“Reflexões acerca do alcance do tempo razoável de
duração do processo – Alguns aspectos práticos da questão no Projeto do Código
de Processo Civil
JÚLIO CÉSAR BALLERINI SILVA - Juiz de Direito
O mundo jurídico tem observado a discussão de um Projeto de Código de Processo Civil que não esconde a sua nítida opção pela efetividade dos direitos materiais previstos no ordenamento, o que faz com que a questão da tempestividade da jurisdição se torne extremamente atual para os operadores do direito.
E preocupação com os fatores atinentes à questão da
morosidade da justiça, como assevera José Rogério Cruz e Tucci, é discutida
internacionalmente, desde há muito como
se pode depreender do artigo 6º, 1, da Convenção Européia para Salvaguarda dos
Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, subscrita no dia 4 de Novembro
de 1950, em Roma, que consigna, de modo expresso:
Art. 6º, 1. Toda pessoa tem direito a que sua
causa seja examinada eqüitativa e publicamente num prazo razoável, por um
tribunal independente e imparcial instituído por lei, que decidirá sobre seus
direitos e obrigações civis ou sobre o fundamento de qualquer acusação em
matéria penal contra ela dirigida. [1]
No entanto não parece que se deva, apenas e tão
somente repetir expressões vazias, eis que o texto (seja o adotado na Convenção
Européia, seja o adotado na Constituição Federal)
alude a uma razoabilidade não determinada o que faz com que o intérprete da
norma deva se valer de recursos interdisciplinares para a solução da questão
posta em exame.
Como se tem tido a oportunidade de apontar em
outros artigos, não é desconhecido dos operadores do direito, o fenômeno do
esgotamento paradigmático do pensamento jurídico fundado a partir da premissa
de um direito natural (concepção tomista que foi empregada por séculos pelos
juristas como modo de pensar dogmaticamente o direito – o chamado paradigma do
direito natural) que encontra inúmeras dificuldades de resolver os problemas
decorrentes da complexidade das relações intersubjetivas, ainda mais em um
mundo que prima pela celeridade decorrente de avanços tecnológicos, não podendo
o ordenamento jurídico permanecer alheio a essa realidade, ainda mais sob uma
perspectiva de que o direito seria uma técnica de controle social.
Tanto assim que autores como Celso Lafer propugnam
para a solução do hiato apontado, a adoção de um novo modelo paradigmático[2]
(o referido autor propõe chamá-lo de paradigma da filosofia do direito, para
permitir um “pensar” menos dogmático, mais aberto ao “perquerir”, tomando,
aliás, o dogma não como um fim em si mesmo, mas, ao contrário, como um ponto de
partida, como, ademais, vinha sendo sugerido por Tércio Sampaio Ferraz Jr.,[3]
permitindo-se a interpretação que autorize abranger fatores
interdisciplinares).
E isso se torna relevante na medida em que,
igualmente, se tem por inegável que o Direito seja um fenômeno histórico,
revestido de temporalidade e que, nos primórdios da civilização já tinha seu
conteúdo intimamente ligado aos desígnios dos detentores do poder (verbi
gratia, no Egito Antigo, no período
conhecido por Antigo Império, ou seja, entre 2.664 a C e 2.155 a C, cunhou-se a
expressão segundo a qual “o justo é o que o faraó ama, e o mal é aquilo que o
faraó odeia”[4],
não obstante a ponderação de que o justo e ético, para esse povo se confundia
com a emblemática noção de maat[5]),
reforçando-se o entendimento segundo o qual o direito implica, como apontado
acima, numa evidente técnica de controle social (caráter igualmente destacado
pelo já mencionado Tércio Sampaio)[6].
Tal concepção não passou despercebida no ciclo
histórico, eis que, como apontado por Montesquieu[7],
os romanos já tinham essa idéia, qual seja a de que o maior poder dentro de um
Estado seria o de dizer o que é certo ou o que é errado, nada mais, portanto,
do que o exercício do júris dicere, ou poder de dizer o direito, sendo
essa, no entanto, uma atividade politicamente desgastante (como sabido, quem
perde a demanda normalmente tem uma sensação negativa em relação a isso,
sentindo-se desconfortável em relação a quem proferiu a decisão, para dizer o
mínimo), vindo daí, a idéia de se atribuir a um burocrata (enquanto técnico
especializado) o peso de suportar este desgaste, o que não deixa de evidenciar
esse aspecto do exercício do direito enquanto técnica de controle social (por
qual outra razão imperadores abririam mão do poder de dizer o certo e o errado,
senão para se verem livres de tal desgaste ?).
E esse abrir mão, obviamente, pode se tornar
simbólico na medida em que o imperador poderia nomear para a função quem
dissesse o certo e o errado de acordo com as suas convicções, vindo daí a
tradição histórica de nomeação de magistrados que nosso direito constitucional
contempla até nossos dias, ao menos para os órgãos de cúpula do Poder
Judiciário.
Essas concepções ligando o Direito ao poder se
tornam uma questão de grande relevo posto que, em um mundo globalizado, em que
o poder econômico se concentra pólos globalizantes opostos aos dos
globalizados, se pode passar a questionar se fatores intimamente ligados ao
poder não estão colocando em xeque a interpretação que se possa fazer do
ordenamento jurídico como um todo.
Tal discussão se torna muito evidente e atual, num
mundo em que as informações e a tecnologia são difundidas de forma muito
rápida, por veículos como a internet e a própria mídia de um modo geral,
observando-se uma crise de efetividade, outro fator de complexidade a ser sopesado
(e, lamentavelmente, não se tem observado a preocupação das Faculdades de
Direito em enfocar tais situações) em primeiro lugar, do ordenamento jurídico
enquanto tal (como se pode entendê-lo como forma de controle social eis que o
mesmo para ser alterado exige uma série de atos e formas dos poderes
normativos, que demandam um tempo totalmente incompatível com as mudanças
sociais, e, sobretudo, econômicas?), o que vem acompanhado da crise
instrumental (se o ordenamento estabelece direitos, em caso de violações a
esses direitos tem-se o direito de ação para o devido restabelecimento da
situação, o qual, como é cediço, repousa num instrumental processual para que
possa ser exercitado), o que nos conduz a um terceiro evento, qual seja, o da
crise do Poder Judiciário (ente institucional que tem por função precípua o
exercício da jurisdição, ou jurisdicere, poder de “dizer o direito”, de
forma imparcial).
E não se esqueça a lição de José Ignácio Botelho de
Mesquita no sentido de que, analisando-se o radical grego da palavra crise (Krisis),
de se concluir no sentido de que, malgrado originariamente ligada à noção de
juízo, ou decisão, no vernáculo o vocábulo alcançou a extensão de “conjuntura
cheia de incertezas, de aflições ou de perigos”[8].
E, ainda mais, não se pode deixar a margem,
aspectos evidenciadores de tal influência globalizante em países como o Brasil,
que tinham uma identidade jurídica que nitidamente o ligava ao ramo do sistema
jurídico romano canônico (ou da Civil Law), com marcante influência de
ordenamentos jurídicos latinos (Direito Romano, nas vertentes e derivações do jus
quiritum e do jus gentium, restaurado por glosadores medievais como
Bártolo e Baldo, bem como o direito português, a partir de fontes como o
Breviário de Alarico e as Ordenações do Reino de Portugal, e o direito francês,
não sendo desconhecidas as influências do Código Napoleônico de 1.804, sobre o
direito das obrigações que esteve em vigência por muitos anos no direito
brasileiro[9])
e que, agora, passam a sofrer nítida influência do sistema jurídico hegemônico
e globalizante, que seria o sistema do direito anglo-saxão (ou seja, o vigente
a base do direito norte-americano), que seria o direito do sistema jurídico da Common
Law.
E isso se torna cada vez mais patente, na medida em
que se observa a ingerência de tratados como o Documento Técnico nº 319 firmado
entre o Banco Mundial e os países da América Latina e do Caribe, a partir do
trabalho desenvolvido por Maria Dakollias, que, no ano de 1.996 foi ratificado
pelo Brasil, instituindo o compromisso de agilização jurisdicional com
instrumentos como o da arbitragem, não tradicional na nossa história jurídica,
mas curial no sistema da Common Law, possibilitando sua imposição por
agentes estrangeiros que negociassem no Brasil, ou a grande influência de
institutos comuns no direito anglo-saxônico, no sistema jurídico pátrio, como
se observa, por exemplo, com institutos como o leasing, o franchising,
a contempt of court, o leading case, etc...., cada vez mais
freqüente no ordenamento jurídico pátrio.
Não se pretende negar que o Poder Judiciário, ao
menos nos Estados que adotam o sistema da tripartição, como é o caso
brasileiro, seja um dos Poderes Constitucionais, o que o torna um participante
de um jogo político e institucional, e, em face destes fatores, passe a ser
alvo de questionamentos de natureza política, por certos segmentos sociais, o
que é, aliás, natural num Estado Democrático de Direito, não podendo os
julgadores permanecerem alheios a essas situações e complexidades do mundo
atual.
Tal questão, no entanto, é puramente ideológica,
tendo sido apoiada por setores do empresariado nacional, como verbi gratia, Antônio
Ermírio de Moraes[10],
sendo, de um modo geral, repudiada por segmentos do Poder Judiciário, como destacado
pelo Magistrado Osmar Pedroso, do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região
Federal.[11]
E esse fenômeno não tem sido despercebido, eis que
autores como Fábio Ulhôa Coelho, em seu conhecido Manual de Direito Comercial,
Ed. Saraiva, apontam a situação de um processo de unificação do direito
mundial, em torno de diretrizes comuns, para facilitar o fomento comercial
propiciado, justamente, pela globalização econômica e formação de Mercados
Comuns, o que faz com o que o Poder Judiciário tenha que estar cada vez mais
preparado para enfrentar questões novas, de forma cada vez mais rápida e
célere.
Tudo isso sem que se mencione que, de forma cada
vez mais freqüente, passamos a ser influenciados por um case system, ou
o stare decisis, do direito anglo-saxônico, eis que costumeiramente nos
deparamos com um sistema de precedentes jurisdicionais, ditado, às mais das
vezes, por uma jurisprudência dinâmica como a do E. Superior Tribunal de
Justiça, por suas súmulas, ou com o mecanismo da súmula vinculante do Supremo
Tribunal Federal e, agora, com o sistema de julgamento de recursos repetitivos
que veio para ficar como se observa por seu aprimoramento no Projeto de Código
de Processo Civil.
Tais situações implicam em dizer que o ordenamento
jurídico não mais pode ser visto, como o era, há vinte ou trinta anos atrás,
com a necessidade, cada vez mais premente de se alcançar prelados de
efetividade num mundo globalizado, vindo daí, com todas as nuances e variantes
desta situação, a necessidade de se perceber a amplitude do tempo razoável de
duração do processo, com a necessidade de uma mudança de posturas na forma como
o processo, enquanto instrumento, deva ser visto pelos operadores do direito.
Como é de conhecimento geral, a partir da
divulgação pelos meios de comunicação de massa de notícias a respeito de alguma
alteração normativa, um grande contingente de ações similares (tem sido cada
vez mais freqüentes ações aos milhares unidas por relações jurídicas base) tem
sido suscitado perante Fóruns de todo o país (veja-se, por exemplo, a questão
da cobrança de diferenças de índices de correção de cadernetas de poupança em
Planos Econômicos, as ações versando sobre cobrança de assinaturas de
telefonia, etc...), fazendo com que o exame de algumas questões comuns passe a
ser de grande relevância prática e acadêmica, situação que, para que não leve
ao esgotamento massivo do sistema judiciário, deve ser enfrentada com
racionalidade e maximização.
A questão passa, obviamente, pelo exame da
necessidade de se conferir, não só uma eficácia formal aos atos processuais,
mas, em verdade, o que se passa a buscar é algo mais amplo, ou seja, uma
efetividade de tais atos processuais – o processo não é pode mais ser visto
como um fim em si mesmo, devendo-se buscar a sua utilização como instrumento de
consecução de algo maior, qual seja, o direito de ação, liberdade pública ou fundamental
right, previsto na norma contida no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição
Federal, e, ainda mais importante, se conferir efetividade aos direitos
materiais previstos pelo ordenamento jurídico pátrio e instrumentalizados por
este direito de ação.
Ora, de nada adianta que o texto legal permita ou
coíba tal ou qual conduta no âmbito do direito material se a sociedade não
puder ser pacificada pela jurisdição, principal forma de heterocomposição do
sistema jurídico pátrio.
Assim, processo e constituição devem estar
intimamente ligados para a consecução de fins comuns no que tange a uma
pacificação efetiva da sociedade.No mesmo sentido, de se destacar que Cândido
Rangel Dinamarco, ao discorrer a respeito do tema em questão:
A idéia-síntese que está à base dessa moderna visão
metodológica consiste na preocupação pelos valores consagrados
constitucionalmente, especialmente a liberdade e a igualdade, que afinal são
manifestações de algo dotado de maior espectro e significação transcendente: o
valor justiça. O conceito significado e dimensões desses e de outros valores
fundamentais são, em última análise, aqueles que resultam da ordem
constitucional e da maneira como a sociedade contemporânea ao texto supremo
interpreta as suas palavras – sendo natural, portanto,
a intensa infiltração dessa carga axiológica no sistema do processo (o
que, como foi dito, é justificado pela instrumentalidade).[12]
Prossegue o mesmo autor no sentido de que a tutela
constitucional do processo tem a finalidade de resguardar os institutos do
direito processual com base em princípios suscitados pela ordem constitucional,
o que, obviamente, será raciocínio aplicável ao princípio da tempestividade da
jurisdição. Neste sentido, inclusive, destaca o trecho que se pede vênia para
transcrever:
O processualista moderno adquiriu a consciência de que, como instrumento a serviço da ordem constitucional, o processo precisa refletir as bases do regime democrático, nela proclamados; ele é, por assim dizer, o microcosmos democrático do Estado-de-Direito, com as conotações de liberdade, igualdade e participação (contraditório), em clima de legalidade e responsabilidade.[13]
Tudo isso, para bom entendedor pode se relacionar com a questão da busca pelo acesso à ordem jurídica justa, que, dentre outras coisas, propugna o acesso à ordem jurídica, acesso esse que deve ser garantido de modo célere e eficaz.Nesse sentido, pertinente o asseverado por Luiz Guilherme Marinoni:
O processualista moderno adquiriu a consciência de que, como instrumento a serviço da ordem constitucional, o processo precisa refletir as bases do regime democrático, nela proclamados; ele é, por assim dizer, o microcosmos democrático do Estado-de-Direito, com as conotações de liberdade, igualdade e participação (contraditório), em clima de legalidade e responsabilidade.[13]
Tudo isso, para bom entendedor pode se relacionar com a questão da busca pelo acesso à ordem jurídica justa, que, dentre outras coisas, propugna o acesso à ordem jurídica, acesso esse que deve ser garantido de modo célere e eficaz.Nesse sentido, pertinente o asseverado por Luiz Guilherme Marinoni:
Acesso à justiça quer dizer acesso a um processo
justo, à garantia de acesso a uma justiça imparcial, que não só possibilite a
participação efetiva e adequada das partes no processo jurisdicional, mas que
também permita a efetividade da tutela dos direitos, consideradas as diferentes
posições sociais e as específicas situações de direito substancial. Acesso à
justiça significa, ainda, acesso à informação e à orientação jurídicas e a
todos os meios alternativos de composição de conflitos. O acesso à ordem
jurídica justa é, antes de tudo, uma questão de cidadania”.[14]
E a morosidade da prestação jurisdicional afeta tal
questão, posto que, se a apreciação, pelo Poder Judiciário, do direito ameaçado
ou lesado for morosa, logicamente, poderá vir a se tornar não efetiva e
imprestável a tutela pretendida ao próprio jurisdicionado, o que se revela como
deletério à própria imagem do Poder Judiciário.
Em um país como o Brasil, onde a maioria da
população enquadra-se nas camadas de baixa renda, para a parcela da população
menos favorecida economicamente outro obstáculo intransponível diz respeito à
questão da educação do jurisdicionado.
E, como é sabido, as normas jurídicas, às mais das
vezes promulgadas por influência de uma minoria economicamente estruturada, não
traduzem as necessidades da população pobre, afastando-se da própria realidade
social que deveriam normatizar, de forma abstrata e impessoal.
Assim, ao vislumbrar-se o problema cultural que
agrava a crise de acesso ao Poder Judiciário (bem como a própria crise do
processo), é comum observar, também, nessas camadas de baixa renda, a descrença
em relação ao aludido Poder (fenômeno da visão externa do ordenamento
jurídico).
Desse modo, grande parte dos institutos do
ordenamento jurídico pátrio são ignorados ou desacreditados pelos próprios
jurisdicionados, que não compreendem, e, por vezes, temem utilizar dos meios
oferecidos para a tutela de direitos.[15]
Sob tal prisma, é evidente que a democracia
participativa, no âmbito jurídico verdadeiramente resta prejudicada, urgindo,
assim, a necessidade de instrução e divulgação da informação jurídica, na busca
do resgate da própria efetividade do Poder Judiciário e do processo enquanto
instituto, tarefa, em muito dificultada, se os poucos que se utilizarem do
sistema nele não acreditarem porque demoraram a obter resposta às suas
pretensões, o que parece óbvio.
A efetividade, portanto, como se pode observar, é
fenômeno poliédrico, envolvendo inúmeras vertentes do aspecto instrumental do
processo, e não só a questão da morosidade, como se poderia querer crer num
momento inicial.
Sobre tais ponderações, novamente, de se pedir
vênia para destacar a opinião de João Batista Lopes, para quem:
Por sua vez, Barbosa Moreira resume, em cinco
pontos, a problemática essencial da efetividade: “.... o processo deve dispor
de instrumentos de tutela adequados, na medida do possível, a todos os direitos
(e outras disposições jurídicas de vantagem) contemplados no ordenamento, que
resultam de expressa previsão normativa, que se possam inferir no sistema; b)
esses instrumentos devem ser praticamente utilizáveis, ao menos em princípio,
sejam quais forem os supostos titulares dos direitos (e das outras posições
jurídicas de vantagem) de cuja preservação ou reintegração se cogita, inclusive
quando indeterminado ou indeterminável o círculo de eventuais sujeitos; c)
impende assegurar condições propícias à exata e completa reconstituição dos
fatos relevantes, a fim de que o convencimento do julgador corresponda, tanto
quanto puder, à realidade; d) em toda a extensão da possibilidade prática, o
resultado do processo há que ser tal que assegure à parte vitoriosa o gozo
pleno da específica utilidade a que faz jus segundo o ordenamento; e) cumpre
que se possa atingir semelhante resultado com o mínimo dispêndio de tempo e
energias. Como se vê, o termo efetividade tem maior elastério do que geralmente
se supõe.[16]
No mesmo sentido, segundo a concepção de Kazuo
Watanabe "uma das vertentes mais significativas das preocupações dos
processualistas contemporâneos é a da efetividade do processo como instrumento
da tutela de direitos".[17]
E o processo, como conjunto de atos concatenados e convergentes
para a consecução dos escopos da jurisdição estatal, certamente,
correlaciona-se com um fator cronológico, considerando que cada ato do
procedimento tem um prazo que deve ser realizado no momento adequado.[18]
Como se sabe, para o desenvolvimento do processo é
necessário que se percorra um determinado procedimento, que possui duração
própria e que se desenvolve por múltiplas fases.
Destarte, a atividade jurisdicional, para que se
preservem, entre outros, os ideais de segurança jurídica e justiça das
decisões, não pode findar-se imediatamente.
É, pois, necessário que se percorra um rigoroso
caminho, no qual ocorra a prática de todos os atos peculiares, bem como se
preservem todas as garantias processuais destinadas às partes.
Em verdade não se pode conceber o postulado do
devido processo legal separadamente dos demais princípios básicos do processo
civil, tais como o corolário da ampla defesa ou do duplo grau de jurisdição.
Logo, as garantias da ampla instrução probatória ou da recorribilidade das
decisões não podem ser obstadas pelo ideal de celeridade do processo.[19]
Aliás, segurança e rapidez, considerando-se a
complexidade do processo, são postulados antagônicos se não vislumbrados com
observância de limites de razoabilidade e proporcionalidade (fatores a serem
sopesados na análise do novo instituto referente ao tempo razoável de duração
de um processo, do qual se cuidou em capítulo anterior do presente trabalho,
quando em comentário a respeito de seu alcance dentro da nova sistemática
estabelecida pelo advento da Emenda Constitucional nº 45/04).
Sob tal prisma, o que deve nortear o pensamento do
processualista contemporâneo é a busca pela harmonização entre a segurança
jurídica (resguardando-se as garantias processuais e justiça das decisões) e a
celeridade do processo, no sentido de proteger o jurisdicionado dos institutos
processuais obsoletos e das dilações temporais indevidas.
De tal modo, o que se deve ter em vista é o
equilíbrio do binômio segurança-celeridade, garantindo-se um tempo razoável
para a tramitação do processo, concomitantemente à prestação de uma tutela
jurisdicional justa, na qual a decisão final não se procrastine além do
necessário.
Como já salientado anteriormente, o ideal da
tempestividade está inserido num contexto mais amplo, que é o da efetividade do
processo. Assim, para que a tutela jurisdicional seja eficiente e útil aos
jurisdicionados, a celeridade de sua prestação é fator imprescindível.
Ou seja, parte-se da constatação segundo a qual não
basta que os atos de impulso oficial direcionem adequadamente (e de forma
indefinida) um processo como fim em si mesmo, posto que isso poderia implicar
numa forma jurisdicional de se negar a jurisdição (deve-se combater o assim
denominado despacho protocolar ou burocrático que, muitas vezes, nada resolve
em relação a quaisquer questões processuais).
Ao contrário, a partir do advento da Emenda
Constitucional nº 45/04, que instituiu a chamada “Reforma do Poder Judiciário”,
passou-se a admitir o status constitucional de princípios que já
existiam na legislação ordinária, realçando a importância de se buscar conferir
a almejada efetividade aos atos processuais, sempre sob prisma do que se tem
convencionado chamar acesso a uma ordem jurídica justa.
Melhor dizendo, insta ponderar no sentido de que
tal Emenda passou a prever a necessidade de um tempo razoável de duração de um
processo, como se observa pela atual redação da norma prevista no artigo 5º,
inciso LXXVIII, da Constituição Federal, o que vem sendo, de um modo mais ou
menos uniforme, chamado pela doutrina como princípio da tempestividade da
jurisdição, o qual, em última análise, pareceria uma certa constitucionalização
de princípios processuais já estabelecidos na legislação ordinária (como, verbi
gratia, as normas contidas nos artigos 125, inciso II do Código de Processo
Civil e 2º da Lei nº 9.099/95 – ambas trazendo como princípios processuais,
deveres de rápida solução de um litígio, celeridade e economia processuais,
dentre outros que visam atingir tais escopos, tal como se dá com a simplicidade
de formas, etc.).
Assim, parece não haver qualquer dúvida razoável a
respeito da intenção do legislador pátrio (a mens legis, ou, como
queiram, a mens legislationes, a que alude a norma contida no artigo 5º
da Lei de Introdução ao Código Civil) ao estabelecer a norma constitucional em
comento, podendo-se, no entanto, a partir disso, extrair-se algumas conclusões,
mais pragmáticas.
Acresça-se a tudo isso, ainda a evidenciar a
atualidade da discussão que existe projeto de lei, em trâmite pelo Congresso
Nacional, visando a promulgação de um novo Código de Processo Civil, no qual a
questão em comento também restará revisitada, não se podendo esquecer de que o
projeto se revela bastante preocupado com a questão da constitucionalização do
que até então seria conhecido como relação jurídica processual (não se
desconhecendo os estudos e propostas de Élio Fazzalari com a proposta de um
verdadeiro módulo processual voltado ao cumprimento do contraditório), tal como
se pode observar pelos doze primeiros artigos do referido projeto.
Aliás, não poderia deixar de ser notado que a tendência
legislativa seja de uma desburocratização necessária visando alcançar escopos
de tempestividade, nos termos do artigo 4º do Projeto (o conhecido tempo
razoável do processo, previsto pelo advento da Emenda Constitucional nº 45/04
que conferiu redação ao artigo 5º, LXXVIII da Constituição e já aludido no
artigo 8º do Pacto de San José da Costa Rica), e, por conseqüência, de
efetividade da prestação jurisdicional.
E se já havia previsão no artigo 8º do Pacto de San
José, pelo óbvio, tal matéria já gozava de status de norma
constitucional por força do advento da norma contida no artigo 5º, parágrafo 2º
do próprio texto constitucional.
Na verdade parece que o legislador está mais
preocupado em coibir a perda indevida de tempo processual do que em fixar um
número cabalístico de dias em que um processo poderia vir a acabar no juízo
cível, o que, como sabido, acabaria por implicar em gerar um número mais
simbólico do que efetivo, ante a vastidão de fatores envolvidos (cartas
precatórias, rogatórias, citações por hora certa, edital, etc.), ainda mais
porque todo o exercício do contraditório e da ampla defesa devem ser igualmente
observados, como também o próprio advento do devido processo legal (artigo 5º,
incisos LIV e LV da Constituição Federal).[20]
Ou seja, nessas condições prazos e atos previamente
estabelecidos devem ser observados como regra, mas, doravante, sempre sob o
crivo de uma análise substancial, com grande relevância da instrumentalidade
das formas, somente se reconhecendo nulidades ou perda de atos quando fundadas
e sólidas razões demonstrarem efetivos prejuízos que puderem ser sentidos no
âmbito do módulo processual aduzido linhas acima (a orientação trazida pelo
artigo 244 do Código de Processo Civil deve ser estimulada no que concerne ao
alcance das questões de fundo em matérias de nulidades processuais, sob tal
perspectiva – se não houver vulneração de garantia substancial do processo que
ocasione prejuízo efetivo, atos processuais devem ser preservados em nome da
tempestividade).
Tudo isso sem prejuízo do próprio princípio do
acesso ao Poder Judiciário, previsto pela norma contida no artigo 5º, inciso
XXXV da Constituição Federal que garante a todos o acesso ao Poder Judiciário,
em casos de lesão ou ameaça de lesão a direito.
Em situações como essa, o que se tem é que o
conflito (entre o estrito devido processo legal e a tempestividade) somente
será resolvido pela aplicação do princípio da razoabilidade ou
proporcionalidade, eis que necessário será o sacrifício de um dos dois
princípios pela aplicação da lógica do razoável (enquanto logus del
razonable ou solução que não ofenda o senso comum da visão externa e
interna ao ordenamento jurídico), enquanto critério de consecução da justiça.[21]
Ademais como parece despontar com singular
obviedade franciscana, se uma lei vier a aumentar ou dificultar o trâmite
processual, tornando-o mais longo, sem um fator adequado a justificar tal
medida (por exemplo, criando-se uma antinomia[22]),
a inovação legislativa será reputada como inconstitucional, justamente por
colidir com tal orientação programática.
Do mesmo modo se houver perda injustificável de
prazos, ou demora indevida na realização do impulso oficial ou do
sentenciamento de processos (e observe-se a inserção do adjetivo “injustificável”),
poder-se-á invocar o referido princípio constitucional da tempestividade para
embasar, por exemplo, a impetração de um mandado de segurança contra tais
espécies de atos coatores[23],
sem prejuízo, inclusive, das providências inerentes ao cumprimento das
obrigações de fazer, inclusive, as do artigo 461 e seus consectários do Código
de Processo Civil (até mesmo com imposição de astreintes em face do
Poder Público – o que depois deverá ser resolvido em sede de execução por
regras próprias do artigo 100 e seus consectários da Constituição Federal, se
for o caso).
Não se possa esquecer de que, em ultima ratio, o
fundamento político de existência do Poder Judiciário seja a própria
imparcialidade na solução de conflitos sendo a tempestividade dessa solução um
dos critérios que permitem aferir a própria imparcialidade do julgador, de modo
que demoras injustificáveis podem levar a perquirições nesse sentido (assim, o
retardamento, insista-se, “injustificável”, sendo esta falta de justificativa
devidamente comprovada, poderá implicar até mesmo em situação apta ao
comprometimento da imparcialidade com todas as suas conseqüências, devendo os
julgadores, doravante, ter redobrada atenção para a situação em comento).
Daí inovações como a que se pretende levar a cabo
no Projeto de Código de Processo Civil, em seu artigo 12, estabelecendo-se uma
ordem cronológica de conclusões a ser observada pelo julgador e pela própria
serventia judicial, facilitando a conferência dessas situações, com
atualizações de listas periódicas, com acesso público de tais informações,
prevenindo-se desvios.
Se este dispositivo vier a ser aprovado,
ressalvadas as próprias exceções legais, como os feitos sentenciados em
audiências e os acordos homologados, dentre outras, juízes e Tribunais deverão
obedecer a ordem cronológica de conclusão de feitos para sentenciamento ou
decisão, o que parece atender a prelados de efetividade e tempestividade (com
isso se poderá facilmente verificar se preferências de tramitação com a de
pessoas idosas ou portadoras de doenças graves estão sendo observadas).
De igual modo, em havendo dois entendimentos
possíveis a respeito de uma mesma dúvida sobre algum institutos, e houver um entendimento
mais célere e outro mais moroso (isso sem contraponto com outra garantia
processual constitucional que o justifique), este último estará em flagrante
situação de inconstitucionalidade, se empregado, sob a ótica deste tempo
razoável.
E a interpretação acerca do instituto deve ser
teleológica, ou seja, visar a finalidade de se obter a rápida solução do
litígio, em cumprimento a esse tempo razoável de duração de um processo.
Observe-se, como exemplo disso, a situação da
polêmica exceção de pré-executividade, que pode ser útil para evitar a perda
inútil de trabalho jurisdicional, eis que pode ser apresentada em qualquer
tempo (artigo 301, par. 4º CPC), demonstrando situações de efetiva
inviabilidade de seguimento de processo de execução extrajudicial, o que pode
ocorrer até mesmo antes do momento processual destinado aos embargos de
devedor.
E se atos processuais serão poupados, pelo óbvio
que a tempestividade da jurisdição estará sendo observada.
No entanto, para que não se desvirtue a
natureza do instituto e sua harmonia em relação ao princípio da tempestividade
não se poderá deixar de entendê-lo como instrumento apto a gerar preclusões
consumativas, impedindo a utilização de outras defesas congêneres (pela lógica,
se a parte o opõe por intermédio de advogado deve entender as conseqüências de
seus atos), sob pena de inconstitucionalidade.
Nesse sentido, ademais, parece estar sendo a
orientação dos Tribunais pátrios, como se poderia observar através do seguinte
Julgado que se pede vênia para apresentar:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL.
PRESCRIÇÃO. MATÉRIA LEVANTADA E DECIDIDA EM EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE, QUE
NÃO SOFRE RECURSO. VEDAÇÃO DE REANÁLISE EM EMBARGOS DO DEVEDOR. PRECLUSÃO. 1. Alegação de prescrição, já
apreciada em exceção de pré-executividade, da qual não se interpõe recurso, não
pode mais ser analisada em embargos do devedor por se constituir matéria
superada e solidificada na relação processual, já que deflagrada sua análise na
execução por iniciativa do próprio executado. Inteligência e aplicação do art.
473 do CPC, tendo em vista que, apesar de execução fiscal e embargos do devedor
se constituírem processos distintos, tratam da mesma relação processual, ou
seja, da mesma demanda e da mesma pretensão resistida. 2. No caso dos autos,
nem calha a tardia argumentação, vinda com as contra-razões de apelação, de que
teria ocorrido prescrição intercorrente, porquanto a r. decisão prolatada na
exceção de pré-executividade declarou usufruir a Embargada de prazo
prescricional vintenário, nos termos do art. 177, primeira parte, do antigo
Código Civil, de forma que haveria a ação de ficar paralisada pelo menos por
igual período, o que não ocorreu. 3. Apelação a qual se dá provimento.
(Apelação Cível nº 1242412/SP (2004.61.82.013905-7), 3ª Turma do TRF da 3ª
Região, Rel. Cláudio Santos. j. 27.03.2008, unânime, DJU 16.04.2008).
Reconhecendo a incidência do principio da
eventualidade na questão:
EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE - IMPOSSIBILIDADE -
PRINCÍPIO DA EVENTUALIDADE - PRECLUSÃO CONSUMATIVA - SEDE DE EMBARGOS À
EXECUÇÃO. 1 - Não
obstante inexista previsão legal para a exceção de pré-executividade, seu
processamento deve seguir os parâmetros processuais já dispostos. 2 - A exceção
de pré-executividade, como defesa do réu, no caso devedor que é, deve obedecer
ao princípio da eventualidade. 3 - Deduzindo todas as matérias a ele
favoráveis, ainda que incompatíveis entre si, sob pena de preclusão
consumativa. 4 - A discussão acerca da matéria aventada poderá ser discutida,
mas em sede de embargos à execução. 5 - Agravo de instrumento não provido.
(Agravo de Instrumento nº 263165/SP (2006.03.00.020333-6), 3ª Turma do TRF da
3ª Região, Rel. Nery Júnior. j. 12.09.2007, unânime, DJU 23.01.2008).
Também neste sentido o entendimento do Tribunal de
Justiça do Estado de Minas Gerais, para quem:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - APELAÇÃO - EXCEÇÃO DE
PRÉ-EXECUTIVIDADE - MANEJO APÓS A OPOSIÇÃO DE EMBARGOS À EXECUÇÃO - PRECLUSÃO
CONSUMATIVA - CONSIDERAÇÕES DE TESES - ANÁLISE DE PROVA - CAUSA EXTINTIVA DA
EXECUÇÃO - INOCORRÊNCIA - RECURSO PROVIDO. Cabe ao executado aduzir toda a matéria de defesa
nos embargos de devedor, sendo-lhe vedado, em momento posterior, discutir
teses, que não sejam de ordem pública, via exceção de pré-executividade, ante a
ocorrência do fenômeno processual da preclusão consumativa. Questões
controvertidas, que reclamam análise de prova, e considerações de teses, não
são causas extintivas da execução. (Apelação Cível nº
1.0525.06.088187-3/002(1), 4ª Câmara Cível do TJMG, Rel. Moreira Diniz. j.
21.02.2008, unânime, Publ. 13.03.2008).
Interessante ainda observar, acerca do tema, como o
mesmo Tribunal analisou a questão no seguinte caso:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE
PRÉ-EXECUTIVIDADE. MATÉRIAS. EMBARGOS DE DEVEDOR. SENTENÇA. TRÂNSITO EM
JULGADO. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. LEI Nº 6.830/80. Em agravo de instrumento, é
mantida a decisão de primeira instância que indeferiu exceção de
pré-executividade, quando se destina a reabrir e discutir novas matérias após o
trânsito em julgado de embargos de devedor. Toda matéria útil à defesa do
executado deve ser apresentada no prazo dos embargos à execução fiscal, sob
pena de preclusão consumativa. Nega-se provimento ao recurso. (Agravo nº
1.0024.99.044762-5/001(1), 4ª Câmara Cível do TJMG, Rel. Almeida Melo. j.
19.04.2007, unânime, Publ. 26.04.2007).
Mas, fundamentalmente, o que parece estar a ocorrer
é uma busca pela ruptura com dogmas formais do processo em geral, como modo de
galgar modos mais céleres e práticos de se conseguir a tutela invocada, o que
leva a releitura de postulados teóricos até então cristalizados, como forma de
se atingir uma interpretação mais consentânea com essas aspirações de
efetividade.
E inúmeros precedentes jurisdicionais no país já
tem se pautado pela incidência da tempestividade como fator de interpretação
das normas jurídicas. Assim, verbi gratia, tem se manifestado o Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo acerca da questão, por um processo menos
formalista e mais efetivo:
RECURSO - Apelação - Cadastro que indica o nome e número de
registro de advogada que não representa e jamais representou qualquer das
partes - Absoluta irregularidade de todas as intimações pertinentes ao recurso
especialmente a da data do julgamento e do resultado da apelação - Cerceamento de
defesa caracterizado - Nulidade do processamento do recurso - Possibilidade de
novo julgamento ante a aplicação dos princípios da instrumentalidade das
formas, economia processual e tempo razoável de duração do processo -
Decisão proclamada nula e nova decisão proferida - Recursos não providos
(Apelação Cível n. 7.050.175-4 - Guaratinquetá - 24ª Câmara de Direito Privado
- Relator: Paulo Pastore Filho - 12.06.08 - V.U. - Voto n.2257).
Com igual teor e do mesmo Areópago, de se destacar,
de modo não menos importante:
AUDIÊNCIA - Conciliação - Julgamento da lide no estado do
processo - Audiência de tentativa de conciliação não designada - Ausência de
obrigatoriedade da tal, se a lide é decidida antecipadamente - Intuito de
celeridade da prestação jurisdicional que se supre por ato do juiz - Nulidade
do processo - Inexistência - Apelação desprovida (Apelação Cível n.
743.720-00/3 - Santos - 25ª Câmara de Direito Privado - Relator: Sebastião
Flávio - 21.11.05 - V.U. - Voto n.9.593).
E a guisa de mera exemplificação, não menos
sintomático o seguinte precedente:
PROVA – Cerceamento de defesa ante o julgamento
antecipado da lide – Inocorrência – Execução instruída com cópia do
procedimento administrativo – Constatação, por meio de mera leitura das peças,
da inteireza da razão da exeqüente ao pleitear o credito a que faz jus diante
da infração ambiental perpetrada pela infratora – Procrastinar a outorga da
prestação jurisdicional para outro momento seria sacrificar o princípio da
celeridade e da economia processual – Reconhecimento – Recurso improvido.
(Apelação Cível n. 561.316-5/2 – Tatuí – Câmara Especial do Meio Ambiente –
Relator: Renato Nalini – 29.8.2006 – V.U. – Voto n. 12.051).
O propósito sincretista do processo (enquanto
exercício linear numa mesma atividade processual de mais de uma forma de
tutela) tem despontado de forma manifesta pelo poder legiferante, como se
observa, por exemplo, pela inserção de um parágrafo 7º, no artigo 273 do Código
de Processo Civil, passando a admitir a propositura de medidas cautelares no
bojo da própria ação em que se busca a tutela que seria tida como principal,
restringindo, sobremaneira, a condição da ação interesse de agir, pela falta de
necessidade, num grande número de demandas, tornando obsoletas ações cautelares
incidentais[24]
e em grande parte, ações cautelares preparatórias[25]
(isso contribui, inclusive, para que se alcance a própria harmonia da
jurisdição evitando-se a coexistência de decisões judiciais contraditórias – os
próprios artigos 103 a 105 do Código de Processo Civil recomendam a reunião de
feitos em situações deste jaez).
Do mesmo modo isso se daria com as introduções
trazidas pela Lei nº 11.232/05, que retiraram o status de ação, da
execução de título judicial, tornando-a em fase do processo de conhecimento, ou
seja, fase de cumprimento de sentença como se tem pela atual redação do artigo
475 e seus inúmeros consectários do Código de Processo Civil.
Parte da doutrina apontava, quando do advento desta
lei, como da própria Lei nº 11.382/06, que o sincretismo seria caminho seguro
para alcançar esses escopos de efetividade e tempestividade da atividade
jurisdicional como um todo, já que seria insuficiente exercer o júris
dicere, na fase do processo de conhecimento, sem que se pudesse obter êxito
no percebimento integral do direito reconhecimento, o que seria alcançado com a
atividade de execução.Assim, verbi gratia, a opinião de autores como
Athos Gusmão Carneiro (Nova Execução – Aonde Vamos – Vamos Melhorar. RDCPC
34/19).
Nesse mesmo sentido, a demonstrar que o
entendimento não restaria isolado, de se destacar o quanto destacado por Araken
de Assis, no que se refere à importância e problemas da execução perante as
reformas legislativas, no sentido de que:
À jurisdição como relevante serviço público
prestado pelo Estado se reconhecem ordinariamente três funções. A tutela
jurídica do Estado visa, sobretudo, a efetiva realização de direitos
consagrados no ordenamento jurídico. Para tal arte, cumpre reconhecer o
direito e proclamá-lo, porém, tal objetivo talvez demore, motivo porque
mudanças na situação de fato impõem tanto a asseguração temporária deste
direito, quanto sua provisória satisfação[26].
A preocupação com essa efetividade de um direito
material consubstanciado em um título, portanto, parece ter sido a tônica da
alteração do modo tradicional de se pensar a execução do título judicial como
processo autônomo, independente do processo de conhecimento.
Tal sincretismo, aliás, se revela de todo adequado
num universo de grande número de demandas, eis que implica em mecanismo de
interpretação a ser empregado para a redução sensível desse número, com
racionalização do uso dos serviços forenses[27].
Pelo Projeto sequer haveria um livro sobre processo
cautelar, mas apenas se dedica um capítulo, no próprio processo de
conhecimento, a respeito de medidas de urgência e de evidência (artigos 286 a
296 do Anteprojeto e 276 a 296 do Projeto de Código de Processo Civil), a
confirmar que o escopo que norteia as alterações tem manifesto escopo
sincretista.
Isso porque como é cediço a noção em questão (qual
seja, a racionalização do tempo no processo) não chega a ser uma novidade
total, posto que, como desponta com clareza solar do advento da norma contida
no artigo 125, inciso II do Código de Processo Civil, todo Magistrado cível,
por exemplo, já estava adstrito ao dever de velar pela rápida solução do
litígio (dogma normativo lastreador, por exemplo, dos princípios da celeridade
e economia processuais), não parecendo, ademais, em afinamento com tal
perspectiva, que o constituinte apenas tenha pretendido repetir o que já estava
definido como um dever legal.
Assim, a idéia de constitucionalizar-se uma
tempestividade de jurisdição parece visar justamente uma mudança paradigmática
na forma de pensar o processo civil como um todo, deixando-se de analisá-lo
como um objeto científico, nas demandas judiciais, para, revendo conceitos já
previstos, por essa nova perspectiva, se possa alcançar as supramencionadas
aspirações de efetividade do processo enquanto instrumento do direito de ação
(nos anseios e auspícios de se alcançar o vem sendo entendido como acesso a uma
ordem jurídica justa).
Sobre a preocupação com a questão da efetividade do
processo de se apontar o quanto ponderado por João Batista Lopes a respeito do
tema:
Vale lembrar, como assevera João Batista Lopes: A
preocupação com a efetividade do processo é a tônica na doutrina contemporânea,
mas o tema não constitui novidade absoluta, como se demonstra com a célere
frase de Chiovenda: “il processo deve dare per quanto è possibile
praticamente a chi há un diritto tutto quello e próprio quello ch`egli diritto
conseguire. O conceito de efetividade é, porém, volátil ou indeterminado.
Etimologicamente, efetividade deita raízes no Latim (ex mais facere:
efficere), que significa fazer inteiramente, produzir, executar, cumprir[28].
Assim, o Poder Judiciário enquanto guardião
constitucional da ordem jurídica e da pacificação dos conflitos de interesse,
deverá se aproveitar dessa constitucionalização e iniciar um processo de
afirmação de legitimidade junto à opinião pública, o que estará intimamente ligado
à sua eficiência na missão primordial de dizer o direito (o juris dicere)
e impor decisões (adotando-se a concepção da jurisdição enquanto poder),
malgrado, sob um prisma de fundamentação política da existência de um Poder
Judiciário, se possa, também aduzir, que sua função estaria relacionada à
pacificação imparcial de conflitos (como é sabido, eis que mencionado com certa
freqüência pela doutrina processualista[29],
e mesmo constitucionalista[30],
a jurisdição é fenômeno poliédrico que pode ser analisado sob o prisma do
poder, da sua função e da sua atividade) e à garantia das liberdades públicas
(função geralmente destinada aos órgãos de cúpula ou Cortes Constitucionais),
conferindo eficácia às garantias constitucionais, base do Estado Democrático de
Direito, que, como sabido, pressupõe magistrados independentes.
Tal papel, ademais, é ressaltado por Alexandre de
Moraes, que, mais uma vez, com proficiência, preleciona:
Não se consegue conceituar um verdadeiro Estado
democrático de direito sem a existência de um Poder Judiciário autônomo e
independente para que exerça sua função de guardião das leis, pois, como
afirmou Zaffaroni, “a chave do poder do judiciário se acha no conceito de
independência”... Bandrés afirma que a independência judicial constitui um
direito fundamental dos cidadãos, inclusive o direito à tutela judicial e o
direito ao processo e julgamento por um Tribunal independente e parcial. Assim,
é preciso um órgão independente e imparcial para velar pela observância da
constituição e garantidor da ordem na estrutura governamental, mantendo nos
seus papéis tanto o Poder Federal como as autoridades dos Estados Federados,
além de consagrar a regra de que a constituição limita os poderes dos órgãos da
soberania.[31]
Ainda sobre a questão da morosidade, de se destacar
que tal questão não é nova, mas está intimamente ligada a duas outras questões
fundamentais, quais sejam: a) uma de ordem administrativa, relacionada com
problemas estruturais administrativos (número insuficiente de juízes, falta de
funcionários, de equipamentos, de investimentos em tecnologia de ponta,
sobretudo na área da informática, dentre outros fatores desta mesma ordem) e b)
dificuldades técnico-processuais, geradas por uma legislação muitas vezes
arcaica e com falhas, inapta à solução dos problemas atuais (muitas vezes são
verificados prazos muito extensos, que não mais se justificariam no mundo
contemporâneo, número muito grande de recursos, muitos dos quais
desnecessários, como os embargos infringentes, como o reexame necessário –
problemas que o Projeto de Código de Processo Civil se propõe a resolver com a
extinção do primeiro recurso e a restrição das hipóteses de cabimento de tal
reexame).
Precisar com exatidão os fatores que acarretam a
morosidade processual é tarefa impossível devido à complexidade dos obstáculos
à celeridade da prestação jurisdicional.
Não obstante isso, José Rogério Cruz e Tucci, ao
tratar do conjunto de fatores que circundam a intempestividade da tutela
jurisdicional, preconiza a subdivisão daqueles em três espécies, quais sejam,
fatores institucionais, fatores de ordem técnica e subjetiva, e, por último,
fatores derivados de insuficiência material.[32]
Pelo óbvio que a inserção da questão da
tempestividade no ordenamento jurídico (seja no Pacto de San José, seja no
artigo 5º, LXXVIII CF e agora seja no artigo 4º do Projeto CPC) não permite a
rápida solução de fatores de ordem administrativa, mas permite que se ataque o
problema das estruturas jurídicas, buscando-se construções jurídicas que
afastem mecanismos práticos perniciosos e morosos, mormente práticas recursais.
Como visto sequer haveria necessidade de se
aguardar a promulgação de lege ferenda, eis que a interpretação
constitucional já bastaria para os mesmos objetivos práticos buscados pelo
artigo 4º do Projeto CPC, o que, ademais, já poderia ser embasado em escopos de
economia e celeridade processuais do artigo 125 e consectários do Código de Processo
Civil vigente.
A sociedade busca avidamente a plena efetividade
dos direitos materiais consagrados no ordenamento jurídico, cabendo a
magistrados de todo o país, com criatividade e coragem, a plena implementação
dessa garantia constitucional para a consecução deste desiderato.
A idéia central da inserção do princípio ao texto
constitucional parece se apegar à advertência lançada desde há muito, na obra
de Piero Calamandrei, a qual, pela conveniência, peço vênia para destacar, eis
que se revela muito atual:
“Acontece frequentemente com o bibliófilo, que se
diverte folheando religiosamente as páginas amareladas de algum precioso
incunábulo, encontrar entre uma página e outra, grudados e quase absorvidos
pelo papel, os restos agora transparentes de uma mariposa incauta, que há
alguns séculos, buscando o sol, pousou viva naquele livro aberto, e quando o
leitor subitamente o fechou ali ficou esmagada e ressecada para sempre. Essa
imagem me vem à mente quando folheio as peças de algum velho processo, civil ou
penal, que dura dezenas de anos. Os juízes que mantém com indiferença aqueles
autos à espera em sua mesa parecem não se lembrar de que entre aquelas páginas
se encontram, esmagados e ressecados, os restos de tantos pobres insetinhos
humanos, que ficaram presos no pesado livro da Justiça”.[33]
Júlio César Ballerini Silva é magistrado e professor de pós-graduação da Unisal e Unifeob.
Mestre em
Direito Processual Civil.
Referências bibliográficas
Referências bibliográficas
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[7] MONTESQUIEU. As causas da
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[8] MESQUITA, José Ignácio
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Volume 2: 85-92, 2001.
[9] GOMES, Orlando. Raízes
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Bahia: 1.958, p. 7-15.
[10] MORAES, Antônio
Ermírio. A globalização e a Justiça. www. Antonioermirio.com.br/artigos/
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[11] PEDROSO, Osmar.
Participação no XVI Congresso de Gramado. www.trt10.gov.br/escolajudicial/
biej4 99htm. Acesso em: 17/05/2.003.
[12] DINAMARCO, Cândido
Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 6 ed., São Paulo: Malheiros.
2000, p.24.
[14] MARINONI, Luiz Guilherme.
Novas Linhas do Processo Civil. 4. ed., São Paulo: Malheiros Editores,
2000, p. 28.
[15] MARINONI, Luiz Guilherme. Novas
Linhas do Processo Civil. 4. ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2000,
p. 66.
[16] LOPES, João Batista. Tutela
Antecipada no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, Brasil, 2.003,
p. 33.
[18] MARINONI, Luiz Guilherme.
Novas Linhas do Processo Civil. 4. ed., São Paulo: Malheiros Editores,
2000, p.251.
[19] NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios
do Processo Civil na Constituição Federal. 2 ed, São Paulo : Revista dos
Tribunais, 1995., p.27.
[20] Com bastante propriedade
Alessandra Spalding, co-autora de obra a respeito da. reforma do Poder
Judiciário, somando todos os prazos processuais aplicáveis às partes, ao Juiz e
aos serventuários da Justiça, chegou a um número de 131 dias como número ideal
de dias em que um feito deva ser extinto no procedimento comum ordinário..
[21] LAFER, Celso. A
Reconstrução dos Direitos Humanos. São Paulo: Companhia das Letras, 1.989, p.
39.
[22] N.A.: Pelo óbvio que o princípio
do tempo razoável não é absoluto e, em havendo sua colidência, daí falar-se em
mecanismos de antinomia, com outros princípios constitucionais assegurados no
ordenamento jurídico pátrio, poderá ocorrer ampliações constitucionais de
prazos processuais, pela aplicação, nesses casos, dos princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade.
[23] N.A.: Como sabido, os atos
decisórios, ou, tecnicamente, os provimentos, são desafiados pelos recursos,
mas, em casos como este, em que o fundamento do descumprimento da Constituição
não se funda em um provimento, pelo princípio da taxatividade recursal, não
seria viável a interposição de recurso, advindo daí, a potencialidade de
utilização de mandado de segurança, como via de busca da efetividade de tal
princípio constitucional.
[24] Tal situação, além de colaborar
para impedir o uso desnecessário da máquina judiciária estatal (reduz-se,
praticamente pela metade o volume de serviços, eis que ocorrerá uma única
autuação, uma única conclusão, uma única citação e assim por diante), em
respeito, portanto, à própria racionalização do uso do serviço público de forma
moral e legítima (invoca-se o disposto na norma contida no artigo 37, caput,
da Constituição Federal), colabora, por exemplo, para a consecução de outros
cânones de natureza constitucional, como, por exemplo, por via transversa, com
alguns impactos ambientais, eis que reduz o número de folhas de papel e outros
recursos não renováveis, como tinta e energia elétrica, diga-se en passant,
etc.....
[25] N.A.: Pelo óbvio que ainda
remanescerão algumas situações em que será viável o manejo de uma ação cautelar
autônoma, eis que necessária, como se dá em relação às situações das chamadas
ações cautelares satisfativas, ou, por exemplo, quando houver incompatibilidade
de ritos a inviabilizar a cumulação, ex vi do advento da norma contida
no artigo 292 e seus consectários do Código de Processo Civil.
[27] Ao invés de se autuar duas
demandas, uma cautelar e outra principal, com duas autuações e dois despachos,
duas citações etc., seria de se concluir pela desnecessidade de tal expediente,
diante da clareza solar da orientação do artigo 273, par. 7º, CPC, com
desnecessidade de propor-se ações cautelares indevidamente, neste contexto, com
o que se terá a prática de um número reduzido de atos, o mesmo se dando em
relação à execução, em que se poderá intimar eletronicamente[27] o advogado,
sem a necessidade de confecção de mandado de citação ou de utilização de
Oficial de Justiça para tal mister, liberando os serventuários e juízes para a
análise de outros feitos – ou, ainda, através de se instar o Ministério Público
e outros entes legitimados, para a propositura de ações coletivas – as class
action, correntes no direito anglo-saxâo, no sistema jurídico da Common
Law), em situação, ademais, que obedece aos próprios princípios da
legalidade e da moralidade dos atos do Poder Público lato sensu (e, aí,
obviamente se pode inserir o Poder Judiciário), como decorre da redação da
norma contida no artigo 37, caput, da Constituição Federal, o que,
obviamente, deve ser sopesado em conjunto com a nova garantia da tempestividade
da jurisdição, mencionada linhas atrás (ou seja, o aludido tempo razoável de
duração do processo, estabelecido pela norma contida no artigo 5º, inciso
LXXVIII, da Constituição Federal.
[28]SILVA, Júlio César Ballerini. APUD
LOPES, João Batista. Direito à Saúde, Leme : Habermann,
Brasil, 2.009, p. 372/373.
[29] CINTRA, Antonio Carlos, DINAMARCO,
Cândido Rangel e GRINOVER, Ada Pelegrini. Teoria Geral do Processo.
16 ed., São Paulo: Malheiros. 1999. p. 32.
[33] CALAMANDREI, Piero. Eles,
os juízes, vistos por um advogado, São Paulo: Martins Fontes, Brasil, 1.988 p.
270/271.
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