"Considera-se como pacto intermitente, nos termos do § 3º do art. 443 da CLT, o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.
O trabalho intermitente se encontra regulado no art. 452-A da CLT, “regulamentado” pela Portaria 349/2018 do Ministério do Trabalho. Essa estranha “regulamentação ministerial” nasceu depois da morte da MP 808/2017, numa clara tentativa do Governo Federal de “remendar” a ruptura legislativa.
A dita Portaria do Ministério do Trabalho está lastreada no inciso II do parágrafo único do art. 87 da CF, que delega competência aos ministros para “expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos”. Observem que os ministérios não podem legislar, mas apenas “expedir instruções que tornem exequíveis as normas”.
O contrato tem que ser firmado por escrito, além de registrado na carteira de trabalho do empregado. Da minuta contratual e da carteira de trabalho deve constar o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não (caso a categoria possua “piso salarial”, este será o seu salário mínimo).
A Portaria 349/2018 do MTE, inspirada na falecida MP 808/2017, prevê que o valor também pode ser fixado pelo “dia de trabalho”, respeitando-se, evidentemente, o limite diário do salário mínimo. Não enxergamos, nesse particular, qualquer inconstitucionalidade na referida Portaria, especificamente por não inovar e, principalmente, por não provocar qualquer prejuízo aos sujeitos contratuais.
O empregador tem que convocar o empregado, usando qualquer meio de comunicação eficaz, para a prestação de serviços, informando-lhe da jornada, com, pelo menos, três dias corridos de antecedência.
Convocado, o empregado terá o prazo de um dia útil para responder ao chamado, presumindo-se, no silêncio, a recusa.
A recusa, tácita ou expressa, não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de trabalho intermitente nem se enquadra em falta grave de insubordinação ou desídia.
Significa dizer que o empregador contratou um empregado que não está à sua disposição. Significa dizer que o empregador contratou um empregado que tem o direito de dizer que não vai trabalhar, sem a necessidade de se justificar. Significa dizer que o empregador contratou um empregado que pode simplesmente nada dizer quando for convocado para o trabalho.
Pode parecer uma brincadeira de mau gosto, mas não é!
Por isso concluímos que o trabalho intermitente, da forma como veio ao mundo, está fadado à inexequibilidade, data maxima venia, pois “criou” uma anomalia que pode ser chamada de “empregado não subordinado”.
Ora, a pedra de toque da relação empregatícia é a subordinação jurídica (legal) do empregado para com o seu empregador, pois o obreiro é contratado precisamente para obedecer e cumprir ordens do patrão. Essa sujeição do empregado não deriva do contrato, mas da lei (arts. 2º e 3º da CLT). Trata-se de pressuposto da relação empregatícia. Além disso, a alínea h do art. 482 da CLT crava a insubordinação e a indisciplina como faltas graves que geram a sanção máxima que pode ser aplicada pelo empregador sobre o empregado: a demissão por justa causa.
A tentativa do legislador se mostra, por conseguinte, ingênua, visando alcançar o inalcançável e buscando regular aquilo que já se encontra regulado pelo direito comum (direito civil) e por regras consuetudinárias (regras costumeiras).
Parece-nos que brotou de uma árvore empeçonhada um fruto podre, que não se encaixa na autonomia (marca do trabalhador autônomo), tampouco na subordinação jurídica (marca do empregado).
Esse trabalhado “híbrido” tende a ser ignorado pelas empresas, pois, quando o direito ignora a realidade, esta se vinga ignorando a lei (frase clássica de George Ripert).
Bom, a legislação continua sua acidentada trilha dizendo que, uma vez aceita a oferta (observem a palavra usada, sinônimo de “convite”; empregador “convidando” o empregado para trabalhar; eis a aberração criada por nosso legislador), a parte que descumprir o ajuste, sem justo motivo, pagará à outra parte, no prazo de trinta dias, multa de 50% da remuneração que seria devida, permitida, no entanto, a compensação em igual prazo.
O período de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador, do contrário o labor intermitente perderia a razão de existir. O empregado, enquanto ocioso, poderá sim prestar serviços a outros contratantes, inclusive concorrentes do seu empregador, surgindo, então, uma exceção à falta grave prevista na alínea c do art. 482 da CLT – vide § 5º do art. 452-A da CLT e § 1º da Portaria 349/2018 do Ministério do Trabalho.
Ao final de cada período de labor, o empregado receberá o pagamento imediato da remuneração, das férias proporcionais + 1/3 (caso tenha trabalhado mais de 14 dias), do décimo terceiro salário proporcional (caso tenha trabalhado mais de 14 dias), do repouso semanal remunerado (que já estará incluído, caso o labor seja mensal) e dos adicionais.
Todas as verbas deverão ser discriminadas e individualizadas no recibo.
Nos termos do § 8º do art. 452-A da CLT, o recolhimento da contribuição previdenciária e o depósito do FGTS são obrigações patronais indeclináveis e tomarão por base os valores pagos no período mensal, deixando claro o legislador que deverá ser editada uma norma para regular esse recolhimento (estamos no aguardo de um decreto).
Digamos que o empregado tenha recebido R$ 30,00 no mês. Como se fará a contribuição previdenciária sobre esse valor, já que a legislação não permite o uso de tal base de cálculo ínfima?
Na hipótese de o período de convocação exceder um mês, o pagamento das parcelas a que se referem o § 6º do art. 452-A da Consolidação das Leis do Trabalho não poderá ser estipulado por período superior a um mês, devendo ser pago até o quinto dia útil do mês seguinte ao trabalhado, de acordo com o previsto no § 1º do art. 459 da CLT – vide § 2º do art. 2º da Portaria 349/2018 do Ministério do Trabalho.
A cada doze meses de “efetivo labor”, o empregado adquire direito a usufruir, nos doze meses subsequentes, um mês de férias, período no qual não poderá ser convocado para prestar serviços pelo mesmo empregador.
Não estamos falando de 12 meses de vínculo, mas de 12 meses de trabalho, ou seja, o empregador terá que somar as horas, as semanas e os meses de prestação de serviços.
Poderá ocorrer algo inimaginável: “O empregado sair de férias sem a respectiva remuneração, pois talvez já a tenha recebido ao longo do período da prestação de labor”.
Nos termos do art. 134 da CLT, o empregado intermitente, mediante prévio acordo com o empregador, poderá usufruir suas férias em até três períodos, desde que um deles não seja inferior a 14 dias e os outros dois não sejam inferiores a 5 dias cada um – vide § 1º do art. 2º da Portaria 349/2018 do Ministério do Trabalho.
O empregador deve observar que o período de inatividade do empregado não é computado como tempo de serviço. Significa dizer que a inatividade suspende o contrato intermitente. Caso o empregador remunere o empregado no período de inatividade, o pacto será considerado nulo e, consequentemente, reputado como um contrato comum, o que provocará grande prejuízo ao patrão – § 2º da Portaria 349/2018 do Ministério do Trabalho.
O § 3º do art. 2º da Portaria 349/2018 do Ministério do Trabalho extrapolou os limites constitucionais, “criando norma”, e não apenas tornando exequível a CLT.
O referido § 3º dispõe sobre a possibilidade de “diferenciação salarial” entre o empregado intermitente e o empregado comum, no sentido de que aquele “poderá receber salário-hora ou salário-dia maior do que um empregado habitual, mesmo que estejam presentes os requisitos da equiparação salarial (art. 461 da CLT)”.
A “justificativa” apresentada pelo Ministério do Trabalho encontra-se nas “características especiais do contrato de trabalho intermitente”.
A citada Portaria chega a dizer, sem o mínimo constrangimento, que “não constitui descumprimento do inciso II do caputou discriminação salarial pagar ao trabalhador intermitente remuneração horária ou diária superior à paga aos demais trabalhadores da empresa contratados a prazo indeterminado”.
Essa redação é digna de pena, data venia, pois, em primeiro lugar, o trabalhador intermitente não é contratado por prazo determinado, razão pela qual a sua comparação com os trabalhadores contratados por prazo indeterminado se torna inócua, e, em segundo lugar, norma alguma pode, in abstrato, espancar a constatação real da discriminação, portanto, o empregador deve ignorar, nesse ponto, a Portaria 349/2018 do Ministério do Trabalho, pois, do contrário, a vítima será ele".
Fonte: http://genjuridico.com.br/2018/07/30/da-inexequibilidade-do-contrato-de-trabalho-intermitente/. Acesso: 16/08/2018
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