quinta-feira, 2 de agosto de 2012


"O Novo Código Civil e a teoria da desconsideração da personalidade jurídica

Resumo: O artigo trata da inclusão da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no elenco normativo do novo Código Civil brasileiro, demonstra que o princípio da autonomia patrimonial continua sendo uma das molas mestras do direito societário, ainda que não tenha sido repetido, textualmente, pelo novo código, além de tentar deixar claro que a correta aplicação da teoria em questão, fortalece a concepção de pessoa jurídica.
Com a entrada em vigor do novo Código Civil, passaremos a ter, nesse importante ordenamento, de maneira expressa, a possibilidade de levantamento da proteção outorgada à pessoa jurídica, pois, ao incluir ao seu elenco de normas, o artigo 50, incorporou a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, oferecendo assim, um instrumento de amparo àqueles que se sentirem lesados pelos abusos praticados sob o “escudo” da personalidade jurídica.
É sabido que a pessoa jurídica se encontra protegida pela separação entre o seu patrimônio e os patrimônios particulares dos sócios, é o que a doutrina chama de “princípio da autonomia patrimonial”, FÁBIO ULHOA COELHO menciona que:
“Da personalização das sociedades empresárias decorre o princípio da autonomia patrimonial, que é um dos elementos fundamentais do direito societário. Em razão desse princípio, os sócios não respondem, em regra, pelas obrigações da sociedade”. [ [i] ]
Esse princípio busca dar segurança aos empresários para a condução dos seus negócios limitando, assim, as suas responsabilidades e viabilizando o bom andamento da atividade empresarial.
No entanto, sempre que ocorrerem abusos, advindos do desvio de finalidade ou da confusão patrimonial, com o intuito de desrespeitar direitos ou descumprir obrigações assumidas pela sociedade, para todos os atos abusivos, praticados sob o manto da pessoa jurídica, será possível que se desconsidere a personalidade da pessoa jurídica e que se alcance o patrimônio individual dos sócios, conforme se pode depreender da leitura do artigo 50 do novo Código Civil que dispõe:
“Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.
Para ULHOA COELHO:
“Pela teoria da desconsideração, o juiz pode deixar de aplicar as regras de separação patrimonial entre sociedade e sócios, ignorando a existência da pessoa jurídica num caso concreto, porque é necessário coibir a fraude perpetrada graças à manipulação de tais regras”. [ [ii] ]
Dessa forma, em que pese o fato de o novo Código Civil, não repetir, textualmente, a regra contida no artigo 20 do código anterior, que estabelecia: “as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros”, também, não a exclui, pois, ao inserir no seu elenco normativo o artigo 50, deixa bastante clara a existência da separação entre o patrimônio particular dos sócios e o patrimônio da empresa. 
Nesse sentido, percebe-se que houve a manutenção desse princípio, que, segundo MARIA HELENA DINIZ, “é uma decorrência lógica da personificação da sociedade” [ [iii] ], no entanto, entendemos que com a recepção da “disregard doctrine”, a personalidade jurídica passa a assumir um caráter relativo e que a sua negação inviabilizaria a efetivação da medida e a tornaria inócua. Aliás, já ensinava no ano de 1969, o ilustre Professor RUBENS REQUIÃO:
“Ora, a doutrina da desconsideração nega precisamente o absolutismo do direito da personalidade jurídica. Desestima a doutrina êsse absolutismo, perscruta através do véu que a encobre, penetra em seu âmago, para indagar de certos atos dos sócios ou do destino de certos bens. Apresenta-se, por conseguinte, a concessão da personalidade jurídica com um significado ou um efeito relativo e não absoluto, permitindo a legítima penetração inquiridora em seu âmago”.
(...) A personalidade jurídica passa a ser considerada doutrinariamente um direito relativo, permitindo ao juiz penetrar o véu da personalidade para coibir os abusos ou condenar a fraude, através de seu uso”. [ [iv] ]
Esse entendimento é de suma importância para a correta aplicação da teoria da desconsideração, pois ao se considerar intocável, o patrimônio dos sócios, conferimos à personalidade jurídica um efeito absoluto.
Dessa feita, cria-se a possibilidade de que a pessoa jurídica sirva para acobertar atos abusivos e fraudulentos praticados por seus membros, sob o amparo do princípio da autonomia patrimonial, assim, a personalidade jurídica serviria para a perpetração de uma série de ilegalidades sem que os responsáveis jamais fossem punidos.
Outro entendimento que, também, deve ficar claro, inclusive para tranqüilizar os opositores da teoria da desconsideração é que, ao contrário do que se pensa, desconsiderar a personalidade jurídica para atingir determinados atos, não significa despir a pessoa jurídica de sua personalidade, nem esvaziar o seu conceito.
Nesse sentido, é pertinente mencionar a posição de MARCELO GAZZI TADEDEI, no que tange à desconsideração da personalidade jurídica:
“De acordo com seus princípios teóricos originais, a desconsideração não prevê a nulidade, extinção ou dissolução da pessoa jurídica, determina apenas a sua suspensão para o caso concreto em que foi utilizada com fraude ou abuso de direito. A teoria não discute o instituto pessoa jurídica, tem por finalidade responsabilizar aquele que o utilizou indevidamente, desviando-o de sua finalidade”. [ [v] ]
Conforme ROLF SERICK “não se nega a existência da pessoa, senão que se a preserva na forma com que o ordenamento jurídico a tem concebido”. [ [vi] ]
Seguindo essa linha de pensamento, vale a pena avocar, os ensinamentos de REQUIÃO que a esse respeito escreveu o seguinte:
“Ao jurista deve caber uma função verdadeiramente criadora, procurando os motivos profundos e o sentido real do mundo em que vivemos, buscando o significado último das normas, com vista à sua adaptação a uma realidade em permanente evoluir”. [ [vii] ]
Compreendemos, portanto, que a inclusão da teoria da desconsideração da pessoa jurídica no elenco normativo do novo Código Civil, representa um avanço significativo para o mundo jurídico e a sua correta aplicação, é, na verdade, medida que visa o fortalecimento da concepção de pessoa jurídica, tal como pretendeu o legislador a lhe conferir personalidade própria e autonomia patrimonial, pois, conforme SERICK, “quem nega a personalidade é quem dela abusa, pois quem luta contra semelhante desvirtuamento é quem a afirma”. [ [viii] ]   

Notas:

[i] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 2.ª  ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2000. v. 2. p.15.
[ii] Ibid. p.40.
[iii] DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 6a  ed.atual. São Paulo: Saraiva, 2000. p.43.
[iv] REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através de personalidade jurídica: disregard doctrine. Revista dos Tribunais, São Paulo, v.410, n. 58, p.15, dez. 69.
[v] TADDEI. Marcelo Gazzi. Desconsideração da Personalidade Jurídica. Revista Consulex. São Paulo, ano II, n. 18, p.31, jun. 1998.
[vi] SERICK, Rolf apud REQUIÃO, Rubens. Op. cit. p.17.
[vii] REQUIÃO, Rubens. Op. cit. p.16.
[viii] SERICK, Rolf apud REQUIÃO, Rubens. Op. cit p.17.

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