segunda-feira, 24 de setembro de 2012



"Diak Lae, Timor Lorosa´e!!

DORA MARTINS - Juíza de Direito

 
Vivi em Timor Leste exatos 347 dias. Nunca contei os minutos e segundos, mas sei que foram eternos na emoção e profundos na paixão que atinge a todos aqueles que conhecem o pequeno Timor Lorosa´e. Há tanto para contar, muito para dizer, que fica bem difícil selecionar, na memória, e nas palavras, algo que bem possa traduzir toda aquela pequena ilha, todo aquele valente povo.
Para quem sai deste imenso Brasil, Timor é minúscula ilha, cercada por um mar azul e transparente e assentada sobre uma imensidão de corais de todas as cores e formas. Para cruzá-la de norte a sul, gastam-se umas oito horas, no mínimo. São apenas 170 quilômetros de largura, mas há que se superarem montanhas de quase 3000 metros e uma floresta virgem e verde e linda, e é obrigatório parar para "conversar" (há trinta dialetos no país) com o povo que mora em pequenas aldeias.
Dili, a capital e maior cidade, com uma população que alcança uns 110 mil habitantes, é sede do governo e ostenta belos prédios coloniais, forte herança lusitana, em ruas sombreadas por árvores centenárias e frondosas. Mas, um simples caminhar pelas ruas, e se dá de cara com as marcas que a guerra e a violência deixaram em tantas casas e edifícios que ali estão, queimados e destruídos, sinistros arcabouços do lembrar.....
Mas a vida, em seu intenso paradoxo, prossegue e tudo o que mais se sente, nesse país que começa novo e de novo e uma vez mais, é a intensa vitalidade de sua gente. São magros mas fortes os timorenses, estatura mediana, olhos ora asiáticos, ora redondos, mas sempre brilhantes e sorridentes. Após ganharem a confiança, eles exibem largos sorrisos e nos chamam "malai" e nos perguntam o nome e exultam ao saber que somos do Brasil (Ronaldo, no futebol, e Roberto Carlos, na música, são ídolos!).
As crianças são a metáfora perfeita para esse país que, tão antigo em sua história de vida, é nominado como o primeiro país nascido no século XXI. Elas, as crianças, são muitas, em profusão, e são lindas e, a despeito do altíssimo índice de sua mortalidade, são evidentes, são instigantes e mostram a cara de um povo que não desiste, que é renitente e ama sua ilha e ainda idolatra seu chefe maior, o hoje presidente Xananã Gusmão.
Xananã, mais que presidente, ainda é o que fala e faz emudecer e faz chorar. Hoje, o timorense está um pouco mais triste que há dois anos atrás, quando elegeu seu primeiro governo de uma república que se quer democrática. Mas ainda espera e concede tempo para que seus governantes aprendam e exercitem o bem governar.
Participei, como juíza internacional, da Missão de Paz da ONU (UNMISET – United Nation Mission of Suport of East Timor), que vem atuando naquele país desde 1999. Trabalhei na composição do chamado "Painel de Crimes Graves" – um tribunal formado por juízes internacionais e timorenses. Julgamos processos criminais dos ditos "crimes de guerra", tipos penais previstos no Regulamento criado pelo ONU, em 2000, pelo qual se traçou o regramento básico e necessário para a estruturação do país (foi nesse tempo que Sérgio Vieira de Mello, então no comando da missão, traçou sua história de amor com o povo timorense).
Em 30 de agosto de 1999, os timorenses votaram e decidiram não querer fazer parte da Indonésia, a qual, ao longo de 25 anos, ali estava, indevidamente, e impunha uma cruel e sangrenta ditadura. Menos de um mês depois, em 21 de setembro, as tropas internacionais de paz, inclusive nosso Exército, desembarcaram em Timor, para prestar socorro e pôr fim ao horror ali havido, naqueles dias que sucederam à votação. Como já vinham fazendo ao longo dos anos de domínio, e, então, raivosos com a derrota nas urnas, os indonésios e as milícias queimaram, mataram, violaram e destruíram tudo no país.
Saído de tanta dor e perdas, o Timor, hoje, é começo, é início, tudo é estréia. São muitos e basilares e de difícil solução os problemas, por óbvio. O governo recebe, e precisa continuar a receber, ajuda internacional para dar preparo mínimo aos profissionais que atuam em todos os seus setores. Assim também, precisam ser formados e bem preparados seus juízes, promotores, advogados e funcionários.
O português e Xo tétum (a língua mãe) foram adotados como os idiomas oficiais pela Constituição de 20 de maio de 2002. As crianças estão a aprender o português, que também é falado pelas pessoas com idade acima de 45 anos. A geração que nasceu e cresceu sob o domínio indonésio foi obrigada (sob pena de morte!) e educada a falar o chamado bahasa (idioma) indonésio.
A população majoritária é jovem e cheia de energia e a grande questão que hoje preocupa é a falta de emprego e de perspectivas. O país ainda vive com a ajuda de doadores internacionais e, num rito de passagem, ou mesmo de um parto, em breve tempo, terá que encontrar seu compasso e seu rumo. Em 2006, começarão a entrar no país as divisas advindas do gás e do petróleo que ainda dormem em seus mares. Oxalá, Xananã Gusmão sobreviva muitos anos e seja sempre um possível alento ao sonho e esperança timorenses.
Ter vivido Timor foi prazer, foi honra, foi forte realidade. Suas cores, seus risos e seus cheiros permanecerão. Saudades barak, Timor! E, oxalá, possamos nos rever! Diak!"
"Malai" Dora Martins, juíza de direito paulista

Nota de tradução – em tétum,
1) "lorosa´e" significa leste, oriente. "Loro" quer dizer sol, e "sa´e" é sair, levantar (lado em que o sol se levanta).
2) "diak la´e" – cumprimento – olá, como vai!
3) Barak – muito(s), muita(s)

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