Nos últimos dias 26 e 27.4.2018 realizou-se, em Brasília, no Conselho da
Justiça Federal, a VIII Jornada de Direito Civil. A Comissão de Direito das Coisas
aprovou seis novos enunciados, sob a presidência do Ministro Luis Felipe Salomão,
tendo o signatário participado como coordenador-científico, e o Professor Rodrigo
Xavier Leonardo como secretário-executivo. Provenientes de todas as regiões do
Brasil, e contando com a participação, como especialistas convidados, dos professores Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho, Carlos Nelson Konder e Aline de
Miranda Valverde Terra, os participantes da Comissão de Direito das Coisas agregaram visões e métodos interpretativos naturalmente plurais e diversificados, unidos,
todavia, pela busca de soluções consentâneas com a legalidade constitucional.
A maior parte dos debates, mesmo quando não resultaram em novos enunciados, ofereceram profícuo material para reflexão, permitindo antever a agenda
dos próximos anos. Servem de exemplo, entre outras, as proposições (não aprovadas) relativas ao direito de laje, ao condotel e à posse de bens imateriais,
temas suscitados e objeto de saudável controvérsia, posto não ter havido ainda
consenso para a formulação de enunciado interpretativo.
Entre as proposições aprovadas, vale destacar duas em particular. A primeira delas consagra, nas relações paritárias, a legitimidade do pacto marciano,
cláusula contratual que autoriza o credor a tornar-se proprietário da coisa objeto
da garantia, mediante a aferição de seu justo valor e a restituição da quantia que
exceda o montante da dívida. Considerou-se que tal previsão não viola o art. 1.428
do Código Civil, que proíbe o pacto comissório. E assim é porque a prévia estipulação de critérios que assegurem a apropriação do bem dado em garantia pelo
seu valor justo impede o abuso do direito, além de favorecer, inclusive, o próprio
devedor, exonerando-o dos inconvenientes e das despesas do leilão judicial. Tal
proposição, objeto de discussão de Jornadas anteriores, encontra-se agora aprovada, circunscrita às relações paritárias, a excluir a sua incidência nas relações
de consumo. Revela-se bastante significativa, ainda, a percepção, pelos juristas
ali reunidos, da distinção funcional entre o pacto comissório – que estimula o
locupletamento do credor em razão da apropriação da coisa dada em garantia pelo
valor da dívida –, justamente reprovado pela ordem jurídica, e o pacto marciano, que autoriza a incorporação do objeto ao patrimônio do credor com a proteção do
devedor relativamente ao valor do bem, conferindo-se assim maior eficiência e
diminuição dos custos nas relações contratuais.
Outro enunciado a merecer destaque refere-se ao patrimônio de afetação,
garantindo-se a sua invulnerabilidade na recuperação judicial da sociedade instituidora. Como se sabe, o patrimônio de afetação – isto é, afetado a certa finalidade
merecedora de tutela – encontra-se inteiramente inatingível em face das execuções promovidas por credores de seu instituidor. Com efeito, os ativos integrantes
do patrimônio de afetação não se confundem com os demais ativos de seu titular,
de modo que apenas os credores relacionados ao patrimônio de afetação podem
atingir seus bens. Conforme o texto do enunciado aprovado, os patrimônios de
afetação não se submetem aos efeitos de recuperação judicial da sociedade instituidora e prosseguirão sua atividade com autonomia, sendo incomunicáveis em
relação ao patrimônio geral da sociedade instituidora em recuperação judicial. O
patrimônio de afetação, desse modo, deverá cumprir plenamente a finalidade para
a qual foi constituído, jamais sendo contaminado pelas dívidas da sociedade que
o instituiu.
Ambos os enunciados mencionados, assim como os quatro outros aprovados pela Comissão de Direito das Coisas, além das demais proposições discutidas, revelam o amadurecimento da comunidade jurídica e a fascinante evolução
dos direitos reais, que se renova em ritmo acelerado. Por outro lado, mostra-se
admirável a regularidade das Jornadas de Direito Civil, e louvável a presença dos
ministros, magistrados, advogados, profissionais das carreiras jurídicas e professores de todo o Brasil, procurando definir novas teses interpretativas. Este parece
ser o caminho acertado para a superação de divergências jurídicas e para a maior
aproximação do direito às demandas sociais.
>file:///C:/Users/Marcia%20Cristina/Downloads/228-665-1-SM.pdf<.Acesso:22/02/2019
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