Women in Tax Brazil fomenta debate sobre criptomoedas e o desafio da tributação.
Em 2008, surgia a proposta de criação de um dinheiro no ambiente eletrônico, que fosse um espelho da moeda em papel, e pudesse ser trocado de pessoa a pessoa, eliminando as instituições financeiras tradicionais da operação. De lá para cá, a ideia das criptomoedas se popularizou e alçou uma das suas representantes ao posto de oitava maior moeda do mundo. Quase dez anos depois, em 2017, o bitcoin registrou pico de 20 mil dólares por unidade, demonstrando o crescimento e consolidação da iniciativa. Neste período de existência, erros e acertos marcaram sua história, conforme avaliação da advogada e co-fundadora da Blockchain Academy, Rosine Kadamani, durante exposição sobre o tema, no evento Women in Tax Brazil – WIT, realizado na sede institucional da Seção São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (30/08), e que conta com o apoio da entidade.
As bases para o surgimento das criptomoedas decorrem da publicação de um documento intitulado White Paper, de autoria de Satoshi Nakamoto, explica Rosine: “Por que a proposta pegou, sendo que havia outros esforços de criação de dinheiro digital? Porque pela primeira vez na história, conseguiu se criar uma unidade digital dentro de ambiente eletrônico que não poderia ser trocada duas vezes, o que resulta no chamado gasto duplo. Este foi um grande diferencial da proposta”, enfatiza a advogada. Um ativo digital de produção limitada, que chega a 21 milhões de unidades no máximo, evita o gasto duplo, e possui sentido oposto quando comparado com o sistema monetário: “Produzimos cada vez mais moeda estatal, em um sistema inflacionário, e o bitcoin nasce com uma proposta deflacionária, trocada diretamente de pessoa a pessoa, com armazenagem dos dados de maneira voluntária e descentralizada. Funciona sem parar e globalmente, com um dos seus pilares sendo a criptografia e a segurança, com trocas transparentes”, evidencia.O nome bitcoin significa a própria moeda, o protocolo, o conjunto de regras. Depois do seu advento, outro termo passa a circular com frequência: o blockchain. “Este não é um termo técnico, é um termo de mercado, que significa a combinação das tecnologias que davam sustentação para bitcoin, ou seja, é a infraestrutura do bitcoin usada em outras infraestruturas”, acrescenta.Internet do valorCompartilhamento de base de informações em modelo descentralizado, criptografia que permite acesso de agentes selecionados, a possibilidade de apresentar digitalmente um artigo de forma individualizada, segurança na armazenagem e troca de informações, e automação de processos com menos interferência humana, são alguns dos potenciais do blockchain, citados pela especialista. “Remessas internacionais sem passar pelo sistema financeiro, logística, sistemas de acompanhamento do fluxo de bens importados e exportados, segurança, transparência e eficiência, são algumas das possibilidades com estruturas de blockchain. O Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), por exemplo, criou tokens - dispositivo eletrônico gerador de senhas, sem conexão física com o computador - para acompanhar o fluxo financeiro de financiamentos envolvendo o Fundo Amazônia”, cita.Mesmo com o potencial promissor, Roseni observa que o atual momento é de desilusão: “As pessoas perceberam que não vai mudar tudo ao mesmo tempo, mas, existe essa perspectiva interessante de maturação, e otimista, de usar, de fato, no futuro. Se as pessoas são ensinadas, isso muda mais rápido. A informação é a base da transformação social. Essas infraestruturas precisam amadurecer. O bitcoin tem mais de 10 anos e teve a chance que outras tecnologias não tiveram: errar e acertar em um ambiente em que as luzes não estavam todas voltadas para ele. O ser humano é gestado por nove meses e as tecnologias também precisam de amadurecimento”, analisa.Criptomoedas e o desafio da tributaçãoCom análise focada na tributação das criptomoedas e o tipo de orientação existente na Receita Federal, a presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB SP, Tathiane Piscitelli, discorreu sobre a insegurança em relação à tributação desses ativos. “A Receita já há alguns anos, nas perguntas e respostas das pessoas físicas, se manifestou quanto à necessidade de haver declaração de moedas virtuais no Imposto de Renda, e diz que as moedas devem ser declaradas como ativos e as qualifica como ativo financeiro. Disso decorrem duas coisas: o dever de declarar, e, na hipótese de alienação com o ganho, deve haver recolhimento do imposto de renda sobre o ganho de capital”, aponta.Na declaração de ajuste anual, o contribuinte deve declarar a propriedade de aquisição da criptomoeda, pelo tipo de moeda virtual e o preço de custo, considerando o preço de aquisição. Este seria um dos desafios, na avaliação da advogada tributarista, tendo em vista que não existe cotação oficial das criptomoedas: “Tenho que declarar considerando a cotação daquele momento ou do dia de compra? Como defino qual é o preço de aquisição ou custo de aquisição? São interrogações que a Receita não responde e que revelam um grau significativo de insegurança jurídica”, destaca. Com isso, Tathiane ressalta, ainda, que para o recolhimento em relação ao ganho de capital, deve se observar a regra geral: o IR é devido sobre ganho total sem possibilidade de nenhuma dedução; 15% dos valores de até R$5 milhões e isenção para vendas de até R$35 mil/mês.Outros problemas centrais não respondidos pela Receita são referentes à troca das criptomoedas e à mineração, que é o processo de emissão de um novo bitcoin, extraído de complexos cálculos matemáticos e camadas de criptografia. São questões que não foram tocadas pela Receita. “É o cenário perfeito para a insegurança jurídica”, afirma.Descentralização e fiscalizaçãoCom a Instrução Normativa nº 1888/2019, ficou instituída e disciplinada a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos à Secretaria Especial da Receita Federal. Agora, as Exchanges – que operam como uma espécie de bolsa de valores das criptomoedas – devem declarar as operações e dados dos usuários. “Naturalmente que a Receita está fazendo um banco de dados para identificar se declarei no meu imposto de renda, se troquei por outra moeda, se recolhi o IR sobre ganho de capital, e assim, sucessivamente. Temos uma instrução normativa que relativiza os dados desses usuários sem nenhum critério claro para fins de tributação”, pontua.
O desafio a ser enfrentado é justamente a descentralização, uma vez que as operações não contam com autoridade central: “Até hoje a fiscalização tributária se baseou muito na instituição financeira, que tem papel central na possibilidade de fiscalização da movimentação financeira e do correto recolhimento de tributos. No cenário que não tenho uma instituição central, como a Receita fiscaliza? Ela passa a depender 100% da declaração do contribuinte. Mas, uma vez que sabe que não pode se fiar nisso, porque os contribuintes não vão declarar, até porque não sabem como, ela repassa o dever para as Exchanges. Foi uma forma que a Receita encontrou de realizar uma potencial fiscalização dessas operações”.Para a presidente da Comissão de Direito Tributário, todas as pessoas devem ser tributadas, na medida da sua capacidade contributiva, mas é preciso que isso ocorra dentro da estrutura constitucional vigente: “E demanda lei nesse sentido, para que tenhamos segurança sobre a incidência tributária, e nesse caso, não há em absoluto”, conclui.Painel inspiracionalCom a proposta de aliar um tema técnico à um motivacional, o evento WIT recebeu palestra da relações públicas, Neivia Justa, que tratou sobre a representatividade feminina na sociedade e os desafios inerentes à desigualdade de gênero. O painel inicial sobre o movimento #OndeEstãoAsMulheres, que resultou no #AquiEstãoAsmulheres, Neivia abordou de forma leve e didática, os principais entraves para que as mulheres alcancem a plena igualdade de direitos.Pela primeira vez, o grupo WIT contou com a presença de todas as suas fundadoras nesta edição: Raquel Elita Alves Preto, anfitriã do evento e diretora-tesoureira da OAB SP; Andrea Mascitto, advogada tributarista; Fernanda Pazello, advogada e mestre em direito tributário pela PUC-SP; Daniela Silveira Lara, advogada e mestre em direito tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV); Renata Correa Cubas, mestre em direito tributário; Tathiane Piscitelli, presidente da Comissão de Direito Tributário e doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP); e Catarina Rodrigues, mestre especialista em direito tributário.
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