terça-feira, 25 de setembro de 2012



“Ada Pellegrini Grinover
Em entrevista concedida com exclusividade à Escola Superior da Magistratura do Estado de Goiás, a jurista Ada Pellegrini Grinover (foto) falou sobre o projeto do Código de Processo Civil (PL 166/10), em trâmite no Senado Federal, e as mudanças mais significativas na processualística civil brasileira.
Confira:
Encontra-se em andamento o Projeto de Lei do Senado (PLS) 166/10, que busca alterar o atual Código de Processo Civil. Se aprovado o texto como está, haverá mudanças significativas, tendo em vista o diploma atual? Pode-se afirmar que haverá um novo código ou as reformas serão apenas pontuais?
Ada Pellegrini – A meu ver, trata-se apenas de reformas pontuais. Um novo Código demandaria sistematização diversa, a partir das espécies de tutela jurisdicional (ordinária e diferenciada). Mas reconheço que algumas das reformas pontuais introduzidas pelo projeto são importantes e trazem mudanças significativas. Destaco as seguintes: audiência de conciliação antes da resposta do réu. Mas ela deveria ser obrigatória, para que as partes fossem ao menos informadas sobre a possível utilização das vias alternativas e suas vantagens. E o exercício da função de mediador/conciliador não deveria ser proibido ao advogado, mesmo no âmbito do Tribunal em que exerce a advocacia. Aliás, há aqui um paradoxo: na primeira versão, o anteprojeto atribuía ao advogado o monopólio da função – o que era errado – e na redação aprovada pelo Senado o advogado tem esse impedimento; o incidente das causas repetitivas. Mas o projeto não cuida dos efeitos erga omnes da decisão e muito menos de seu efeito vinculante, de modo que a decisão do caso piloto não vai colher os processos futuros; a supressão do agravo retido (com a inexistência de preclusão da decisão interlocutória); e a estabilização da tutela satisfativa. Mas as regras que regulam o instituto estão mal sistematizadas e nem todas são suficientemente precisas.
O texto elimina o livro pertinente ao Processo Cautelar, mas mantém as medidas acautelatórias. Em termos históricos, o processo cautelar demorou a ganhar a condição de “processo”. É justificável a supressão? Poderá haver prejuízo ao jurisdicionado?
Ada Pellegrini – Não vejo prejuízos na supressão. O que interessa é a tutela cautelar, que é uma tutela diferenciada (diversa da ordinária), e que persiste.
Há quem afirme que o poder do juiz aumenta com o novo projeto? A senhora concorda? Poderia citar alguns casos específicos?
Ada Pellegrini - No projeto apresentado pela Comissão de Juristas, existia a tendência que privilegiava a figura de um juiz centralizador e até autoritário. Por exemplo, era o juiz que conduzia a audiência de conciliação, e a ele se subordinavam mediador e conciliador. Isto caiu no projeto aprovado pelo Senado. Mas ainda persistem no projeto deveres das partes impostos pelo juiz, sem a ressalva de que ninguém pode ser obrigado a fazer prova contra si mesmo, o que tem que ser corrigido. No capítulo dos Recursos, diversas decisões monocráticas do relator são irrecorríveis, vulnerando o princípio constitucional das decisões colegiadas dos Tribunais.
Um novo instituto chama a atenção: a concessão da tutela antecipada pode sugerir a estabilização da decisão satisfativa se não houver impugnação, nos termos do artigo 288, § 2º do projeto. Que comentários poderia fazer a respeito do tema?
Ada Pellegrini – Eu mesma labutei durante anos pela previsão do instituto no ordenamento brasileiro. Se as partes concordam com a antecipação, não há porque o processo principal se iniciar ou prosseguir. Imagine-se o caso de uma transfusão de sangue autorizada pelo juiz: depois de sua realização, não resta mais nada a discutir. Imagine-se uma sustação de protesto: é possível que nenhuma das partes tenha interesse na decisão sobre a validade do título de crédito. Para que ajuizar ou prosseguir no processo principal?
Atualmente o CPC prevê oito recursos. No texto em andamento o artigo 948 contempla nove incisos, abolindo os embargos infringentes e prevendo o agravo de admissão, ao lado do agravo de instrumento e do agravo interno. Haverá mudança digna de nota na área recursal?
Ada Pellegrini - O número de recursos diminuiu. O agravo interno e o agravo de admissão já existiam e foram simplesmente mantidos. O agravo retido foi abolido, bastando, em substituição, a inexistência de preclusão para que a questão seja levantada em apelação ou contrarrazões. Esta também é uma ideia que me é cara e pela qual lutei muito. Não estou tão certa quanto à conveniência da supressão dos embargos infringentes, que poderiam simplesmente tornar-se incidente do julgamento da apelação e da rescisória, convocando-se para a sessão seguinte outros integrantes do colegiado em número suficiente para poder inverter a decisão. Mas admito que a obrigatoriedade de declaração de voto vencido pode encurtar o caminho recursal.
É positiva a previsão, constante do artigo 322 do texto, da figura do “Amicus curiae”?
Ada Pellegrini - Sem dúvida. Um contraditório ampliado, com a previsão da intervenção do ‘amicus curiae’, é muito salutar.
Vozes de peso destacam, em nosso país, a presença arraigada e histórica da cultura de burocracia processual. Por outro lado, o projeto parece aproximar-se do sistema “common law”. Qual é a posição da senhora a respeito?
Ada Pellegrini - Não vejo aproximação do projeto ao sistema de ‘common law’. Não foi introduzido o instituto do ‘pre-trial’, que poderia ser muito útil. A produção antecipada de provas fora dos casos de urgência é positiva, mas o projeto, em geral, mantém a estrutura tradicional e não me parece caminhar em direção à desburocratização. Na trata sequer do processo eletrônico.
O texto tal como redigido poderá conduzir à celeridade e à efetividade do processo? Até que ponto a administração judiciária, a ser exercida no âmbito administrativo dos tribunais, juízes e servidores, poderá auxiliar?
Ada Pellegrini – Uma das preocupações do projeto, segundo a exposição de motivos, é exatamente com a celeridade e a efetividade do processo. E algumas medidas foram tomadas nesse sentido (recordo, por exemplo, a estabilização da tutela satisfativa, o incidente de causas repetitivas, a supressão do agravo retido, a tentativa – inconstitucional a meu ver – rumo a irrecorribilidade das decisões monocráticas nos Tribunais). Mas o problema da celeridade não é de natureza tal, que possa ser solucioinado pela Lei, por melhor que seja. Nosso processo civil emperra por uma questão de mentalidade e devido à burocratização dos serviços cartorários. O processo eletrônico deverá ajudar muito na desburocratização.
O que faltou no projeto em andamento?
Ada Pellegrini - Muita coisa. Alguns diretores do Instituto Brasileiro de Direito Processual, entre os quais me inscrevo, estão preparando um substitutivo, em que se tratam diversas questões como: previsão de audiência ordinatória, substituindo a decisão saneadora escrita; possibilidade de prova testemunhal em relação a todos os contratos; supressão das prerrogativas da Fazenda Pública; supressão da remessa necessária; decisões parciais de mérito; possibilidade de o juiz rever a sentença diante de prova científica nova; ação rescisória (mantido o atual prazo de 2 anos) para decisões interlocutórias; previsão da ação monitória pura (não apenas documental, como é hoje); previsão de ações especiais para o Direito Marítimo; na Execução, praça única conduzida por leiloeiro; desnecessidade de homologação de sentenças e laudos arbitrais estrangeiros, quando meramente declaratórios, com eficácia imediata e controle difuso. Além disso, o substitutivo preocupa-se em melhorar o tratamento de institutos já previstos no projeto.
Suas considerações finais.
Ada Pellegrini – Penso que o projeto aprovado no Senado é apenas um ponto de partida. Deverá ser aprimorado na Câmara dos Deputados, com a colaboração de todos, de maneira a tornar-se um instrumento útil para uma prestação jurisdicional de melhor qualidade. Mas, como já dito, a lei não basta. É preciso investir na necessária mudança de cultura”.

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