Processo
REsp 1696214 / SP
RECURSO ESPECIAL
2017/0224433-4
RECURSO ESPECIAL
2017/0224433-4
Relator(a)
Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE (1150)
Órgão Julgador
T3 - TERCEIRA TURMA
Data do Julgamento
09/10/2018
Data da Publicação/Fonte
DJe 16/10/2018
Ementa
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PRETENSÃO EXARADA POR EMPRESA QUE EFETUA INTERMEDIAÇÃO DE COMPRA E VENDA DE MOEDA VIRTUAL (NO CASO, BITCOIN) DE OBRIGAR A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA A MANTER CONTRATO DE CONTA-CORRENTE. ENCERRAMENTO DE CONTRATO, ANTECEDIDO POR REGULAR NOTIFICAÇÃO. LICITUDE. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. 1. As razões recursais, objeto da presente análise, não tecem qualquer consideração, sequer "an passant", acerca do aspecto concorrencial, em suposta afronta à ordem econômica, suscitado em memoriais e em sustentação oral, apenas. A argumentação retórica de que todas as instituições financeiras no país teriam levado a efeito o proceder da recorrida único banco acionado na presente ação , ou de que haveria obstrução à livre concorrência inexistindo, para esse efeito, qualquer discussão quanto ao fato de que o Banco recorrido sequer atuaria na intermediação de moedas virtuais , em nenhum momento foi debatida nos autos, tampouco demonstrada, na esteira do contraditório, razão pela qual não pode ser conhecida. 1.1 De igual modo, não se poderia conhecer da novel alegação de inviabilização do desenvolvimento da atividade de corretagem de moedas virtuais a qual pressupõe ou que o banco recorrido detivesse o monopólio do serviço bancário de conta-corrente ou que todas as instituições financeiras atuantes nesse segmento (de expressivo número) tivessem adotado o mesmo proceder da recorrida , se tais realidades não foram em momento algum aventadas, tampouco retratadas nos presentes autos. 1.2 Essas matérias hão de ser enfrentadas na seara administrativa competente ou em outro recurso especial, caso, necessariamente, sejam debatidas na origem e devolvidas ao conhecimento do Superior Tribunal de Justiça, o que não se deu na hipótese, ressaltando-se, para esse efeito, que memoriais ou alegações feitas da Tribuna não se prestam para configurar prequestionamento. 2. O serviço bancário de conta-corrente afigura-se importante no desenvolvimento da atividade empresarial de intermediação de compra e venda de bitcoins, desempenhada pela recorrente, conforme ela própria consigna, mas sem repercussão alguma na circulação e na utilização dessas moedas virtuais, as quais não dependem de intermediários, sendo possível a operação comercial e/ou financeira direta entre o transmissor e o receptor da moeda digital. Nesse contexto, tem-se, a toda evidência, que a utilização de serviços bancários, especificamente o de abertura de conta-corrente, pela insurgente, dá-se com o claro propósito de incrementar sua atividade produtiva de intermediação, não se caracterizando, pois, como relação jurídica de consumo mas sim de insumo , a obstar a aplicação, na hipótese, das normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor. 3. O encerramento do contrato de conta-corrente, como corolário da autonomia privada, consiste em um direito subjetivo exercitável por qualquer das partes contratantes, desde que observada a prévia e regular notificação. 3.1 A esse propósito, destaca-se que a Lei n. 4.595/1964, recepcionada pela Constituição Federal de 1988 com status de lei complementar e regente do Sistema Financeiro Nacional, atribui ao Conselho Monetário Nacional competência exclusiva para regular o funcionamento das instituições financeiras (art. 4º, VIII). E, no exercício dessa competência, o Conselho Monetário Nacional, por meio da edição de Resoluções do Banco Central do Brasil que se seguiram, destinadas a regulamentar a atividade bancária, expressamente possibilitou o encerramento do contrato de conta de depósitos, por iniciativa de qualquer das partes contratantes, desde que observada a comunicação prévia. A dicção do art. 12 da Resolução BACEN/CMN n. 2.025/1993, com a redação conferida pela Resolução BACEN/CMN n. 2.747/2000, é clara nesse sentido. 4. Atendo-se à natureza do contrato bancário, notadamente o de conta-corrente, o qual se afigura intuitu personae, bilateral, oneroso, de execução continuada, prorrogando-se no tempo por prazo indeterminado, não se impõe às instituições financeiras a obrigação de contratar ou de manter em vigor específica contratação, a elas não se aplicando o art. 39, II e IX, do Código de Defesa do Consumidor. Revela-se, pois, de todo incompatível com a natureza do serviço bancário fornecido, que conta com regulamentação específica, impor-se às instituições financeiras o dever legal de contratar, quando delas se exige, para atuação em determinado seguimento do mercado financeiro, profunda análise de aspectos mercadológico e institucional, além da adoção de inúmeras medidas de segurança que lhes demandam o conhecimento do cliente bancário e de reiterada atualização do seu cadastro de clientes, a fim de minorar os riscos próprios da atividade bancária. 4.1 Longe de encerrar abusividade, tem-se por legítima, sob o aspecto institucional, a recusa da instituição financeira recorrida em manter o contrato de conta-corrente, utilizado como insumo, no desenvolvimento da atividade empresarial, desenvolvida pela recorrente, de intermediação de compra e venda de moeda virtual, a qual não conta com nenhuma regulação do Conselho Monetário Nacional (em tese, porque não possuiriam vinculação com os valores mobiliários, cuja disciplina é dada pela Lei n. 6.385/1976). De igual modo, sob o aspecto mercadológico, também se afigura lídima a recusa em manter a contratação, se, conforme sustenta a própria insurgente, sua atividade empresarial se apresenta, no mercado financeiro, como concorrente direta e produz impacto no faturamento da instituição financeira recorrida. Desse modo, o proceder levado a efeito pela instituição financeira não configura exercício abusivo do direito. 5. Não se exclui, naturalmente, do crivo do Poder Judiciário a análise, casuística, de eventual desvirtuamento no encerramento do ajuste, como o inadimplemento dos deveres de informação e de transparência, ou a extinção de uma relação contratual longeva, do que, a toda evidência, não se cuida na hipótese ora vertente. Todavia, o propósito de obter o reconhecimento judicial da ilicitude, em tese, do encerramento do contrato, devidamente autorizado pelo órgão competente para tanto, evidencia, em si, a improcedência da pretensão posta. 6. Recurso especial improvido.
Acórdão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Vencida a Sra. Ministra Nancy Andrighi. Votaram com o Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Paulo de Tarso Sanseverino e Moura Ribeiro.
Informações Complementares à Ementa
(VOTO VENCIDO) (MIN. NANCY ANDRIGHI) "[...] ao negar acesso a uma infraestrutura essencial para as atividades da recorrente, com a consciência da imprescindibilidade do uso da conta-corrente para sua existência econômica, o Banco-recorrido extrapola os limites do exercício legítimo do direito de resilir o contrato que mantinha com a recorrente, cometendo um abuso de direito".
Referência Legislativa
LEG:FED LEI:004596 ANO:1964 ART:00004 INC:00008 LEG:FED LEI:006385 ANO:1976 LEG:FED LEI:008078 ANO:1990 ***** CDC-90 CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ART:00039 INC:00002 INC:00009 LEG:FED RES:002025 ANO:1993 ART:00012 (COM A REDAÇÃO DADA PELA RESOLUÇÃO 2.747/2000 CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL - CMN BANCO CENTRAL DO BRASIL - BACEN) LEG:FED RES:002747 ANO:2000 (CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL - CMN BANCO CENTRAL DO BRASIL - BACEN) LEG:FED LEI:010406 ANO:2002 ***** CC-02 CÓDIGO CIVIL DE 2002 ART:00187
Jurisprudência Citada
(INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - CONTA-CORRENTE - ENCERRAMENTO - RESCISÃO UNILATERAL) STJ - REsp 567587-MA, AgRg no Ag 829628-RJ, REsp 1538831-DF (VOTO VENCIDO - CIVIL - ABUSO DE DIREITO - CONFIGURAÇÃO) STJ - REsp 935474-RJ, REsp 811690-RR, REsp 1467888-GO
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