A responsabilidade civil do Estado
por conduta omissiva
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João
Agnaldo Donizeti Gandini
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Juiz de Direito na Comarca de Ribeirão Preto/SP,
Mestre em Direito pela Unesp e Professor da Faculdade de Direito da
Universidade de Ribeirão Preto
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Diana Paola da Silva Salomão
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Advogada e Bacharel em Direito pela
Universidade de Ribeirão Preto.
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SUMÁRIO - 1. INTRODUÇÃO. 2. A RESPONSABILIDADE CIVIL. 2.1.
Evolução histórica. 2.2. Conceito de responsabilidade. 2.3. Conceito de
responsabilidade civil. 2.4. Finalidade. 2.5. Espécies de responsabilidade
civil. 2.5.1. Responsabilidade subjetiva ou Teoria da Culpa. 2.5.2.
Responsabilidade objetiva ou Teoria do Risco. 2.6. Elementos da
responsabilidade civil. 2.6.1. Conduta. 2.6.2. Dano. 2.6.3. Nexo de
causalidade. 2.6.4. Culpa. 3. A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. 3.1.
Introdução. 3.2. Evolução histórica da responsabilidade do Estado. 3.3.
Excludentes da responsabilidade do Estado. 3.4. Caracteres da conduta
ensejadora de responsabilidade do Estado. 4. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
DECORRENTE DE CONDUTA OMISSIVA. 4.1. Introdução. 4.2. A responsabilidade
estatal subjetiva por conduta omissiva defendida por Celso Antônio Bandeira de
Mello. 4.3. A responsabilidade estatal objetiva por conduta omissiva defendida
pela doutrina e jurisprudência majoritárias. 4.4. Considerações sobre a
natureza objetiva da responsabilidade estatal por conduta omissiva. 4.5. O
princípio da legalidade e a conduta omissiva. 4.6. A falta do serviço e o
Código de Defesa do Consumidor. 5. CONCLUSÕES. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1. INTRODUÇÃO
A doutrina e
a jurisprudência brasileiras ainda não se pacificaram acerca da natureza da
responsabilidade civil do Estado por conduta omissiva. A divergência gira em
torno do questionamento sobre a revogação tácita, ou derrogação, do artigo 15
do Código Civil de 1916 [art. 43 do novo Código Civil], frente ao artigo 37,
parágrafo 6º, da Constituição Federal de 1988.
Sobre o
assunto há duas posições, uma seguindo os argumentos de Oswaldo Aranha Bandeira
de Mello, continuada por Celso Antônio Bandeira de Mello, que defende que a
responsabilidade do Estado por conduta omissiva tem natureza subjetiva, com
base legal no artigo 15 do antigo Código Civil, restando, portanto, como de
natureza objetiva apenas a responsabilidade por condutas comissivas. Outra
defende a teoria da responsabilidade objetiva tanto para a conduta comissiva
como para a omissiva, aplicando-se, para ambos, a norma do artigo 37, parágrafo
6º, da Constituição Federal.
Atualmente, essa divergência vem alcançando o Poder Judiciário, causando
um entrave no curso dos processos, em razão das discussões sobre qual a
natureza jurídica da responsabilidade do Estado por condutas omissivas que
geraram danos.
Para maior entendimento da responsabilidade do Estado por condutas
omissivas, devemos traçar preliminarmente algumas considerações sobre a
responsabilidade civil privada e geral, pelo que as desenvolveremos nos itens
seguintes, posto que a responsabilidade do Estado é responsabilidade civil, à
qual são aplicados, todavia, princípios peculiares.
2. A RESPONSABILIDADE CIVIL
2.1 Evolução histórica
Nos
primórdios da civilização humana, a responsabilidade civil fundava-se na
vingança coletiva, que se caracterizava pela reação conjunta do grupo contra o
agressor, pela ofensa a um de seus componentes. O instituto evoluiu para uma
reação individual, ou seja, passou da vingança coletiva para a privada, em que
os homens faziam justiça pelas próprias mãos, fundamentados na Lei de Talião,
que é conhecida até hoje pela expressão “olho por olho, dente por dente”. O
poder público, neste caso, intervinha apenas para ditar como e quando a vítima
poderia ter o direito de retaliação, ensejando no lesante dano idêntico ao que
foi produzido.
No antigo
Direito Romano prevaleceu a noção básica do delito, no qual a vingança privada
tornou-se o fator genético que pairava sob a idéia predominante de
responsabilidade, não se distanciando, com isso, das civilizações que o
precederam.
Numa segunda etapa surgiu a idéia da composição voluntária, prevalecendo
o entendimento de que seria mais racional a reparação do dano por meio da
prestação da poena e outros bens [pagamento de certa quantia em
dinheiro], do que cobrar a pena de Talião. Após essa fase, surgiu a da composição
legal, em que o ofensor era punido pelo Estado de modo muito tímido, como a
ruptura de um membro, a fratura de um osso, ofensas ordinárias como violências
leves, bofetadas, golpes etc.
A evolução do tema só ocorreu com a introdução, nos conceitos jus-romanísticos,
da Lex Aquilia de Damno, que promanou dos tempos da República e
sedimentou a idéia de reparação pecuniária, em razão do valor da res.
Com relação à culpa, há algumas controvérsias entre os autores a
respeito de suas origens. De um lado, sustentam que a idéia de culpa era
estranha à Lei Aquilia; de outro, afirmam que esta lei não a negava, defendendo
sua presença como elementar na responsabilidade civil [In Lege Aquilia et
levissima culpa venit].
A teoria da
responsabilidade se concretizou por intermédio da doutrina, principalmente a
desenvolvida pelos juristas franceses Domat e Pothier, responsáveis pelo
Princípio da Responsabilidade Civil e que influenciou quase todas as
legislações que se fundaram na culpa.
Foram
surgindo certos princípios gerais e a responsabilidade civil evoluiu sob o
prisma de seu fundamento, baseando-se o dever de reparar o dano não somente
quando houvesse culpa, esta denominada responsabilidade subjetiva, como também
pela Teoria do Risco, passando aquela a ser objetiva, sob a idéia de que todo
risco deve ser garantido, independente da existência de culpa ou dolo do agente
causador do dano.
A respeito,
temos os comentários de Carlos Roberto Gonçalves:
A responsabilidade objetiva funda-se num princípio de eqüidade, existente
desde o Direito Romano: aquele que lucra com a situação deve responder pelo
risco ou pelas desvantagens dela resultantes (ubi emolumentm, ibi onus; ubi
commoda, ibi incommoda). Quem aufere os cômodos (ou lucros), deve suportar
os incômodos (ou riscos).
Quanto à
indenização, impera o princípio da responsabilidade patrimonial, ou seja, o
lesante responde com o seu patrimônio pelos prejuízos causados a terceiros.
Deverá haver plena e total reparação dos direitos do lesado [restitutio in
integrum], até onde suportarem as forças do patrimônio do devedor,
ensejando uma compensação pelo prejuízo sofrido.
No direito
brasileiro existiram três fases distintas. Na primeira, as Ordenações do Reino
sustentavam-se no direito romano, aplicando-o como subsidiário do direito
pátrio, devido à chamada Lei da Boa Razão [Lei de 18 de Agosto de 1769].
A segunda fase concentrou-se no Código Criminal de 1830, que promanou com a
idéia de “satisfação”, ou seja, o ressarcimento do dano, o que é usado até
hoje. Já a terceira fase distinguiu a responsabilidade civil da penal,
concentrando a satisfação do prejuízo decorrente do delito na legislação civil.
2.2 Conceito de responsabilidade
O vocábulo “responsabilidade” originou-se do verbo latino respondere,
que vem a ser o fato de alguém se constituir garantidor de algo. Por sua vez,
tal verbo latino teve raízes na palavra spondeo, também de origem
latina, que era a fórmula pela qual se vinculava, no direito romano, o devedor
nos contratos verbais.
A origem da palavra “responsabilidade” não nos auxilia no seu conceito
atual, uma vez que seu significado original seria a “posição daquele que não
executou o seu dever”, ou, ainda, a idéia de fazer com que se atribua a alguém,
em razão da prática de determinado comportamento, um dever. Juridicamente
relevante seria a responsabilidade imposta àquele que, com sua conduta
comissiva ou omissiva, violou bem juridicamente protegido, gerando para ele uma
sanção.
Como bem salientou Serpa Lopes:
A violação de um direito gera a responsabilidade em relação ao que a
perpetrou. Todo ato executado ou omitido em desobediência a uma norma jurídica,
contendo um preceito de proibição ou de ordem, representa uma injúria privada
ou uma injúria pública, conforme a natureza dos interesses afetados, se
individuais ou coletivos.
Podemos afirmar que a responsabilidade pode se apresentar sob vários
aspectos, sendo ela de natureza civil, penal ou administrativa. Ateremo-nos,
entretanto, somente à responsabilidade civil, que é o cerne de nosso estudo.
2.3 Conceito de responsabilidade civil
A responsabilidade civil pode ser conceituada sob um novo enfoque,
observado pelo jurista Francisco Amaral:
A expressão responsabilidade civil pode compreender-se em sentido amplo
e em sentido estrito. Em sentido amplo, tanto significa a situação jurídica em
que alguém se encontra de ter de indenizar outrem quanto a própria obrigação
decorrente dessa situação, ou, ainda, o instituto jurídico formado pelo
conjunto de normas e princípios que disciplinam o nascimento, conteúdo e cumprimento
de tal obrigação. Em sentido estrito, designa o específico dever de indenizar
nascido do fato lesivo imputável a determinada pessoa.
A amplitude
do conceito de responsabilidade civil revela dificuldades em se ater numa só
definição que seja, porque a doutrina tende a unir os conceitos técnicos e a
realidade concreta da obrigação de reparar os danos, independentemente de serem
identificadas à causalidade, à teoria subjetiva ou à objetiva.
O campo da
responsabilidade civil é amplo, já que não se trata de instituto jurídico
exclusivo do Direito Civil, pois está bem inserido no corpo da Teoria Geral do
Direito, daí sofrer naturais adaptações conforme aplicado no direito público ou
privado, porém sempre mantendo a sua unidade jurídica. Há quem sustente, ainda,
que a responsabilidade civil é parte integrante do direito obrigacional, pois
sempre visa a fazer com que o autor do ato indenize a vítima pelos prejuízos a
ela causados.
2.4 Finalidade
A responsabilização civil tem por finalidade precípua o restabelecimento
do equilíbrio violado pelo dano. Por isso, há em nosso ordenamento jurídico a
responsabilidade civil não só abrangida pela idéia do ato ilícito, mas também
há o ressarcimento de prejuízos em que não se cogita da ilicitude da ação do
agente ou até da ocorrência de ato ilícito, o que se garante pela Teoria do
Risco, haja vista a idéia de reparação ser mais ampla do que meramente o ato
ilícito.
O princípio que sustenta a responsabilidade civil contemporânea é o da restitutio
in integrum, isto é, da reposição do prejudicado ao status quo ante. Neste
diapasão, a responsabilidade civil possui dupla função na esfera jurídica do
prejudicado: a) mantenedora da segurança jurídica em relação ao lesado; b)
sanção civil de natureza compensatória.
2.5 Espécies de responsabilidade civil
A responsabilidade civil apresenta-se sob várias espécies, conforme a
perspectiva analisada. São elas:
1)
Quanto ao seu fato gerador, poderá ser:
a)
Responsabilidade contratual: proveniente de conduta violadora de norma
contratual;
b)
Responsabilidade extracontratual ou aquiliana: resultante da violação de um dever geral de
abstenção, de respeito aos direitos alheios legalmente previstos.
2)
Quanto ao agente, poderá ser:
a)
Responsabilidade direta: proveniente de ato do próprio responsável;
b)
Responsabilidade indireta: provém de ato de terceiro, vinculado ao agente ou
de fato de animal ou coisa inanimada sob sua guarda.
3)
Quanto ao seu fundamento, poderá ser:
a)
Responsabilidade subjetiva: presente sempre o pressuposto culpa ou dolo.
Portanto, para sua caracterização devem coexistir os seguintes elementos: a
conduta, o dano, a culpa e o nexo de causalidade entre a conduta e o dano.
b)
Responsabilidade objetiva: não há a necessidade da prova da culpa, bastando a
existência do dano, da conduta e do nexo causal entre o prejuízo sofrido e a
ação do agente. A responsabilidade está calcada no risco assumido pelo lesante,
em razão de sua atividade.
A
responsabilidade objetiva, por ser a adotada para a responsabilização do Estado
por danos causados por seus agentes, será adiante exposta mais detalhadamente.
2.5.1 Responsabilidade subjetiva ou Teoria da Culpa
O fato é um pressuposto material da existência do direito, sendo um
fenômeno perceptível, que resulta de uma atividade humana ou da natureza,
agindo sob o mundo exterior.
Os fatos podem ser naturais ou jurídicos. Fato natural é um
acontecimento qualquer, abrangendo os fatos dependentes e não dependentes da
conduta humana, ou seja, que contam ou não com a participação do homem para sua
ocorrência. O fato jurídico é o acontecimento que marca o começo ou o término
de relações jurídicas, possibilitando a conservação, modificação ou extinção de
direitos.
Os fatos humanos, também chamados de atos jurídicos, são conceituados
como sendo todo comportamento apto a gerar efeitos jurídicos. Dentre eles, há o
ato jurídico lícito, ou, simplesmente, ato lícito, e os atos jurídicos ilícitos
ou atos ilícitos.
O ato lícito é causa geradora de obrigação, como o contrato e a
declaração unilateral de vontade. O ato ilícito, a princípio, pressupõe culpa lato
sensu do agente, ou seja, a intenção do agente de prejudicar outrem, a
violação de um direito, o prejuízo causado por negligência, imprudência ou
imperícia.
O Código Civil de 1916, em seu art. 159, asseverava que:
Art. 159. Todo aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência
ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a
reparar o dano. A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade
regulam-se pelo disposto neste Código (arts. 1.518 a 1.532 e 1.537 a 1.553).
No novo Código Civil tal regra foi dividida em mais de um artigo,
constante na Parte Geral, Livro III, Título III [“Dos Atos Ilícitos”], e na
Parte Especial, Livro I, Título IX [“Da Responsabilidade Civil”]. Na nova
redação, foram modificadas e inseridas algumas palavras, a fim de deixar mais
clara a intenção do legislador, além de inserir o posicionamento
jurisprudencial já pacífico de que haverá responsabilidade por dano moral
independente da existência cumulativa de dano material [art. 186 in fine],
bem como o abuso do direito como ato ilícito [art. 187] e o conceito de
responsabilidade objetiva [parágrafo único do art. 927]:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao
exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou
social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a
outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente
de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os
direitos de outrem.
A imputabilidade da conduta do agente, em face do citado art. 159 do
antigo Código Civil e art. 186 c.c. 927, caput, do novo Código,
sobressalta como elemento subjetivo do ato ilícito. Da mesma forma, se o ato do
agente não for voluntário, seja por ação, seja por omissão, ou, ainda, se o
evento danoso é proveniente de caso fortuito, força maior ou de outra causa de
exclusão de responsabilidade, excluída está a responsabilidade.
Como podemos observar, no direito
brasileiro a responsabilidade civil comum não se desvencilhou do princípio
fundamental da culpa, pois o art. 159 do antigo Código Civil, bem como art. 186
c.c. 927, caput, do novo Código, disciplinam que a vítima que sofreu um
dano tem direito a sua reparação, e, portanto, o ofensor tem o dever de
repará-lo. O dever de reparação só prosperará se a culpa for extraída da
conduta danosa.
Do exposto, sobressaem os
seguintes elementos da responsabilidade civil subjetiva: 1) a conduta; 2) o
dano; 3) a culpa e; 4) o nexo de causalidade entre a conduta e o dano.
2.5.2 Responsabilidade objetiva
ou Teoria do Risco
A regra geral é a
responsabilidade civil aquiliana ou subjetiva. Porém, nossa legislação, com
finalidade protetiva, criou certas exceções, aplicando em determinados casos a
responsabilidade objetiva.
Esta, por sua vez, elimina de seu
conceito o elemento culpa, ou seja, haverá responsabilidade pela reparação do
dano quando presentes a conduta, o dano e o nexo de causalidade entre estes.
A evolução que a teoria objetiva
provocou se deu pelo fato da facilitação da ação da vítima em concreto na
reparação do dano, gerando aos infratores a obrigação de indenizar por
acidentes provenientes de suas atividades, em detrimento da teoria subjetiva,
para a qual o agente precisa salientar a culpa dentro da idéia de desvio de
conduta.
A prova acaba sendo de difícil
constatação, criando grandes óbices à vítima, que quase sempre acabava arcando
com os respectivos ônus. Com a técnica da presunção de culpa, impõe-se a
inversão do ônus da prova, em razão da condição menos favorável da vítima.
2.6 Elementos da responsabilidade civil
2.6.1 Conduta
A responsabilidade civil, tanto objetiva como subjetiva, deverá sempre
conter como elemento essencial uma conduta.
Maria Helena Diniz assim a conceitua: “Ato humano, comissivo ou
omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio
agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a
outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado”.
Sílvio Rodrigues, por outro lado, somente considera como pressuposto da
responsabilidade a ocorrência de um ato ilícito, diferentemente de Maria Helena
Diniz que abarca em seu conceito também os atos lícitos. Para aquele autor,
seria pressuposto a ação ou omissão do agente, que “decorre sempre de uma
atitude, quer ativa, quer passiva, e que vai causar dano a terceiro. A atitude
ativa consiste em geral no ato doloso ou imprudente, enquanto a passiva, via de
regra, se retrata através da negligência. [...] A omissão só ocorre quando o
agente, tendo o dever de agir de determinada maneira, deixa de fazê-lo”.
Portanto,
podemos dizer que conduta seria um comportamento humano, comissivo ou omissivo,
voluntário e imputável. Por ser uma atitude humana exclui os eventos da
natureza; voluntário no sentido de ser controlável pela vontade do agente,
quando de sua conduta, excluindo-se, aí, os atos inconscientes ou sob coação
absoluta; imputável por poder ser-lhe atribuída a prática do ato, possuindo o
agente discernimento e vontade e ser ele livre para determinar-se.
2.6.2 Dano
O dano representa uma circunstância elementar ou essencial da
responsabilidade civil, presente em ambas as teorias anteriormente citadas.
Configura-se quando há lesão, sofrida pelo ofendido, em seu conjunto de valores
protegidos pelo direito, relacionando-se a sua própria pessoa [moral ou física]
aos seus bens e direitos. Porém, não é qualquer dano que é passível de
ressarcimento, mas sim o dano injusto, contra ius, afastando-se daí o
dano autorizado pelo direito.
Para o dano ser passível de
indenização há a necessidade de apuração de alguns requisitos: atualidade,
certeza e subsistência. O dano atual é aquele que efetivamente já ocorreu. O
certo é aquele fundado em um fato certo, e não calcado em hipóteses. A
subsistência consiste em dizer que não será ressarcível o dano que já tenha
sido reparado pelo responsável.
O dano
poderá ser patrimonial ou moral. Patrimonial é aquele que afeta o patrimônio da
vítima, perdendo ou deteriorando total ou parcialmente os bens materiais
economicamente avaliáveis. Abrange os danos emergentes [o que a vítima
efetivamente perdeu] e os lucros cessantes [o que a vítima razoavelmente deixou
de ganhar], conforme normatizado no art. 1059 do antigo Código Civil,
referendado no art. 402 do novo Código. Já o dano moral corresponde à lesão de
bens imateriais, denominados bens da personalidade [ex. honra, imagem etc.].
O dano também pode ser reflexo ou em ricochete, correspondendo ao fato
de uma pessoa sofrer, por reflexo, um dano, que primariamente foi causado a
outrem, p. ex., separanda que deixa de receber pensão alimentícia em razão da
superveniente incapacidade física do ex-marido, esta decorrente de ato ilícito
praticado por terceira pessoa.
2.6.3 Nexo de causalidade
O nexo de causalidade consiste na relação de causa e efeito entre a
conduta praticada pelo agente e o dano suportado pela vítima.
Nem sempre é tarefa fácil buscar a origem do dano, visto que podem
surgir várias causas, denominadas concausas, concomitantes ou sucessivas.
Quando as concausas são simultâneas ou concomitantes a questão resolve-se com a
regra do artigo 1518 do antigo Código Civil, regra também presente no novo
Código, em seu art. 942, que estipula a responsabilidade solidária de todos
aqueles que concorram para o resultado danoso.
Porém, diante da problemática a respeito das concausas sucessivas,
surgiram três teorias a respeito:
a) Teoria da equivalência das condições ou dos
antecedentes ou conditio sine qua non: estipula que existindo várias circunstâncias que poderiam ter causado o
prejuízo, qualquer delas poderá ser considerada a causa eficiente, ou seja, se
suprimida alguma delas, o resultado danoso não teria ocorrido, ex. se uma
pessoa é atropelada, a causa pode ser a imperícia do condutor, mas também a
constituição débil da vítima, a natureza do pavimento sobre o qual esta foi
projetada, a demora de seu transporte para o hospital, a falta de meios
adequados para o seu tratamento etc. Essa teoria, se aplicada de forma isolada,
leva a resultados absurdos, provocando infinitamente responsabilidades.
b) Teoria da causalidade adequada: para esta teoria, a causa deve ser apta a
produzir o resultado danoso, excluindo-se, portanto, os danos decorrentes de
circunstâncias extraordinárias, ou seja, o efeito deve se adequar à causa.
c) Teoria da causalidade imediata ou dos danos diretos
e imediatos: para esta
é preciso que exista entre o fato e o dano uma relação de causa e efeito direta
e imediata. Esta é a teoria adotada pelo nosso ordenamento jurídico, prevista
no art. 1060 do antigo Código Civil, bem como no art. 403 do novo Código.
Portanto, será causa do dano aquela que está mais próxima deste, imediatamente
[sem intervalo] e diretamente [sem intermediário].
A culpa
exclusiva da vítima, a culpa de terceiro, o caso fortuito ou a força maior, a
cláusula de não indenizar, as excludentes de ilicitude, o estado de necessidade
e a legítima defesa retiram o nexo causal, por isso serão estudados mais
detalhadamente, adiante. Importante também salientar que a coincidência não
implica em causalidade.
2.6.4 Culpa
A culpa, para a responsabilização civil, é tomada pelo seu vocábulo lato
sensu, abrangendo, assim, também o dolo, ou seja, todas as espécies de
comportamentos contrários ao direito, sejam intencionais ou não, mas sempre
imputáveis ao causador do dano.
Apesar de o legislador brasileiro não os definir, podemos dizer que a
culpa strictu sensu seria a violação de um dever, legal ou contratual,
por imprudência, negligência ou imperícia; e o dolo seria a violação de tais
deveres intencionalmente, buscando o resultado que aquele ato irá causar ou,
ainda, assumindo o risco de produzi-lo.
A culpa estaria presente somente nas responsabilizações civis
decorrentes de atos ilícitos, segundo a orientação adotada pelo Código Civil
pátrio, uma vez que as responsabilidades provenientes de atos lícitos não
exigem tal pressuposto.
Francisco Amaral, reportando-se a René Savatier, traz como pressupostos
da culpa: a) um dever violado [elemento objetivo]; b) culpabilidade ou
imputabilidade do agente [elemento subjetivo]. Acrescenta, ainda, que este
último se desdobra em dois elementos: a) possibilidade, para o agente, de
conhecer o dever [discernimento]; b) possibilidade de observá-lo
[previsibilidade e evitabilidade do ato ilícito].
3. A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
3.1 Introdução
Já é pacífico o entendimento de
que o ordenamento jurídico brasileiro admite que o Estado possa causar
prejuízos aos seus administrados, através de comportamentos lícitos ou
ilícitos, comissivos ou omissivos, resultando-lhe a obrigação de recompor tais
danos.
A responsabilidade do Estado
obedece a um regime próprio, compatível com sua situação jurídica, pois
potencialmente tem o condão de proporcionar prejuízos macroscópicos. Ademais,
os administrados não têm poderes para diminuir a atuação do Estado, no âmbito
de seus direitos individuais.
Para Celso Antônio Bandeira de
Mello, a responsabilidade do Estado está implícita na noção do Estado de
Direito, não havendo necessidade de regra expressa para firmar-se isto, posto
que no Estado de Direito todas as pessoas, de direito público ou privado,
encontram-se sujeitas à obediência das regras de seu ordenamento jurídico.
Desta forma, presente também está o dever de responderem pelos comportamentos
violadores do direito alheio.
Hely Lopes Meireles utiliza o
termo “responsabilidade da administração”, pois entende que o dever de
indenizar se impõe à Fazenda Pública.
3.2 Evolução histórica da
responsabilidade do Estado
Num primeiro momento vigia o
princípio da irresponsabilidade do Estado, na época dos Estados despóticos ou
absolutistas. O raciocínio que imperava era o de que se o Estado é o guardião
da legislação, o chefe do executivo não atentaria contra essa mesma ordem
jurídica, já que ele a representava.
A irresponsabilidade do Estado
era justificada da seguinte forma: o Estado, por ser pessoa jurídica, não tem
vontade própria; o Estado age por intermédio de seus funcionários; por isso,
quando há a ocorrência de algum ato ilícito a responsabilidade recai no
funcionário, já que este é o executor do ato; quando os funcionários agem fora
dos parâmetros legais presume-se que não agiram como funcionários, daí a
irresponsabilidade do Estado.
Combatiam-se tais idéias com os seguintes argumentos: o Estado possui
vontade autônoma, pois a teoria da ficção legal foi superada; o Estado, como
pessoa dotada de capacidade, incorre em culpa in eligendo e in
vigilando com relação aos seus funcionários; o Estado é sujeito de direitos
e obrigações.
Em fins do século XVIII, logo
após a Revolução Francesa, em que as revoltas provocaram vários danos a bens
particulares, surgiu a diferenciação entre atos de gestão e atos de império,
como uma técnica jurídica com a finalidade de minimizar os prejuízos que
poderia ter de arcar o tesouro francês, já praticamente insolvente. Assim, os
atos de gestão seriam aqueles em que o Estado pratica como se fosse um
particular, quando administra seu patrimônio. Os atos de império [ou atos de
mando] seriam os que o Estado pratica no exercício do poder de polícia, que lhe
é inerente.
Ante essa diferenciação, surgiu a
teoria de que só pelos atos de gestão cabe ação indenizatória, pois não se pode
questionar a soberania do Estado. Por outro lado, é imprescindível a ocorrência
da culpa do funcionário, explicitada na imprudência, negligência ou imperícia,
como condição para responsabilização daquele.
Posteriormente, houve o surgimento da teoria da culpa civilística, que
aplicava à responsabilidade do Estado a mesma regra do direito privado, ou
seja, deveria haver culpa do agente estatal para que se configurasse a
responsabilização do ente público. Com isso, num primeiro momento apenas o
funcionário responderia perante o lesado e, somente num segundo momento, também
o Estado.
Dentro dessa evolução surgiu a teoria da faute du service,
trazendo a idéia de que a culpa seria do serviço público e não mais do
agente estatal, ou seja, haveria a responsabilidade do Estado ainda que o
servidor faltoso não fosse identificado, pois a responsabilidade daquele viria
da falha do serviço em si, porque este não funcionara ou funcionara mal ou
tardiamente. Assim, a culpa não era presumida, pois o lesado deveria provar o
inadequado funcionamento do serviço público.
Por fim, houve o surgimento da teoria do risco administrativo, na qual o
Estado deveria indenizar o dano não somente quando este resultasse de culpa do
agente estatal ou de falha do serviço, que seriam os atos ilícitos, mas também
os resultantes de atos lícitos, visto que não era mais a culpa do serviço ou do
servidor que gerava essa responsabilidade, mas sim o risco que toda atividade
estatal implicaria para os administrados.
Desta forma, o Estado seria responsabilizado sempre que sua atividade
configurasse um risco para o administrado, independentemente da existência ou
não de culpa e desde que desse risco tivesse resultado um dano. A
responsabilidade, portanto, passou a ser objetiva. O lesado somente precisava
provar a conduta do agente estatal, o dano e o nexo de causalidade entre ambos.
Importante mencionarmos o surgimento da Teoria do Risco Integral, que
focaliza o tema sob prismas atuais e avançados. Para essa teoria, o Estado fica
obrigado a indenizar todo e qualquer dano, ainda que resultante de culpa ou
dolo da vítima.
Entretanto, essa teoria não é muito aceita por vários países, por ser
considerada a modalidade extrema da doutrina do risco administrativo, por isso
abandonada, na prática, bem como por conduzir ao abuso e à iniqüidade social.
Nosso
ordenamento jurídico foi acompanhando essa evolução, adotando as teorias
predominantes em cada época, com exclusão da Teoria do Risco Integral, apesar
de alguns autores sustentarem o contrário, divergindo da larga maioria da
doutrina e da jurisprudência.
O antigo
Código Civil, de 1916, em seu art. 15 [art. 43 do novo Código], estatuiu que o
Estado será civilmente responsável pelos atos ilícitos praticados por seus
representantes, que nessa qualidade causarem danos a alguém.
Porém, por
volta da década de 30 predominava o entendimento de que os atos delitivos que
gerassem danos, praticados pelos representantes do Estado que excedessem nas
suas funções, não geravam a responsabilidade do Estado, visto que aqueles
perdiam a qualidade de prepostos deste e este não concorria para o evento
danoso. Portanto, o agente respondia pessoalmente. Adotava-se tal teoria porque
naquela época ocorreram inúmeras revoluções, como é o caso da Revolução de
1932, em que o Estado era irresponsabilizado nos casos de excesso culposo ou
doloso dos militares.
Foi a partir da Constituição Federal de 1937, em seu artigo 158, que o
Estado passou a responder objetivamente pelos atos de seus funcionários,
independentemente da existência ou não da culpa do Estado, fundamentada esta
responsabilidade na teoria do risco. Com o advento da atual Constituição de
1988 houve uma ampliação da responsabilidade estatal, haja vista o preposto do
Estado deixar de ser apenas o funcionário público para ser o agente público,
termo este que abrange um número maior de pessoas.
A responsabilidade civil do
Estado, considerada pela teoria do risco administrativo, conduz a pessoa
jurídica de direito público à reparação do dano sofrido pelo particular por
conduta da administração, segundo o princípio da repartição eqüitativa dos ônus
e encargos públicos a todos da sociedade, num sentido de socialização dos
prejuízos oriundos daquela conduta.
3.3 Excludentes da
responsabilidade do Estado
A
responsabilidade civil do Estado será elidida quando presentes determinadas
situações, aptas a excluir o nexo causal entre a conduta do Estado e o dano
causado ao particular, quais sejam a força maior, o caso fortuito, o estado de
necessidade e a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro.
A força
maior é conceituada como sendo um fenômeno da natureza, um acontecimento
imprevisível, inevitável ou estranho ao comportamento humano, p. ex., um raio,
uma tempestade, um terremoto. Nestes casos, o Estado se torna incapacitado
diante da imprevisibilidade das causas determinantes de tais fenômenos, o que,
por conseguinte, justifica a elisão de sua obrigação de indenizar eventuais
danos, visto que não está presente aí o nexo de causalidade.
Importante
ressaltar que se o Estado deixar de realizar ato ou obra considerada
indispensável e sobrevier fenômeno natural que cause danos a particulares pela
falta daquele ato ou obra, portanto conduta omissiva, o Poder Público será o
responsável pela reparação de tais prejuízos, visto que neste caso estará
presente o nexo de causalidade entre o ato omissivo e o dano. Desta forma, a
causa do dano não é o fato de força maior, mas o desleixo do Estado em, sendo
possível prever tal fenômeno e suas conseqüências, nada ter feito para evitá-las.
Já na
hipótese de caso fortuito o dano decorre de ato humano, gerador de resultado
danoso e alheio à vontade do agente, embora por vezes previsível. Por ser um
acaso, imprevisão, acidente, algo que não poderia ser evitado pela vontade
humana, ocorre, desta forma, a quebra do nexo de causalidade, daí a exclusão da
responsabilidade diante do caso fortuito.
A força
maior e o caso fortuito estão previstos no artigo 1058 do antigo Código Civil,
bem como no art. 393 do novo Código. Porém, tais normas não os definiram
separadamente, o que vem provocando na seara jurídica uma divergência quanto às
suas definições, alguns os conceituando exatamente ao contrário do acima
exposto, que é a posição da corrente dominante.
O estado de
necessidade é também causa de exclusão de responsabilidade, pois traduz
situação em que prevalece interesse geral sobre o pessoal e até mesmo
individual - princípio da supremacia do interesse público, caracterizado pela
prevalência da necessidade pública sobre o interesse particular. Ocorre quando
há situações de perigo iminente, não provocadas pelo agente, tais como guerras,
em que se faz necessário um sacrifício do interesse particular em favor do
Poder Público, que poderá intervir em razão da existência de seu poder
discricionário.
A culpa exclusiva da vítima ou de terceiro é também considerada causa
excludente da responsabilidade estatal, pois haverá uma quebra do nexo de
causalidade, visto que o Poder Público não pode ser responsabilizado por um
fato a que, de qualquer modo, não deu causa. Decorre de um princípio lógico de
que ninguém poderá ser responsabilizado por atos que não cometeu ou para os
quais não concorreu.
Nos casos em
que se verifica a existência de concausas, isto é, mais de uma causa ensejadora
do resultado danoso, praticadas simultaneamente pelo Estado e pelo lesado, não
haverá excludente de responsabilidade. Haverá, sim, atenuação do quantum indenizatório
na medida da participação no evento.
3.4 Caracteres da conduta
ensejadora de responsabilidade do Estado
A responsabilidade civil do
Estado poderá ser proveniente de duas situações distintas, a saber: a) de
conduta positiva do Estado, isto é, comissiva, no sentido de que o agente
público é o causador imediato do dano; b) de conduta omissiva, em que o Estado
não atua diretamente na produção do evento danoso, mas tinha o dever de
evitá-lo, como é o caso da falta do serviço nas modalidades em que o serviço
não funcionou ou funcionou tardiamente, ou ainda, pela atividade que se cria a
situação propiciatória do dano porque expôs alguém a risco.
Celso Antônio Bandeira de Mello
classifica as várias hipóteses de comportamento estatal comissivo, que lesa
juridicamente terceiros; são eles: a) comportamentos lícitos: a.1) atos
jurídicos; a.2) atos materiais; b) comportamentos ilícitos: b.1) atos
jurídicos, ex. a decisão de apreender, fora do procedimento ou hipóteses
legais, a edição de jornal ou revista; b.2) atos materiais, ex. o espancamento
de um prisioneiro, causando-lhe lesões definitivas .
4. RESPONSABILIDADE CIVIL DO
ESTADO DECORRENTE DE CONDUTA OMISSIVA
4.1 Introdução
É certo que o Estado poderá
causar danos aos administrados por ação ou omissão. Porém, nos casos de conduta
omissiva, há entendimentos diversos no sentido de que esta não constitui fato
gerador da responsabilidade civil do Estado, visto que nem toda conduta
omissiva retrata uma desídia do Estado em cumprir um dever legal.
Seria o Estado responsável
civilmente quando este somente se omitir diante do dever legal de obstar a
ocorrência do dano, ou seja, sempre quando o comportamento do órgão estatal
ficar abaixo do padrão normal que se costuma exigir. Desta forma, pode-se
afirmar que a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre decorrente de
ato ilícito, porque havia um dever de agir imposto pela norma ao Estado que, em
decorrência da omissão, foi violado.
Para ser
apurada a responsabilidade do Estado por conduta omissiva deve-se indagar qual
dos fatos foi decisivo para configurar o evento danoso, isto é, qual fato gerou
decisivamente o dano e quem estava obrigado a evitá-lo. Desta forma, o Estado
responderá não pelo fato que diretamente gerou o dano, ex. enchente, mas sim
por não ter ele praticado conduta suficientemente adequada para evitar o dano
ou mitigar seu resultado, quando o fato for notório ou perfeitamente
previsível.
Primeiramente,
importante ressaltar que até a Constituição de 1946, para a responsabilização
do Estado era aplicada a regra do artigo 15 do Código Civil de 1916, numa
primeira fase, regida por princípios privatísticos e, noutra, por princípios
publicísticos, fundados na “falta do serviço”.
A partir da
Constituição Federal de 1946, adotou-se no nosso ordenamento jurídico a Teoria
da Responsabilidade Objetiva, para a responsabilização do Estado.
Não se tem
dúvidas quanto ao cabimento da aplicação desta teoria objetiva na
responsabilidade decorrente de condutas comissivas, porém diferentemente ocorre
com relação às condutas omissivas, pois surgiu na doutrina e jurisprudência
brasileiras uma polêmica discussão a respeito de seu cabimento, nos casos de
responsabilização decorrente de conduta omissiva estatal.
A respeito,
temos duas posições, uma que segue os argumentos de Celso Antônio Bandeira de
Mello, que defende a teoria da responsabilidade subjetiva, cuja base legal era
a aplicação do artigo 15 do antigo Código Civil; e outra, sustentada por vários
autores, que defende a teoria da responsabilidade objetiva, aplicando-se, por
conseguinte, o artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal.
4.2 A responsabilidade estatal
subjetiva por conduta omissiva defendida por Celso Antônio Bandeira de Mello
Para Celso
Antônio Bandeira de Mello deve ser aplicada a Teoria Subjetiva à
responsabilidade do Estado por conduta omissiva. Para isso, argumenta o autor
que a palavra “causarem” do artigo 37 parágrafo 6.º da Constituição
Federal somente abrange os atos comissivos, e não os omissivos, afirmando que
estes últimos somente “condicionam” o evento danoso.
Comentando o
supracitado artigo constitucional, ensina:
De fato, na
hipótese cogitada, o Estado não é o autor do dano. Em rigor, não se pode dizer
que o causou. Sua omissão ou deficiência haveria sido condição do dano, e não
causa. Causa é o fato que positivamente gera um resultado. Condição é o evento
que não ocorreu, mas que, se houvera ocorrido, teria impedido o resultado.
Maria Helena
Diniz também entende que a teoria subjetiva é a que deverá ser aplicada aos
casos de responsabilidade do Estado por conduta omissiva, haja vista ter-se a
necessidade de ser avaliada a culpa ou o dolo. Ensina, ainda, que o artigo 15
do antigo Código Civil foi modificado somente em parte pelo artigo 37,
parágrafo 6º, da Constituição Federal.
Corroborando
os ensinamentos acima, a ilustre doutrinadora Odília Ferreira da Luz entende
que:
Isso não significa,
necessariamente, adoção da tese objetiva com exclusividade, pois ainda existe a
responsabilidade decorrente da falta do serviço, que é a regra; na verdade,
coexistem a responsabilidade objetiva e a subjetiva, esta fundada na faute
de service e não mais na culpa do agente público (a não ser nos casos em
que o Estado se iguale juridicamente ao administrado).
Entre estes
juristas também estão Caio Tácito e Themístocles Brandão Cavalcanti. O próprio
Aguiar Dias, embora manifeste preferência pela responsabilidade objetiva, admite
que predomina a teoria subjetiva quando da falta do serviço.
Encontramos,
também, algumas decisões dos tribunais brasileiros no mesmo sentido:
RESPONSABILIDADE CIVIL DO PODER PÚBLICO – REVOLTA DA POPULAÇÃO – BOMBA –
CULPA – Para obter a indenização contra o Estado por ter o autor sido atingido
por uma bomba durante incidentes de revolta da população pela majoração das
passagens de ônibus, necessária se faz a comprovação da culpa do Estado no fato
(TJ RJ, Ap. 4545/90 – 6ª C.Civ. – Rel. Dês. Pestana de Aguiar – julg. 19.3.91).
Prestação de serviço de saúde mantido em hospital municipal –
Necessidade da comprovação da ocorrência de comissão ou omissão decorrente de
imprudência, negligência ou imperícia quer por parte do médico, quer por parte
da pessoa jurídica de direito público (TJSP, RT 775/247).
4.3 A responsabilidade estatal
objetiva por conduta omissiva defendida pela doutrina e jurisprudência
majoritárias
Toshio Mukai
observa, com propriedade, o conceito de causa:
As obrigações, em direito,
comportam causas, podendo estas ser a lei, o contrato ou o ato ilícito. Ora,
causas, nas obrigações jurídicas (e a responsabilidade civil é uma obrigação),
é todo o fenômeno de transcendência jurídica capaz de produzir um poder
jurídico pelo qual alguém tem o direito de exigir de outrem uma prestação (de
dar, de fazer, ou de não fazer).
José de
Aguiar Dias, adepto da responsabilidade objetiva, ao expor o seu entendimento
sobre o termo causa, assim preceituou:
Só é causa aquele fato a que o
dano se liga com força de necessidade. Se numa sucessão de fatos, mesmo
culposos, apenas um, podendo evitar a conseqüência danosa, interveio e
correspondeu ao resultado, só ele é causa, construção que exclui a polêmica
sobre a mais apropriada adjetivação. Se ao contrário, todos ou alguns
contribuíram para o evento, que não ocorreria, se não houvesse a conjugação
deles, esses devem ser considerados causas concorrentes ou concausas.
Desta forma,
conclui Aguiar Dias que a inércia do Estado empenha responsabilidade civil a
este e a conseqüente obrigação de reparar integralmente o dano causado, na
forma do artigo 37 parágrafo 6.º da Constituição Federal; portanto, a
responsabilidade é objetiva.
Odete
Medauar entende que a responsabilidade do Estado, fundamentada na Teoria do
Risco Administrativo, apresenta-se, hoje, na maioria dos ordenamentos
jurídicos, regida pela Teoria da Responsabilidade Objetiva. Entende, ainda, que
a adoção da responsabilidade objetiva do Estado traz, por conseguinte, o
sentido de igualdade de todos ante os ônus e encargos deste e o próprio sentido
de justiça [equidade]. Acrescenta que como nem sempre é possível identificar o
agente causador do dano, nem demonstrar o dolo ou culpa, melhor se asseguram os
direitos da vítima através da aplicação da responsabilidade objetiva ao Estado.
Quanto ao
preceito da igualdade de todos ante os ônus e encargos públicos, também
denominado “solidariedade”, ensina: “Se, em tese, todos se beneficiam das
atividades da Administração, todos [representados pelo Estado] devem
compartilhar do ressarcimento dos danos que essas atividades causam a alguém”.
Na mesma
linha de raciocínio Celso Ribeiros Bastos analisa a responsabilidade do Estado,
ensinando que tal entendimento já se encontra sedimentado atualmente e, não há,
portanto, que se questionar sobre o elemento subjetivo da culpa entre o dano e
o comportamento que o provocou.
Hely Lopes
Meirelles, da mesma forma, defende a tese da responsabilidade objetiva,
dispondo que esta se fundamenta no risco proveniente de sua ação ou omissão,
que visam à consecução de seus fins.
Preleciona
Weida Zancaner Brunini que a teoria objetiva é aplicada na responsabilidade do
Estado. Porém, a teoria subjetiva ainda permanece na relação
Estado-funcionário, quanto ao direito de regresso do Estado contra seu agente,
pois condicionada está à culpabilidade deste.
Yussef Said
Cahali também é no sentido de que o artigo constitucional acolhe, sob o manto
da responsabilidade objetiva, tanto a conduta omissiva quanto a comissiva .
A
jurisprudência pátria é majoritária no sentido de que a responsabilidade do
Estado por conduta omissiva é objetiva. Com efeito, os julgados abaixo denotam
o exposto:
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - MORTE DE DETENTO. O ordenamento
constitucional vigente assegura ao preso a integridade física (CF art. 5, XLIX)
sendo dever do Estado garantir a vida de seus detentos, mantendo, para isso,
vigilância constante e eficiente. Assassinado o preso por colega de cela
quando cumpria pena por homicídio qualificado responde o estado civilmente pelo
evento danoso, independentemente da culpa do agente público. Recurso improvido.
Por unanimidade, negar provimento ao recurso. (STJ, RESP 5711, decisão
20.03.1991, Ministro Garcia Vieira).
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
– MÁ EXECUÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS – RISCO ADMINISTRATIVO – DANO E NEXO DE
CAUSALIDADE. A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público,
responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, que admite
pesquisa em torno da culpa do particular, para o fim de abrandar ou mesmo
excluir a responsabilidade estatal, ocorre, em síntese, diante dos seguintes
requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa (comissiva ou omissiva); c)
do nexo causal entre o dano e a ação administrativa. – O Município tem, por
obrigação, manter em condições de regular o uso e sem oferecer riscos, as vias
públicas e logradouros abertos à comunidade (TJ – RJ – Ap. 7613/94 – 6ª C.Civ.
– Rel. Dês. Pedro Ligiéro – apud COAD 75286).
Indenização – Acidente de
Trânsito – Sinistro ocasionado pela falta de serviço na conservação de estrada
– Ausência de prova de culpa do particular, bem como de evento tipificador de
força maior – Comprovação do nexo de causalidade entre a lesão e o ato da
Administração – Verba devida – Aplicação da teoria do risco administrativo, nos
termos do art. 37, § 6º, da CF (TJMG, RT 777/365).
Por esses
entendimentos, podemos concluir que o comportamento omissivo do Estado deve ser
considerado como causa do dano, e não simples condição deste, como entende a
corrente doutrinária subjetivista, anteriormente citada. Portanto, o parágrafo
6.º do artigo 37 da Constituição Federal contempla, além da responsabilidade
por atos comissivos, aquela decorrente da conduta omissiva.
4.4 Considerações sobre a
natureza objetiva da responsabilidade estatal por conduta omissiva
Como se verificou, os autores pátrios, no que tange à natureza da
responsabilidade do Estado por conduta comissiva, põem-se de acordo. Todavia,
no que pertine à conduta omissiva, dividem-se em dois grupos: os que defendem a
natureza objetiva dessa responsabilidade e os que a entendem subjetiva. No
primeiro grupo estão autores como Yussef Said Cahali, Odete Medauar, Álvaro
Lazzarini, Carvalho Filho e Celso Ribeiro Bastos, entre outros; no segundo,
Celso Antonio Bandeira de Mello, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Lucia Valle
Figueiredo e outros.
A verdade é que o primeiro dos deste último grupo adotou, quanto ao tema, a
ensinança de seu pai, Osvaldo Aranha Bandeira de Mello, e, os demais, por sua
vez, o seguiram.
O próprio Celso Antonio, quando analisa os danos decorrentes de atividades
perigosas do Estado, afirma categoricamente que mesmo as condutas que não
estejam diretamente ligadas ao dano entram “decisivamente em sua linha de
causação”. Diz ele: “há determinados casos em que a ação danosa, propriamente
dita, não é efetuada por agente do Estado, contudo é o Estado quem produz a
situação da qual o dano depende”. O próprio autor apresenta exemplos. Vejamos
um: o assassinato de um presidiário por outro presidiário. Não foi o Estado,
mas sim o presidiário, o autor do dano; todavia, foi aquele quem criou as
condições para que este dano ocorresse, mantendo-os presos. Ora, se o Estado
tivesse cuidado para que a segurança do presidiário fosse adequada, o dano
poderia ter sido evitado. Logo, o Estado, também aí, a par de manter presos o
autor do dano e a vítima [conduta positiva], omitiu-se quanto à segurança desta
última em face daquele [conduta omissiva]. A primeira delas, para o autor, é
causa do dano, a segunda, não.
Agostinho Alvim acentua que a “teoria da equivalência das condições aceita
qualquer das causas como eficiente”, asseverando que essa “equivalência resulta
de que, suprimida uma delas, o dano não se verificaria”.
Yussef Said Cahali ensina que “não parece haver dúvida de que a
responsabilidade civil do Estado pode estar vinculada a uma conduta ativa ou
omissiva da Administração, como causa do dano reclamado pelo ofendido”. Logo em
seguida, depois de transcrever ensinamentos de Celso Antonio e Álvaro
Lazzarini, alude a que “substancialmente, tais manifestações não se revelam
conflitantes, sendo mais aparente o confronto que se pretende, em especial
quando se considera que a própria filosofia jurídica está longe de definir a
discriminação conceitual entre ‘causa’ e ‘condição’”.
Álvaro Lazzarini contesta a assertiva de que a conduta comissiva possa ser
causa do dano e a omissiva, não. Cahali, sintetizando o pensamento de
Lazzarini, afirma que para esse autor:
Causa, nas obrigações jurídicas, é todo fenômeno de transcendência
jurídica capaz de produzir um efeito jurídico pelo qual alguém tem o direito de
exigir de outrem uma prestação [de dar, de fazer ou não fazer]; daí concluir
que a omissão pode ser causa e não condição, ou, em outros termos, o
comportamento omissivo do agente público, desde que deflagrador primário do
dano praticado por terceiro, é causa e não simples condição do evento danoso.
Veja-se que no exemplo citado por Celso Antonio tanto a conduta comissiva,
quanto a omissiva, se eliminada, afastaria o dano. Por que, então, tratá-las de
modo diverso? Não existe argumento de ordem filosófica para tanto. Nem o há de
ordem jurídica. Vejamos:
A Constituição Federal, no artigo citado, não diferenciou as duas condutas,
quando poderia perfeitamente fazê-lo. Assim, o vocábulo “causarem”, do aludido
dispositivo, deve ser lido como “causarem por ação ou omissão”.
Entender-se que o legislador brasileiro, muito bem informado, à época, da
evolução do instituto, teria recuado no tempo, estabelecendo a responsabilidade
objetiva apenas para os casos de conduta comissiva, retroagindo, no que tange à
omissiva, aos tempos da culpa civilística ou da faute du service, seria
demasiado. Aliás, a responsabilidade objetiva já vinha consagrada no direito
brasileiro desde a Constituição Federal de 1946 [art. 194]. Por que, então, o
legislador constitucional, ao invés de avançar, teria preferido recuar,
distinguindo as duas condutas? Qual o fundamento, legal e político, para a
distinção?
Note-se que no que concerne ao agente estatal causador do dano o constituinte
avançou substituindo a expressão “funcionário” por “agente”, muito mais
abrangente. Estendeu a responsabilidade também para os particulares prestadores
de serviço público [a chamada desestatização apenas engatinhava]. Ora, por que,
então, no que tange à conduta do agente, aquele teria recuado quase um século,
para, a par da responsabilidade objetiva, fixada para a conduta comissiva,
estatuir a responsabilidade subjetiva em caso de conduta omissiva?
O que se pretendeu com toda a evolução da responsabilidade do Estado foi
exatamente evitar que o lesado tivesse de provar a culpa do agente, nem sempre
– e quase nunca – um exercício fácil. Por que o legislador, cônscio dessa
evolução, teria marchado em ré? Especialmente quando ele mesmo, legislador
constitucional, previu a responsabilidade objetiva, com o mesmo desiderato,
para questões relacionadas com o meio ambiente e com os direitos do consumidor?
Implica, tal conclusão, num contra-senso!!! Até porque, na omissão, em
regra, é muito mais difícil a prova da culpa.
Ao final, parece ser mesmo despicienda a discriminação entre causa e condição
como fatores ensanchadores da responsabilidade estatal.
Ademais, o ensinamento de Celso Antonio baseia-se em que, para ele, a conduta
omissiva da Administração é sempre ilícita. Parte da idéia de que a
responsabilidade do Estado nasce do fato de que este, tendo o dever de agir,
não agiu. Logo, descumpriu um dever legal; agiu ilicitamente. Ora, mesmo
firmado tal entendimento – e parece ser este o predominante -, não estaria
afastada a responsabilidade objetiva da Administração omissa. A
responsabilidade continuaria sendo objetiva, por força de disposição
constitucional expressa, cabendo ao lesado demonstrar a conduta [no caso,
omissiva] do agente estatal, o dano e o nexo de causalidade entre eles, e,
àquela, demonstrar que não tinha o dever legal de agir, ou que, o tendo, não
deixou de agir ou, ainda, que está presente qualquer das excludentes de
responsabilidade, o que afastaria a obrigação de indenizar. Note-se que não é
necessário transmudar a responsabilidade objetiva em subjetiva para que a
Administração se desvincule do dever de indenizar; basta que esta demonstre que
não tinha o dever de agir e que, portanto, sua conduta não foi, do ponto de
vista jurídico, causa do evento danoso.
Cahali informa que:
[...] notoriamente elástico o conceito de exigibilidade do ato estatal,
no caso, a carga de subjetivismo que caracteriza a sua identificação é que terá
induzido alguns autores ao exame das hipóteses da perspectiva da
responsabilidade subjetiva do Estado, com perquirição necessária do elemento
‘culpa ou dolo’.
E arremata: “[...] portanto, o dever jurídico descumprido, de execução da obra
ou prestação do serviço devido, colocado como causa primária da
responsabilidade estatal, é circunstancial e contingente”.
Importante salientar que Celso Antonio entende que a conduta comissiva
decorrente de ato ilícito – insista-se: ilícito – gera responsabilidade
objetiva. Adverte ele que às vezes a conduta estatal causadora do dano é
ilegítima e, nesse caso, não haverá lugar para variar as condições de aplicação
da responsabilidade do Estado. Afirma, com todas as letras, “[...] deveras, se
a conduta legítima produtora de dano enseja responsabilidade objetiva, a
fortiori deverá ensejá-la a conduta ilegítima causadora de lesão injurídica
[...] saber-se se o Estado agiu ou não culposamente [ou dolosamente] é questão
irrelevante”.
Entretanto, quando defende a natureza subjetiva da responsabilidade do Estado
por conduta omissiva, o mesmo autor assevera que “[...] sendo responsabilidade
por ilícito, é necessariamente responsabilidade subjetiva”.
É de se indagar: por que na conduta comissiva ilícita não se discute dolo ou
culpa – responsabilidade objetiva – e na conduta ilícita omissiva aqueles
elementos subjetivos são discutidos – responsabilidade subjetiva? Seria
apenas porque na primeira a conduta estatal é causa do dano e, na segunda, mera
condição? Essa distinção, como se asseverou, já não se sustenta
cientificamente. Logo, há de ser afastada.
Com efeito, alijada a dicotomia entre causa e condição, o dano, resultante de
conduta estatal, comissiva ou omissiva, deve ser reparado pelo Estado, sem que
se possa debater sobre a existência ou não de culpa. Portanto, responsabilidade
objetiva.
Demais disso, há autores que sustentam que a omissão do agente estatal pode,
sim, ser causa do dano. Entre eles Rui Stoco, que ensina: “Não é apenas a ação
que produz dano. Omitindo-se o agente público também pode causar prejuízo ao
administrado e à própria Administração”.
Lazzarini diz que o Estado responde, objetivamente, sempre que demonstrado o
nexo de causalidade entre o dano e a atividade funcional do agente estatal, só
podendo haver discussão sobre culpa ou dolo na ação regressiva do Estado contra
o agente causador do dano, acrescentando que não é somente a ação, mas também a
omissão, que pode causar dano suscetível de reparação por parte do Estado. O
mesmo autor indica vários casos em que os tribunais pátrios entenderam que a
omissão de agente do Estado foi causa do dano, decidindo por impor a este o
dever de indenizar.
Imagine-se a situação em que um médico, no desempenho de função estatal, deixe
de socorrer um paciente e este, em razão da omissão daquele, vem a morrer. Não
terá sido a omissão do médico [agente estatal] a causa do dano? Será possível
justificar, nesta hipótese, que para a causação do dano a conduta omissiva
atuou à guisa de mera condição?
Não parece ter cabida uma outra afirmação do mesmo autor, no sentido de que nos
casos de responsabilidade do Estado por conduta omissiva a questão deve ser
analisada e decidida pelo ângulo da Administração, ou seja, pelo lado ativo da
relação, ao passo que quanto à conduta comissiva a análise e a decisão devem
centrar-se no lesado, isto é, no lado passivo da relação.
Ora, em qualquer caso de responsabilidade do Estado, seja por conduta
comissiva, seja por omissiva, há vários elementos que devem ocupar o cenário: o
dano, a conduta estatal e o nexo de causalidade. Outros, ainda, poderão ter
lugar na discussão: a presença de circunstâncias excludentes, o fato de o dano
não ser especial e anormal, a inexistência do dever de agir etc.
Assim, não se pode falar que na responsabilidade decorrente de conduta
comissiva analisa-se a questão pelo lado do lesado, quando, em se tratando de
conduta omissiva, essa análise estaria centrada no lado da Administração. Em
ambos os casos, vários fatores entram em linha de conta, sem preponderância de
qualquer deles. Em ambos, será de fundamental importância, por exemplo, a
imputação do dano à conduta estatal [comissiva ou omissiva] e sua qualificação
[especial e anormal], bem como o fato de que o sujeito lesado não está obrigado
a suportá-lo. Por conseguinte, o argumento não impressiona.
Derradeiramente, há de ser analisada a afirmação, também feita por Celso
Antonio, de que se nos danos decorrentes de conduta estatal omissiva o Estado
for chamado a responder objetivamente este estará sendo erigido à condição de
segurador universal. Não parece, porém, ser exatamente assim.
Ocorre que em todos os casos em que o Estado é chamado a ressarcir prejuízos
decorrentes de conduta omissiva, bem assim nas comissivas, poderá ele
defender-se demonstrando a presença de quaisquer das circunstâncias excludentes
de responsabilidade. Poderá, ainda, demonstrar que o dano não é especial nem
anormal ou que não tinha o dever de agir. Este largo espectro de defesas leva à
conclusão de que mesmo que se aplique, em todos os casos, a teoria do risco
administrativo e, portanto, a responsabilidade objetiva, o Estado não estará
sendo erigido à condição de segurador universal. Ademais, se o Estado se
omite no seu dever de agir conforme os padrões médios de exigência da
população, assim causando lesões ao patrimônio das pessoas, melhor seria mesmo
que fosse erigido a tal condição. Não é este, contudo, o caso.
O Supremo Tribunal Federal já teve o ensejo de aclarar a situação, em
percuciente voto do Ministro Celso de Mello.
A razão está mesmo com Odete Medauar, que argumenta, em preciosa síntese:
Informada pela teoria do risco, a responsabilidade do Estado
apresenta-se hoje, na maioria dos ordenamentos, como responsabilidade
objetiva. Nessa linha, não mais se invoca o dolo ou culpa do agente, o mau
funcionamento ou falha da Administração. [...] Deixa-se de lado, para fins de
ressarcimento do dano, o questionamento do dolo ou culpa do agente, o
questionamento da licitude ou ilicitude da conduta, o questionamento do bom ou
mau funcionamento da Administração. Demonstrado o nexo de causalidade, o Estado
deve ressarcir.
A evolução da responsabilidade do Estado, no sentido de sua objetivação, fica
ainda mais evidente quando se constata a redação, como se segue, do art. 43 do
novel Código Civil, que entrou em vigor no dia 11 de janeiro de 2003:
Art. 43 – As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente
responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a
terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se
houver, por parte destes, culpa ou dolo.
Fica absolutamente claro que o legislador contemplou, mais uma vez, a responsabilidade
objetiva do Estado – embora já não fosse necessário fazê-lo -, permitindo a
perquirição sobre a presença do elemento subjetivo [culpa ou dolo] tão somente
na ação regressiva [do Estado] em face do [agente] causador do dano.
Concluindo, pode-se afirmar que o legislador brasileiro, bem como a doutrina e
a jurisprudência, sempre tiveram clara a evolução da responsabilidade do
Estado, sempre no sentido de sua objetivação, afastando-se da culpa e
aproximando-se do risco, até assumi-lo, sendo razoável que se falasse em algum
tipo de responsabilidade subjetiva apenas no período que vai do início de
vigência do antigo Código Civil de 1916 até a promulgação da Constituição
Federal de 1946, quando, promulgada esta, a responsabilidade do Estado passou a
ser objetiva, ficando revogado o Código Civil.
4.5 O princípio da legalidade e a conduta omissiva
O princípio
da legalidade é considerado como sendo o princípio maior que rege os atos
administrativos, praticados pelo Estado. Exige ele que a administração pública
somente poderá fazer ou deixar de fazer algo, desde que prescrito por lei.
Ocorre, porém, que em sua grande maioria os atos administrativos são atos
vinculados. Mesmo nos atos discricionários também pesa tal princípio, visto que
a margem de liberdade de decisão que a norma autoriza ao agente possui, sempre,
um limite, posto pela própria norma.
Na responsabilidade do Estado por conduta omissiva, o agente tem o dever
de agir, estabelecido em lei, mas, desobedecendo à lei, não age. Por não ter
agido, causou um dano ao particular. Portanto, trata-se de uma conduta ilícita,
isto é, contrária à lei. Logo, feriu-se o princípio da legalidade.
Como o interesse social tem por objetivo a manutenção da ordem pública
no sentido de viabilizar a harmonia social, importante ressaltar a gravidade de
uma conduta ilícita e omissiva. O ato ilícito corresponde ao que a sociedade
repudia como comportamento, isto é, o que não é aceito no grupo social. Por
isso, é o mesmo que estar violando os valores deste grupo. Da mesma forma, o
risco social que apresenta a conduta omissiva é de gravidade muito mais
elevada.
A doutrina majoritária - inclusive Bandeira de Mello - entende ser
objetiva a responsabilidade decorrente do dano provocado por ato lícito do
Estado. Se ato lícito é o ato que está em conformidade com o direito, ou seja,
aquilo que é entendido como adequado, correto, bem visto pela sociedade, e,
para esse, a responsabilidade é objetiva, porque para o ato ilícito omissivo
não haveria também essa maior proteção ao administrado, sendo que este último é
indiscutivelmente mais grave?
Destarte, é imperiosa a proteção
do administrado contra condutas mais graves, ampliando o seu campo de amparo
pela adoção da responsabilidade objetiva.
4.6 A falta do serviço e o Código
de Defesa do Consumidor
O Código de
Defesa do Consumidor, em seu artigo 14, combinado com o artigo 3º, atribui ao
Estado, enquanto fornecedor de serviço público, a responsabilidade objetiva por
danos decorrentes da “falta do serviço público”, incluindo, assim, a
responsabilidade por conduta omissiva.
Assim, o
Estado é considerado fornecedor de serviço público, devendo, portanto, obedecer
a todos os princípios e regras protetores do consumidor, inclusive ao princípio
contido no inciso X do artigo 6.º do CDC, que expressamente determina ser
direito do consumidor “a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em
geral ”.
O Artigo 22
do mesmo diploma legal dispõe que a responsabilidade pelo fornecimento
inadequado ou ineficaz do serviço público será regida pelas regras deste
código. Portanto, responsabilidade objetiva.
O
doutrinador Zelmo Denari, com propriedade, explica que: “As pessoas jurídicas
de direito público – centralizadas ou descentralizadas – podem figurar no pólo
ativo da relação de consumo, como fornecedor de serviços. Por via de
conseqüência, não se furtarão a ocupar o pólo passivo da correspondente relação
de responsabilidade”.
De acordo
com o Código de Defesa do Consumidor, são responsáveis objetivamente a União,
os Estados, os Municípios e o Distrito Federal. Também o são as autarquias, as
fundações públicas, as sociedades de economia mista, as empresas públicas e as
concessionárias e permissionárias de serviço público.
Importante
salientar que o Estado somente será considerado fornecedor e, portanto, estará
sujeito às regras do Código de Defesa do Consumidor [responsabilidade objetiva]
quando for produtor de bens ou prestador de serviços, remunerados por “tarifas”
ou “preços públicos”. Por outro lado, não serão aplicadas as normas do CDC aos
casos em que aquele for remunerado mediante atividade tributária em geral
[impostos, taxas e contribuições de melhoria].
Portanto, a
partir do advento do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade do
Estado, pelo serviço público remunerado por tarifa ou preço público, é de
natureza objetiva, tanto para as condutas comissivas como para as omissivas.
5. CONCLUSÕES
1 – A responsabilidade civil é um instituto de difícil conceituação, por
sua amplitude. Tem por finalidade o restabelecimento do equilíbrio violado pelo
dano. Quanto ao seu fundamento, a responsabilidade civil poderá ser: a)
subjetiva: presente sempre o pressuposto culpa ou dolo; por isso, para sua
caracterização devem coexistir os seguintes elementos: a conduta, o dano, a
culpa e o nexo de causalidade entre a conduta e o dano. É a Teoria da Culpa,
também chamada de responsabilidade aquiliana; b) objetiva: não há a necessidade
da prova da culpa, bastando a existência do dano, da conduta e do nexo causal
entre o prejuízo sofrido e a ação do agente; está calcada no risco assumido
pelo lesante, em razão de sua atividade, daí ser chamada também de Teoria do
Risco.
2 – Em nosso ordenamento jurídico já é pacífico o entendimento de que o
Estado é responsável por suas condutas, comissivas ou omissivas, que causarem
danos a terceiros, porém essa responsabilidade traz em seu bojo regras
peculiares.
3 – O Estado poderá excluir a sua responsabilidade quando ocorrerem
determinadas situações, que, na verdade, retiram o nexo de causalidade entre a
conduta estatal e o dano. São elas: força maior, caso fortuito, estado de
necessidade e culpa exclusiva da vítima ou de terceiro.
4 – A
doutrina e a jurisprudência brasileiras são unânimes quanto à natureza objetiva
da responsabilidade do Estado por conduta comissiva. Porém, quanto às condutas
omissivas, o direito pátrio traz duas correntes divergentes. A primeira,
capitaneada por Oswaldo Aranha Bandeira de Mello e continuada por Celso Antônio
Bandeira de Mello, aponta a responsabilidade do Estado como sendo de natureza subjetiva,
com base no artigo 15 do antigo Código Civil [art. 43 do novo Código]. A
segunda corrente, que sustenta ser a responsabilidade objetiva, é seguida pelos
doutrinadores Odete Medauar, Celso Ribeiro Bastos, Álvaro Lazzarini, Aguiar
Dias, Hely Lopes Meirelles, Weida Zancaner Brunini, Yussef Said Cahali, entre
outros, e fundamenta-se no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.
5 - Celso
Antônio Bandeira de Mello, a fim de justificar a aplicação da Teoria Subjetiva
à responsabilidade do Estado por conduta omissiva, argumenta que a palavra “causarem”
do artigo 37, parágrafo 6.º, da Constituição Federal somente abrange os atos
comissivos, e não os omissivos, afirmando que estes apenas “condicionam” o
evento danoso, ou seja, são apenas “condição”, e não “causa”, do dano, pois
causa é o fato que positivamente gera um resultado e condição é o evento que
não ocorreu, mas que, se tivesse ocorrido, teria impedido o resultado.
6 – A outra
corrente, que sustenta ser a responsabilidade do Estado por conduta omissiva
regida pela Teoria do Risco, fundamentada no artigo 37, § 6º, da CF, contraria
os argumentos de Celso Antônio Bandeira de Mello, afirmando que a conduta
omissiva estatal não pode ser considerada condição, mas sim causa, pois esta é
todo fenômeno capaz de produzir um poder jurídico pelo qual alguém tem o
direito de exigir de outrem uma prestação [de dar, de fazer, ou de não fazer].
7 – Celso
Antonio Bandeira de Melo, quando analisa os danos decorrentes de atividades
perigosas do Estado, afirma categoricamente que mesmo as condutas que não
estejam diretamente ligadas ao dano entram “decisivamente em sua linha de
causação”. Diz ele: “há determinados casos em que a ação danosa, propriamente
dita, não é efetuada por agente do Estado, contudo é o Estado quem produz a
situação da qual o dano depende”.
8 - A
Constituição Federal, no artigo citado, não diferenciou as condutas comissivas
e omissivas; assim, o vocábulo “causarem”, do aludido dispositivo, deve ser
lido como “causarem por ação ou omissão”, pois caso contrário o
legislador teria recuado no tempo, estabelecendo a responsabilidade objetiva
apenas para os casos de conduta comissiva, o que é inconcebível, diante dos
avanços em outras matérias constitucionais, tais como a substituição da
expressão “funcionário” por “agente”, muito mais abrangente, e a extensão da
responsabilidade também para os particulares prestadores de serviço público [a
desestatização apenas engatinhava].
9 - Para
Celso Antonio, a conduta omissiva da Administração é sempre ilícita. Mesmo
firmado tal entendimento, não estaria afastada a responsabilidade objetiva da
Administração omissa, pois a responsabilidade continuaria sendo objetiva, por
força de disposição constitucional expressa. Não é necessário transmudar a
responsabilidade objetiva em subjetiva para que a Administração se desvincule
do dever de indenizar; basta que esta demonstre que não tinha o dever de agir e
que, portanto, sua conduta não foi, do ponto de vista jurídico, causa do evento
danoso.
10 - Celso
Antonio entende que a conduta comissiva decorrente de ato ilícito gera
responsabilidade objetiva, bem como que às vezes a conduta estatal causadora do
dano é ilegítima e, nesse caso, será sempre objetiva a responsabilidade.
Entretanto, quando defende a natureza subjetiva da responsabilidade do Estado
por conduta omissiva, o mesmo autor se contradiz, ao asseverar que “[...] sendo
responsabilidade por ilícito, é necessariamente responsabilidade subjetiva”. É
de se indagar: por que na conduta comissiva ilícita não se discute dolo ou
culpa – responsabilidade objetiva – e na conduta ilícita omissiva aqueles
elementos subjetivos são discutidos – responsabilidade subjetiva? Seria
apenas porque na primeira a conduta estatal é causa do dano e, na segunda, mera
condição? Essa distinção, como se asseverou, já não se sustenta
cientificamente, por isso deve ser afastada, prevalecendo a responsabilização
objetiva do Estado.
11 - Não se sustenta a outra afirmação do mesmo autor, no sentido de que nos
casos de responsabilidade do Estado por conduta omissiva a questão deve ser
analisada e decidida pelo ângulo da Administração, ao passo que quanto à
conduta comissiva a análise e a decisão devem centrar-se no lesado. Em qualquer
caso de responsabilidade do Estado, seja por conduta comissiva, seja por
omissiva, haverá sempre os seguintes elementos: o dano, a conduta estatal e o
nexo de causalidade. Outros, ainda, poderão ter lugar na discussão: a presença
de circunstâncias excludentes, o fato de o dano não ser especial e anormal, a
inexistência do dever de agir etc. Assim, não se pode falar que na
responsabilidade decorrente de conduta comissiva analisa-se a questão pelo lado
do lesado, quando, em se tratando de conduta omissiva, essa análise estaria
centrada no lado da Administração. Em ambos os casos, vários fatores entram em
linha de conta, sem preponderância de qualquer deles.
12 – Também foi analisada a afirmação, feita por Celso Antonio, de que se nos
danos decorrentes de conduta estatal omissiva o Estado for chamado a responder
objetivamente este estará sendo erigido à condição de segurador universal. Em
todos os casos em que o Estado é chamado a ressarcir prejuízos decorrentes de
conduta omissiva, bem assim nas comissivas, poderá ele defender-se demonstrando
a presença de quaisquer das circunstâncias excludentes de responsabilidade.
Poderá, ainda, demonstrar que o dano não é especial, nem anormal, ou que não
tinha o dever de agir. Este largo espectro de defesas leva à conclusão de que
mesmo que se aplique a responsabilidade objetiva, o Estado não estará sendo
erigido à condição de segurador universal.
13 - A evolução da responsabilidade do Estado, no sentido de sua objetivação,
fica ainda mais evidente quando se constata a redação do art. 43, do novo Código
Civil de 2002, que deixou absolutamente claro que a perquirição sobre a
presença do elemento subjetivo [culpa ou dolo] seria tão somente na ação
regressiva [do Estado] em face do [agente] causador do dano.
14 - O
legislador brasileiro, bem como a doutrina e a jurisprudência, sempre tiveram
clara a evolução da responsabilidade do Estado, no sentido de sua objetivação,
afastando-a da culpa e aproximando-a do risco, até assumi-lo, sendo razoável
que se falasse em algum tipo de responsabilidade subjetiva apenas no período
que vai do início de vigência do antigo Código Civil de 1916 até a promulgação
da Constituição Federal de 1946, quando, promulgada esta, a responsabilidade do
Estado passou a ser objetiva, ficando revogado o antigo Código Civil.
15 – A doutrina majoritária, inclusive Bandeira de Mello, entende ser
objetiva a responsabilidade decorrente do dano provocado por ato lícito do
Estado. Se ato lícito é o ato que está em conformidade com o direito e, para
esse, a responsabilidade é objetiva, por que para o ato ilícito omissivo não
haveria também essa maior proteção ao administrado, sendo que este último é
indiscutivelmente mais grave? É imperiosa a proteção do administrado contra
condutas mais graves, ampliando o seu campo de amparo pela adoção da responsabilidade
objetiva.
16 – O
Código de Defesa do Consumidor atribui ao Estado, enquanto fornecedor de
serviço público, a responsabilidade objetiva por danos decorrentes da “falta do
serviço público”, incluindo, assim, a responsabilidade por conduta omissiva;
deve, ainda, obedecer a todos os princípios e regras protetores do consumidor;
e, pelo artigo 22, a responsabilidade pelo fornecimento inadequado ou ineficaz
do serviço público será de natureza objetiva. Importante salientar que o Estado
somente será considerado fornecedor e, portanto, estará sujeito às regras do
CDC [responsabilidade objetiva] quando for produtor de bens ou prestador de
serviços, remunerados por “tarifas” ou “preços públicos”; portanto não serão
aplicadas as normas do CDC aos caso em que aquele for remunerado por tributos.
Desta forma, a partir do advento do Código de Defesa do Consumidor, a
responsabilidade do Estado, pelo serviço público remunerado por tarifa ou preço
público, é de natureza objetiva, tanto para as condutas comissivas como para as
omissivas.
17 – Ante
todos os argumentos expostos, nosso posicionamento é no sentido da
aplicabilidade da Teoria do Risco Administrativo, ou seja, da responsabilidade
de natureza objetiva ao Estado, pelas condutas omissivas que causarem danos a
terceiros, haja vista a necessidade de proteger o lesado ante a dificuldade
deste em demonstrar a culpa ou dolo de algum agente ou que o serviço não
funcionou como deveria. Ademais, o artigo 37, § 6º, da Constituição Federal é
claro ao discorrer que o Estado responde, independente de culpa, pelas condutas
comissivas ou omissivas que causarem danos a terceiros. Todos os argumentos
utilizados pelos doutrinadores a fim de sustentar a tese de que se aplica a
Teoria Subjetiva na responsabilização das condutas omissivas estatais são
frágeis e contraditórios. Ademais, o novo Código Civil, ao trazer tal regra no
art. 43, corroborou a norma constitucional, no sentido de que será verificada a
culpa ou o dolo somente em ação regressiva do Estado em face do agente causador
do dano”.
>http://www.ufsm.br/direito/artigos/civil/resp-estado-omissiva.htm<.
Acesso: 7/5/2012
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