segunda-feira, 4 de junho de 2012

Aspectos práticos acerca da duração do processo no Projeto do Código de Processo Civil.

“Reflexões acerca do alcance do tempo razoável de duração do processo – Alguns aspectos práticos da questão no Projeto do Código de Processo Civil
JÚLIO CÉSAR BALLERINI SILVA - Juiz de Direito

O mundo jurídico tem observado a discussão de um Projeto de Código de Processo Civil que não esconde a sua nítida opção pela efetividade dos direitos materiais previstos no ordenamento, o que faz com que a questão da tempestividade da jurisdição se torne extremamente atual para os operadores do direito.
E preocupação com os fatores atinentes à questão da morosidade da justiça, como assevera José Rogério Cruz e Tucci, é discutida internacionalmente, desde há muito como se pode depreender do artigo 6º, 1, da Convenção Européia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, subscrita no dia 4 de Novembro de 1950, em Roma, que consigna, de modo expresso:
Art. 6º, 1.  Toda pessoa tem direito a que sua causa seja examinada eqüitativa e publicamente num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial instituído por lei, que decidirá sobre seus direitos e obrigações civis ou sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal contra ela dirigida. [1]
No entanto não parece que se deva, apenas e tão somente repetir expressões vazias, eis que o texto (seja o adotado na Convenção Européia, seja o adotado na Constituição Federal) alude a uma razoabilidade não determinada o que faz com que o intérprete da norma deva se valer de recursos interdisciplinares para a solução da questão posta em exame.
Como se tem tido a oportunidade de apontar em outros artigos, não é desconhecido dos operadores do direito, o fenômeno do esgotamento paradigmático do pensamento jurídico fundado a partir da premissa de um direito natural (concepção tomista que foi empregada por séculos pelos juristas como modo de pensar dogmaticamente o direito – o chamado paradigma do direito natural) que encontra inúmeras dificuldades de resolver os problemas decorrentes da complexidade das relações intersubjetivas, ainda mais em um mundo que prima pela celeridade decorrente de avanços tecnológicos, não podendo o ordenamento jurídico permanecer alheio a essa realidade, ainda mais sob uma perspectiva de que o direito seria uma técnica de controle social.
Tanto assim que autores como Celso Lafer propugnam para a solução do hiato apontado, a adoção de um novo modelo paradigmático[2] (o referido autor propõe chamá-lo de paradigma da filosofia do direito, para permitir um “pensar” menos dogmático, mais aberto ao “perquerir”, tomando, aliás, o dogma não como um fim em si mesmo, mas, ao contrário, como um ponto de partida, como, ademais, vinha sendo sugerido por Tércio Sampaio Ferraz Jr.,[3] permitindo-se a interpretação que autorize abranger fatores interdisciplinares).
E isso se torna relevante na medida em que, igualmente, se tem por inegável que o Direito seja um fenômeno histórico, revestido de temporalidade e que, nos primórdios da civilização já tinha seu conteúdo intimamente ligado aos desígnios dos detentores do poder (verbi gratia, no Egito Antigo, no período conhecido por Antigo Império, ou seja, entre 2.664 a C e 2.155 a C, cunhou-se a expressão segundo a qual “o justo é o que o faraó ama, e o mal é aquilo que o faraó odeia”[4], não obstante a ponderação de que o justo e ético, para esse povo se confundia com a emblemática noção de maat[5]), reforçando-se o entendimento segundo o qual o direito implica, como apontado acima, numa evidente técnica de controle social (caráter igualmente destacado pelo já mencionado Tércio Sampaio)[6].
Tal concepção não passou despercebida no ciclo histórico, eis que, como apontado por Montesquieu[7], os romanos já tinham essa idéia, qual seja a de que o maior poder dentro de um Estado seria o de dizer o que é certo ou o que é errado, nada mais, portanto, do que o exercício do júris dicere, ou poder de dizer o direito, sendo essa, no entanto, uma atividade politicamente desgastante (como sabido, quem perde a demanda normalmente tem uma sensação negativa em relação a isso, sentindo-se desconfortável em relação a quem proferiu a decisão, para dizer o mínimo), vindo daí, a idéia de se atribuir a um burocrata (enquanto técnico especializado) o peso de suportar este desgaste, o que não deixa de evidenciar esse aspecto do exercício do direito enquanto técnica de controle social (por qual outra razão imperadores abririam mão do poder de dizer o certo e o errado, senão para se verem livres de tal desgaste ?).
E esse abrir mão, obviamente, pode se tornar simbólico na medida em que o imperador poderia nomear para a função quem dissesse o certo e o errado de acordo com as suas convicções, vindo daí a tradição histórica de nomeação de magistrados que nosso direito constitucional contempla até nossos dias, ao menos para os órgãos de cúpula do Poder Judiciário.
Essas concepções ligando o Direito ao poder se tornam uma questão de grande relevo posto que, em um mundo globalizado, em que o poder econômico se concentra pólos globalizantes opostos aos dos globalizados, se pode passar a questionar se fatores intimamente ligados ao poder não estão colocando em xeque a interpretação que se possa fazer do ordenamento jurídico como um todo.
Tal discussão se torna muito evidente e atual, num mundo em que as informações e a tecnologia são difundidas de forma muito rápida, por veículos como a internet e a própria mídia de um modo geral, observando-se uma crise de efetividade, outro fator de complexidade a ser sopesado (e, lamentavelmente, não se tem observado a preocupação das Faculdades de Direito em enfocar tais situações) em primeiro lugar, do ordenamento jurídico enquanto tal (como se pode entendê-lo como forma de controle social eis que o mesmo para ser alterado exige uma série de atos e formas dos poderes normativos, que demandam um tempo totalmente incompatível com as mudanças sociais, e, sobretudo, econômicas?), o que vem acompanhado da crise instrumental (se o ordenamento estabelece direitos, em caso de violações a esses direitos tem-se o direito de ação para o devido restabelecimento da situação, o qual, como é cediço, repousa num instrumental processual para que possa ser exercitado), o que nos conduz a um terceiro evento, qual seja, o da crise do Poder Judiciário (ente institucional que tem por função precípua o exercício da jurisdição, ou jurisdicere, poder de “dizer o direito”, de forma imparcial).
E não se esqueça a lição de José Ignácio Botelho de Mesquita no sentido de que, analisando-se o radical grego da palavra crise (Krisis), de se concluir no sentido de que, malgrado originariamente ligada à noção de juízo, ou decisão, no vernáculo o vocábulo alcançou a extensão de “conjuntura cheia de incertezas, de aflições ou de perigos”[8].
E, ainda mais, não se pode deixar a margem, aspectos evidenciadores de tal influência globalizante em países como o Brasil, que tinham uma identidade jurídica que nitidamente o ligava ao ramo do sistema jurídico romano canônico (ou da Civil Law), com marcante influência de ordenamentos jurídicos latinos (Direito Romano, nas vertentes e derivações do jus quiritum e do jus gentium, restaurado por glosadores medievais como Bártolo e Baldo, bem como o direito português, a partir de fontes como o Breviário de Alarico e as Ordenações do Reino de Portugal, e o direito francês, não sendo desconhecidas as influências do Código Napoleônico de 1.804, sobre o direito das obrigações que esteve em vigência por muitos anos no direito brasileiro[9]) e que, agora, passam a sofrer nítida influência do sistema jurídico hegemônico e globalizante, que seria o sistema do direito anglo-saxão (ou seja, o vigente a base do direito norte-americano), que seria o direito do sistema jurídico da Common Law.
E isso se torna cada vez mais patente, na medida em que se observa a ingerência de tratados como o Documento Técnico nº 319 firmado entre o Banco Mundial e os países da América Latina e do Caribe, a partir do trabalho desenvolvido por Maria Dakollias, que, no ano de 1.996 foi ratificado pelo Brasil, instituindo o compromisso de agilização jurisdicional com instrumentos como o da arbitragem, não tradicional na nossa história jurídica, mas curial no sistema da Common Law, possibilitando sua imposição por agentes estrangeiros que negociassem no Brasil, ou a grande influência de institutos comuns no direito anglo-saxônico, no sistema jurídico pátrio, como se observa, por exemplo, com institutos como o leasing, o franchising, a contempt of court, o leading case, etc...., cada vez mais freqüente no ordenamento jurídico pátrio.
Não se pretende negar que o Poder Judiciário, ao menos nos Estados que adotam o sistema da tripartição, como é o caso brasileiro, seja um dos Poderes Constitucionais, o que o torna um participante de um jogo político e institucional, e, em face destes fatores, passe a ser alvo de questionamentos de natureza política, por certos segmentos sociais, o que é, aliás, natural num Estado Democrático de Direito, não podendo os julgadores permanecerem alheios a essas situações e complexidades do mundo atual.
Tal questão, no entanto, é puramente ideológica, tendo sido apoiada por setores do empresariado nacional, como verbi gratia, Antônio Ermírio de Moraes[10], sendo, de um modo geral, repudiada por segmentos do Poder Judiciário, como destacado pelo Magistrado Osmar Pedroso, do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região Federal.[11]
E esse fenômeno não tem sido despercebido, eis que autores como Fábio Ulhôa Coelho, em seu conhecido Manual de Direito Comercial, Ed. Saraiva, apontam a situação de um processo de unificação do direito mundial, em torno de diretrizes comuns, para facilitar o fomento comercial propiciado, justamente, pela globalização econômica e formação de Mercados Comuns, o que faz com o que o Poder Judiciário tenha que estar cada vez mais preparado para enfrentar questões novas, de forma cada vez mais rápida e célere.
Tudo isso sem que se mencione que, de forma cada vez mais freqüente, passamos a ser influenciados por um case system, ou o stare decisis, do direito anglo-saxônico, eis que costumeiramente nos deparamos com um sistema de precedentes jurisdicionais, ditado, às mais das vezes, por uma jurisprudência dinâmica como a do E. Superior Tribunal de Justiça, por suas súmulas, ou com o mecanismo da súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal e, agora, com o sistema de julgamento de recursos repetitivos que veio para ficar como se observa por seu aprimoramento no Projeto de Código de Processo Civil.
Tais situações implicam em dizer que o ordenamento jurídico não mais pode ser visto, como o era, há vinte ou trinta anos atrás, com a necessidade, cada vez mais premente de se alcançar prelados de efetividade num mundo globalizado, vindo daí, com todas as nuances e variantes desta situação, a necessidade de se perceber a amplitude do tempo razoável de duração do processo, com a necessidade de uma mudança de posturas na forma como o processo, enquanto instrumento, deva ser visto pelos operadores do direito.
Como é de conhecimento geral, a partir da divulgação pelos meios de comunicação de massa de notícias a respeito de alguma alteração normativa, um grande contingente de ações similares (tem sido cada vez mais freqüentes ações aos milhares unidas por relações jurídicas base) tem sido suscitado perante Fóruns de todo o país (veja-se, por exemplo, a questão da cobrança de diferenças de índices de correção de cadernetas de poupança em Planos Econômicos, as ações versando sobre cobrança de assinaturas de telefonia, etc...), fazendo com que o exame de algumas questões comuns passe a ser de grande relevância prática e acadêmica, situação que, para que não leve ao esgotamento massivo do sistema judiciário, deve ser enfrentada com racionalidade e maximização.
 A questão passa, obviamente, pelo exame da necessidade de se conferir, não só uma eficácia formal aos atos processuais, mas, em verdade, o que se passa a buscar é algo mais amplo, ou seja, uma efetividade de tais atos processuais – o processo não é pode mais ser visto como um fim em si mesmo, devendo-se buscar a sua utilização como instrumento de consecução de algo maior, qual seja, o direito de ação, liberdade pública ou fundamental right, previsto na norma contida no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, e, ainda mais importante, se conferir efetividade aos direitos materiais previstos pelo ordenamento jurídico pátrio e instrumentalizados por este direito de ação.
Ora, de nada adianta que o texto legal permita ou coíba tal ou qual conduta no âmbito do direito material se a sociedade não puder ser pacificada pela jurisdição, principal forma de heterocomposição do sistema jurídico pátrio.
Assim, processo e constituição devem estar intimamente ligados para a consecução de fins comuns no que tange a uma pacificação efetiva da sociedade.No mesmo sentido, de se destacar que Cândido Rangel Dinamarco, ao discorrer a respeito do tema em questão:
A idéia-síntese que está à base dessa moderna visão metodológica consiste na preocupação pelos valores consagrados constitucionalmente, especialmente a liberdade e a igualdade, que afinal são manifestações de algo dotado de maior espectro e significação transcendente: o valor justiça. O conceito significado e dimensões desses e de outros valores fundamentais são, em última análise, aqueles que resultam da ordem constitucional e da maneira como a sociedade contemporânea ao texto supremo interpreta  as  suas  palavras – sendo natural, portanto,  a  intensa infiltração dessa carga axiológica no sistema do processo (o que, como foi dito, é justificado pela instrumentalidade).[12]
Prossegue o mesmo autor no sentido de que a tutela constitucional do processo tem a finalidade de resguardar os institutos do direito processual com base em princípios suscitados pela ordem constitucional, o que, obviamente, será raciocínio aplicável ao princípio da tempestividade da jurisdição. Neste sentido, inclusive, destaca o trecho que se pede vênia para transcrever:

O processualista moderno adquiriu a consciência de que, como instrumento a serviço da ordem constitucional, o processo precisa refletir as bases do regime democrático, nela proclamados; ele é, por assim dizer, o microcosmos democrático do Estado-de-Direito, com as conotações de liberdade, igualdade e participação (contraditório), em clima de legalidade e responsabilidade.[13]

Tudo isso, para bom entendedor pode se relacionar com a questão da busca pelo acesso à ordem jurídica justa, que, dentre outras coisas, propugna o acesso à ordem jurídica, acesso esse que deve ser garantido de modo célere e eficaz.Nesse sentido, pertinente o asseverado por Luiz Guilherme Marinoni:
Acesso à justiça quer dizer acesso a um processo justo, à garantia de acesso a uma justiça imparcial, que não só possibilite a participação efetiva e adequada das partes no processo jurisdicional, mas que também permita a efetividade da tutela dos direitos, consideradas as diferentes posições sociais e as específicas situações de direito substancial. Acesso à justiça significa, ainda, acesso à informação e à orientação jurídicas e a todos os meios alternativos de composição de conflitos. O acesso à ordem jurídica justa é, antes de tudo, uma questão de cidadania”.[14]
E a morosidade da prestação jurisdicional afeta tal questão, posto que, se a apreciação, pelo Poder Judiciário, do direito ameaçado ou lesado for morosa, logicamente, poderá vir a se tornar não efetiva e imprestável a tutela pretendida ao próprio jurisdicionado, o que se revela como deletério à própria imagem do Poder Judiciário.
Em um país como o Brasil, onde a maioria da população enquadra-se nas camadas de baixa renda, para a parcela da população menos favorecida economicamente outro obstáculo intransponível diz respeito à questão da educação do jurisdicionado.
E, como é sabido, as normas jurídicas, às mais das vezes promulgadas por influência de uma minoria economicamente estruturada, não traduzem as necessidades da população pobre, afastando-se da própria realidade social que deveriam normatizar, de forma abstrata e impessoal.
Assim, ao vislumbrar-se o problema cultural que agrava a crise de acesso ao Poder Judiciário (bem como a própria crise do processo), é comum observar, também, nessas camadas de baixa renda, a descrença em relação ao aludido Poder (fenômeno da visão externa do ordenamento jurídico).
Desse modo, grande parte dos institutos do ordenamento jurídico pátrio são ignorados ou desacreditados pelos próprios jurisdicionados, que não compreendem, e, por vezes, temem utilizar dos meios oferecidos para a tutela de direitos.[15]
Sob tal prisma, é evidente que a democracia participativa, no âmbito jurídico verdadeiramente resta prejudicada, urgindo, assim, a necessidade de instrução e divulgação da informação jurídica, na busca do resgate da própria efetividade do Poder Judiciário e do processo enquanto instituto, tarefa, em muito dificultada, se os poucos que se utilizarem do sistema nele não acreditarem porque demoraram a obter resposta às suas pretensões, o que parece óbvio.
A efetividade, portanto, como se pode observar, é fenômeno poliédrico, envolvendo inúmeras vertentes do aspecto instrumental do processo, e não só a questão da morosidade, como se poderia querer crer num momento inicial.
Sobre tais ponderações, novamente, de se pedir vênia para destacar a opinião de João Batista Lopes, para quem:
Por sua vez, Barbosa Moreira resume, em cinco pontos, a problemática essencial da efetividade: “.... o processo deve dispor de instrumentos de tutela adequados, na medida do possível, a todos os direitos (e outras disposições jurídicas de vantagem) contemplados no ordenamento, que resultam de expressa previsão normativa, que se possam inferir no sistema; b) esses instrumentos devem ser praticamente utilizáveis, ao menos em princípio, sejam quais forem os supostos titulares dos direitos (e das outras posições jurídicas de vantagem) de cuja preservação ou reintegração se cogita, inclusive quando indeterminado ou indeterminável o círculo de eventuais sujeitos; c) impende assegurar condições propícias à exata e completa reconstituição dos fatos relevantes, a fim de que o convencimento do julgador corresponda, tanto quanto puder, à realidade; d) em toda a extensão da possibilidade prática, o resultado do processo há que ser tal que assegure à parte vitoriosa o gozo pleno da específica utilidade a que faz jus segundo o ordenamento; e) cumpre que se possa atingir semelhante resultado com o mínimo dispêndio de tempo e energias. Como se vê, o termo efetividade tem maior elastério do que geralmente se supõe.[16] 
No mesmo sentido, segundo a concepção de Kazuo Watanabe "uma das vertentes mais significativas das preocupações dos processualistas contemporâneos é a da efetividade do processo como instrumento da tutela de direitos".[17]
E o processo, como conjunto de atos concatenados e convergentes para a consecução dos escopos da jurisdição estatal, certamente, correlaciona-se com um fator cronológico, considerando que cada ato do procedimento tem um prazo que deve ser realizado no momento adequado.[18]
Como se sabe, para o desenvolvimento do processo é necessário que se percorra um determinado procedimento, que possui duração própria e que se desenvolve por múltiplas fases.
Destarte, a atividade jurisdicional, para que se preservem, entre outros, os ideais de segurança jurídica e justiça das decisões, não pode findar-se imediatamente.
É, pois, necessário que se percorra um rigoroso caminho, no qual ocorra a prática de todos os atos peculiares, bem como se preservem todas as garantias processuais destinadas às partes.
Em verdade não se pode conceber o postulado do devido processo legal separadamente dos demais princípios básicos do processo civil, tais como o corolário da ampla defesa ou do duplo grau de jurisdição. Logo, as garantias da ampla instrução probatória ou da recorribilidade das decisões não podem ser obstadas pelo ideal de celeridade do processo.[19]
Aliás, segurança e rapidez, considerando-se a complexidade do processo, são postulados antagônicos se não vislumbrados com observância de limites de razoabilidade e proporcionalidade (fatores a serem sopesados na análise do novo instituto referente ao tempo razoável de duração de um processo, do qual se cuidou em capítulo anterior do presente trabalho, quando em comentário a respeito de seu alcance dentro da nova sistemática estabelecida pelo advento da Emenda Constitucional nº 45/04).
Sob tal prisma, o que deve nortear o pensamento do processualista contemporâneo é a busca pela harmonização entre a segurança jurídica (resguardando-se as garantias processuais e justiça das decisões) e a celeridade do processo, no sentido de proteger o jurisdicionado dos institutos processuais obsoletos e das dilações temporais indevidas.
De tal modo, o que se deve ter em vista é o equilíbrio do binômio segurança-celeridade, garantindo-se um tempo razoável para a tramitação do processo, concomitantemente à prestação de uma tutela jurisdicional justa, na qual a decisão final não se procrastine além do necessário.
Como já salientado anteriormente, o ideal da tempestividade está inserido num contexto mais amplo, que é o da efetividade do processo. Assim, para que a tutela jurisdicional seja eficiente e útil aos jurisdicionados, a celeridade de sua prestação é fator imprescindível.
Ou seja, parte-se da constatação segundo a qual não basta que os atos de impulso oficial direcionem adequadamente (e de forma indefinida) um processo como fim em si mesmo, posto que isso poderia implicar numa forma jurisdicional de se negar a jurisdição (deve-se combater o assim denominado despacho protocolar ou burocrático que, muitas vezes, nada resolve em relação a quaisquer questões processuais).
Ao contrário, a partir do advento da Emenda Constitucional nº 45/04, que instituiu a chamada “Reforma do Poder Judiciário”, passou-se a admitir o status constitucional de princípios que já existiam na legislação ordinária, realçando a importância de se buscar conferir a almejada efetividade aos atos processuais, sempre sob prisma do que se tem convencionado chamar acesso a uma ordem jurídica justa.
Melhor dizendo, insta ponderar no sentido de que tal Emenda passou a prever a necessidade de um tempo razoável de duração de um processo, como se observa pela atual redação da norma prevista no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, o que vem sendo, de um modo mais ou menos uniforme, chamado pela doutrina como princípio da tempestividade da jurisdição, o qual, em última análise, pareceria uma certa constitucionalização de princípios processuais já estabelecidos na legislação ordinária (como, verbi gratia, as normas contidas nos artigos 125, inciso II do Código de Processo Civil e 2º da Lei nº 9.099/95 – ambas trazendo como princípios processuais, deveres de rápida solução de um litígio, celeridade e economia processuais, dentre outros que visam atingir tais escopos, tal como se dá com a simplicidade de formas, etc.).
Assim, parece não haver qualquer dúvida razoável a respeito da intenção do legislador pátrio (a mens legis, ou, como queiram, a mens legislationes, a que alude a norma contida no artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil) ao estabelecer a norma constitucional em comento, podendo-se, no entanto, a partir disso, extrair-se algumas conclusões, mais pragmáticas.
Acresça-se a tudo isso, ainda a evidenciar a atualidade da discussão que existe projeto de lei, em trâmite pelo Congresso Nacional, visando a promulgação de um novo Código de Processo Civil, no qual a questão em comento também restará revisitada, não se podendo esquecer de que o projeto se revela bastante preocupado com a questão da constitucionalização do que até então seria conhecido como relação jurídica processual (não se desconhecendo os estudos e propostas de Élio Fazzalari com a proposta de um verdadeiro módulo processual voltado ao cumprimento do contraditório), tal como se pode observar pelos doze primeiros artigos do referido projeto.
Aliás, não poderia deixar de ser notado que a tendência legislativa seja de uma desburocratização necessária visando alcançar escopos de tempestividade, nos termos do artigo 4º do Projeto (o conhecido tempo razoável do processo, previsto pelo advento da Emenda Constitucional nº 45/04 que conferiu redação ao artigo 5º, LXXVIII da Constituição e já aludido no artigo 8º do Pacto de San José da Costa Rica), e, por conseqüência, de efetividade da prestação jurisdicional.
E se já havia previsão no artigo 8º do Pacto de San José, pelo óbvio, tal matéria já gozava de status de norma constitucional por força do advento da norma contida no artigo 5º, parágrafo 2º do próprio texto constitucional.
Na verdade parece que o legislador está mais preocupado em coibir a perda indevida de tempo processual do que em fixar um número cabalístico de dias em que um processo poderia vir a acabar no juízo cível, o que, como sabido, acabaria por implicar em gerar um número mais simbólico do que efetivo, ante a vastidão de fatores envolvidos (cartas precatórias, rogatórias, citações por hora certa, edital, etc.), ainda mais porque todo o exercício do contraditório e da ampla defesa devem ser igualmente observados, como também o próprio advento do devido processo legal (artigo 5º, incisos LIV e LV da Constituição Federal).[20]
Ou seja, nessas condições prazos e atos previamente estabelecidos devem ser observados como regra, mas, doravante, sempre sob o crivo de uma análise substancial, com grande relevância da instrumentalidade das formas, somente se reconhecendo nulidades ou perda de atos quando fundadas e sólidas razões demonstrarem efetivos prejuízos que puderem ser sentidos no âmbito do módulo processual aduzido linhas acima (a orientação trazida pelo artigo 244 do Código de Processo Civil deve ser estimulada no que concerne ao alcance das questões de fundo em matérias de nulidades processuais, sob tal perspectiva – se não houver vulneração de garantia substancial do processo que ocasione prejuízo efetivo, atos processuais devem ser preservados em nome da tempestividade).
Tudo isso sem prejuízo do próprio princípio do acesso ao Poder Judiciário, previsto pela norma contida no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal que garante a todos o acesso ao Poder Judiciário, em casos de lesão ou ameaça de lesão a direito.
Em situações como essa, o que se tem é que o conflito (entre o estrito devido processo legal e a tempestividade) somente será resolvido pela aplicação do princípio da razoabilidade ou proporcionalidade, eis que necessário será o sacrifício de um dos dois princípios pela aplicação da lógica do razoável (enquanto logus del razonable ou solução que não ofenda o senso comum da visão externa e interna ao ordenamento jurídico), enquanto critério de consecução da justiça.[21]
Ademais como parece despontar com singular obviedade franciscana, se uma lei vier a aumentar ou dificultar o trâmite processual, tornando-o mais longo, sem um fator adequado a justificar tal medida (por exemplo, criando-se uma antinomia[22]), a inovação legislativa será reputada como inconstitucional, justamente por colidir com tal orientação programática.
Do mesmo modo se houver perda injustificável de prazos, ou demora indevida na realização do impulso oficial ou do sentenciamento de processos (e observe-se a inserção do adjetivo “injustificável”), poder-se-á invocar o referido princípio constitucional da tempestividade para embasar, por exemplo, a impetração de um mandado de segurança contra tais espécies de atos coatores[23], sem prejuízo, inclusive, das providências inerentes ao cumprimento das obrigações de fazer, inclusive, as do artigo 461 e seus consectários do Código de Processo Civil (até mesmo com imposição de astreintes em face do Poder Público – o que depois deverá ser resolvido em sede de execução por regras próprias do artigo 100 e seus consectários da Constituição Federal, se for o caso).
Não se possa esquecer de que, em ultima ratio, o fundamento político de existência do Poder Judiciário seja a própria imparcialidade na solução de conflitos sendo a tempestividade dessa solução um dos critérios que permitem aferir a própria imparcialidade do julgador, de modo que demoras injustificáveis podem levar a perquirições nesse sentido (assim, o retardamento, insista-se, “injustificável”, sendo esta falta de justificativa devidamente comprovada, poderá implicar até mesmo em situação apta ao comprometimento da imparcialidade com todas as suas conseqüências, devendo os julgadores, doravante, ter redobrada atenção para a situação em comento).
Daí inovações como a que se pretende levar a cabo no Projeto de Código de Processo Civil, em seu artigo 12, estabelecendo-se uma ordem cronológica de conclusões a ser observada pelo julgador e pela própria serventia judicial, facilitando a conferência dessas situações, com atualizações de listas periódicas, com acesso público de tais informações, prevenindo-se desvios.
Se este dispositivo vier a ser aprovado, ressalvadas as próprias exceções legais, como os feitos sentenciados em audiências e os acordos homologados, dentre outras, juízes e Tribunais deverão obedecer a ordem cronológica de conclusão de feitos para sentenciamento ou decisão, o que parece atender a prelados de efetividade e tempestividade (com isso se poderá facilmente verificar se preferências de tramitação com a de pessoas idosas ou portadoras de doenças graves estão sendo observadas).
De igual modo, em havendo dois entendimentos possíveis a respeito de uma mesma dúvida sobre algum institutos, e houver um entendimento mais célere e outro mais moroso (isso sem contraponto com outra garantia processual constitucional que o justifique), este último estará em flagrante situação de inconstitucionalidade, se empregado, sob a ótica deste tempo razoável.
E a interpretação acerca do instituto deve ser teleológica, ou seja, visar a finalidade de se obter a rápida solução do litígio, em cumprimento a esse tempo razoável de duração de um processo.
Observe-se, como exemplo disso, a situação da polêmica exceção de pré-executividade, que pode ser útil para evitar a perda inútil de trabalho jurisdicional, eis que pode ser apresentada em qualquer tempo (artigo 301, par. 4º CPC), demonstrando situações de efetiva inviabilidade de seguimento de processo de execução extrajudicial, o que pode ocorrer até mesmo antes do momento processual destinado aos embargos de devedor.
E se atos processuais serão poupados, pelo óbvio que a tempestividade da jurisdição estará sendo observada.
No entanto, para que não se desvirtue a  natureza do instituto e sua harmonia em relação ao princípio da tempestividade não se poderá deixar de entendê-lo como instrumento apto a gerar preclusões consumativas, impedindo a utilização de outras defesas congêneres (pela lógica, se a parte o opõe por intermédio de advogado deve entender as conseqüências de seus atos), sob  pena de inconstitucionalidade.
Nesse sentido, ademais, parece estar sendo a orientação dos Tribunais pátrios, como se poderia observar através do seguinte Julgado que se pede vênia para apresentar:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. MATÉRIA LEVANTADA E DECIDIDA EM EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE, QUE NÃO SOFRE RECURSO. VEDAÇÃO DE REANÁLISE EM EMBARGOS DO DEVEDOR. PRECLUSÃO. 1. Alegação de prescrição, já apreciada em exceção de pré-executividade, da qual não se interpõe recurso, não pode mais ser analisada em embargos do devedor por se constituir matéria superada e solidificada na relação processual, já que deflagrada sua análise na execução por iniciativa do próprio executado. Inteligência e aplicação do art. 473 do CPC, tendo em vista que, apesar de execução fiscal e embargos do devedor se constituírem processos distintos, tratam da mesma relação processual, ou seja, da mesma demanda e da mesma pretensão resistida. 2. No caso dos autos, nem calha a tardia argumentação, vinda com as contra-razões de apelação, de que teria ocorrido prescrição intercorrente, porquanto a r. decisão prolatada na exceção de pré-executividade declarou usufruir a Embargada de prazo prescricional vintenário, nos termos do art. 177, primeira parte, do antigo Código Civil, de forma que haveria a ação de ficar paralisada pelo menos por igual período, o que não ocorreu. 3. Apelação a qual se dá provimento. (Apelação Cível nº 1242412/SP (2004.61.82.013905-7), 3ª Turma do TRF da 3ª Região, Rel. Cláudio Santos. j. 27.03.2008, unânime, DJU 16.04.2008).
Reconhecendo a incidência do principio da eventualidade na questão:
EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE - IMPOSSIBILIDADE - PRINCÍPIO DA EVENTUALIDADE - PRECLUSÃO CONSUMATIVA - SEDE DE EMBARGOS À EXECUÇÃO. 1 - Não obstante inexista previsão legal para a exceção de pré-executividade, seu processamento deve seguir os parâmetros processuais já dispostos. 2 - A exceção de pré-executividade, como defesa do réu, no caso devedor que é, deve obedecer ao princípio da eventualidade. 3 - Deduzindo todas as matérias a ele favoráveis, ainda que incompatíveis entre si, sob pena de preclusão consumativa. 4 - A discussão acerca da matéria aventada poderá ser discutida, mas em sede de embargos à execução. 5 - Agravo de instrumento não provido. (Agravo de Instrumento nº 263165/SP (2006.03.00.020333-6), 3ª Turma do TRF da 3ª Região, Rel. Nery Júnior. j. 12.09.2007, unânime, DJU 23.01.2008).
Também neste sentido o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, para quem:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - APELAÇÃO - EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE - MANEJO APÓS A OPOSIÇÃO DE EMBARGOS À EXECUÇÃO - PRECLUSÃO CONSUMATIVA - CONSIDERAÇÕES DE TESES - ANÁLISE DE PROVA - CAUSA EXTINTIVA DA EXECUÇÃO - INOCORRÊNCIA - RECURSO PROVIDO. Cabe ao executado aduzir toda a matéria de defesa nos embargos de devedor, sendo-lhe vedado, em momento posterior, discutir teses, que não sejam de ordem pública, via exceção de pré-executividade, ante a ocorrência do fenômeno processual da preclusão consumativa. Questões controvertidas, que reclamam análise de prova, e considerações de teses, não são causas extintivas da execução. (Apelação Cível nº 1.0525.06.088187-3/002(1), 4ª Câmara Cível do TJMG, Rel. Moreira Diniz. j. 21.02.2008, unânime, Publ. 13.03.2008).
Interessante ainda observar, acerca do tema, como o mesmo Tribunal analisou a questão no seguinte caso:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. MATÉRIAS. EMBARGOS DE DEVEDOR. SENTENÇA. TRÂNSITO EM JULGADO. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. LEI Nº 6.830/80. Em agravo de instrumento, é mantida a decisão de primeira instância que indeferiu exceção de pré-executividade, quando se destina a reabrir e discutir novas matérias após o trânsito em julgado de embargos de devedor. Toda matéria útil à defesa do executado deve ser apresentada no prazo dos embargos à execução fiscal, sob pena de preclusão consumativa. Nega-se provimento ao recurso. (Agravo nº 1.0024.99.044762-5/001(1), 4ª Câmara Cível do TJMG, Rel. Almeida Melo. j. 19.04.2007, unânime, Publ. 26.04.2007).
Mas, fundamentalmente, o que parece estar a ocorrer é uma busca pela ruptura com dogmas formais do processo em geral, como modo de galgar modos mais céleres e práticos de se conseguir a tutela invocada, o que leva a releitura de postulados teóricos até então cristalizados, como forma de se atingir uma interpretação mais consentânea com essas aspirações de efetividade.
E inúmeros precedentes jurisdicionais no país já tem se pautado pela incidência da tempestividade como fator de interpretação das normas jurídicas. Assim, verbi gratia, tem se manifestado o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo acerca da questão, por um processo menos formalista e mais efetivo:
RECURSO - Apelação - Cadastro que indica o nome e número de registro de advogada que não representa e jamais representou qualquer das partes - Absoluta irregularidade de todas as intimações pertinentes ao recurso especialmente a da data do julgamento e do resultado da apelação - Cerceamento de defesa caracterizado - Nulidade do processamento do recurso - Possibilidade de novo julgamento ante a aplicação dos princípios da instrumentalidade das formas, economia processual e tempo razoável de duração do processo - Decisão proclamada nula e nova decisão proferida - Recursos não providos (Apelação Cível n. 7.050.175-4 - Guaratinquetá - 24ª Câmara de Direito Privado - Relator: Paulo Pastore Filho - 12.06.08 - V.U. - Voto n.2257).
Com igual teor e do mesmo Areópago, de se destacar, de modo não menos importante:
AUDIÊNCIA - Conciliação - Julgamento da lide no estado do processo - Audiência de tentativa de conciliação não designada - Ausência de obrigatoriedade da tal, se a lide é decidida antecipadamente - Intuito de celeridade da prestação jurisdicional que se supre por ato do juiz - Nulidade do processo - Inexistência - Apelação desprovida (Apelação Cível n. 743.720-00/3 - Santos - 25ª Câmara de Direito Privado - Relator: Sebastião Flávio - 21.11.05 - V.U. - Voto n.9.593).
E a guisa de mera exemplificação, não menos sintomático o seguinte precedente:
PROVA – Cerceamento de defesa ante o julgamento antecipado da lide – Inocorrência – Execução instruída com cópia do procedimento administrativo – Constatação, por meio de mera leitura das peças, da inteireza da razão da exeqüente ao pleitear o credito a que faz jus diante da infração ambiental perpetrada pela infratora – Procrastinar a outorga da prestação jurisdicional para outro momento seria sacrificar o princípio da celeridade e da economia processual – Reconhecimento – Recurso improvido. (Apelação Cível n. 561.316-5/2 – Tatuí – Câmara Especial do Meio Ambiente – Relator: Renato Nalini – 29.8.2006 – V.U. – Voto n. 12.051).
O propósito sincretista do processo (enquanto exercício linear numa mesma atividade processual de mais de uma forma de tutela) tem despontado de forma manifesta pelo poder legiferante, como se observa, por exemplo, pela inserção de um parágrafo 7º, no artigo 273 do Código de Processo Civil, passando a admitir a propositura de medidas cautelares no bojo da própria ação em que se busca a tutela que seria tida como principal, restringindo, sobremaneira, a condição da ação interesse de agir, pela falta de necessidade, num grande número de demandas, tornando obsoletas ações cautelares incidentais[24] e em grande parte, ações cautelares preparatórias[25] (isso contribui, inclusive, para que se alcance a própria harmonia da jurisdição evitando-se a coexistência de decisões judiciais contraditórias – os próprios artigos 103 a 105 do Código de Processo Civil recomendam a reunião de feitos em situações deste jaez).
Do mesmo modo isso se daria com as introduções trazidas pela Lei nº 11.232/05, que retiraram o status de ação, da execução de título judicial, tornando-a em fase do processo de conhecimento, ou seja, fase de cumprimento de sentença como se tem pela atual redação do artigo 475 e seus inúmeros consectários do Código de Processo Civil.
Parte da doutrina apontava, quando do advento desta lei, como da própria Lei nº 11.382/06, que o sincretismo seria caminho seguro para alcançar esses escopos de efetividade e tempestividade da atividade jurisdicional como um todo, já que seria insuficiente exercer o júris dicere, na fase do processo de conhecimento, sem que se pudesse obter êxito no percebimento integral do direito reconhecimento, o que seria alcançado com a atividade de execução.Assim, verbi gratia, a opinião de autores como Athos Gusmão Carneiro (Nova Execução – Aonde Vamos – Vamos Melhorar. RDCPC 34/19).
Nesse mesmo sentido, a demonstrar que o entendimento não restaria isolado, de se destacar o quanto destacado por Araken de Assis, no que se refere à importância e problemas da execução perante as reformas legislativas, no sentido de que:
À jurisdição como relevante serviço público prestado pelo Estado se reconhecem ordinariamente três funções. A tutela jurídica do Estado visa, sobretudo, a efetiva realização de direitos consagrados no ordenamento jurídico. Para tal arte, cumpre reconhecer o direito e proclamá-lo, porém, tal objetivo talvez demore, motivo porque mudanças na situação de fato impõem tanto a asseguração temporária deste direito, quanto sua provisória satisfação[26].
A preocupação com essa efetividade de um direito material consubstanciado em um título, portanto, parece ter sido a tônica da alteração do modo tradicional de se pensar a execução do título judicial como processo autônomo, independente do processo de conhecimento.
Tal sincretismo, aliás, se revela de todo adequado num universo de grande número de demandas, eis que implica em mecanismo de interpretação a ser empregado para a redução sensível desse número, com racionalização do uso dos serviços forenses[27].
Pelo Projeto sequer haveria um livro sobre processo cautelar, mas apenas se dedica um capítulo, no próprio processo de conhecimento, a respeito de medidas de urgência e de evidência (artigos 286 a 296 do Anteprojeto e 276 a 296 do Projeto de Código de Processo Civil), a confirmar que o escopo que norteia as alterações tem manifesto escopo sincretista.
Isso porque como é cediço a noção em questão (qual seja, a racionalização do tempo no processo) não chega a ser uma novidade total, posto que, como desponta com clareza solar do advento da norma contida no artigo 125, inciso II do Código de Processo Civil, todo Magistrado cível, por exemplo, já estava adstrito ao dever de velar pela rápida solução do litígio (dogma normativo lastreador, por exemplo, dos princípios da celeridade e economia processuais), não parecendo, ademais, em afinamento com tal perspectiva, que o constituinte apenas tenha pretendido repetir o que já estava definido como um dever legal.
Assim, a idéia de constitucionalizar-se uma tempestividade de jurisdição parece visar justamente uma mudança paradigmática na forma de pensar o processo civil como um todo, deixando-se de analisá-lo como um objeto científico, nas demandas judiciais, para, revendo conceitos já previstos, por essa nova perspectiva, se possa alcançar as supramencionadas aspirações de efetividade do processo enquanto instrumento do direito de ação (nos anseios e auspícios de se alcançar o vem sendo entendido como acesso a uma ordem jurídica justa).
Sobre a preocupação com a questão da efetividade do processo de se apontar o quanto ponderado por João Batista Lopes a respeito do tema:
Vale lembrar, como assevera João Batista Lopes: A preocupação com a efetividade do processo é a tônica na doutrina contemporânea, mas o tema não constitui novidade absoluta, como se demonstra com a célere frase de Chiovenda: “il processo deve dare per quanto è possibile praticamente a chi há un diritto tutto quello e próprio quello ch`egli diritto conseguire. O conceito de efetividade é, porém, volátil ou indeterminado. Etimologicamente, efetividade deita raízes no Latim (ex mais facere: efficere), que significa fazer inteiramente, produzir, executar, cumprir[28].
Assim, o Poder Judiciário enquanto guardião constitucional da ordem jurídica e da pacificação dos conflitos de interesse, deverá se aproveitar dessa constitucionalização e iniciar um processo de afirmação de legitimidade junto à opinião pública, o que estará intimamente ligado à sua eficiência na missão primordial de dizer o direito (o juris dicere) e impor decisões (adotando-se a concepção da jurisdição enquanto poder), malgrado, sob um prisma de fundamentação política da existência de um Poder Judiciário, se possa, também aduzir, que sua função estaria relacionada à pacificação imparcial de conflitos (como é sabido, eis que mencionado com certa freqüência pela doutrina processualista[29], e mesmo constitucionalista[30], a jurisdição é fenômeno poliédrico que pode ser analisado sob o prisma do poder, da sua função e da sua atividade) e à garantia das liberdades públicas (função geralmente destinada aos órgãos de cúpula ou Cortes Constitucionais), conferindo eficácia às garantias constitucionais, base do Estado Democrático de Direito, que, como sabido, pressupõe magistrados independentes.
Tal papel, ademais, é ressaltado por Alexandre de Moraes, que, mais uma vez, com proficiência, preleciona:
Não se consegue conceituar um verdadeiro Estado democrático de direito sem a existência de um Poder Judiciário autônomo e independente para que exerça sua função de guardião das leis, pois, como afirmou Zaffaroni, “a chave do poder do judiciário se acha no conceito de independência”... Bandrés afirma que a independência judicial constitui um direito fundamental dos cidadãos, inclusive o direito à tutela judicial e o direito ao processo e julgamento por um Tribunal independente e parcial. Assim, é preciso um órgão independente e imparcial para velar pela observância da constituição e garantidor da ordem na estrutura governamental, mantendo nos seus papéis tanto o Poder Federal como as autoridades dos Estados Federados, além de consagrar a regra de que a constituição limita os poderes dos órgãos da soberania.[31]
Ainda sobre a questão da morosidade, de se destacar que tal questão não é nova, mas está intimamente ligada a duas outras questões fundamentais, quais sejam: a) uma de ordem administrativa, relacionada com problemas estruturais administrativos (número insuficiente de juízes, falta de funcionários, de equipamentos, de investimentos em tecnologia de ponta, sobretudo na área da informática, dentre outros fatores desta mesma ordem) e b) dificuldades técnico-processuais, geradas por uma legislação muitas vezes arcaica e com falhas, inapta à solução dos problemas atuais (muitas vezes são verificados prazos muito extensos, que não mais se justificariam no mundo contemporâneo, número muito grande de recursos, muitos dos quais desnecessários, como os embargos infringentes, como o reexame necessário – problemas que o Projeto de Código de Processo Civil se propõe a resolver com a extinção do primeiro recurso e a restrição das hipóteses de cabimento de tal reexame).
Precisar com exatidão os fatores que acarretam a morosidade processual é tarefa impossível devido à complexidade dos obstáculos à celeridade da prestação jurisdicional.
Não obstante isso, José Rogério Cruz e Tucci, ao tratar do conjunto de fatores que circundam a intempestividade da tutela jurisdicional, preconiza a subdivisão daqueles em três espécies, quais sejam, fatores institucionais, fatores de ordem técnica e subjetiva, e, por último, fatores derivados de insuficiência material.[32]
Pelo óbvio que a inserção da questão da tempestividade no ordenamento jurídico (seja no Pacto de San José, seja no artigo 5º, LXXVIII CF e agora seja no artigo 4º do Projeto CPC) não permite a rápida solução de fatores de ordem administrativa, mas permite que se ataque o problema das estruturas jurídicas, buscando-se construções jurídicas que afastem mecanismos práticos perniciosos e morosos, mormente práticas recursais.
Como visto sequer haveria necessidade de se aguardar a promulgação de lege ferenda, eis que a interpretação constitucional já bastaria para os mesmos objetivos práticos buscados pelo artigo 4º do Projeto CPC, o que, ademais, já poderia ser embasado em escopos de economia e celeridade processuais do artigo 125 e consectários do Código de Processo Civil vigente.
A sociedade busca avidamente a plena efetividade dos direitos materiais consagrados no ordenamento jurídico, cabendo a magistrados de todo o país, com criatividade e coragem, a plena implementação dessa garantia constitucional para a consecução deste desiderato.
A idéia central da inserção do princípio ao texto constitucional parece se apegar à advertência lançada desde há muito, na obra de Piero Calamandrei, a qual, pela conveniência, peço vênia para destacar, eis que se revela muito atual:
“Acontece frequentemente com o bibliófilo, que se diverte folheando religiosamente as páginas amareladas de algum precioso incunábulo, encontrar entre uma página e outra, grudados e quase absorvidos pelo papel, os restos agora transparentes de uma mariposa incauta, que há alguns séculos, buscando o sol, pousou viva naquele livro aberto, e quando o leitor subitamente o fechou ali ficou esmagada e ressecada para sempre. Essa imagem me vem à mente quando folheio as peças de algum velho processo, civil ou penal, que dura dezenas de anos. Os juízes que mantém com indiferença aqueles autos à espera em sua mesa parecem não se lembrar de que entre aquelas páginas se encontram, esmagados e ressecados, os restos de tantos pobres insetinhos humanos, que ficaram presos no pesado livro da Justiça”.[33]

Júlio César Ballerini Silva
é magistrado e professor de pós-graduação da Unisal e Unifeob.
Mestre em Direito Processual Civil.


Referências bibliográficas
   
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[1] TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 67.
[2] LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos. São Paulo: Companhia das Letras, 1.991.
[3]FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito. São Paulo: Atlas, 1.988.
[4] ROBERTS, J. M. O livro de Ouro da História do Mundo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2.001, p. 100.
[5] GIlLISEN, John. Introdução Histórica ao Direito. Lisboa: Calouste Gubenkian, 1.987, p.67.
[6] FERRAZ JR. Tércio Sampaio. op. cit.
[7] MONTESQUIEU. As causas da grandeza dos romanos e de sua decadência. São Paulo: Ed. Saraiva. 1996.
[8] MESQUITA, José Ignácio Botelho de. A crise do Judiciário e o processo. Revista da Escola Paulista da Magistratura. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, nº 1, Volume 2: 85-92, 2001.
[9] GOMES, Orlando. Raízes Históricas e Sociológicas do Código Civil, Publicações da Universidade da Bahia: 1.958, p. 7-15.
[10] MORAES, Antônio Ermírio. A globalização e a Justiça. www. Antonioermirio.com.br/artigos/ justiça / 99fol336.htm. Acesso em: 17/05/2.003.
[11] PEDROSO, Osmar. Participação no XVI Congresso de Gramado. www.trt10.gov.br/escolajudicial/ biej4 99htm. Acesso em: 17/05/2.003.
[12] DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 6 ed., São Paulo: Malheiros. 2000, p.24.
[13] DINAMARCO, Cândido Rangel. op. cit., p.25.
[14] MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas do Processo Civil. 4. ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 28.
[15] MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas do Processo Civil. 4. ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 66.
[16] LOPES, João Batista. Tutela Antecipada no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, Brasil, 2.003, p. 33.
[17] WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. 2 ed., Campinas: Bookseller, 2000. p.19.
[18] MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas do Processo Civil. 4. ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p.251.
[19] NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 2 ed, São Paulo : Revista dos Tribunais, 1995., p.27.
[20] Com bastante propriedade Alessandra Spalding, co-autora de obra a respeito da. reforma do Poder Judiciário, somando todos os prazos processuais aplicáveis às partes, ao Juiz e aos serventuários da Justiça, chegou a um número de 131 dias como número ideal de dias em que um feito deva ser extinto no procedimento comum ordinário..
[21] LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos. São Paulo: Companhia das Letras, 1.989, p. 39.
[22] N.A.: Pelo óbvio que o princípio do tempo razoável não é absoluto e, em havendo sua colidência, daí falar-se em mecanismos de antinomia, com outros princípios constitucionais assegurados no ordenamento jurídico pátrio, poderá ocorrer ampliações constitucionais de prazos processuais, pela aplicação, nesses casos, dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
[23] N.A.: Como sabido, os atos decisórios, ou, tecnicamente, os provimentos, são desafiados pelos recursos, mas, em casos como este, em que o fundamento do descumprimento da Constituição não se funda em um provimento, pelo princípio da taxatividade recursal, não seria viável a interposição de recurso, advindo daí, a potencialidade de utilização de mandado de segurança, como via de busca da efetividade de tal princípio constitucional.
[24] Tal situação, além de colaborar para impedir o uso desnecessário da máquina judiciária estatal (reduz-se, praticamente pela metade o volume de serviços, eis que ocorrerá uma única autuação, uma única conclusão, uma única citação e assim por diante), em respeito, portanto, à própria racionalização do uso do serviço público de forma moral e legítima (invoca-se o disposto na norma contida no artigo 37, caput, da Constituição Federal), colabora, por exemplo, para a consecução de outros cânones de natureza constitucional, como, por exemplo, por via transversa, com alguns impactos ambientais, eis que reduz o número de folhas de papel e outros recursos não renováveis, como tinta e energia elétrica, diga-se en passant, etc.....
[25] N.A.: Pelo óbvio que ainda remanescerão algumas situações em que será viável o manejo de uma ação cautelar autônoma, eis que necessária, como se dá em relação às situações das chamadas ações cautelares satisfativas, ou, por exemplo, quando houver incompatibilidade de ritos a inviabilizar a cumulação, ex vi do advento da norma contida no artigo 292 e seus consectários do Código de Processo Civil.
[26] ASSIS, Araken. Cumprimento de sentença, Rio de Janeiro: Forense, Brasil, 2.006, p. 14.
[27] Ao invés de se autuar duas demandas, uma cautelar e outra principal, com duas autuações e dois despachos, duas citações etc., seria de se concluir pela desnecessidade de tal expediente, diante da clareza solar da orientação do artigo 273, par. 7º, CPC, com desnecessidade de propor-se ações cautelares indevidamente, neste contexto, com o que se terá a prática de um número reduzido de atos, o mesmo se dando em relação à execução, em que se poderá intimar eletronicamente[27] o advogado, sem a necessidade de confecção de mandado de citação ou de utilização de Oficial de Justiça para tal mister, liberando os serventuários e juízes para a análise de outros feitos – ou, ainda, através de se instar o Ministério Público e outros entes legitimados, para a propositura de ações coletivas – as class action, correntes no direito anglo-saxâo, no sistema jurídico da Common Law), em situação, ademais, que obedece aos próprios princípios da legalidade e da moralidade dos atos do Poder Público lato sensu (e, aí, obviamente se pode inserir o Poder Judiciário), como decorre da redação da norma contida no artigo 37, caput, da Constituição Federal, o que, obviamente, deve ser sopesado em conjunto com a nova garantia da tempestividade da jurisdição, mencionada linhas atrás (ou seja, o aludido tempo razoável de duração do processo, estabelecido pela norma contida no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal.
[28]SILVA, Júlio César Ballerini. APUD LOPES, João Batista. Direito à Saúde, Leme : Habermann, Brasil, 2.009, p. 372/373.
[29] CINTRA, Antonio Carlos, DINAMARCO, Cândido Rangel e GRINOVER, Ada Pelegrini. Teoria Geral do Processo. 16 ed., São Paulo: Malheiros. 1999. p. 32.
[30] MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, Brasil, 2000, p. 430-431.
[31] MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas S/A, Brasil, 2000, p. 431.
[32]  TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 99.
[33] CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por um advogado, São Paulo: Martins Fontes, Brasil, 1.988 p. 270/271.


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