a ausência de fundos para
efetuar um pagamento (ainda que isso decorra ou possa ser atribuído à pandemia
e seus efeitos) não pode ser confundida com um fato necessário, inevitável e
irresistível que incide sobre o “ato de pagar”, a ponto de inviabilizá-lo (como
seria, por exemplo, um colapso do sistema bancário ou outro problema de similar
gravidade que comprometesse a disponibilidade ou o acesso a
meios de pagamento).[18]
Neste sentido, a prova de
situação que impossibilite o cumprimento da obrigação é que verdadeiramente
produzirá efeitos quanto a responsabilidade do adimplemento da prestação.
(..)
para que haja tal indenização, é essencial a culpa. Ocorrendo o fato
invencível, não responderá o devedor pelos prejuízos resultantes de caso
fortuito ou força maior, na regra geral do art. 393. Por seu lado, a nova lei,
a exemplo do Código antigo no art. 1.058, refere-se também à possibilidade de
assunção expressa de indenização pela parte, ainda que perante o caso fortuito
ou a força maior: “O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso
fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado”
(art. 393). Assim como, por vontade das partes, pode ocorrer limitação da
responsabilidade; pode haver ampliação, assumindo o contratante o dever de
indenizar mesmo perante essas excludentes.[19]
Na seara contratual,
quando ocorre a inexecução de prestação contratual, compete ao devedor provar a
ausência de culpa/dolo pelo seu descumprimento. Para o credor, basta a
prova objetiva, qual seja: tinha que receber e não recebeu no tempo, lugar ou
modo devidos. E, incumbe ao devedor provar não ter agido com culpa para se
eximir da responsabilidade.[20]
Acerca do tema leciona Maria
Helena Diniz:
A
impossibilidade de cumprir a obrigação sem culpa do devedor equivale ao caso
fortuito e à força maior. Desde o direito romano há liberação do devedor quando
o inadimplemento da obrigação decorre de acontecimentos alheio ou estranho à
sua vontade, cujo efeito não possa evitar ou impedir, isto é, de caso fortuito
ou de força maior, ocasionando a extinção do vínculo obrigacional, sem que
caiba ao credor qualquer ressarcimento, hipótese em que se configura,
fatalmente, a cessação da obrigação sem que tenha havido pagamento.[21]
Nesta toada, incumbe ao
credor provar a existência do contrato, seu descumprimento e que esse
descumprimento causou-lhe danos. Ademais, se a execução da prestação se
impossibilitar por fato imputável ao devedor, porque este agiu culposamente,
não há que se falar de caso fortuito e força maior de sorte que responderá pelo
inadimplemento da prestação.[22]
Com relação a mora, veja-se
que mesmo ocorrendo caso fortuito e força maior, o devedor responde, durante o
atraso, exceto se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria, mesmo que
a obrigação tivesse sido desempenhada no momento oportuno.[23]
Função
social dos contratos e a Lei de Liberdade Econômica
Por força da edição da Medida Provisória 881/2019, que
depois foi convertida na Lei de Liberdade Econômica[24] (13.874/2019), o
legislador trouxe elementos os quais acabaram por modificar à
ingerência na liberdade contratual, no sentido de se preservar a livre
iniciativa, inibindo ao máximo, as possibilidades de intervenção do Estado na
esfera contratual.
A exposição
de motivos da MP demonstra que o objetivo visado foi alterar as premissas
postas no Código Civil de 2002 (CC), assim como forte influência da análise
econômica do Direito, além de uma tentativa explícita de incluir dispositivos
com o caráter ideológico dominante na atual gestão de governo, tudo em prol da
"eficiência econômica".[25]
O artigo 421 do Código Civil que foi
recentemente modificado face a Lei de Liberdade Econômica, tem o seguinte
conteúdo, a saber:
Art. 421. A liberdade contratual será
exercida nos limites da função social do contrato. (Redação dada
pela Lei nº 13.874, de 2019)
Parágrafo
único. Nas relações contratuais
privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual. (Incluído
pela Lei nº 13.874, de 2019)
Art.
421-A. Os contratos civis e
empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos
concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os
regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que: (Incluído
pela Lei nº 13.874, de 2019)
I -
as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a
interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de
resolução; (Incluído
pela Lei nº 13.874, de 2019)
II -
a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada;
e (Incluído
pela Lei nº 13.874, de 2019)
III
- a revisão contratual somente
ocorrerá de maneira excepcional e limitada. (Incluído
pela Lei nº 13.874, de 2019). [26] (Grifos
nossos)
Com a recente modificação do
sobredito texto de lei, há possibilidade de revisão contratual, só poderá se
dar em situações excepcionais, “Nas
relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e
a excepcionalidade da revisão contratual”.[27]
Silvio Venosa ao comentar o
sobredito texto legal, aduz:
O
fato, de essa nova lei determinar que na avaliação da função social do contrato
se levará em conta seus princípios, adiciona um plus na avaliação do
julgador e das próprias partes, para definir sua eventual invalidade. O contrato
poderá, por exemplo, contrariar a proteção ao meio ambiente, prejudicar uma vizinhança,
tangenciar a observância da lei trabalhista etc. Nada que no passado não fosse
levado em conta, porém, de forma enfática a presente lei deseja que se leve em
conta o espírito deste ordenamento. Os futuros julgados nos darão certamente um
balizamento. (...) não cabe destacar
aprioristicamente o que significa a função social do contrato e o que viola
essa função. Preservada a autonomia da vontade, o grande baluarte pactual, importa
verificar no caso concreto se o contrato em si, ou cláusulas deste, transgridam
uma função social. Não só o caso concreto responderá a questão, como outros
fatores como o momento histórico e o posição geográfica do contrato, por
exemplo. Um mesmo contrato pode ter valoração
diversa depois de dez anos de vigência, como um mesmo
contrato
firmado
no norte do país pode ter uma característica diversa de outro concluído no sul.[28]
Em comentários ao art. 2º da
Medida Provisória 881/2019, que instituiu a Lei de Liberdade Econômica, leciona
Silvio Venosa :
“São
princípios que norteiam o disposto nesta medida provisória:
I –
a presunção de liberdade no exercício de atividades econômicas;
II –
a presunção de boa-fé do particular; e
IV –
a intervenção subsidiária, mínima e excepcional do Estado sobre o exercício de
atividades econômicas”.
Cuida-se
de verdadeiras regras de conduta para os agentes públicos e regras
interpretativas a serem seguidas pelos magistrados”.[29]
No caso, o Coronavírus
trouxe um novo elemento para que as cláusulas contratuais possam ser revistas e
a opção de revê-las é possível, para que se restabeleça novos parâmetros
equitativos para os contratantes, mas, de acordo com os preceitos no novel
artigo 421 do Código Civil.
Antes do advento da Lei de
Liberdade Econômica, não havia norma geral prevendo a revisão dos contratos,
mesmo em situações excepcionais. As possibilidades de modificação dos efeitos
dos contratos somente era admitida nas hipóteses dos artigos 157, parágrafo 2º,
317, 478 ou 479 do CC.[30]
A questão que se coloca é: -
Pode haver revisão contratual em caso de pandemia? A Covid-19 pode ser
considerada como um fortuito e força maior capaz de exclusivamente liberar
a responsabilidade pelo descumprimento da prestação? Se positiva a resposta
haverá necessidade de o pagamento de multa? Como fica a mora?
No nosso entender não basta
aduzir o fortuito e de per si libertar-se da obrigação contratual. É necessário
comprovar que o descumprimento da obrigação tornou impossível o adimplemento.
Veja-se que a pandemia do
coronavírus pode ser considerada como fato imprevisível, em matéria de
contratos, e dar ensejo à aplicação da teoria da imprevisão, no
sentido de resolver o contrato (art. 478 CC), ou apenas, operar a sua revisão
com a modificação equitativa entre as partes (art. 421, parágrafo único, art.
421-A e, art. 479, ambos do Código Civil). [31]
Para se pensar em revisão de
cláusulas contratuais, o Princípio da Função Social dos Contratos deverá ser aplicado,
levando-se em consideração o princípio da "intervenção mínima", nos termos
do art. 421 A, III, do Código Civil.
(...)
A Lei da Liberdade Econômica procurou valorizar a autonomia privada e resolver
antigos problemas técnicos que existiam no Código Civil, o que é louvável.
Todavia, não se pode dizer que a autonomia privada, a força obrigatória do
contrato e a tal intervenção mínima passaram a ser princípios contratuais
inafastáveis e absolutos. Por óbvio que devem eles ser ponderados e mitigados
frente a outros regramentos, caso das sempre citadas função social do contrato
e boa-fé objetiva. Com isso, busca-se o eventual equilíbrio contratual perdido
e a vedação dos abusos e excessos negociais, tão comuns em nosso País”.[32]
Neste sentido deve o
julgador, ao sentenciar, consubstanciar seu veredito, visando atender aos fins
sociais a que a lei se dirige e às exigências do bem comum. (Art. 5º da LINB[33])
Para Venosa, interpretar o
Direito não significa simplesmente tornar clara ou compreensível as normas, mas
principalmente revelar seu sentido apropriado para a vida real. Interpretar é
de fato, a ponte que une o abstrato ao mundo real.[34]
Neste desiderato considerando a incidência de caso fortuito ou
de força maior, o devedor não responde pelos prejuízos, salvo se expressamente
não se houver por eles responsabilizado (Art. 393 do CC). Ainda, há contratos
nos quais o devedor responde pele existência do fortuito, como é o caso dos
transportes, comodato, depósito e outros previstos em normas específicas.
A regra geral é de não
responsabilização do devedor pela ocorrência de eventos extraordinários.
Nos “contratos de execução
continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar
excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de
acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a
resolução do contrato”.[35]
Em suma, para a revisão contratual são necessários os
seguintes elementos: o contrato deve ser
bilateral ou sinalagmático, com a exceção do artigo 480 do Código Civil; deve
ser oneroso, comutativo; de execução diferida e, ainda que o
evento ensejador para a revisão seja por conta de um motivo imprevisível ou extraordinário
(artigos 317[36]
e 478[37] do Código Civil) e que
resulte em uma onerosidade excessiva.[38]
Mas a resolução poderá ser evitada, sempre, quando o
réu quiser e portanto, aceitar a modificação equitativa das condições do contrato.[39]
Na
III Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal foi
aprovado o Enunciado 176, de seguinte teor: “Em atenção ao princípio da
conservação dos negócios jurídicos, o art. 478 do Código Civil de 2002 deverá
conduzir, sempre que possível, à revisão judicial dos contratos e não à
resolução contratual”. E na IV Jornada foi aprovado o Enunciado 367, relativo
ao mesmo tema: “Em observância ao princípio da conservação do contrato, nas
ações que tenham por objeto a resolução do pacto por excessiva onerosidade,
pode o juiz modificá-lo equitativamente, desde que ouvida a parte autora,
respeitada a sua vontade e observado o contraditório”.[40]
Para Araken de Assis, o
contrato cumprirá sua função social:
(...)
“respeitando sua função econômica, que é a de promover a circulação de
riquezas, ou a manutenção das trocas econômicas, na qual o elemento ganho ou
lucro jamais poderá ser desprezado, tolhido ou ignorado, tratando-se de uma economia
de mercado”.[41]
Considerações
finais
É hora de
aplicarmos, na prática, os sempre tão comentados e, até então, abstratos
princípios da boa-fé contratual e da função social dos contratos, para que
todas as partes da cadeia produtiva sejam preservadas ao máximo, com a
mitigação dos possíveis danos a todos os envolvidos.[42]
No direito contratual, não havendo
culpa, em rigor, não há dever de indenizar.[43]
Há, nos ensinamentos do
ilustre Professor Carlos Roberto Gonçalves, alguns critérios práticos a serem
observados no tocante à interpretação dos contratos, quais sejam:
(...)
a) a melhor maneira de apurar a intenção dos contratantes é verificar o modo
pelo qual o vinham executando, de comum acordo; b) deve-se interpretar o
contrato, na dúvida, da maneira menos onerosa para o devedor (in dubiis quod
minimum est sequimur); c) as cláusulas contratuais não devem ser interpretadas
isoladamente, mas em conjunto com as demais; d) qualquer obscuridade é imputada
a quem redigiu a estipulação, pois, podendo ser claro, não o foi (ambiguitas
contra stipulatorem est); e) na cláusula suscetível de dois significados,
interpretar- se-á em atenção ao que pode ser exequível (princípio da
conservação ou aproveitamento do contrato)[44]
Diante destas regras e
levando-se em consideração que os contratos devem cumprir e resguardar os
interesses e vontades dos contratantes, mas, na justa medida, vez que dos
contratos defluem deveres também atribuídos para a sociedade, com a Pandemia, a
força obrigatória dos contratos e a autonomia da vontade devem ser mitigados
para atender a função social.
A
função social é fundamento da liberdade de contratar e garante que além dos
próprios interesses das partes contidos em determinado negócio jurídico, seja
observado os demais interesses merecedores de tutela no ordenamento jurídico,
partindo da premissa de que não só os interesses individuais devem ser
respeitados, mas também, todos os interesses difusos e coletivos.[45]
Com a remodelação do
Princípio da Função Social, a liberdade contratual das partes contratantes
só poderá ser modificada de forma minimalista e excepcional e conforme pontua Tartuce,
aplicável precipuamente aos contratos paritários ou negociados.[46]
[1] Marcia
Cristina Diniz Fabro, Professora Particular, Advogada, pós-graduada “lato sensu”
em Direito Civil, Consumidor, Família e Processo Civil. Membro das Comissões de
Direito Civil, Processo Civil e de Direitos Humanos da OAB/SP, Subseção de
Santo Amaro.
[2] Art. 393. O devedor não responde
pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente
não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo
único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário,
cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
Parágrafo
único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da
intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual. (Incluído pela
Lei nº 13.874, de 2019)
[5]
AZEVEDO, Villaça Alvar, Curso de direito civil: teoria geral dos contratos /
Álvaro Villaça Azevedo. – 4. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019, capitulo
2, p.25
[6] Op.cit.
AZEVEDO, Álvaro Villaça, capítulo 3, págs. 31-41
[7]
TARTUCE, Flávio, Função Social do Contrato. Do Código de Defesa do Consumidor
ao Código Civil de 2002, 2 ed, SP, Método 2007, pág. 415
[8] Silvestre,
Gilberto Fachetti A responsabilidade civil pela violação à função social do
contrato / Gilberto Fachetti Silvestre. – São Paulo: Almedina, 2018. Pág.
377-379
[10] Gonçalves, Carlos Roberto, Direito civil
brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais / Carlos Roberto Gonçalves.
– 16. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p.27
[11] Art. 393. O devedor não responde
pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente
não se houver por eles responsabilizado.
[12] RODRIGUES
JR. Otavio Luiz e XAVIER LEONARDO, Rodrigo. A MP da liberdade econômica: o que
mudou no CC? In www.conjur.com.br.
Acesso em 23.03.2020
[13]
Op Cit GONÇAVES, Carlos Roberto págs. 27-28
[14] http://www.cgmlaw.com.br/publicacoes/coronavirus-covid-19-implicacoes-sobre-contratos-empresariais/#:~:text=A%20pandemia%20causada%20pelo%20coronav%C3%ADrus,implica%C3%A7%C3%B5es%2C%20seriam%20inevit%C3%A1veis%20e%20irresist%C3%ADveis..
Acesso: 24/01/2
[16] Art. 393. O devedor não responde
pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente
não se houver por eles responsabilizado.
[17]
Guilherme Valdetaro Mathias, Consequências da Pandemia Criada pela COVID-19 nas
Obrigações e nos Contratos – Uma Visão pelo Ângulo do Direito Civil, http://conhecimento.tjrj.jus.br/documents/5736540/7186707/ConsequenciasdaPandemia.pdf.
Pág. 288. Acesso: 09/02/21
[18] http://www.cgmlaw.com.br/publicacoes/coronavirus-covid-19-implicacoes-sobre-contratos-empresariais/#:~:text=A%20pandemia%20causada%20pelo%20coronav%C3%ADrus,implica%C3%A7%C3%B5es%2C%20seriam%20inevit%C3%A1veis%20e%20irresist%C3%ADveis..
Acesso: 24/01/2
[19] VENOSA,
Silvio de Salvo, Direito civil: obrigações e responsabilidade civil / Sílvio de
Salvo Venosa. – 18. ed. – São Paulo: Atlas, 2018. (Coleção Direito Civil;
2) Direito Civil,2, 18 ª ed., capítulo 12.1
[20]
VENOSA, Silvio de Salvo, capítulo 12.1
[21]
DINIZ, Maria Helena, Teoria Geral das Obrigações, 2007, pág.363
[22]
Op Cit DINIZ, Maria Helena, pág. 364
[23] Op
Cit DINIZ, Maria Helena, pág. 366
[24]
Lei 13.874 de, 20 de setembro de 2019, Conversão da
Medida Provisória nº 881, de 2019,
http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%2013.874-2019?OpenDocument
[25] O
caráter ideológico é apontado por CUEVA, Ricardo Villas Boas. Apresentação. In:
SALOMÃO, L. F. CUEVA, R. e FRAZÃO, Ana. LLE e seus impactos no Direito
brasileiro. SP: RT, 2020, p. 01 – 17. Como diz Guido Alpa a ideologia “do
mercado” torna-se muitas vezes irrefletida, óbvia e supérflua. ALPA, Guido.
Contratto e Mercato. In: Le stagioni del contratto. Bologna: Il Mulino,
2012, p. 113.
[26] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso: 02/02/21
[27]
Parágrafo único do artigo 421 do Código Civil
[28]
Op cit. VENOSA, Silvio de Salvo, A
Declaração de Direitos de Liberdade Econômica (MP nº 881) e o direito privado. https://revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/download/6046/3771. Acesso: 09/02/21
[29]
VENOSA, Silvio de Salvo, A Declaração
de Direitos de Liberdade Econômica (MP nº 881) e o direito privado. https://revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/download/6046/3771.
Acesso: 09/02/21
[30]
BRANCO, Gerson Luiz Carlos, Função social dos contratos, lei da liberdade
econômica e o coronavírus ,publicado no Boletim de Notícias ConJur, > https://www.conjur.com.br/2020-mar-30/direito-civil-atual-funcao-social-contratos-lei-liberdade-economica-coronavirus#:~:text=Art.,de%20Direitos%20de%20Liberdade%20Econ%C3%B4mica.&text=A%20liberdade%20contratual%20ser%C3%A1%20exercida%20nos%20limites%20da%20fun%C3%A7%C3%A3o%20social%20do%20contrato<.
Acesso: 02.02.21
[32] Tartuce,
Flávio Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie – v. 3
/ Flávio Tartuce. – 15. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2020. Capítulo 2
[33] Art. 5o Na aplicação da lei, o
juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem
comum.
[34]
Op Cit VENOSA, Silvio de Salvo, A
Declaração de Direitos de Liberdade Econômica (MP nº 881) e o direito privado.
Acesso: 09/02/21
Prestação devida e o do momento de sua execução,
poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo
Que assegure, quanto possível, o valor real da
prestação.
[37]
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de
uma das partes se tornar
Excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a
outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o
devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença
Que a decretar retroagirão à data da citação.
[38]
Posicionamento defendido pelo Professor Flávio Tartuce, em sua obra “Manual de
Direito Civil: volume
Único – 9 Ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:
Método, 2019, pg. 574.”. Na mesma linha Professor
Silvio Salvo Venosa em sua obra “Direito Civil: teoria
geral das obrigações e teoria geral dos contratos –
10. Ed. – São Paulo: Atlas,
2010, pg. 476”, in REDUÇÃO, REMISSÃO E PARCELAMENTO DE ALUGUEL COMERCIAL DIANTE
DA COVID-19 (CORONAVÍRUS), COM BASE NA TEORIA DA IMPREVISÃO do Dr.
Alan Costa Reis
[39] Art. 479. A resolução poderá ser
evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do
contrato.do Código Civil
[40]
Op cit. GONÇAVES, Carlos Roberto pág. 82
[41]
Op cit. GONÇAVES, Carlos Roberto, pág. 31
[42] FERREIRA, Carolina
Brumati, http://www.lacazmartins.com.br/revisao-dos-contratos-privados-em-decorrencia-da-covid-19/. Acesso: 02/02/21
[43]
VENOSA, Silvio de Salvo, Capitulo 12.4,
[44] Op
cit. GONÇAVES, Carlos Roberto p. 84
[45]
Rafael Niebuhr Maia de
Oliveira e Naiara Viana de Melo, LEI DA LIBERDADE ECONÔMICA E A MITIGAÇÃO DOS
PRINCÍPIOS SOCIAIS DOS CONTRATOS E SEUS REFLEXOS NA COVID-19 SOB A PERSPECTIVA
DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL. ttps://revista.pgm.fortaleza.ce.gov.br/revista1/article/view/388/328 Acesso: 09/02/21
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