sexta-feira, 21 de setembro de 2018

PESSOA COM DEFICIÊNCIA.INEXIGIBILIDADE DE CURATELA.INSS.








“O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146/2015): da inexigibilidade da curatela para requisição e concessão do Benefício da Prestação Continuada (BPC)




Resumo:O artigo tem como objetivo demonstrar que à luz do Estatuto da Pessoa com Deficiência e do Direito Internacional dos Direitos Humanos a exigência da curatela para obtenção do benefício da prestação continuada (BPC) perante o INSS não se compatibiliza com o atual bloco de constitucionalidade. Pretende-se demonstrar que a exigência da interdição da pessoa com deficiência para obtenção do BPC é inexigível sob a perspectiva da concepção contemporânea dos Direitos Humanos e atentatória a dignidade da pessoa humana.

(...)

A Concepção Contemporânea dos Direitos Humanos A concepção contemporânea dos direitos humanos, marcada pela historicidade, universalidade, interdependência e indivisibilidade estão intimamente ligadas com o período do Pós Segunda Guerra Mundial e a Internacionalização dos Direitos Humanos. A condição da pessoa humana passou a ser o único atributo necessário para a promoção, proteção e efetivação dos direitos. Nessa seara a pessoa humana foi reconhecida internacionalmente como sujeito de direito e os Direitos Humanos passaram a ser defendidos na órbita global independentemente do espaço geográfico que as pessoas estavam localizadas A tutela protetiva dos Direitos Humanos transcendeu o domínio da soberania, ou interesses individuais dos Estados, uma vez que passou a ser matéria de notória preocupação internacional, eis que o objetivo principal era a promoção, proteção e efetivação dos direitos, de modo que condição de pessoa humana era suficiente para que os direitos fossem reconhecidos globalmente. Em relação aos Direitos Humanos, importante destacar que eles não seguem uma construção linear. Na verdade, nascem do jusnaturalismo e estão intrinsecamente relacionados a condição de pessoa humana. Ademais, os direitos humanos estão em constante criação e crescimento, sempre visando assegurar de forma mais plena e efetiva a dignidade da pessoa humana. Por esse motivo Hannah Arendt afirmava que os “direitos humanos não são um dado, mas um construído, uma invenção humana, em constante processo de construção e reconstrução”.  No mais, como afirma Joaquín Herrera Flores os direitos humanos compõem uma racionalidade de resistência, na medida em que traduzem processos que abrem e consolidam espaços de luta pela dignidade humana. A partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos , começa a se desenvolver o Direito Internacional dos Direitos Humanos, mediante a adoção de diversos instrumentos internacionais de proteção. Ademais, a Declaração Universal de 1948 conferiu lastro axiológico e carga valorativa aos direitos humanos.  Como Leciona Héctor Gros Espiell: Só o reconhecimento integral de todos estes direitos podem assegurar a existência real de cada um deles, já que sem a efetividade de gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais, os direitos civis e políticos se reduzem a mera categoria formal.  O processo de universalização dos direitos humanos permitiu a formação de um sistema internacional de proteção desses direitos. A Declaração de 1948 , em conjunto com o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e seus dois Protocolos Opcionais e com o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e seu Protocolo Opcional, formam a chamada Carta Internacional dos Direitos Humanos. No mais, a Declaração de Direitos Humanos de Viena, de 1993, reitera a concepção da Declaração de 1948 quando, em seu § 5º, afirma: “Todos os direitos humanos são universais, interdependentes e inter-relacio­nados. A Concepção Contemporânea dos Direitos Humanos A concepção contemporânea dos direitos humanos, marcada pela historicidade, universalidade, interdependência e indivisibilidade estão intimamente ligadas com o período do Pós Segunda Guerra Mundial e a Internacionalização dos Direitos Humanos. A condição da pessoa humana passou a ser o único atributo necessário para a promoção, proteção e efetivação dos direitos. Nessa seara a pessoa humana foi reconhecida internacionalmente como sujeito de direito e os Direitos Humanos passaram a ser defendidos na órbita global independentemente do espaço geográfico que as pessoas estavam localizadas A tutela protetiva dos Direitos Humanos transcendeu o domínio da soberania, ou interesses individuais dos Estados, uma vez que passou a ser matéria de notória preocupação internacional, eis que o objetivo principal era a promoção, proteção e efetivação dos direitos, de modo que condição de pessoa humana era suficiente para que os direitos fossem reconhecidos globalmente. Em relação aos Direitos Humanos, importante destacar que eles não seguem uma construção linear. Na verdade, nascem do jusnaturalismo e estão intrinsecamente relacionados a condição de pessoa humana. Ademais, os direitos humanos estão em constante criação e crescimento, sempre visando assegurar de forma mais plena e efetiva a dignidade da pessoa humana. Por esse motivo Hannah Arendt afirmava que os “direitos humanos não são um dado, mas um construído, uma invenção humana, em constante processo de construção e reconstrução”. 4 No mais, como afirma Joaquín Herrera Flores os direitos humanos compõem uma racionalidade de resistência, na medida em que traduzem processos que abrem e consolidam espaços de luta pela dignidade humana. A partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos , começa a se desenvolver o Direito Internacional dos Direitos Humanos, mediante a adoção de diversos instrumentos internacionais de proteção. Ademais, a Declaração Universal de 1948 conferiu lastro axiológico e carga valorativa aos direitos humanos.  Como Leciona Héctor Gros Espiell: Só o reconhecimento integral de todos estes direitos podem assegurar a existência real de cada um deles, já que sem a efetividade de gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais, os direitos civis e políticos se reduzem a mera categoria formal.  O processo de universalização dos direitos humanos permitiu a formação de um sistema internacional de proteção desses direitos. A Declaração de 1948 , em conjunto com o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e seus dois Protocolos Opcionais e com o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e seu Protocolo Opcional, formam a chamada Carta Internacional dos Direitos Humanos. No mais, a Declaração de Direitos Humanos de Viena, de 1993, reitera a concepção da Declaração de 1948 quando, em seu § 5º, afirma: “Todos os direitos humanos são universais, interdependentes e inter-relacio­nados” Do ponto de vista interno, sabe-se que o Estatuto da Pessoa com Deficiência (ou Lei Brasileira de inclusão da Pessoa com Deficiência), Lei Federal n.º 13.146/2015, tem como base axiológica a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Convenção de Nova York) e o seu Protocolo Facultativo. Independentemente de discussão doutrinária quanto a natureza constitucional, infra legal, supralegal ou ordinária dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos no ordenamento jurídico brasileiro, a Convenção de Nova York, assinada nos Estados Unidos, em 30 de março de 2007, foi aprovada e promulgada pelo procedimento previsto no artigo 5º, §3º da CF/88, passando a compor o bloco de constitucionalidade10; A Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência é parte formal da Constituição brasileira, já que aprovada mediante a o procedimento previsto no artigo 5o , §3º, da Lei Maior, consistindo, ao lado de seu Protocolo Facultativo, nos únicos instrumentos até hoje aprovados com utilização dessa cláusula de abertura formal da Constituição Federal. Deste modo, o ordenamento jurídico brasileiro deverá se submeter aos direitos, princípios e regras previstos, tanto no Estatuto da Pessoa com Deficiência como na Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, esta última com equivalência de emenda à Constituição, sob pena de violar o direito das pessoas com deficiência, pelo viés dos Direitos Humanos. Os Direitos Humanos Na ótica dos Direitos Humanos, deve-se buscar sempre a norma mais benéfica e protetiva em favor da pessoa humana. Isto é, em eventual conflito aparente de normas, deverá ser aplicada aquela que melhor proteja o ser humano, independentemente do diploma legal em que ela esteja inserida (ex: Constituição Federal, Lei, Tratado Internacional, etc.) eis que a primazia é a pessoa humana: pro homine. 11 Nessa linha de concepção a Convenção de 1948 prevê no artigo 29 que: nenhuma disposição sua pode ser interpretada no sentido de limitar o gozo ou o exercício de qualquer direito ou liberdade previsto no direito interno (...) suas normas não podem limitar outros direitos previstos em outros tratados ou convenções. Isto porque, a máxima efetividade e a consagração da dignidade da pessoa humana são os alicerces do Direito Internacional dos Direitos Humanos. De modo que diante de omissão ou atuação insuficiente, o Estado poderá ser compelido a dar integral cumprimento aos direitos consagrados nos Diplomas Internacionais. Ademais, é vedada a regressividade dos direitos ou a “proibição do retrocesso”, de forma que as garantias alcançadas não podem retroagir em caráter desfavorável a pessoa humana. Logo, na promoção, proteção e efetivação de direitos, deve se buscar sempre a melhor eficácia possível e não a interpretação que reduza ou minimize a efetivação de direitos. Nos dizeres de Canotilho: O princípio da proibição do retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos sociais já realizados e efetivados através de medidas legislativas deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas que, sem a criação de esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática em uma anulação, revogação ou aniquilação pura e simples desse núcleo essencial. A liberdade do legislador tem como limite o núcleo essencial já realizado. Deste modo, visando a plena efetivação dos direitos das pessoas com deficiência e a máxima eficácia das normas protetivas de direitos humanos, necessário que o Estado Brasileiro cumpra os direitos assegurados na Convenção de Nova York, afastando a exigência da curatela para obtenção de benefício previdenciário, eis que medida manifestamente desproporcional e atentatória a dignidade da pessoa com deficiência. Da inexigibilidade da obtenção da curatela A Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – CDPD, promulgada pelo Decreto nº 6.949/09 e estando em vigor desde 25 de agosto de 2009, passou a compor o bloco de constitucionalidade e se apresenta como norma de equivalência constitucional apta a produzir efeitos no ordenamento brasileiro. No artigo 4.b e 4.c, a CDPD impõe ao Estado brasileiro as obrigações gerais de: a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção; b) Adotar todas as medidas necessárias, inclusive legislativas, para modificar ou revogar leis, regulamentos, costumes e práticas vigentes, que constituírem discriminação contra pessoas com deficiência; Em relação aos direitos específicos previstos na CDPD, é preciso destacar, inicialmente, o artigo 1213, que contém o novo paradigma instituído no ordenamento jurídico pátrio, qual seja a presunção de capacidade jurídica de todas as pessoas com deficiência. Deste modo, à luz da nova sistemática, apenas em situações especificas e justificadas, atentando-se as particularidades e circunstanciais especiais de cada uma das pessoas com deficiência é que se poderia sustentar como a ultima ratio o instituto da curatela. Para que se possa reconhecer a incapacidade legal da pessoa com deficiência é necessário que sejam observadas as mesmas situações que levariam ao reconhecimento da incapacidade de qualquer pessoa; não se admite mais, pela expressa disposição da CDPD, que alguém tenha reconhecida sua incapacidade legal simplesmente pelo fato de ser pessoa com deficiência. A curatela aplica-se à pessoa com deficiência da mesma forma que é aplicada às demais pessoas. O artigo 84 do Estatuto da Pessoa com Deficiência é expresso ao assegurar que as pessoas com deficiência têm o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições para com as demais pessoas, sendo a curatela um instrumento a ser utilizado apenas quando necessário, conforme dispuser a lei. Por outro lado, o próprio Estatuto, em seu artigo 114, promoveu alterações no Código Civil de forma a compatibilizá-lo com as disposições da CDPD, especialmente no que toca ao reconhecimento da plena capacidade civil das pessoas com deficiência. Medidas legislativas deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas que, sem a criação de esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática em uma anulação, revogação ou aniquilação pura e simples desse núcleo essencial. A liberdade do legislador tem como limite o núcleo essencial já realizado. Deste modo, visando a plena efetivação dos direitos das pessoas com deficiência e a máxima eficácia das normas protetivas de direitos humanos, necessário que o Estado Brasileiro cumpra os direitos assegurados na Convenção de Nova York, afastando a exigência da curatela para obtenção de benefício previdenciário, eis que medida manifestamente desproporcional e atentatória a dignidade da pessoa com deficiência.

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Das Considerações Finais

A Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, internalizada no Direito brasileiro na forma do artigo 5o , §3o , da Constituição Federal, e, pois, norma de equivalência de emenda constitucional, dispõe expressamente, em seu artigo 12, que as pessoas com deficiência deverão ter reconhecida a plena capacidade legal, em igualdade de condições para com as demais pessoas, não sendo possível, dessa forma, unicamente em razão da deficiência, reconhecer a incapacidade legal de alguém. Também por expressa determinação do art. 12 da Convenção (e, dessa forma, por determinação constitucional) deverá o Estado adotar as medidas apropriadas para garantir que as pessoas com deficiência possam exercer a capacidade legal, incluindo salvaguardas apropriadas e efetivas para prevenir abusos, de forma a propiciar o respeito aos direitos, vontades e preferencias das pessoas com deficiência. Atendendo a esse mandamento de equivalência constitucional, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, que foi editado em 2015 para regulamentar e especificar os direitos previstos na CDPD, compatibilizando o ordenamento jurídico infraconstitucional brasileiro aos novos ditames constitucionais, reforçou a plena capacidade legal da pessoa com deficiência, promovendo alterações inclusive no Código Civil, de forma a garantir que ninguém seja considerado incapaz apenas em razão da deficiência. A curatela foi colocada como medida excepcional, com tempo e extensão limitados, a ser adotada no caso de necessidade para salvaguarda dos direitos da pessoa com deficiência, não podendo, assim, ser imposta se ausentes esses pressupostos. Para que seja instituída a curatela, é necessário que se demonstre a necessidade para a salvaguarda dos direitos da pessoa com deficiência. Vedou a lei, ainda, o condicionamento de emissão de documentos oficiais à curatela (art. 86 do Estatuto da Pessoa com Deficiência), tendo sido inserido o artigo 110-A na Lei nº 8.213/1991 para deixar expresso que não poderá ser exigida curatela como requisito de requerimentos de benefícios operacionalizados pelo INSS, não sendo possível, assim, exigir-se a apresentação de termo de curatela para a concessão do Benefício de Prestação Continuada previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal. Deste modo, defende-se que os operadores do direito devem evitar o ajuizamento de ações de interdição, devendo ser observadas, se necessárias, as regras sobre tomada de decisão apoiada, eis que a regra é a capacidade civil das pessoas com deficiência, sendo a interdição medida extrema e excepcional. Ademais, por ser objetivo constitucional a construção de uma sociedade mais inclusiva e igualitária, devem ser imediatamente comunicados à autoridade competente, qualquer forma de ameaça ou violação aos direitos da pessoa com deficiência, tal como a exigência descabida de ações de interdição para a obtenção do BPC, conforme preceitua o artigo 7º do Estatuto da Pessoa com Deficiência, a fim de que sejam tomadas as medidas penais, cíveis e administrativas cabíveis para coibir exigências ilegais e atentatórias aos diplomas protetivos das pessoas com deficiência. Verifica-se assim que a exigência da curatela para a obtenção do Benefício da Prestação continuada é exigência desproporcional, abusiva e atentatória a dignidade da pessoa com deficiência, o que não se coaduna com o Estado Democrático de Direito e a promoção, proteção e efetivação dos direitos da pessoa com deficiência”.  (Grifos nossos)


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