“Conversão da Prisão em Flagrante em Prisão
Preventiva e o Artigo 236 do Código Eleitoral
por Eduardo Luiz Santos Cabette e Francisco Sannini
Neto
Introdução
De acordo com o caput do artigo 236 do Código
Eleitoral, “nenhuma autoridade poderá, desde 5 (cinco) dias antes e até 48
(quarenta e oito) horas depois do encerramento da eleição, prender ou deter
qualquer eleitor, salvo em flagrante delito ou em virtude de sentença criminal
condenatória por crime inafiançável, ou, ainda, por desrespeito a salvo-conduto”.
Em outras palavras, durante o mencionado período eleitoral,
não poderão ser executadas prisões cautelares (leia-se: prisão temporária e
preventiva). Isso não significa, de acordo com o nosso entendimento, que o
Poder Judiciário não possa decretar a prisão cautelar de um eleitor. O
dispositivo veda apenas o cumprimento dessas medidas cautelares extremas
durante o período eleitoral
Destacamos que o objetivo de tal determinação é, justamente,
o de coibir abusos por parte dos agentes públicos que possam influir no
resultado das eleições. Dentro da evolução dos direitos fundamentais, lembramos
que o direito de participação - que nada mais é do que a possibilidade do
cidadão influir na vontade política de um Estado - é consagrado essencialmente
por meio do voto.
Assim, um Estado que se denomine democrático e de direito,
deve zelar para que os seus cidadãos possam exercer sua vontade política da
melhor maneira possível. Imbuído desse espírito, o legislador
infraconstitucional criou o artigo 236 do Código Eleitoral.
Advertimos, todavia, que a mencionada lei foi criada no ano
1965, numa época de absoluta instabilidade constitucional, sendo que
intervenções do Estado na política e na sociedade como um todo eram frequentes. Por
isso alguns doutrinadores criticam o artigo 236, alegando, inclusive, a sua
inconstitucionalidade.
Nesse sentido é a lição de
Joel João Cândido, senão vejamos:
“Hoje, com a vigência do art.5°, LXI, da
Constituição Federal, o art.236 e §1°, do Código Eleitoral, está revogado.
Mesmo fora daqueles períodos, ninguém pode ser preso, a não ser nas exceções
mencionadas em lei. E pelas exceções constitucionais a prisão será legal,
podendo ser efetuada mesmo dentro dos períodos aludidos no Código eleitoral. Em
resumo: se a prisão não for nos moldes da Constituição Federal, nunca poderá
ser efetuada; dentro dos limites da Constituição Federal pode sempre ser
executada, mesmo em época de eleição.”[1]
Apesar de respeitarmos a
posição do citado autor, lembramos que a constitucionalidade do artigo em
enfoque é pacífica na jurisprudência. Sendo assim, prevalece o entendimento da
impossibilidade de prisões cautelares (repita-se: prisão temporária e
preventiva) durante o período eleitoral.
Feita essa breve
introdução, chamamos a atenção do leitor para um fato que poderá gerar muita
confusão nas eleições que se aproximam. É o que será discutido no próximo
tópico.
Conversão da Prisão em Flagrante e o Período
Eleitoral
Esta será a primeira
eleição disputada desde o advento da Lei 12.403/2012, que alterou o Código de
Processo Penal na parte que trata das prisões e medidas cautelares diversas.
A partir da referida lei, a
prisão em flagrante se consolidou como uma medida de natureza pré-cautelar, uma
vez que a sua principal função é colocar o preso à disposição do Poder
Judiciário para que o magistrado competente decida sobre a necessidade da
decretação de uma verdadeira medida cautelar.
Desse modo, a prisão em
flagrante não pode mais se sustentar durante o processo, sendo que o Juiz, ao
receber o auto
de prisão em flagrante, deve optar por uma das medidas previstas no artigo 310,
do CPP. Com base no inciso II deste dispositivo, a prisão em flagrante poderá
ser convertida em prisão preventiva. É o que chamamos de prisão preventiva
convertida. [2]
Exatamente nesse ponto,
surge a grande polêmica do presente estudo. Conforme mencionado alhures, durante
o período eleitoral, ninguém poderá ser preso cautelarmente em virtude da
determinação expressa no artigo 236 do Código Eleitoral. Nesse diapasão, as
Autoridade Policiais e seus agentes não poderão cumprir mandados de prisão
preventiva e temporária cinco dias antes da eleição até as quarenta e oito
horas após o seu encerramento. Muito embora não concordemos com esta previsão,
especialmente pelo fato de gerar injustiças e fomentar a criminalidade, temos
que cumpri-la.
Sem entrar no mérito dessa
discussão – que não nos interessa neste estudo – chegamos a seguinte conclusão.
Efetuada a prisão em flagrante e sendo esta posteriormente convertida em prisão
preventiva pelo Magistrado, será expedido um mandado de prisão. Tal mandado de
prisão, na prática,
vem sob o título de prisão preventiva. Assim, cabe a pergunta: considerando o
artigo 236 do Código Eleitoral, poderá ser executado esse mandado de prisão
durante o período eleitoral? Em outros termos, o Juiz poderá converter o
flagrante em prisão preventiva ou ele será abrigado a adotar uma medida
cautelar diversa?
A resposta exige muito
cuidado, uma vez que, dependendo do entendimento, poderemos nos deparar com
sérias conseqüências. Vejam, se nos prendermos a uma interpretação literal do
artigo 236, a resposta será negativa, o que seria um completo absurdo, pois tal
entendimento funcionaria como uma “carta branca” aos delinqüentes, que se
sentiriam à vontade para praticar os mais diversos crimes. Pensamos não ser
essa a melhor interpretação.
Primeiramente, devemos nos
atentar para o fato de que a prisão preventiva convertida não possui a
mesma natureza da prisão preventiva autônoma ou independente, que
é aquela decretada no curso da persecução penal. Esta modalidade prisional tem
fundamento no artigo 312 do CPP, mas também está sujeita à condição de
admissibilidade constante do artigo 313, inciso I, do mesmo Estatuto Processual
Penal. Dessa forma, ela só poderá ser decretada quando se tratar de infração
cuja pena máxima cominada seja superior a quatro anos de prisão.
A prisão preventiva
convertida, por outro lado, não se sujeita ao referido prazo, podendo ser
decretada independentemente da pena máxima cominada ao delito. Isto, pois, não
se trata de uma medida decretada autonomamente, mas em decorrência de uma
prisão em flagrante anterior. A gravidade neste caso é manifesta, e a adoção
desta extrema ratio é necessária e adequada, inclusive, para evitar a
prática de novas infrações penais e garantir os demais bens jurídicos
constantes no artigo 282, inciso I, do CPP.
É nesse sentido que
defendemos que os requisitos para a adoção desta espécie de prisão preventiva
sejam menos rígidos do que na sua modalidade autônoma. O entendimento contrário
colocaria em risco a segurança pública e abalaria sobremaneira a
credibilidade da Justiça. Assim, cabe ao Juiz verificar a medida mais adequada
de acordo com o caso concreto, salientando que o princípio da inafastabilidade
da jurisdição exige que o Magistrado neutralize qualquer lesão ou ameaça de
lesão a um direito.
Frente ao exposto,
considerando que a prisão preventiva convertida é uma prisão cautelar sui
generis, se caracterizando como uma verdadeira extensão da prisão em
flagrante, entendemos que a vedação do artigo 236 do Código Eleitoral não se
aplica a esta modalidade prisional. Nesse contexto, é perfeitamente possível a
execução desta medida cautelar durante o período eleitoral.
Efetivamente não seria
crível que o legislador eleitoral excepcionasse a prisão em flagrante de forma
que esta não pudesse resultar em todas as suas consequências legais. Se a
prisão em flagrante é permitida mesmo durante o período de vedação da execução
das prisões cautelares, ela é permitida “in totum” e não parcialmente. Aliás,
não há na legislação eleitoral nenhuma normativa que venha a limitar a
aplicação do flagrante e de todas as suas correlatas consequências ao preso.
Não se pode acreditar que com a liberação do flagrante estivesse o legislador pretendendo
apenas determinar a burocrática elaboração de uma série de documentos pela
polícia para a imediata liberação do preso pelo juiz. Fosse assim, seria muito
mais fácil impedir qualquer prisão durante as eleições, inclusive aquela em
flagrante.
A isso se poderia opor que
o legislador de 1965 não poderia haver previsto o disposto no atual artigo 310,
II, CPP, eis que tal redação somente surgiu com o advento da Lei 12.403/2011.
No entanto, a verdade é que desde muito tempo a prisão em flagrante não se pode
sustentar autonomamente. A redação do antigo artigo 310, Parágrafo Único,
CPP já determinava a concessão pelo juiz da liberdade provisória sempre que não
ocorressem as hipóteses da prisão preventiva. Em suma, já há muito tempo é que
a prisão em flagrante para se manter, necessariamente, deve converter-se em
preventiva. A atual redação do artigo 310, II, CPP apenas faz dessa regra uma
explicitação daquilo que já estava perfeitamente delineado no dispositivo
anterior, embora de forma não tão semanticamente cristalina.
É bem verdade que alguns
ainda insistiam em falar na manutenção da prisão em flagrante e não em sua
conversão em preventiva, mas o que ocorria de fato quando uma prisão em
flagrante era “mantida” era a sua conversão em preventiva, pois que, por força
de dispositivo legal, somente seria “mantida”, se presentes os requisitos da
preventiva (antigo artigo 310, Parágrafo Único, CPP). Parte da doutrina ainda
insistia em manter uma terminologia equivocada, mas isso nunca foi unânime, de
modo que autores como Lopes Júnior, sempre vislumbraram a característica da pré
– cautelaridade do flagrante e sua subsistência ligada à conversão em
preventiva. [3]
Tanto isso é verdade que
ainda na vigência da legislação antecedente o Conselho Nacional de Justiça
publicou a Resolução n. 66, em 27 de janeiro de 2009, prescrevendo em seu
artigo 1º., um procedimento em tudo similar àquele que posteriormente veio a
consagrar a nova redação do artigo 310, CPP, dada pela Lei 12.403/11.
Com essas assertivas se
pretende demonstrar que ao longo de todos esses anos as prisões em flagrante na
época de vedação determinada pelo artigo 236 do Código Eleitoral vinham sendo
“mantidas” (leia-se: convertidas em preventiva de fato e mesmo de direito numa
leitura correta do antigo dispositivo) e ninguém opunha óbice a tal
procedimento. Se não havia óbice antes, a mera explicitação legal
semanticamente mais clara da situação não terá jamais o condão de produzir
qualquer alteração na sistemática, de forma que a exceção da prisão em
flagrante segue surtindo seus efeitos em sua totalidade, inclusive, se o caso,
sua conversão em preventiva.
Advirta-se, porém, que ao
magistrado caberá sempre, em período eleitoral ou não, zelar pelo cumprimento
da proporcionalidade da adoção da medida extrema, tendo em conta sempre sua
excepcionalidade (inteligência do artigo 282, I e II e § 6º., CPP). E
certamente na época eleitoral, deverá atuar com ainda maior denodo em suas avaliações
quanto à necessidade e adequação da prisão preventiva. Não obstante, nada
impedirá o magistrado de efetuar a conversão em casos de extrema e comprovada
necessidade.”
REFERÊNCIAS
CÂNDIDO, Joel João. Direito Eleitoral Brasileiro. 10ª ed.
Bauru: Edipro, 2003.
LOPES JÚNIOR, Aury. O novo regime jurídico da prisão
processual, liberdade provisória e medidas cautelares diversas. 2ª. ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2011.
SANNINI NETO, Francisco. Espécies de Prisão Preventiva e a
Lei 12.403/2012. Disponível em: Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19635>. Acesso
em: 28 set. 2012.
[1] CÂNDIDO,
Joel João. Direito Eleitoral Brasileiro. 10ª ed. Bauru: Edipro, 2003, p. 303.
[2] SANNINI
NETO, Francisco. Espécies de Prisão Preventiva e a Lei 12.403/2012.
Disponível em: Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19635>. Acesso em: 28
set. 2012.
[3] LOPES
JÚNIOR, Aury. O novo regime jurídico da prisão processual, liberdade
provisória e medidas cautelares diversas. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2011, p. 38.
Revista Jus Vigilantibus,
Segunda-feira, 1º de outubro de 2012. Acesso: 17/10/2012
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