O Direito administrativo e o coronavírus
Rafael Carvalho Rezende Oliveira:é Pós-doutor. Doutor em Direito. Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional. Especialista em Direito do Estado. Professor de Direito Administrativo.
Tradicionalmente, o Direito Administrativo apresenta ferramentas importantes para os momentos de crise. Diversas normas excepcionais são consagradas no ordenamento para lidar com situações igualmente excepcionais, tais como: a) Desapropriação por necessidade pública (art. 5º, XXIV, da CRFB e DL 3.365/1941); b) Requisição de bens no caso de iminente perigo público (art. 5º, XXV, da CRFB); c) Contratação temporária de servidores públicos, sem concurso público, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX, da CRFB); d) Contratação direta, com dispensa de licitação, de empresas para prestação de serviços, fornecimento de bens e execução de obras, nos casos de guerra ou grave perturbação da ordem, bem como nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando houver risco de prejuízo ou comprometimento à segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares (art. 24, III e IV, da Lei 8.666/1993); etc.
Em situação de anormalidade (estado de necessidade administrativo), o próprio ordenamento jurídico reconhece, portanto, medidas excepcionais (legalidade extraordinária) para o atendimento do interesse público.
Nas situações de estado de necessidade, a visão rígida e tradicional sobre o princípio da legalidade, segundo a qual a Administração Pública somente poderia atuar se autorizada pela lei, sem qualquer margem de inovação – tema bastante controvertido na doutrina –, sofre mitigações para viabilizar atuações administrativas normativas (regulamentos de necessidade) ou concretas caracterizadas como urgentes, excepcionais, temporárias e proporcionais.
Na situação de crise na saúde pública, dois institutos do Direito Administrativo ganham destaque especial: serviços públicos e poder de polícia".
(...) Verifica-se que ordenamento possui normas que efetuam a ponderação de interesses, com a relativização da propriedade e da liberdade em favor do direito fundamental à saúde. Em razão do caráter extremo da medida, a o ingresso forçado em imóveis e a internação involuntária devem ser consideradas excepcionais, exigindo-se justificativa adequada, apoiada em laudo médico circunstanciado e individualizado.
No momento atual, reconhecida a pandemia do Covid-19, justifica-se, com maior razão, a adoção de medidas urgentes e restritivas, necessárias para conter o avanço da contaminação que coloca em risco a saúde pública".
(...)
A Lei 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, fixou normas sobre as medidas emergenciais para o enfrentamento do coronavírus. Trata-se de lei temporária que tem a sua vigência restrita à duração do estado de emergência internacional pelo coronavírus responsável pelo surto de 2019, cabendo ao Ministério da Saúde a edição de atos normativos necessários à sua regulamentação e operacionalização (arts. 7º e 8º).
Em seu art. 3º, o legislador elencou, exemplificativamente, algumas medidas que poderão ser adotadas pelas autoridades competentes, a saber: a) isolamento, b) quarentena, c) determinação de realização compulsória de exames médicos, testes laboratoriais, coleta de amostras clínicas, vacinação e outras medidas profiláticas; ou tratamentos médicos específicos; d) estudo ou investigação epidemiológica; e) exumação, necropsia, cremação e manejo de cadáver; f) restrição excepcional e temporária de entrada e saída do País, conforme recomendação técnica e fundamentada da Anvisa, por rodovias, portos ou aeroportos; g) requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas; e h) autorização excepcional e temporária para a importação de produtos sujeitos à vigilância sanitária sem registro na Anvisa, desde que sejam registrados por autoridade sanitária estrangeira e previstos em ato do Ministério da Saúde".
(...)
Em casos emergenciais, revela-se possível, em tese, a adoção de medidas excepcionais, de forma proporcional e justificada, que restringem a liberdade individual para garantir a saúde pública. Como dizia Hipócrates, considerado o pai da medicina, “para os males extremos, só são eficazes os remédios intensos”.
Fonte: http://genjuridico.com.br/2020/03/16/direito-administrativo-e-coronavirus/. Acesso: 17/03/2020
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