“Ada Pellegrini Grinover
Em entrevista concedida com exclusividade à Escola
Superior da Magistratura do Estado de Goiás, a jurista Ada Pellegrini Grinover
(foto) falou sobre o projeto do Código de Processo Civil (PL 166/10), em
trâmite no Senado Federal, e as mudanças mais significativas na
processualística civil brasileira.
Confira:
Encontra-se em andamento o Projeto de Lei do Senado
(PLS) 166/10, que busca alterar o atual Código de Processo Civil. Se aprovado o
texto como está, haverá mudanças significativas, tendo em vista o diploma
atual? Pode-se afirmar que haverá um novo código ou as reformas serão apenas
pontuais?
Ada
Pellegrini – A meu
ver, trata-se apenas de reformas pontuais. Um novo Código demandaria
sistematização diversa, a partir das espécies de tutela jurisdicional
(ordinária e diferenciada). Mas reconheço que algumas das reformas pontuais
introduzidas pelo projeto são importantes e trazem mudanças significativas.
Destaco as seguintes: audiência de conciliação antes da resposta do réu. Mas
ela deveria ser obrigatória, para que as partes fossem ao menos informadas
sobre a possível utilização das vias alternativas e suas vantagens. E o
exercício da função de mediador/conciliador não deveria ser proibido ao
advogado, mesmo no âmbito do Tribunal em que exerce a advocacia. Aliás, há aqui
um paradoxo: na primeira versão, o anteprojeto atribuía ao advogado o monopólio
da função – o que era errado – e na redação aprovada pelo Senado o advogado tem
esse impedimento; o incidente das causas repetitivas. Mas o projeto não cuida
dos efeitos erga omnes da decisão e muito menos de seu efeito
vinculante, de modo que a decisão do caso piloto não vai colher os processos
futuros; a supressão do agravo retido (com a inexistência de preclusão da
decisão interlocutória); e a estabilização da tutela satisfativa. Mas as regras
que regulam o instituto estão mal sistematizadas e nem todas são
suficientemente precisas.
O texto
elimina o livro pertinente ao Processo Cautelar, mas mantém as medidas
acautelatórias. Em termos históricos, o processo cautelar demorou a ganhar a
condição de “processo”. É justificável a supressão? Poderá haver prejuízo ao
jurisdicionado?
Ada
Pellegrini – Não
vejo prejuízos na supressão. O que interessa é a tutela cautelar, que é uma
tutela diferenciada (diversa da ordinária), e que persiste.
Há quem
afirme que o poder do juiz aumenta com o novo projeto? A senhora concorda?
Poderia citar alguns casos específicos?
Ada
Pellegrini - No
projeto apresentado pela Comissão de Juristas, existia a tendência que
privilegiava a figura de um juiz centralizador e até autoritário. Por exemplo,
era o juiz que conduzia a audiência de conciliação, e a ele se subordinavam
mediador e conciliador. Isto caiu no projeto aprovado pelo Senado. Mas ainda
persistem no projeto deveres das partes impostos pelo juiz, sem a ressalva de
que ninguém pode ser obrigado a fazer prova contra si mesmo, o que tem que ser
corrigido. No capítulo dos Recursos, diversas decisões monocráticas do relator
são irrecorríveis, vulnerando o princípio constitucional das decisões
colegiadas dos Tribunais.
Um novo
instituto chama a atenção: a concessão da tutela antecipada pode sugerir a
estabilização da decisão satisfativa se não houver impugnação, nos termos do
artigo 288, § 2º do projeto. Que comentários poderia fazer a respeito do tema?
Ada
Pellegrini – Eu
mesma labutei durante anos pela previsão do instituto no ordenamento
brasileiro. Se as partes concordam com a antecipação, não há porque o processo
principal se iniciar ou prosseguir. Imagine-se o caso de uma transfusão de
sangue autorizada pelo juiz: depois de sua realização, não resta mais nada a
discutir. Imagine-se uma sustação de protesto: é possível que nenhuma das
partes tenha interesse na decisão sobre a validade do título de crédito. Para
que ajuizar ou prosseguir no processo principal?
Atualmente
o CPC prevê oito recursos. No texto em andamento o artigo 948 contempla nove
incisos, abolindo os embargos infringentes e prevendo o agravo de admissão, ao
lado do agravo de instrumento e do agravo interno. Haverá mudança digna de nota
na área recursal?
Ada
Pellegrini - O
número de recursos diminuiu. O agravo interno e o agravo de admissão já
existiam e foram simplesmente mantidos. O agravo retido foi abolido, bastando,
em substituição, a inexistência de preclusão para que a questão seja levantada
em apelação ou contrarrazões. Esta também é uma ideia que me é cara e pela qual
lutei muito. Não estou tão certa quanto à conveniência da supressão dos
embargos infringentes, que poderiam simplesmente tornar-se incidente do
julgamento da apelação e da rescisória, convocando-se para a sessão seguinte
outros integrantes do colegiado em número suficiente para poder inverter a
decisão. Mas admito que a obrigatoriedade de declaração de voto vencido pode
encurtar o caminho recursal.
É
positiva a previsão, constante do artigo 322 do texto, da figura do “Amicus
curiae”?
Ada
Pellegrini - Sem
dúvida. Um contraditório ampliado, com a previsão da intervenção do ‘amicus
curiae’, é muito salutar.
Vozes de
peso destacam, em nosso país, a presença arraigada e histórica da cultura de
burocracia processual. Por outro lado, o projeto parece aproximar-se do sistema
“common law”. Qual é a posição da senhora a respeito?
Ada
Pellegrini - Não
vejo aproximação do projeto ao sistema de ‘common law’. Não foi introduzido o
instituto do ‘pre-trial’, que poderia ser muito útil. A produção antecipada de
provas fora dos casos de urgência é positiva, mas o projeto, em geral, mantém a
estrutura tradicional e não me parece caminhar em direção à desburocratização.
Na trata sequer do processo eletrônico.
O texto
tal como redigido poderá conduzir à celeridade e à efetividade do processo? Até
que ponto a administração judiciária, a ser exercida no âmbito administrativo
dos tribunais, juízes e servidores, poderá auxiliar?
Ada
Pellegrini – Uma
das preocupações do projeto, segundo a exposição de motivos, é exatamente com a
celeridade e a efetividade do processo. E algumas medidas foram tomadas nesse
sentido (recordo, por exemplo, a estabilização da tutela satisfativa, o
incidente de causas repetitivas, a supressão do agravo retido, a tentativa –
inconstitucional a meu ver – rumo a irrecorribilidade das decisões monocráticas
nos Tribunais). Mas o problema da celeridade não é de natureza tal, que possa
ser solucioinado pela Lei, por melhor que seja. Nosso processo civil emperra
por uma questão de mentalidade e devido à burocratização dos serviços
cartorários. O processo eletrônico deverá ajudar muito na desburocratização.
O que
faltou no projeto em andamento?
Ada
Pellegrini - Muita
coisa. Alguns diretores do Instituto Brasileiro de Direito Processual, entre os
quais me inscrevo, estão preparando um substitutivo, em que se tratam diversas
questões como: previsão de audiência ordinatória, substituindo a decisão
saneadora escrita; possibilidade de prova testemunhal em relação a todos os
contratos; supressão das prerrogativas da Fazenda Pública; supressão da remessa
necessária; decisões parciais de mérito; possibilidade de o juiz rever a
sentença diante de prova científica nova; ação rescisória (mantido o atual
prazo de 2 anos) para decisões interlocutórias; previsão da ação monitória pura
(não apenas documental, como é hoje); previsão de ações especiais para o
Direito Marítimo; na Execução, praça única conduzida por leiloeiro;
desnecessidade de homologação de sentenças e laudos arbitrais estrangeiros,
quando meramente declaratórios, com eficácia imediata e controle difuso. Além
disso, o substitutivo preocupa-se em melhorar o tratamento de institutos já
previstos no projeto.
Suas considerações finais.
Ada
Pellegrini – Penso
que o projeto aprovado no Senado é apenas um ponto de partida. Deverá ser
aprimorado na Câmara dos Deputados, com a colaboração de todos, de maneira a
tornar-se um instrumento útil para uma prestação jurisdicional de melhor
qualidade. Mas, como já dito, a lei não basta. É preciso investir na necessária
mudança de cultura”.
http://www.esmeg.org.br/entrevistas/entrevista-ada-pellegrini-grinover/.
Acesso: 25/9/2012
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