quinta-feira, 5 de setembro de 2019

MOEDA VIRTUAL.BITCOIN

Processo

REsp 1696214 / SP
RECURSO ESPECIAL
2017/0224433-4

Relator(a)

Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE (1150)

Órgão Julgador

T3 - TERCEIRA TURMA

Data do Julgamento

09/10/2018

Data da Publicação/Fonte

DJe 16/10/2018

Ementa

RECURSO  ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PRETENSÃO EXARADA POR
EMPRESA  QUE EFETUA INTERMEDIAÇÃO DE COMPRA E VENDA DE MOEDA VIRTUAL
(NO  CASO,  BITCOIN)  DE  OBRIGAR  A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA A MANTER
CONTRATO DE CONTA-CORRENTE. ENCERRAMENTO DE CONTRATO, ANTECEDIDO POR
REGULAR  NOTIFICAÇÃO.  LICITUDE.  RECURSO  ESPECIAL IMPROVIDO. 1. As
razões  recursais,  objeto  da  presente análise, não tecem qualquer
consideração,  sequer "an passant", acerca do aspecto concorrencial,
em  suposta  afronta  à ordem econômica, suscitado em memoriais e em
sustentação  oral,  apenas.  A argumentação retórica de que todas as
instituições  financeiras  no país teriam levado a efeito o proceder
da  recorrida     único banco acionado na presente ação  , ou de que
haveria  obstrução  à  livre  concorrência    inexistindo, para esse
efeito,  qualquer  discussão quanto ao fato de que o Banco recorrido
sequer  atuaria  na  intermediação  de  moedas virtuais  , em nenhum
momento  foi debatida nos autos, tampouco demonstrada, na esteira do
contraditório, razão pela qual não pode ser conhecida.
1.1  De  igual  modo,  não  se poderia conhecer da novel alegação de
inviabilização  do  desenvolvimento  da  atividade  de corretagem de
moedas  virtuais     a  qual  pressupõe  ou  que  o  banco recorrido
detivesse  o  monopólio do serviço bancário de conta-corrente ou que
todas  as  instituições  financeiras  atuantes  nesse  segmento  (de
expressivo número) tivessem adotado o mesmo proceder da recorrida  ,
se  tais  realidades  não foram em momento algum aventadas, tampouco
retratadas nos presentes autos.
1.2  Essas  matérias  hão de ser enfrentadas na seara administrativa
competente  ou  em  outro  recurso  especial, caso, necessariamente,
sejam  debatidas  na origem e devolvidas ao conhecimento do Superior
Tribunal  de  Justiça, o que não se deu na hipótese, ressaltando-se,
para  esse  efeito, que memoriais ou alegações feitas da Tribuna não
se  prestam para configurar prequestionamento. 2. O serviço bancário
de   conta-corrente  afigura-se  importante  no  desenvolvimento  da
atividade   empresarial  de  intermediação  de  compra  e  venda  de
bitcoins,   desempenhada   pela  recorrente,  conforme  ela  própria
consigna,  mas  sem repercussão alguma na circulação e na utilização
dessas  moedas  virtuais,  as  quais não dependem de intermediários,
sendo  possível  a operação comercial e/ou financeira direta entre o
transmissor e o receptor da moeda digital. Nesse contexto, tem-se, a
toda   evidência,   que   a   utilização   de   serviços  bancários,
especificamente  o  de  abertura de conta-corrente, pela insurgente,
dá-se  com  o claro propósito de incrementar sua atividade produtiva
de intermediação, não se caracterizando, pois, como relação jurídica
de consumo   mas sim de insumo  , a obstar a aplicação, na hipótese,
das  normas  protetivas  do  Código  de  Defesa  do Consumidor. 3. O
encerramento  do  contrato  de  conta-corrente,  como  corolário  da
autonomia  privada, consiste em um direito subjetivo exercitável por
qualquer  das  partes  contratantes,  desde que observada a prévia e
regular  notificação.  3.1 A esse propósito, destaca-se que a Lei n.
4.595/1964,  recepcionada  pela  Constituição  Federal  de  1988 com
status de lei complementar e regente do Sistema Financeiro Nacional,
atribui  ao  Conselho  Monetário Nacional competência exclusiva para
regular  o  funcionamento  das  instituições  financeiras  (art. 4º,
VIII).  E,  no  exercício  dessa  competência,  o Conselho Monetário
Nacional,  por  meio  da  edição  de  Resoluções do Banco Central do
Brasil  que  se  seguiram,  destinadas  a  regulamentar  a atividade
bancária,  expressamente  possibilitou o encerramento do contrato de
conta   de   depósitos,   por  iniciativa  de  qualquer  das  partes
contratantes,  desde que observada a comunicação prévia. A dicção do
art.  12  da  Resolução  BACEN/CMN  n.  2.025/1993,  com  a  redação
conferida  pela  Resolução  BACEN/CMN  n.  2.747/2000, é clara nesse
sentido.
4.  Atendo-se  à  natureza  do  contrato  bancário, notadamente o de
conta-corrente,  o  qual  se  afigura  intuitu  personae, bilateral,
oneroso,  de  execução continuada, prorrogando-se no tempo por prazo
indeterminado,  não se impõe às instituições financeiras a obrigação
de  contratar  ou  de manter em vigor específica contratação, a elas
não  se  aplicando  o  art.  39,  II  e  IX,  do Código de Defesa do
Consumidor.  Revela-se, pois, de todo incompatível com a natureza do
serviço bancário fornecido, que conta com regulamentação específica,
impor-se  às  instituições  financeiras  o dever legal de contratar,
quando  delas  se  exige,  para atuação em determinado seguimento do
mercado  financeiro,  profunda  análise  de aspectos mercadológico e
institucional,  além  da adoção de inúmeras medidas de segurança que
lhes  demandam  o  conhecimento  do  cliente bancário e de reiterada
atualização  do seu cadastro de clientes, a fim de minorar os riscos
próprios da atividade bancária.
4.1  Longe  de  encerrar  abusividade,  tem-se  por  legítima, sob o
aspecto  institucional, a recusa da instituição financeira recorrida
em  manter  o  contrato de conta-corrente, utilizado como insumo, no
desenvolvimento   da   atividade   empresarial,   desenvolvida  pela
recorrente,  de  intermediação de compra e venda de moeda virtual, a
qual  não conta com nenhuma regulação do Conselho Monetário Nacional
(em   tese,   porque   não  possuiriam  vinculação  com  os  valores
mobiliários,  cuja  disciplina  é  dada  pela Lei n. 6.385/1976). De
igual  modo, sob o aspecto mercadológico, também se afigura lídima a
recusa  em  manter  a  contratação,  se, conforme sustenta a própria
insurgente,  sua  atividade  empresarial  se  apresenta,  no mercado
financeiro,  como concorrente direta e produz impacto no faturamento
da instituição financeira recorrida. Desse modo, o proceder levado a
efeito  pela  instituição financeira não configura exercício abusivo
do direito.
5.  Não  se  exclui,  naturalmente,  do  crivo do Poder Judiciário a
análise,  casuística,  de eventual desvirtuamento no encerramento do
ajuste,  como  o  inadimplemento  dos  deveres  de  informação  e de
transparência,  ou  a extinção de uma relação contratual longeva, do
que, a toda evidência, não se cuida na hipótese ora vertente.
Todavia,   o   propósito  de  obter  o  reconhecimento  judicial  da
ilicitude,   em  tese,  do  encerramento  do  contrato,  devidamente
autorizado  pelo  órgão  competente  para tanto, evidencia, em si, a
improcedência da pretensão posta.
6. Recurso especial improvido.

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
acordam  os  Ministros  da  Terceira  Turma  do Superior Tribunal de
Justiça,  por  maioria,  negar  provimento  ao recurso especial, nos
termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Vencida a Sra. Ministra Nancy Andrighi.
Votaram  com o Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze os Srs. Ministros
Ricardo  Villas  Bôas  Cueva,  Paulo  de  Tarso  Sanseverino e Moura
Ribeiro.

Informações Complementares à Ementa

     (VOTO VENCIDO) (MIN. NANCY ANDRIGHI)
     "[...]  ao  negar acesso a uma infraestrutura essencial para as
atividades  da  recorrente, com a consciência da imprescindibilidade
do   uso   da   conta-corrente  para  sua  existência  econômica,  o
Banco-recorrido  extrapola  os  limites  do  exercício  legítimo  do
direito  de  resilir  o  contrato  que  mantinha  com  a recorrente,
cometendo um abuso de direito".

Referência Legislativa

LEG:FED LEI:004596 ANO:1964
        ART:00004   INC:00008

LEG:FED LEI:006385 ANO:1976

LEG:FED LEI:008078 ANO:1990
*****  CDC-90      CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
        ART:00039   INC:00002   INC:00009

LEG:FED RES:002025 ANO:1993
        ART:00012
(COM A REDAÇÃO DADA PELA RESOLUÇÃO 2.747/2000
CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL - CMN
BANCO CENTRAL DO BRASIL - BACEN)

LEG:FED RES:002747 ANO:2000
(CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL - CMN
BANCO CENTRAL DO BRASIL - BACEN)

LEG:FED LEI:010406 ANO:2002
*****  CC-02       CÓDIGO CIVIL DE 2002
        ART:00187

Jurisprudência Citada

(INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - CONTA-CORRENTE - ENCERRAMENTO - RESCISÃO
UNILATERAL)
     STJ - REsp 567587-MA, AgRg no Ag 829628-RJ,
           REsp 1538831-DF
(VOTO VENCIDO - CIVIL - ABUSO DE DIREITO - CONFIGURAÇÃO)
     STJ - REsp 935474-RJ, REsp 811690-RR,
           REsp 1467888-GO


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