"O framing ...
“Por Daniela Zanetti*
RESUMO
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Este artigo apresenta uma breve revisão
de literatura sobre recentes contribuições teóricas acerca do framing
e de como este modelo trata a questão da produção e do processamento
de noticias e dos efeitos da mídia. O conceito de framing tem
sido cada vez mais utilizado como parâmetro de investigação em
pesquisas sobre a instância da produção e do consumo de notícias. No
entanto, o que se verifica em vários artigos são afirmações de que o
modelo do framing carece de uma delimitação conceitual e
metodológica mais refinada. Talvez por isso seja, com freqüência,
objeto de comparação com modelos anteriores, como a agenda setting.
PALAVRAS-CHAVE: Priming
/ Framing / Notícia / Media Effects / Conteúdo
1. Introdução
Com o objetivo de
estabelecer relações entre os modelos do priming, framing
e agenda setting, bem como esclarecer os limites teóricos e
metodológicos dessas hipóteses no campo dos estudos de media
effects, a edição de número 57 do Journal of Communication
(2007), traz um artigo que assinala o considerável crescimento do uso
do framing em pesquisas de comunicação (pelo menos desde a
década de 90), em detrimento de modelos como a agenda setting
e o priming. Segundo David H. Weaver (2007), entre os anos de
2001 e 2005 foram localizadas 165 pesquisas (indexadas) que
utilizaram o framing como parâmetro de investigação de
fenômenos midiáticos, contra 43 de agenda setting e 25 de priming.
[1]
Mesmo com essa “adesão”
ao framing como instrumental de análise dos efeitos da mídia,
encontramos em diversos artigos a constatação de que o framing
carece de maior precisão na sua conceituação teórica para que seus
métodos de análise sejam mais consistentes. Alguns autores apresentam
esse tipo de preocupação. No referido artigo, Weaver levanta a
hipótese de que o crescente uso do framing nos últimos dez
anos pode ser atribuído a certa ambigüidade que o termo frame
carrega. Segundo ele,
“Frame” pode ser
aplicado a vários aspectos distintos das mensagens e a diferentes
tipos de mensagens. Pode também ser estudado por meio da análise
sistemática de conteúdo, ou simplesmente da análise textual
interpretativa, embora muitos dos artigos dessa edição do Journal
of Communication se preocupem em analisar a relação entre frames
da mídia e frames da audiência, uma abordagem teoricamente
mais frutífera para se estudar o framing. (Cf. Weaver, 2006,
p. 144).
O framing vem
ganhando grande popularidade desde a última década, mas para Weaver
essa hipótese parece trazer uma definição mais precária – operacional
e conceitualmente – em comparação com a agenda setting e o priming.
Scheufele (1999) já
chamava a atenção para o fato das pesquisas em framing serem
caracterizadas como “teórica e empiricamente vagas”, principalmente
por não haver um modelo teórico comum que conduza esses estudos. Para
ele, o termo framing tem sido usado sistematicamente para
rotular abordagens similares, porém bem distintas conceitualmente,
resultando em problemas operacionais.
Na opinião de Carragee
e Roefs (2004), as várias tendências em pesquisas de framing
têm negligenciado, por exemplo, a relação entre frames da
mídia e as forças políticas e sociais. Para eles, o descaso com o
aspecto do poder é resultado de vários fatores, entre eles, problemas
conceituais na definição da idéia de frames, falha em examinar
as disputas dos frames dentro de um contexto político e social
mais amplo, e a redução do framing a simplesmente uma forma de
media effects (efeitos da mídia).
Para Scheufele e
Tewksbury (2007), “tem havido considerável inconsistência no modo
como os frames na imprensa têm sido conceitualizados e
mensurados em pesquisas“. Segundo eles, alguns estudos oferecem novas
operacionalizações de media frames, por exemplo, sem, contudo,
indicar as fundamentações teóricas de suas pesquisas, enquanto outros
geralmente confundem conteúdo com operacionalizações de framing.
Porto (2004), em artigo
dedicado ao framing, afirma que este conceito tem sido
definido ora como alternativa a paradigmas em declínio, ora como
complemento para cobrir lacunas de teorias já estabelecidas.
A partir dessas
constatações, este artigo tem como objetivo reunir reflexões em torno
dos conceitos propostos para a hipótese do framing, buscando
identificar quais são os parâmetros de uso desse modelo como
ferramenta de investigação dos efeitos da mídia. Para tanto,
buscou-se parâmetros de delimitação teórica em artigos que discorrem
sobre o conceito de framing, comparando-o com outros modelos (agenda
setting e priming), e estudos que utilizam este
instrumental para analisar determinados fenômenos midiáticos como,
por exemplo, a relação entre a cobertura da mídia e a opinião
pública, ou ainda a influência das notícias no discurso político.
O artigo, contudo,
enfatiza as abordagens que contribuem para um melhor entendimento dos
processos de produção e processamento das notícias e de enquadramento
dos assuntos tratados pela mídia, centrando-se no que podemos chamar
de frames da mídia.
2.
O framing no contexto das pesquisas de media effects
O surgimento da agenda
setting, ainda na década de 70, tem um papel importante para a
mudança de paradigma no campo da mass communication research.
Nesse momento, é retomada a idéia de que os meios de comunicação de
massa produzem “efeitos fortes” e também efeitos de longo prazo,
cumulativos, gerando “conseqüências de longo período”. Esse modelo
trabalha com a perspectiva de que há uma constante co-relação entre a
ênfase que a mídia deposita sobre certos assuntos e a importância
atribuída a eles pelo público.
Percebe-se que ocorre
uma “influência negociada” da mídia junto aos indivíduos. Desde
então, os estudos passam a ter um cunho mais sociológico, abranger
todo o sistema da mídia, utilizar metodologias mais integradas e
complexas e reconstruir “o processo com o qual o indivíduo modifica a
própria representação da realidade social” (Cf. Wolf, 2003, p. 138).
Num momento posterior,
nas décadas de 80 e 90, surgem modelos teóricos como o priming
e o framing, que combinam elementos de efeitos limitados e
fortes gerados pelos meios de comunicação de massa. Estes se baseiam
na idéia de que os efeitos da mídia, embora sejam potencialmente
fortes, dependem em grande medida das predisposições, esquemas e
outras características do público que influenciam no modo como as
mensagens são processadas (Scheufele; Tewksbury, 2007).
Priming
e framing, contudo, são elaborados a partir de premissas
distintas. O priming se refere às mudanças de padrões nas
avaliações do público sobre determinados assuntos e ocorre quando o
conteúdo da mídia sugere quais temas devem ser usados como paradigma
na avaliação da performance de lideranças políticas, governantes e
instituições. O priming normalmente é visto como uma extensão
da agenda setting. O framing, por sua vez, “é baseado
na premissa de que a maneira como um assunto é caracterizado em
matérias noriciosas pode ter uma influência na forma como é
compreendido pela audiência“ (Cf. Scheufele; Tewksbury, 2007, p. 11).
O framing
refere-se mais à utilização de quadros de referência como padrões de
produção e recepção de mensagens midiáticas.
3.
O frame e sua função organizadora
A palavra “frame”
significa moldura, quadro, estrutura. Portanto, como verbo, traz a
idéia de emoldurar, formular, enquadrar, estruturar e, portanto,
organizar a partir de certas pré-configurações. Framing, nesse
sentido, pode ser compreendido como “enquadramento” (termo também
usado na tradução da obra de McQuail para o português).
Segundo Druckman
(2001), para quem o framing “constitui um dos mais importantes
conceitos nos estudos de opinião pública” (Cf. Druckman, 2001, p.
1041), um efeito de framing ocorre quando, ao longo da
descrição de um assunto ou evento, a ênfase do enunciador sobre um
subconjunto de considerações relevantes em potencial faz com que os
indivíduos se concentrem nessas considerações ao construírem suas
opiniões.
McQuail (2003) define o
que ele chama de enquadramento como um termo que agrega dois
significados fundamentais:
Um se refere à maneira
como o conteúdo das notícias é tipicamente marcado e enquadrado pelos
jornalistas num dado contexto familiar de referência e de acordo com
uma certa estrutura latente de significado. Um segundo significado,
com ele relacionado, tem a ver com o seu efeito no público. A
audiência adota os quadros de referência oferecidos pelos jornalistas
e vê o mundo de maneira semelhante (Cf. McQuail, 2003, p. 501).
Essas duas “funções”
atribuídas à idéia de enquadramento (framing) resultaram em
uma divisão entre frames da mídia e frames do público
(ou dos indivíduos), como veremos mais à frente.
É importante reter o
fato de que a hipótese do framing traz para o campo da communication
research uma articulação importante entre as instâncias de
emissão e recepção das notícias, e de como esses processos, juntos,
interferem na construção da realidade social. Trata-se de um modelo
interativo que procura identificar os “quadros de referência” que são
criados pelos meios de comunicação na produção das mensagens para, em
seguida, serem re-apropriados pelo público, que os utiliza para interpretar
a realidade social e discutir sobre ela.
Seguindo este
parâmetro, Scheufele e Tewksbury (2007) afirmam que um efeito de framing
ocorre quando o público presta substancial atenção às notícias, ou
seja, quando o conteúdo e as implicações do frame de um assunto são
mais possíveis de serem aparentes para um membro da audiência que
presta mais atenção a uma determinada matéria.
Já Entmann (2007)
define framing como um processo de seleção de alguns elementos
da realidade percebida, em seguida reunidos para se criar uma
narrativa que destaca certas conexões entre esses elementos, de forma
a promover uma interpretação particular. O framing molda e
transforma as interpretações e preferências do público através do priming,
ou seja, os frames introduzem ou incrementam a relevância ou a
aparente importância de certas idéias.
A teoria do framing
é normalmente utilizada para demonstrar como a mídia retrata o mundo
em termos de seleções e construções simbólicas. Carragee e Roefs
(2004) ressaltam que as principais definições de framing
enfatizam os caminhos pelos quais os frames organizam matérias
e discursos através de padrões de seleção, ênfase, interpretação e
exclusão.
Nesse sentido, há
autores que consideram o framing uma estratégia tendenciosa,
na medida em que se constitui num processo de seleção e exclusão.
Para Bantimaroudis e Kampanellou (2007), os frames incorporam
tendências tanto estruturais como ideológicas envolvidas no processo
de produção de notícias. Dessa forma, os frames incentivam
determinados modos de compreender a realidade e limitam
interpretações alternativas dos fatos (Cf. Bantimaroudis;
Kampanellou, 2007, p. 82).
Com foco na relação
entre a mídia e os processos políticos, Callaghan e Schnell (2001)
afirmam que o processo pelo qual todos os atores políticos definem e
dão sentido aos assuntos tratados pela mídia e os conecta a uma
atividade política mais ampla tem sido conhecido como framing.
Para eles, as evidências levam a a crer no poder dos meios de
comunicação para influenciar a opinião pública e as percepções
políticas. Nesse sentido, a oportunidade de “enquadrar“ certos
assuntos surge a partir da habilidade dos profissionais da imprensa,
por exemplo, em fazer escolhas a partir dos discursos oferecidos por
grupos de pressão e políticos.
Nesse processo de
seleção do que deve ou não gerar notícia há critérios envolvidos,
tais como os valores-notícia, [2] através dos quais os jornalistas
fazem uma escolha seletiva para cobrir um ou ambos os lados de uma
questão, aplicando suas próprias interpretações, simplificando
eventos ou histórias, ou simplesmente dando uma maior cobertura a uma
determinado assunto em detrimento de outro (Cf. Callaghan; Schnell,
2001, p. 187).
Segundo Scheufele
(1999), ainda não foram sistematicamente levantadas evidências sobre
como vários fatores impactam as características estruturais da mídia
em termos de framing. Porém, baseando-se em pesquisas
anteriores, ele enumera pelo menos cinco fatores que podem
potencialmente influenciar o modo com os jornalistas enquadram um
determinado assunto: valores e normas sociais, pressões e regras
organizacionais, pressões dos grupos de interesse (organizações,
políticos etc.), rotinas jornalísticas e orientações políticas e
ideológicas dos profissionais.
Procurando apresentar
um quadro geral de aplicações da hipótese do framing,
Scheufele propõe um modelo processual do framing, por meio do
qual estabelece interações entre os inputs (o discurso
formulado pelos atores sociais para serem inseridos na mídia), seu
processamento e os outputs (as questões tratadas, lançadas e
debatidas pela mídia). Dessa forma, analisa quatro processos: frame
building, frame setting, efeitos do framing no nível
individual e conexão entre frames individuais e frames
da mídia. O quadro analítico proposto por Scheufele estabelece uma
divisão entre os campos da mídia e da audiência (público).
No primeiro, os inputs
dizem respeito às pressões e normas das organizações, orientações
políticas e ideológicas dos veículos e pressões de grupos sociais que
compõem as elites econômicas e políticas, etc; os processos envolvem
as construções dos frames e os outputs correspondem aos
frames da mídia. No campo da audiência, os inputs são
os frames da audiência, os processos se referem aos efeitos do
framing a nível individual, e os outputs correspondem a
certas atribuições de responsabilidade, atitudes, comportamentos etc.
McQuail (2003) explica
bem essa proposta de Scheufele de descrever um “modelo processual de
efeitos de enquadramento que os reconhece como resultantes de uma
interação de três tipos diferentes de atores: fontes e organizações
midiáticas interessadas; jornalistas (media); audiências”. (Cf.
McQuail, 2003, p. 460). De acordo com esse modelo, há quatro
processos de enquadramento que se articulam entre si e envolvem os
três tipos de atores. São eles:
1) a construção e o uso
dos enquadramentos mediáticos por parte dos jornalistas e por quem
trabalha nas organizações noticiosas sob pressões de rotina, que
lidam constantemente com fontes e que precisam aplicar “valores
notícia” e “ângulos noticiosos” ao reportar os acontecimentos;
2) a transmissão
“enquadrada” de notícias para o público;
3) a aceitação de
certos enquadramentos por parte dos indivíduos (público) e que geram
reflexos em suas atitudes, comportamentos e pontos de vista;
4) e um estágio
posterior, no qual as percepções dos media e as respostas do público
podem reforçar as tendências iniciais, da organização e dos modos de
atuação jornalísticos, levando à reprodução do mesmo tipo de conteúdo
transmitido. A partir dessa divisão, pode-se destacar que a primeira
e a segunda fase se referem mais especificamente às instâncias de
produção das notícias.
Para chegar a esse
modelo, Scheufele formulou diversas “questões de pesquisa” que servem
de “guia” para os estudos nesse campo:
a) Que fatores
influenciam o modo como os jornalistas ou outros grupos sociais
enquadram certos assuntos?
b) Como esse processo
funciona e, como resultado, quais os frames usados pelos
jornalistas?
c) Que tipos de frames
da mídia influenciam a percepção do público sobre certos assuntos e
como esse processo funciona?
d) Que fatores
influenciam o estabelecimento de frames individuais de
referência, ou os frames individuais são simples reproduções
de frames da mídia?
e) Como os membros do
público podem exercer um papel ativo na construção de sentidos ou na
resistência aos frames da mídia? e f) Como os frames
individuais podem influenciar a percepção individual dos assuntos?
(Cf. Scheufele, 1999, p. 108).
Já Porto (2004) faz uma
distinção importante entre o que considera os dois tipos principais
de enquadramento: os noticiosos e os interpretativos. O primeiro
refere-se a “padrões de apresentação, seleção e ênfase organizados
por jornalistas para organizar seus relatos”. Tem relação com o tipo
de abordagem dada aos jornalistas. Já os interpretativos operam a
partir de “padrões de interpretação que promovem uma avaliação
particular” de temas e eventos, e se originam fora do contexto da
prática jornalística.
Como é possível perceber,
o framing enquanto hipótese de pesquisa trabalha com a
perspectiva da construção da realidade social, que ocorre a partir da
utilização de quadros de referência simbólica, aplicados tanto pelos
produtores quanto pelos consumidores das mensagens da mídia.
4.
Uma agenda de atributos
O paradigma do framing,
para alguns autores, pode ser definido como um segundo nível de agenda
setting (uma extensão do modelo de agenda setting), pois
também organiza a produção e o consumo das mensagens midiáticas. O
primeiro nível da agenda setting propõe essa organização no
sentido de pautar quais assuntos estão na agenda da mídia e do
público, enquanto o segundo nível (que pressupõe um framing)
se preocupa com a organização de como esses assuntos são tratados,
ou seja, por qual viés são abordados e quais são as características
predominantes dos objetos e temas em questão.
McCombs – que junto com
Donald L. Shaw cunhou o termo agenda setting e instituiu essa
teoria – prefere considerar o framing como um segundo nível da
agenda setting, ou “agenda de atributos”, que se volta para os
atributos dos assuntos e objetos tratados pela mídia. Para ele, além
da agenda dos assuntos, há outro nível de análise a considerar. Cada
um desses temas possui vários atributos (características e
propriedades) e a variação da relevância dos temas também resulta
numa variação de seus atributos.
Uma etapa importante do
processo de agendamento de notícias e o estabelecimento de
determinados temas são as perspectivas e os frames que os
jornalistas e os membros da audiência empregam para pensar e falar
sobre cada um desses temas. Essas perspectivas e frames chamam
a atenção para certos atributos em detrimento de outros (McCombs Et.
Al., 1997). O autor considera que o framing ao funcionar como
uma “moldura” influencia a maneira de pensar determinados temas.
Enquanto a agenda
setting diz respeito ao que pensar (primeiro nível), o framing
diz respeito a como pensar os assuntos agendados (segundo
nível). O enquadramento funciona como um elemento definidor de uma
“agenda de atributos”, que caracteriza os principais traços
definidores de um assunto (McCombs; Lopez-Escobar; Llamas, 2000).
Wolf (2003), ao se
aprofundar nos desdobramentos da agenda setting, também cita o
termo framing, referindo-se não propriamente à hipótese que
leva esse nome, mas sim ao seu sentido, à idéia de enquadramento.
Segundo ele, há quatro fases relevantes no processo de construção de
uma agenda:
a) a fase de
focalização, onde a mídia enfatiza um determinado assunto;
b) a fase do framing
ou do delineamento de um quadro interpretativo, na qual “o objeto
focalizado pela atenção da mídia é enquadrado e interpretado à
luz de algum tipo de problema que ele representa”;
c) a fase em que os
meios de comunicação de massa criam ligações entre os acontecimentos,
estabelecendo vínculos entre o assunto tratado e um sistema
simbólico; e
d) o assunto ganha peso
e relevância se é personificado em indivíduos que se tornam seus
“porta-vozes” (Cf. Wolf, 2003, p. 179).
O autor ressalta ainda
o papel das molduras usadas no processo de produção e interpretação
das notícias. Segundo ele, o quadro institucional e profissional
dentro do qual a noticiabilidade [3] dos eventos é percebida pelos
jornalistas é formado pelas rotinas de produção e critérios de
relevância; do mesmo modo, a partir da ênfase constante de certos
temas, aspectos e problemas, forma-se uma moldura interpretativa, um
esquema de conhecimentos, um frame que se aplica para dar sentido ao
que é observado (Cf. Wolf, 2003, p. 145). É nesse sentido que podemos
compreender o segundo nível da agenda setting como um processo
capaz de definir “conhecimentos mais articulados como, por exemplo,
os diversos aspectos de um problema, as suas causas, as soluções
propostas” (Cf. Wolf, 2003, p. 157).
Embora existam
similaridades entre o segundo nível da agenda setting e a
hipótese do framing, a idéia de que o framing seja uma
extensão da agenda setting não é compartilhada por todos os
pesquisadores de media effects, pois as duas hipóteses seriam
conduzidas por processos distintos entre si.
Para Scheufele e
Tewksbury (2007), por exemplo, há uma distinção importante entre agenda
setting e framing: supõe-se que a atenção às mensagens
seja mais importante para que ocorram os efeitos de framing do
que de agenda setting.
Segundo eles, a mera
exposição já é suficiente para a agenda setting, mas não para
o framing, pois esse modelo é baseado na premissa de que a
forma como um assunto é caracterizado pelas notícias pode ter uma
influência em como este assunto será compreendido pelo público. Ainda
segundo esses autores, o framing também pode ser compreendido
a partir de um macro e de um micro constructo.
Numa instância macro, o
termo framing se refere aos modos de apresentação que
jornalistas e outros comunicadores usam para tratar a informação de
forma que esta ressoe em esquemas já existentes na audiência. Para os
jornalistas, framing é uma ferramenta necessária para reduzir
a complexidade de um tema e torná-lo mais acessível ao público. Como
microconstructo, o framing descreve como as pessoas usam a
informação e os elementos de apresentação para formar impressões
sobre os temas abordados.
Já Weaver (2007)
reconhece que há similaridades e conexões entre o framing e a agenda
setting (e o priming) – embora não sejam abordagens
idênticas – e acredita que esses três modelos teóricos (framing,
agenda setting e priming) estão interconectados, pois
há similaridades entre seus processos cognitivos e efeitos. Ele
sugere que o fato do framing ser mais ou menos similar que o
segundo nível de agenda setting depende muito mais de como o framing
é conceituado. Segundo Weaver, outras definições do framing
incluem também argumentos implícitos ou explícitos e que, por isso,
vão além da definição normalmente associada a “atributos”; estes
seriam mais do que apenas características ou qualidades de um assunto
em pauta na cobertura da mídia.
Citando Scheufele,
Weaver (2007) ressalta ainda a idéia de que as premissas teóricas da agenda
setting e do framing se diferenciam ao se tomar como base
as noções de acessibilidade e aplicabilidade. A agenda setting
(e também o priming) tem relação com a acessibilidade, pois
amplia a relevância dos assuntos, aumentando assim a facilidade com a
qual estes podem ser recuperadas da memória ao se fazerem julgamentos
políticos; o framing, por outro lado, é baseado na teoria que
presume que sutis mudanças na descrição de uma situação invocam
esquemas interpretativos que influenciam a interpretação das
informações recebidas, antes do que tornar mais relevantes certos
aspectos de um assunto ou questão (Cf. Weaver, 2007, p. 145).
5.
Frames da mídia e frames da audiência
A atenção nesse artigo,
como já dissemos, recai sobre o framing enquanto organizador
das idéias acerca de um determinado assunto tratado pela mídia. Nesse
sentido, interessa aqui mais os frames da mídia (como as
notícias são articuladas), do que os frames da audiência (como
as mensagens são processadas pelo público).
No entanto, faz-se
necessária uma distinção entre esses dois modos de aplicação da noção
de framing.
O frame da mídia
se volta para a maneira como os meios de comunicação organizam suas
mensagens por meio de “enquadramentos” (frames) e pode ser
compreendido, segundo Scheufele e Tewksbury (2007), dentro de uma
perspectiva mais macro.
Nesse sentido, o termo framing
se refere aos modos de apresentação que jornalistas e outros
comunicadores usam para tratar a informação de forma que esta ressoe
em esquemas já existentes na audiência. Segundo esses autores, o framing
é para os jornalistas uma ferramenta necessária para reduzir a
complexidade de um tema e torná-lo mais acessível ao público (o que
demonstra uma atitude que superestima a atividade do jornalista,
subestimando, por outro lado, o público).
Os frames da
audiência estariam na outra ponta do processo, descrevendo como as
pessoas usam a informação e seus elementos de apresentação para
formar impressões sobre os temas abordados na mídia. De um lado,
então, temos o framing como organizador dos assuntos no âmbito
da produção das notícias, e de outro o framing como “esquema
de interpretação”, situado na instância da recepção das notícias (e
que se articula com a hipótese do priming).
Nota-se que a própria
realização dessas pesquisas resulta em diferentes modos de
levantamento de dados. Enquanto os estudos dos frames da mídia
normalmente se preocupam com o que é produzido pela mídia (conteúdo
de programas de TV, de jornais e revistas etc.), os estudos dos frames
da audiência necessitam de experiências de campo em busca de uma
“medição” das respostas do público, ou mesmo de dados estatísticos já
realizados (surveys).
6.
Building e setting
Outra abordagem que
amplia a noção de framing é a que estabelece uma distinção
entre frame building e frame setting.
Segundo Scheufele
(1999), o termo frame building foi tomado emprestado das
pesquisas de agenda setting e tem como questão central
identificar quais tipos de fatores organizacionais ou estruturais do
sistema da mídia, ou quais características individuais dos
jornalistas podem impactar o enquadramento do conteúdo noticioso.
Já o frame setting,
que segue processo semelhante ao da agenda setting, diz
respeito à relevância dada aos atributos de um determinado assunto.
Zhou e Moy (2007) utilizam
esses conceitos para classificar as duas formas com as quais o modelo
do framing tem sido utilizado. Segundo esses autores, as
pesquisas de frame building estão mais interessadas nos
fatores internos – características dos indivíduos, orientações
políticas e ideológicas, valores profissionais, rotinas jornalísticas
e regras organizacionais – que influenciam no modo como os
jornalistas enquadram um determinado assunto.
Nesse sentido, o frame
building envolve práticas profissionais do jornalismo, mais do
que as interações entre o sistema político, o público e a mídia. De
qualquer forma, os fatores externos também são determinantes no
processo de construção do discurso da mídia, como os valores
culturais de um determinado contexto social e a atuação dos grupos de
pressão (classe dominante, anunciantes, políticos, “opinião pública”
etc.). É o processo de construção dos frames que irá
determinar o frame setting, ou seja, a maneira como os
assuntos em pauta são tratados pela mídia e re-configurados pelo
público.
Concentrando-se no
campo da produção de notícias, Scheufele e Tewksbury (2007)
acrescentam a noção de agenda building (construção de agenda),
ressaltando que esses dois processos – frame e agenda
building – se referem a um mecanismo macro que diz respeito à
construção da mensagem mais do que os efeitos da mídia.
Segundo esses autores,
as atividades de grupos de pressão (ou grupos de interesse), policymakers
(responsáveis pela elaboração e aplicação de políticas públicas),
jornalistas e outros atores sociais influentes no sentido de moldar
os enquadramentos e as agendas da mídia, podem gerar considerável
impacto tanto no volume quanto nas características das mensagens
midiáticas referentes a um determinado assunto.
Ainda de acordo com
Scheufele e Tewksbury (2007), a abordagem do frame se difere da agenda
setting, entre outras razões, por se preocupar mais em explicar o
processo de produção de notícias, incluindo a atuação de forças e
grupos sociais no sentido de moldar e conduzir o discurso público
acerca de uma questão específica. Essa é uma das razões pelas quais
esses dois autores criticam a tentativa de se reduzir o framing
a um processo análogo ao da agenda setting.
7.
Enquadramento e contexto social
A noção de enquadramento,
contudo, pode ir além da hipótese do framing se são levados em
conta aspectos do contexto social e da estrutura de funcionamento dos
meios de comunicação de massa.
McQuail chama de
enquadramentos de responsabilização um conjunto de quatro tipos de enquadramentos
que procuram dar conta dos agentes envolvidos na produção das
notícias, antes mesmo delas serem processadas e alcançarem o público.
Cada um desses enquadramentos é constituído de mecanismos e
procedimentos específicos. O enquadramento da lei e da regulação se
refere às orientações públicas, leis e regulamentos que afetam a
estrutura e o modo de intervenção dos meios de comunicação de massa.
O enquadramento do
mercado diz respeito um mecanismo de responsabilização pública, uma
vez que funciona como ponto de equilíbrio entre os interesses das
organizações e produtores da mídia e dos seus públicos
(consumidores). O enquadramento da responsabilidade pública chama a
atenção para o fato das organizações da mídia também serem
instituições sociais que cumprem um importante papel público, que vai
além de seus fins imediatos de alcançar lucro e oferecer emprego, por
exemplo.
Por fim, o
enquadramento da responsabilidade profissional se refere à
responsabilização que emerge do respeito próprio e dos desenvolvimentos
éticos dos profissionais que trabalham nos meios de comunicação e que
determinam os seus próprios critérios e níveis de bom desempenho
(McQuail, 2003).
8.
Conclusão
Por meio da
investigação realizada, é possível afirmar que a delimitação teórica e
metodológica do framing depende, em grande parte, de uma
comparação com as hipóteses da agenda setting e do priming.
Se por um lado isso contribui para um melhor entendimento das
aplicações e particularidades do framing, por outro também
configura um “olhar unificador” sobre esses três modelos. Podemos
especular que tal aproximação ocorra em função de diversos fatores.
Um deles é modo como os teóricos da agenda setting ampliaram
esse modelo para que ele pudesse acompanhar a emergência de novas
questões no campo dos media effects, criando uma proximidade
de análise com as teorias do priming e do framing, que
surgiram posteriormente.
A noção de construção
da realidade social através da mídia também se aplica, em maior ou
menor grau, a esses três modelos. As hipóteses do priming e do
framing, por sua vez, acabam se complementando, talvez em
função da proximidade temporal com que foram formuladas e inseridas
nas pesquisas desenvolvidas principalmente a partir da década de 90.
Alguns autores também consideram que o priming pode ser
considerado uma “extensão temporal” da agenda setting,
enquanto outros autores consideram o framing um paradigma que agrega
valor a modelos mais antigos.
Para concluir, deve-se enfatizar a
compreensão do framing como um “paradigma múltiplo”. De acordo com
D’Angelo (2002), o conhecimento sobre o framing foi acumulado
porque o programa de pesquisas nesse campo encorajou os pesquisadores
a empregar e refinar várias teorias sobre o processo de framing,
sob a orientação de distintas perspectivas paradigmáticas na relação
entre frames e efeitos de framing. A diversidade
teórica e paradigmática, neste caso, levaria a uma visão mais
compreensiva do processo de framing, e não a descobertas
fragmentadas em pesquisas isoladas (Cf. D’Angelo, 2002, p. 871).
NOTAS
[1] Os números foram
levantados pelo autor através do Communication Abstract Basic
Search, entre 1971 e 2005, usando as palavras-chaves “agenda
setting”, “framing” e “priming” (Weaver, 1997).
[2] Os valores-notícia
(news value) são critérios de seleção de assuntos considerados
suficientemente significativos, relevantes e interessantes para serem
transformados em notícias. “Funcionam como linhas-guia para a
apresentação do material, sugerindo o que deve ser enfatizado, o que
deve ser omitido, onde dar prioridade na preparação das notícias a
serem apresentadas ao público” (Cf. Wolf, 2003, p. 203).
[3] A noticiabilidade é o “conjunto de
elementos por meios dos qual o aparato informativo controla e
administra a quantidade e o tipo de acontecimentos que servirão de
base para a seleção de notícias” (Cf. Wolf, 2003, p. 202).
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*Daniela Zanetti é doutoranda em
Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da
Bahia/CNPq.”
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