"Reforma do CPP: Cautelares, Prisão e Liberdade
Provisória
RODRIGO IENNACO - Promotor de Justiça
1. Introdução[1]
Dando sequência à reforma do Código de Processo
Penal, no âmbito da comissão constituída pela Portaria n. 61/2000, integrada
por Ada Pellegrini, Petrônio Calmon Filho, Antônio Magalhães Gomes Filho,
Antônio Scarance, Luiz Flávio Gomes, Miguel Reale Júnior, Nizardo Carneiro
Leão, René Ariel Dotti, Rogério Lauria Tucci, Sidney Beneti e Rui Stoco, foi
encaminhado à sanção presidencial o projeto de lei n. 4.208/2001, que altera
dispositivos do CPP relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória
e demais medidas cautelares.
Caso não seja vetado, total ou parcialmente, não
serão poucas as mudanças, ampliando-se a tutela cautelar no processo penal, em
cujo contexto figuram com proeminência, mas não com exclusividade, a prisão e a
liberdade provisórias.
A novatio legis traz regras gerais
aplicáveis às cautelares (entre elas a prisão provisória), que serão decretadas
com a observância dos seguintes critérios (art. 282): I - necessidade
para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos
casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; II - adequação
à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado
ou acusado.
As medidas cautelares poderão ser aplicadas pelo
Juiz isolada ou cumulativamente (art. 282, §1º): no curso da investigação, por
representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério
Público; no curso da ação penal (§2º), de ofício ou a requerimento das partes.
O projeto de lei 4.208/01 prevê, ainda, que o pedido de medida cautelar se
submeterá ao contraditório, salvo os casos de urgência ou de perigo de
ineficácia da medida (§3º). Reza o § 4º do mesmo dispositivo que, no caso de
descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou
mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do
querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação ou, em último
caso, nos termos do art. 312, parágrafo único, decretar a prisão preventiva.
Tal qual na disciplina anterior da prisão provisória, o juiz poderá revogar a
medida cautelar ou substituí-la quando verificar a falta de motivo para que
subsista, bem como voltar a decretá-la, se sobrevierem razões que a
justifiquem. A prisão preventiva será determinada apenas quando não for cabível
a sua substituição por outra medida cautelar menos
gravosa (art. 282, §6º, e art.
319).
2. Da prisão provisória
Denomina-se prisão provisória a prisão de
natureza processual, cautelar. É a prisão decretada durante a persecução
criminal; não se pode confundir, aqui, a privação provisória da liberdade com a
“pena” privativa de liberdade (a prisão como sanção jurídica prevista no
preceito secundário da norma penal incriminadora). A finalidade da prisão
provisória, em suas diversas modalidades, é de índole processual, devendo ser
examinada, portanto, mediante fundamentos e princípios próprios (fora da teoria
da pena, que é aspecto atinente à parte geral do Código Penal).
O Código de Processo Penal de 1942,
originariamente, adotava a rigidez em matéria de prisão: a regra era a prisão
ser mantida; a exceção, a liberdade provisória (instituto afim que será
analisado adiante). Com as alterações posteriores, entre elas as decorrentes do
advento da CR/88, o sistema passou a adotar a liberdade provisória como regra,
admitindo, em caso de excepcional necessidade, a prisão. Essa tendência agora
se consolida com a previsão de cautelares diversas da prisão, que se reserva
para casos graves e hipóteses de justificada necessidade e conveniência.
Com a reforma, teremos três modalidades de prisão
provisória[2]:
flagrante (art. 301 e segs., CPP), preventiva (art. 311 e segs.) e temporária
(Lei 7.960/89). Todavia, ainda nos casos previstos fora do título IX do Livro I
(art. 413, CPP), aplicam-se as disposições gerais do seu capítulo I, que
ganham, assim, realce.
A prisão pode ser cumprida a qualquer momento (dia
ou noite), respeitadas as normas atinentes à inviolabilidade do domicílio (art.
5o, XI, CR/88), ou seja, a casa é asilo inviolável, salvo hipóteses
de flagrante, desastre, socorro e ordem judicial (durante o dia).
Em caso de ordem judicial (mandado de prisão), se o
crime for afiançável[3]
torna-se imprescindível a exibição do mandado para o seu cumprimento, conclusão
que se extrai do disposto no art. 287 do CPP. Apenas se se tratar de crime
inafiançável (exceção), dispensa-se a exibição do mandado, apresentando-se o
preso imediatamente à autoridade judicial que tiver expedido o mandado (art.
287, CPP). A teor da nova dicção do art. 299, CPP, seja a infração afiançável ou
inafiançável, a captura poderá ser requisitada, à vista de mandado judicial,
por qualquer meio de comunicação, tomadas pela autoridade, a quem se
fizer a requisição, as precauções necessárias para averiguar a autenticidade
desta. Para a execução da captura, porém, tratando-se de crime afiançável
(regra), permanece a obrigatoriedade de exibição do mandado. Deve-se notar,
porém, que tal hipótese contrasta, paradoxalmente, com as hipóteses em que o
cumprimento do mandado de prisão se dá em virtude de registro em banco de dados
dos órgãos de segurança pública, que não podem olvidar o lançamento no sistema
e deixar de promover a prisão daquele em desfavor de quem se acha registrado
mandado de prisão “em aberto”.
De acordo com a nova redação do art. 282, do CPP,
diante de uma prisão em flagrante ou de notícia de crime, para que se escolha,
dentre as hipóteses cabíveis (prisão provisória, liberdade provisória e/ou
cautelares), qual a tutela cautelar adequada, deve-se obedecer ao seguinte
binômio: a) necessidade; b) adequação. Esses critérios, nos termos do art. 282,
I e II, CPP, são aplicáveis a todas as modalidades de cautelar (prisão e
diversas da prisão) e se materializam na: a) necessidade para aplicação da lei
penal; b) necessidade para a investigação ou a instrução criminal; c)
necessidade para prevenção da prática de infrações penais; d) adequação à
gravidade do crime; e) adequação às circunstâncias do fato; f) adequação às
condições pessoais do destinatário da(s) medida(s).
Tais critérios, além de autênticas diretrizes hermenêuticas, têm força normativa, complementando, sistematicamente, a fundamentação dos motivos (art. 312, caput, CPP) que autorizam a prisão preventiva ou, na sua ausência, determinam a liberdade provisória do investigado ou acusado (cumulada ou não com outras cautelares diversas da prisão).
Tais critérios, além de autênticas diretrizes hermenêuticas, têm força normativa, complementando, sistematicamente, a fundamentação dos motivos (art. 312, caput, CPP) que autorizam a prisão preventiva ou, na sua ausência, determinam a liberdade provisória do investigado ou acusado (cumulada ou não com outras cautelares diversas da prisão).
2.1.1. Flagrante (Art. 301 e segs., CPP)
A CR/88 consagra a prisão em flagrante, sem,
contudo, explicitar-lhe o conteúdo. O “tipo processual”, portanto, é deixado a
cargo do legislador infraconstitucional, tendo sido recepcionado o art. 302 do
CPP. O elemento temporal é, pois, essencial à configuração do estado de
flagrância que autoriza a prisão por qualquer do povo e a determina ao agente
público. Verifica-se que os incisos do art. 302 do CPP, dilatam,
progressivamente, o limite temporal caracterizador do flagrante delito.[4]
Se presente a tipicidade processual, ou seja, se a
situação de fato se amolda à descrição abstrata da lei processual, a prisão
será legal. Caso contrário, será ilegal, independente dos elementos de
convencimento coletados por ocasião da confecção do auto de prisão em flagrante
pela autoridade policial. Da mesma forma, se a sequência procedimental prevista
no art. 304 do CPP for desrespeitada, a prisão em flagrante também será ilegal
(princípio da legalidade das formas).
O art. 307 do CPP autoriza o juiz (autoridade
judicial) a lavrar, ele próprio, o auto de prisão em flagrante, quando o crime
é praticado em sua presença ou contra ele. Em hipótese similar, tratando-se de
autoridade policial, sendo praticado na sua presença ou contra ela, esta, após
a lavratura do respectivo auto, comunicará a prisão imediatamente ao juiz. É
interessante notar que o CPP já exigia tal providência antes mesmo da CR/88
estabelecer a comunicação da prisão à autoridade judicial para todos os casos
de flagrante.
Após a confecção do auto de prisão em flagrante
(APF), a autoridade policial deve proferir um despacho, ratificando ou não a
voz de prisão dada pelo condutor. Deverá ainda, com especial atenção aos casos
de flagrante pela prática de crime previsto na Lei de Drogas (lei 11.343),
fundamentar, circunstanciadamente as razões que o levaram à classificação legal
do fato.
Fora os casos de flagrante em que o conduzido se
livre solto[5],
o conduzido, embora confeccionado o auto de prisão em flagrante, não será
recolhido efetivamente à prisão se se tratar de infração que se enquadre nos
casos de afiançabilidade – desde que seja da competência da própria autoridade
policial o arbitramento da fiança[6].
A apresentação espontânea do autor do ilícito penal
à autoridade, antes disciplinada nos arts. 317 e 318 do CPP, foi suprimida pelo
lei oriunda do projeto 4.208/2001. Ocorre que, mesmo no regramento anterior, a
apresentação espontânea não afastava, por si só, a prisão em flagrante. O que
normalmente acontece é que, nestes casos, a situação fática não se enquadra no
tipo processual do flagrante (art. 302, CPP); o que não impedia, como também
agora não impede, além da hipótese de flagrante, a decretação da prisão
preventiva (ou a aplicação de outras cautelares), se preenchidos os requisitos
para tanto.
O flagrante, em nossa Constituição, tem existência
autônoma como cautelar, sendo caso expresso de prisão anterior à condenação.
Sua força já se mostrava enfraquecida, porém, diante da dicção do parágrafo
único do art. 310, do CPP, (agora com nova redação) que determinava ao juiz a
concessão de liberdade provisória quando se verificado, pelo auto de prisão em
flagrante, a inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizavam a prisão
preventiva. De tal maneira, o flagrante passou a ter função de pré-cautela,
sendo suficiente para levar o autuado à prisão, mas não para mantê-lo sob
custódia cautelar.
Agora, com a lei oriunda do projeto 4.208/01, tal
tendência se consolida e se explicita, pois o novo art. 310, do CPP, diz que o
juiz, ao receber o auto de prisão em flagrante, deverá, fundamentadamente,
converter a prisão em flagrante em preventiva (inciso II, primeira parte),
desde que: a) a prisão seja legal (inciso I); b) as medidas cautelares diversas
da prisão se revelem inadequadas ou insuficientes (inciso II, parte final); c)
o agente não tenha praticado o fato ao amparo das causas de exclusão da
ilicitude previstas no art. 23, do CP; d) estejam presentes os requisitos do
art. 312 do CPP (incisos II, segunda parte, e III); e) a autoridade policial
tenha representado ou o Ministério Público tenha requerido a preventiva. Caso
contrário, será concedida liberdade provisória, com ou sem fiança, quando
ausentes os requisitos constantes do art. 312 do CPP (inciso II, segunda parte,
c/c inciso III).
Ou seja, não sendo caso de soltura do acusado, a
prisão em flagrante deverá ser convertida em preventiva, consolidando-se a
subjugação da força coercitiva do flagrante.
O projeto de lei 4.208/2001 determina, também, que
a prisão de qualquer pessoa (e o lugar onde se encontre) será imediatamente
comunicada ao Juiz, à pessoa indicada pelo preso e, também, ao Ministério
Público. Embora a lei não obrigue a remessa de cópia do APF (que será
encaminhado, em 24 horas, ao juiz e, eventualmente, à Defensoria Pública) ao
Ministério Público, convém sua remessa, para que o titular da ação penal possa,
confirmada a legalidade da prisão, conforme o caso, requerer a conversão da
prisão em flagrante em preventiva, ou mesmo postular a concessão de liberdade
provisória cumulada com outras cautelares (art. 306, caput, e §1º, c/c arts.
310, II e 311, todos do CPP).
2.1.2. Prisão preventiva (art. 311 e segs.,
CPP)
Nos limites estritos do CPP, instrução criminal é o
lapso compreendido entre o recebimento da denúncia e o término da oitiva das
testemunhas arroladas pela defesa, na AIJ, independentemente da apresentação de
alegações finais, que pode ser feita inclusive por memoriais. Anteriormente,
como o art. 311 do CPP falava que a prisão preventiva era cabível em qualquer
fase do inquérito policial ou da instrução criminal, o seu entendimento
era alargado para os fins da prisão, passando a compreender todo o
processo criminal. Agora, a nova redação do art. 311, conferida pela lei
oriunda do projeto 4.208/2001, consolida tal interpretação, dizendo
expressamente que “em qualquer fase da investigação policial ou do processo
penal, caberá a prisão preventiva. Em qualquer fase da investigação ou do
processo, assim, poderá o Ministério Público (ou o querelante ou ainda o
assistente) ou a autoridade policial (ouvido, obviamente o Ministério Público)
representarem por sua decretação. O juiz poderá decretar a prisão, no caso, inclusive
de ofício, limitada tal hipótese, na dicção da novel disciplina, a momento
posterior ao recebimento da denúncia (curso da ação penal).
Para que seja validamente decretada, devem-se
atender os requisitos legais previstos no art. 313 do CPP, agora igualmente
renovado: a) crime doloso apenado com pena privativa de liberdade máxima
superior a 4 (quatro) anos[7];
b) reincidência em crime doloso, salvo se, em relação à condenação
anterior, entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração
posterior tiver decorrido período superior a 5 (cinco) anos, computado o
período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação
(art. 64, I, CP); c) crime violento praticado em circunstância doméstica ou
familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com
deficiência, para garantir a execução de medidas protetivas de urgência; d)
caso de dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou ausência de fornecimento
de elementos suficientes para esclarecê-la.
Além dos requisitos legais, há necessidade de
atendimento dos pressupostos (art. 312, caput, parte final, CPP):
a) prova da existência do crime; b) indícios suficientes de autoria.
Presentes os requisitos, a autoridade judicial
deverá demonstrar o atendimento aos fundamentos (motivos)[8]
ensejadores da preventiva (312, caput, primeira parte, e art. 312,
parágrafo único, CPP): a) garantia da ordem pública; b) garantia da ordem
econômica[9];
c) conveniência da instrução criminal[10];
d) assegurar a aplicação da lei penal; e) descumprimento de obrigação imposta
por força de outra medida cautelar (art. 282, §4º, CPP)[11].
Uma leitura apressada (e isolada) do art. 310, II,
do CPP, poderia levar à conclusão de que o juiz poderia, ao receber a
comunicação do flagrante na fase da investigação criminal, decretar a prisão
preventiva (por conversão) de ofício. Porém, inevitável a conjugação do
dispositivo com os arts. 282 e 311, 312 e 313.
Nem se argumente que, no caso do art. 310, II,
estaríamos diante de conversão do flagrante em preventiva, e não de decretação
da preventiva. Se assim fosse, o juiz poderia converter em preventiva a prisão
em flagrante por qualquer crime e independentemente da presença dos requisitos
e dos motivos ensejadores da preventiva, bastando a inadequação ou insuficiência
das medidas cautelares diversas da prisão (art. 310, II, parte final). Tal
interpretação não pode prevalecer por razão simples: a lei continua prevendo a
hipótese de liberdade provisória nos casos em que não estão presentes os
requisitos e motivos da preventiva (art. 321, CPP). Tal seria, realmente, uma
interpretação teratológica, pois, diante de prisão em flagrante, sem análise da
pena, de antecedentes, enfim, da necessidade efetiva da medida, o juiz apenas
verificaria o cabimento de medida cautelar diversa da prisão. Concluindo
negativamente, converteria a prisão em flagrante em preventiva, para, após,
conceder a liberdade provisória porque ausentes os requisitos para a decretação
da própria prisão preventiva (antes aplicada em “conversão”).
A interpretação sistemática dos novos arts. 283, caput,
282, e art. 413, todos do CPP conduz à conclusão de que temos: a) prisão
preventiva por conversão do flagrante (art. 310, II); b) prisão preventiva
autônoma (art. 311, caput); c) prisão preventiva decorrente de
descumprimento de outras medidas cautelares (art. 312, parágrafo único, e art.
282, §4º)[12];
d) prisão preventiva na fase da pronúncia (art. 413).
Concluindo, o juiz não poderá converter a prisão
em flagrante em prisão preventiva sem manifestação policial ou ministerial a
respeito; poderá, no entanto, decretá-la de ofício ao pronunciar o acusado ou,
nos demais, se posteriores ao recebimento da denúncia[13].
Se na fase da investigação, apenas por requerimento do Ministério Público ou
representação da autoridade policial[14]!
Tal disciplina, característica do sistema acusatório, é afirmada expressamente
nos arts. 282, §2º e 311, ambos do CPP. Enfim, torna-se medida imprescindível a
oitiva prévia do Ministério Público (antecedente necessário a qualquer das
providências elencadas no novo art. 310, do CPP) quando não for ele o próprio
autor do requerimento de prisão. Dispensa-se a oitiva ministerial apenas nos
casos em que a decretação da preventiva se dá após o recebimento da
denúncia.
2.1.2.1. Prisão (preventiva) na fase de pronúncia
(art. 413, CPP)
Antes disciplinada no art. 408, §1º, CPP, a técnica
utilizada para a prisão em decorrência de pronúncia era a mesma para da prisão
decorrente de condenação recorrível (efeito da), de modo que se aplicavam, mutatis
mutandis, as mesmas críticas.
A lei n. 11.689/2008, irmã, por assim dizer, da que
ora se comenta (oriunda do projeto de lei n. 4.208/2001) passou a determinar
que o juiz, ao pronunciar o acusado (se convencido da materialidade do fato e
da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação em crime
doloso contra a vida), nos termos do art. 413, CPP, arbitre o valor da fiança
para a concessão ou manutenção da liberdade provisória (art. 413, §2º, CPP), se
o crime for afiançável, decidindo, em qualquer caso, motivadamente, “no caso de
manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de
liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a
necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas
no Título IX do Livro I deste Código. (art. 413, §3º, CPP).
Agora, a disposição faz ainda mais sentido, pois o
título IX do Livro I cuida “da prisão, das medidas cautelares e da liberdade
provisória” (Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser
aplicadas observando-se a: I - necessidade para aplicação da lei penal, para a
investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para
evitar a prática de infrações penais; II - adequação da medida à gravidade do crime,
circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado). Ao aduzir
à necessidade da medida, a prisão decorrente da pronúncia se reveste de
indiscutível contorno cautelar, aproximando-se, quanto aos seus fundamentos, da
disciplina da prisão preventiva.
Agora, portanto, a interpretação sistemática do
art. 283, caput, (com a redação que lhe conferiu o projeto de lei
4.208/2001, confrontado com os arts. 282 e 413, todos do CPP, conduz à
conclusão de que, se não se pode falar na existência da prisão decorrente de
pronúncia, não há dúvida que temos, aqui, uma subespécie de prisão provisória,
no caso, caracterizada por um momento específico e especial de análise da
prisão preventiva – situação diversa da prevista no art. 310, II (preventiva
por conversão do flagrante) ou, ainda, no art. 311, caput (preventiva
autônoma).
2.1.2.2. Prisão preventiva como ultima
ratio de intervenção cautelar
Como visto, a prisão provisória deve ser reservada
para os casos em que as outras medidas cautelares, diversas da prisão, não se
mostrarem suficientes ou adequadas aos fins de tutela do processo principal,
nas dimensões expressas no art. 312, do CPP.
Essa lógica se materializa na apreciação
sistemática de vários dispositivos do projeto 4.208/01. Da simples leitura do
art. 282 se extrai que a prisão provisória será reservada para os casos
necessários, desde que as outras medidas não sejam suficientes para a garantia
da aplicação da lei, para conveniência da investigação ou da instrução
criminal, e para evitar a reiteração criminosa; e desde que a gravidade do
crime, as circunstâncias fáticas ou pessoais do indiciado ou acusado, não
indiquem como mais adequada aos fins do processo penal a restrição provisória
da liberdade.
O §4º do art. 282 deixa claro que, ainda em caso de
descumprimento de qualquer das obrigações impostas, será possível substituir a
medida ou reforçá-la com a cumulação de outra, sendo decretada a prisão
preventiva apenas em “último caso”, ou seja, apenas quando necessária a
custódia cautelar. A nosso sentir, não há obrigação de substituição ou reforço
prévios para, apenas em caso de reiterado descumprimento, decretar-se a prisão.
A expressão “Último caso” não revela uma ordem crescente de medidas mais
graves, senão a exigência de que a prisão somente deve ser decretada se o
descumprimento da obrigação previamente decretada como medida cautelar for
injustificado e a substituição ou reforço revelarem-se, de plano, também
inócuos diante de eventual similitude entre elas. É o próprio art. 282, §4º, do
CPP, que orienta tal hermenêutica, ao estipular que a prisão preventiva também
poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das
obrigações impostas por força de outras medidas cautelares. Ou seja, neste
último caso, o descumprimento de outra medida cautelar é erigido como motivo de
fundamentação da custódia cautelar, com status análogo e autônomo em relação
aos “tradicionais”, alinhados no caput do art. 312, CPP.
2.1.3. Prisão temporária (Lei 7.960/89)
A prisão temporária é, efetivamente, dentre as
modalidades de prisão provisória, aquela que apresenta menor exigência técnica
para viabilizar a prisão, principalmente se confrontada com a prisão
preventiva. O instituto, aliás, foi consagrado com esta intenção, mormente para
legalizar, ante o advento da CR/88, a famigerada “prisão para averiguações”, a
prisão fundada num juízo de suspeição para auxiliar na investigação.
Cabe prisão temporária: a) quando imprescindível
para a investigação (art. 1o, I); b) quando o indiciado não tiver
residência fixa ou não fornecer os elementos necessários ao esclarecimento de
sua identidade (art. 1o, II); c) quando houver fundadas razões, de
acordo com qualquer prova admitida na legislação, de autoria ou participação do
indiciado em homicídio doloso, sequestro ou cárcere privado, roubo, extorsão e
extorsão mediante sequestro, estupro e atentado violento ao pudor, rapto
violento, epidemia com resultado morte, envenenamento de água potável ou
substância alimentícia ou medicinal com resultado morte, quadrilha ou bando,
genocídio em qualquer de suas formas típicas, tráfico de drogas, crimes contra
o sistema financeiro (art. 1o, III).
Acontece que, superveniente à nova ordem
constitucional, teve, tão logo entrou em vigor, sua constitucionalidade
questionada. Para alguns (abolicionistas) que veem a possibilidade de
decretação da prisão temporária frente o atendimento de cada item isoladamente
(alternativamente), a modalidade seria inconstitucional. Outros
(preservacionistas), conjugando os incisos, defendem a interpretação em
conformidade com a Constituição Federal. Hoje é o entendimento preponderante na
jurisprudência. Assim, prevalece o entendimento de que os incisos do art. 1o
da Lei n. 7.960/89 não constituem tipos processuais autônomos. Ou seja, o
requisito previsto no inciso III do art. 1o da Lei que instituiu
a prisão temporária seria de incidência obrigatória para a
constitucionalidade da medida, atuando cumulativamente com os outros incisos:
poderia a prisão temporária ser decretada com fulcro no art. 1o, I e
III; art. 1o, II e III; e, obviamente, art.1o, I, II e
III, da Lei 7.960/89.
Estabelece-se, a partir deste entendimento, um
quadro comparativo entre a prisão temporária e a prisão preventiva:
|
TEMPORÁRIA
|
PREVENTIVA
|
hipóteses legais
|
art. 1o, III (rol de crimes)
|
Art. 313, CPP
|
Pressupostos
|
fundadas razões, na prova, quanto ao tipo[15] + fundadas razões, na prova, de
autoria
|
prova da existência do crime + indícios
suficientes de autoria
|
Motivos
|
art. 1o, I ou II da Lei 7.960
|
GOP, GOE, CIC, AALP, DOIFOMC
|
A prisão temporária pode ser decretada pelo juiz,
mediante representação da autoridade policial (ouvindo-se o MP) ou do
Ministério Público, pelo prazo de 05 (cinco) dias, prorrogável por igual
período (art. 2o, Lei 7.960/89). O prazo da prisão, em se tratando
de crime hediondo ou equiparado, é de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual
período (art. 2o, §3o, Lei 8.072/90). A prorrogação, em
qualquer hipótese, só é admitida em caso de excepcional e comprovada
necessidade. A prisão só pode ser executada após sua decretação e
correspondente expedição de mandado.
Decorrido o prazo da prisão, se não prorrogada ou
decretada a prisão preventiva, deve o preso ser imediatamente colocado em
liberdade pela autoridade policial, comunicando-se ao juiz.
2.1.4. O fim da prisão decorrente de condenação
recorrível (art. 393, I, e 594, CPP)
O art. 393, I, do Código de Processo Penal,
estabelecia, no sistema original, a prisão como efeito da sentença
condenatória (“conservado na prisão”). A prisão se mantinha, mas ocorria a
mudança do título: a prisão que até então era preventiva (cautelar) se
convertia em efeito da sentença; deixava, portanto, de ser preventiva.
A Lei n. 5.941/73 havia alterado o art. 594 do CPP,
sem que qualquer modificação ocorresse no dispositivo do art. 393, I. Logo,
deviam ser conjugados: o efeito da sentença não ocorreria quando: a) o sujeito
se livrasse solto; b) o sujeito fosse reconhecido na sentença primário e de
bons antecedentes; c) prestasse fiança[16].
Fundamentalmente, havia essa restrição: não pode recorrer em liberdade, salvo
se se reconhece, na sentença, que é primário e possui bons antecedentes. Isso
porque o art. 594 previa, na redação conferida pela Lei n. 5.941, de
22.11.1973, que o réu não podia apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar
fiança, salvo se fosse primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na
sentença condenatória, ou condenado por crime de que se livrasse solto.” Porém,
o dispositivo já havia sido revogado pela Lei nº 11.719, de 2008.
Agora, a lei oriunda do projeto de lei 4.208, de
2001, revogou o art. 393, sepultando toda a celeuma[17]
que havia sobre a natureza jurídica e consequente discussão sobre a constitucionalidade
da medida, frente ao princípio da presunção de inocência.
3. Liberdade provisória
Tourinho Filho nos apresenta a liberdade provisória como sucedâneo da prisão provisória[18], no sentido de que pressupõe, substituindo-a, uma prisão válida, regular (até então, em flagrante ou resultante de pronúncia ou sentença condenatória recorrível).
3. Liberdade provisória
Tourinho Filho nos apresenta a liberdade provisória como sucedâneo da prisão provisória[18], no sentido de que pressupõe, substituindo-a, uma prisão válida, regular (até então, em flagrante ou resultante de pronúncia ou sentença condenatória recorrível).
É um estado de liberdade limitada, às vezes
condicionada, criando vínculos entre o beneficiário e o processo, mediante
certas obrigações. Porque condicionada ao adimplemento dessas obrigações
assumidas, diz-se liberdade provisória, limitada e, pois, revogável por
hipótese do descumprimento de tais condições. Por atingir, de maneira severa, a
liberdade individual antes de sentença condenatória transitada em julgado[19],
deve a prisão provisória ser decretada apenas em casos de absoluta e
excepcional necessidade. Fora esses casos, deve-se conceder a liberdade, ainda
que limitada, provisória.
3.1. Liberdade provisória isolada
A liberdade provisória pode ser concedida
isoladamente, sem cumulação com fiança ou com outras medidas cautelares.
A primeira possibilidade de liberdade provisória (sem
fiança) diz respeito às hipóteses em que o acusado se livra solto, a teor
do art. 321 do CPP, devendo-se conciliar tal dispositivo com o subsistema
preconizado pela Lei n. 9.099/95 para o processamento dos crimes de menor
potencial ofensivo.
A liberdade provisória pode ainda ser concedida (sem
fiança) pela atuação de excludentes da ilicitude reconhecidas, de pronto e
provisoriamente, no auto de prisão em flagrante, de acordo com o art. 310,
parágrafo único, do CPP.[20]
Temos, por fim, a liberdade provisória (sem
fiança) em virtude da inocorrência das hipóteses que fundamentam a
decretação da prisão preventiva, situação que vigora desde o advento da Lei n.
6.416/77, em redação conferida ao parágrafo único do art. 310 do CPP, que
tornou assistemático o CPP no tratamento conferido à prisão e à fiança,
passando a representar a principal modalidade do ponto de vista pragmático. Com
o projeto 4.208/2001, a situação não é muito diferente, pois o art. 310, na
nova redação, apresenta a prisão preventiva e a liberdade provisória como
alternativas excludentes, e o novo art. 321 prevê que, ausentes os requisitos
da preventiva, o juiz deverá conceder liberdade provisória (que poderá, ou não,
vir cumulada com outras medidas cautelares).
É importante frisar que, de acordo com a redação
anterior do art. 325, §2o, do CPP, não se admitia liberdade
provisória no caso do art. 310, parágrafo único, nos crimes contra a economia
popular ou de sonegação fiscal. Neste caso, só era cabível liberdade provisória
nos crimes afiançáveis e a fiança era arbitrada exclusivamente pela autoridade
judicial. Porém, o §2º do art. 325 foi revogado pela lei oriunda do projeto
4.208, de 2001.
Aparentemente, portanto, nada teria mudado, pois a
regra continuaria a ser: ausentes os requisitos da preventiva, concede-se
liberdade provisória _ sem fiança! (art. 321, CPP) De ver-se, porém, que a nova
sistemática admite que, ausentes os requisitos da preventiva, seja concedida
liberdade provisória _ inclusive com cautelares cumuladas (entre elas, a
fiança). Desse modo, não há mais espaço para se argumentar em torno maior ou
menor gravidade da medida, para concluir-se que a liberdade se daria sem
fiança. A lógica da nova disciplina é: a liberdade se dará com ou sem
cautelares, dependendo da (in)adequação ou (des)necessidade da
medida(s) eventualmente cumulada(s).
3.2. Liberdade provisória cumulada com medida cautelar
Como visto, estávamos acostumados, até então, a
trabalhar com a liberdade provisória com ou sem fiança, inclusive
como decorrência da dicção da rubrica do art. 321, do CPP. De certa forma, o
art. 310, III, na redação ora estabelecida pelo projeto 4.208/2001, parece
reproduzir o sistema, sem alterações, ao estabelecer a possibilidade de
concessão “de liberdade provisória, com ou sem fiança”. Ocorre que, com a lei
nova, a fiança é vertida em uma (e apenas uma) das várias possibilidades de
cautelar, parecendo-nos, tecnicamente, que seria mais apropriado falar, agora,
em liberdade provisória com ou sem medida cautelar. É o que se conclui
da interpretação sistemática dos arts. 310, II, parte final, e III, 319, §4º
(fiança cumulada com outras medidas cautelares) e 321 (liberdade provisória
cumulada com medidas cautelares).
Certo que ainda temos a possibilidade de liberdade
provisória mediante fiança. Porém, na sistemática anterior, tínhamos,
além dos casos de inafiançabilidade constitucional (art. 5o,
XLII, XLIII e XLIV da CR/88), os casos materiais inafiançabilidade,
previstos no art. 323, e os casos instrumentais de inafiançabilidade no
art. 324, ambos do CPP.
De ver-se que, na sistemática anterior, seriam
afiançáveis, pelo critério material (art. 323) os crimes: a) culposos; b)
dolosos, desde que não reincidente em crime doloso o acusado; c) punidos com
detenção, desde que não vadio o acusado; d) punidos com reclusão, com pena
mínima menor ou igual a dois anos, desde que não causem clamor público ou
tenham sido cometidos mediante violência ou grave ameaça contra pessoa. Ocorre
que, agora, as hipóteses materiais de inafiançabilidade previstas no novo art.
323 são as mesmas da Constituição. Isso quer significar que, em tese, fora os
casos de racismo, tortura, tráfico de drogas, terrorismo, crimes hediondos,
crimes praticados por grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado
Democrático, todos os crimes, culposos ou dolosos, são afiançáveis, independentemente
de serem punidos com pena de reclusão ou detenção, em qualquer limite mínimo ou
máximo.
A nova redação do art. 319, VIII, prevê que caberá
fiança, disciplinada como medida cautelar diversa da prisão, nas infrações que
a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a
obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem
judicial. E mais, sendo cautelar, admite-se o arbitramento de fiança cumulada
com outras medidas cautelares (art. 319, §4º, CPP). Até porque, a teor do novo
art. 336, o dinheiro ou objetos dados como fiança servirão ao pagamento das
custas, da indenização do dano, da prestação pecuniária e da multa, se o réu
for condenado (ainda que seja extinta a punibilidade pela prescrição depois da
sentença condenatória (art. 110, CP).
Permanece a previsão no sentido de que, nos casos
de afiançabilidade, pode-se conceder liberdade provisória, nos termos do art.
350 do CPP, dispensando-se o pagamento, se se tratar de preso pobre, desde que
se submeta ao cumprimento de determinadas condições.
Quanto às hipóteses instrumentais de
inafiançabilidade, o art. 324, em sua nova dicção, veda a fiança: a) aos que,
no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou
infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts.
327 e 328 deste Código; b) em caso de prisão civil (por dívida) ou militar; c)
quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva
(art. 312), por sua lógica incompatibilidade.
3.2.1. Arbitramento de fiança pela autoridade
policial
No regramento anterior ao projeto de lei
4.208/2001, a autoridade policial somente poderia conceder fiança (art. 322,
com redação dada pela lei 6.416/77) nos casos de infração punida com detenção
ou prisão simples. Nos demais casos, a fiança devia ser requerida ao juiz, para
decisão em 48 (quarenta e oito) horas (art. 322, parágrafo único).
Agora, prevê o art. 322, em sua nova redação, que a
autoridade policial poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena
privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos. Nos demais
casos, ou seja, quando a pena máxima cominada for superior a 4 (quatro) anos, a
fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas (art.
322, parágrafo único).
Note-se que as hipóteses em que a autoridade
policial poderá arbitrar fiança são exatamente os casos em que, pelo critério
da pena, não se admite prisão preventiva. No entanto, uma leitura apressada do
disposto no novo art. 322 levaria à conclusão de que a autoridade policial, em
todos os casos em que a pena máxima cominada não seja superior a 4 anos,
deveria arbitrar fiança. Ocorre que o art. 322 deve ser interpretado
sistematicamente, em sua inevitável conjugação com os arts. 323 e 324.
Assim, obviamente, a autoridade policial não pode arbitrar fiança nos casos de
flagrante de crime inafiançável (inafiançabilidade material-constitucional,
art. 323, CPP). Não poderá, também, arbitrar fiança quando presentes os motivos
que autorizam a prisão preventiva (art. 324, IV, CPP), nos seguintes casos: b)
reincidência em crime doloso, salvo se, em relação à condenação
anterior, entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração
posterior tiver decorrido período superior a 5 (cinco) anos, computado o
período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer
revogação (art. 64, I, CP); c) crime violento praticado em circunstância
doméstica ou familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou
pessoa com deficiência, para garantir a execução de medidas protetivas de
urgência; d) caso de dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou ausência de
fornecimento de elementos suficientes para esclarecê-la.
É que, nessas hipóteses, em que a lei admite a
prisão preventiva mesmo nos casos em que a pena máxima cominada seja igual ou
menor que 4 (quatro) anos, eventual arbitramento da fiança deve se dar pelo
Juiz de Direito, ouvido o Ministério Público, por força do que dispõem os arts.
310, II, 319, VIII, 319, §4º, 322, parágrafo único, e, especialmente, art. 335[21],
todos do CPP.
Nos casos em que o arbitramento da fiança couber à
autoridade policial, será concedida, sempre, em obediência ao limite de 1 (um)
a 100 (cem) salários mínimos, cujo pagamento poderá ser dispensado, atenuado ou
majorado, somente pelo Juiz de Direito, se assim recomendar a situação
econômica do preso, nos termos do inciso I e do §1º, ambos do art. 325, do CPP.
4. Das medidas cautelares
O novo art. 319 traz o rol “das outras medidas
cautelares”, ampliando significativamente a tutela de urgência no processo
penal. A ideia que inspirou o projeto é aplicar, sempre que suficiente e
adequado aos seus fins, como alternativa à prisão provisória, outra medida
alternativa à prisão provisória. Essas “outras cautelares” (entre elas a
fiança), assim, podem ser aplicadas de forma isolada ou cumulativa –
inclusive vinculadas à liberdade provisória, como condicionantes de sua manutenção.
Diz, então, o art. 319, que são medidas cautelares diversas da prisão: I -
comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz,
para informar e justificar atividades; II - proibição de acesso ou frequência a
determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o
investigado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de
novas infrações; III - proibição de manter contato com pessoa determinada
quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado
dela permanecer distante; IV - proibição de ausentar-se da Comarca[22]
quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou
instrução; V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga
quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; VI -
suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica
ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de
infrações penais; VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de
crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem
ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de
reiteração; VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o
comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em
caso de resistência injustificada à ordem judicial; IX – monitoração
eletrônica.
Entendemos que o rol é exemplificativo, nada
impedindo que o juiz, com base no poder geral de cautela, determine outras
medidas, desde que fundadas em critérios análogos aos que informam as hipóteses
dos incisos I a IX do art. 319, do CPP, bem como inspiradas, no plano concreto,
nas diretrizes gerais do art. 282. Entendimento diverso poderia levar, em
alguns casos, à decretação da prisão preventiva prioritária, quando o atual
sistema procura reservá-la apenas para as hipóteses em que as outras cautelares
se revelem insuficientes ou inadequadas. Podemos identificar, assim, a título
exemplificativo, como hipóteses implícitas de medidas cautelares diversas da
prisão: a) suspensão de habilitação para condução de veículo automotor,
aeronave ou embarcação; b) suspensão de autorização para porte de arma de fogo,
ainda que funcional; c) suspensão do licenciamento e impedimento de
transferência de veículo automotor; d) bloqueio de bens, direitos ou
rendimentos, ainda que provenientes de relação de emprego ou remuneração pelo
exercício de função pública, quando se tratar de investigado ou acusado em
local incerto e não sabido etc.
Cumpre destacar, por fim, que, nos termos do §1º do
art. 283, não se aplicam as medidas cautelares aos casos infrações para as
quais não haja cominação, ainda que alternativa, de pena privativa de liberdade
(art. 28 da lei de drogas, alguns “crimes” do código eleitoral e algumas
contravenções penais).
5. Conclusão
Sabido que a maioria dos casos de condenação
criminal tem pouco efeito prático. O principal instrumento de coerção cautelar
e controle social é (ou era) a prisão provisória. Com a lei nova,
consolidando-se a subjugação da força coercitiva do flagrante, a sociedade
estará menos protegida, pois estão fora da previsão de prisão preventiva (salvo
o caso de reincidência em crime doloso) os crimes para os quais a lei não prevê
pena de prisão superior a quatro anos, tais como os crimes contra as finanças
públicas (incluídos no Código Penal pela Lei n. 10.028/2000), contra a
propriedade imaterial e intelectual, contra o privilégio de invenção e as
marcas de indústria e comércio, de concorrência desleal e contra a organização
do trabalho, além de crimes “graves” contra a administração da justiça, como,
por exemplo, coação no curso do processo. O objetivo da reforma é a ampliação
das garantias ou o fomento de vagas no sistema prisional?
A lei nova, caso sancionado o projeto, entrará em
vigor 60 (sessenta) dias após a sua publicação."
Rodrigo Iennaco é promotor de Justiça em Minas Gerais, mestre em
Ciências Penais/UFMG e professor convidado da pós-graduação da UFJF.
Referências
GOMES Luiz Flávio, "Direito de Apelar em
Liberdade", São Paulo, Revista dos Tribunais, 1994
JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual
Penal", Rio de Janeiro, Forense, 7ª edição, 1999
MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas do Processo
Civil, São Paulo, Malheiros, 3ª ed., 1999
RICCI, Edoardo. A tutela antecipatória brasileira
vista por um italiano, Genesis - Revista de Direito processual civil, v.
6
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal,
vol. 3, São Paulo, Saraiva, 21ª edição, 1999
[1] Como citar este artigo: IENNACO
DE MORAES, Rodrigo. Reforma do CPP: cautelares, prisão e liberdade provisória.
Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2861, 2 maio 2011. Disponível em:
. Acesso em: 2 maio 2011
[2] Prisão provisória é o gênero que
tem como espécies as modalidades aqui expostas. A prisão decorrente de
pronúncia não consta do rol do art. 283, caput, do CPP, mas a
admissibilidade positiva da imputação de crime doloso contra a vida continua a
reclamar análise da necessidade de prisão, nos moldes do art. 413, do CPP. A prisão
decorrente de condenação recorrível, até então identificada pela doutrina
com uma das modalidades de prisão provisória (e das mais controvertidas, como
veremos depois), foi abolida pela lei oriunda do projeto 4.208/2001. Esta mesma
lei não faz menção à prisão decorrente de pronúncia; porém, entendemos que a
modalidade subsiste, embora a redação do dispositivo que a agasalha (413, CPP)
tenha a aproximado, em substância, da disciplina da prisão preventiva. Deve-se
observar, também, que “prisão especial”, fruto de discussão e proposta de
alteração não acolhida na reforma, não é uma modalidade de prisão provisória,
mas modalidade de cumprimento de prisão provisória. Pode ser entendida,
ainda, como sucedâneo da prisão provisória. O Código de Processo Penal, no art.
295 (além de outras leis extravagantes), em dispositivo de duvidosa
constitucionalidade, fala em recolhimento “a quartéis ou a prisão especial”;
onde não houver prisão especial, deverá ser recolhido no domicílio, conforme
dispõe a Lei n. 5.256/67 (prisão provisória domiciliar). O projeto novo também
disciplina (capítulo IV do título IX do livro I, CPP) casos de “prisão
domiciliar”, para hipóteses específicas (art. 318, CPP) em que não cabe
liberdade provisória (ou outras cautelares alternativas à prisão), mas a
submissão à prisão provisória em condições normais se torna excessivamente
gravosa ao preso, que passa, assim, a ficar “preso” em sua própria casa (art.
317, CPP).
[3] Veremos, mais adiante, que o CPP
descrevia casos de inafiançabilidade, complementando os casos de
inafiançabilidade constitucional. Fora das hipóteses de inafiançabilidade,
tínhamos os crimes ditos afiançáveis. Agora, o CPP apenas reproduzirá os casos
de inafiançabilidade constitucional, sendo os demais crimes, a contrario
sensu e via de regra, afiançáveis.
[4] Não é supérfluo frisar que o
limite de 24h consolidado na cultura popular não corresponde à apreciação
técnica do flagrante.
[5] De acordo com a redação anterior
do art. 321 do CPP, ora revogada pela lei oriunda do projeto 4.208/2001, o
conduzido se livrava solto desde que, não reincidente nem vadio, não fosse
cominada pena privativa de liberdade à infração praticada ou, ainda que
cominada, não excedesse a 03 (três) meses. Acontece que, com a Lei n. 9.099/95
(Juizados Especiais), tais hipóteses já haviam sido abrangidas no procedimento
aplicável aos crimes de pequeno potencial ofensivo, em que, via de regra, não
se procede à lavratura do flagrante.
[6] Antes, a autoridade policial
somente poderia arbitrar a fiança nas hipóteses de infrações apenadas com pena
de detenção ou prisão simples. Nos demais casos, apenas a autoridade judicial.
Com a nova redação conferida ao art. 322 do CPP, pela lei oriunda do projeto
4.208/2001, a autoridade policial poderá conceder fiança nos casos de infração
cuja pena máxima não seja superior a 4 (quatro) anos.
[7] Antes, a lei falava em crime
doloso apenado com reclusão ou, com detenção, quando se apurasse que o
indiciado era vadio, não identificado ou reincidente em crime doloso. Crimes
que admitem prisão preventiva; no Código Penal: homicídio (simples e
qualificado), induzimento, instigação ou auxílio a suicídio (majorado, se da
tentativa de suicídio resulta lesão corporal grave), infanticídio, aborto
provocado por terceiro sem o consentimento da gestante, aborto qualificado
provocado com o consentimento da gestante, lesão corporal grave, lesão corporal
seguida de morte, abandono de incapaz com resultado lesão grave ou morte,
exposição ou abandono de recém-nascido com resultado morte, maus-tratos contra vítima
menor de 14 anos ou com resultado morte, injúria racial praticada mediante paga
ou promessa de recompensa, sequestro e cárcere privado qualificados ou de que
resulta grave sofrimento, redução a condição análoga à de escravo, furto
majorado pelo repouso noturno (salvo se primário o agente e de pequeno valor a
coisa) ou qualificado, roubo, extorsão, extorsão mediante sequestro,
apropriação indébita majorada, apropriação indébita previdenciária e
assemelhados, estelionato (salvo se primário o agente e de pequeno valor o
prejuízo) e assemelhados (disposição de coisa alheia como própria, alienação ou
oneração fraudulenta de coisa própria, defraudação de penhor, fraude na entrega
de coisa, fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro, fraude no
pagamento por meio de cheque, abuso de incapazes, fraude no comércio – neste
último caso, salvo se primário o agente e de pequeno valor a coisa), receptação
qualificada ou majorada, estupro, violação sexual mediante fraude, todos os
crimes sexuais contra vulnerável (estupro de vulnerável, corrupção de menores e
favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de
vulnerável), mediação para servir a lascívia de outrem qualificado,
favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual, casa de
prostituição, rufianismo qualificado, tráfico (internacional ou interno) de
pessoa para fim de exploração sexual, bigamia, registro de nascimento
inexistente, parto suposto e supressão ou alteração de direito inerente ao
estado civil de recém-nascido, salvo se praticado por motivo de reconhecida
nobreza, sonegação de estado de filiação, incêndio, explosão simples (salvo se
a substância utilizada não é dinamite ou explosivo de efeitos análogos),
explosão majorado, inundação, subtração, ocultação ou inutilização de material
de salvamento, difusão de doença ou praga, perigo de desastre ferroviário,
desastre ferroviário, atentado contra a segurança de transporte marítimo,
fluvial ou aéreo, sinistro em transporte marítimo, fluvial ou aéreo, atentado
contra a segurança de outro meio de transporte, atentado contra a segurança de
serviço de utilidade pública, interrupção ou perturbação de serviço telegráfico
ou telefônico (desde que cometido por ocasião de calamidade pública), epidemia,
envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal,
corrupção ou poluição de água potável, falsificação, corrupção, adulteração ou
alteração de substância ou produtos alimentícios, falsificação, corrupção,
adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais
(e crimes assemelhados), emprego de processo proibido ou de substância não
permitida, invólucro ou recipiente com falsa indicação (e venda de produto nas
condições semelhantes), substância destinada à falsificação de produtos
alimentícios, terapêuticos ou medicinais), quadrilha ou bando armado, moeda
falsa e assimilados, petrechos para falsificação de moeda, falsificação de
papéis públicos, selo ou sinal público, falsificação de documento público ou
particular, falsidade ideológica, falso reconhecimento de firma ou letra, uso
de documento falso, supressão de documento, falsificação do sinal empregado no
contraste de metal precioso ou na fiscalização alfandegária, ou para outros
fins, adulteração de sinal identificador de veículo automotor, peculato,
inserção de dados falsos em sistema de informações, concussão, excesso de
exação, corrupção passiva (salvo se o funcionário pratica, deixa de praticar ou
retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou
influência de outrem), facilitação de contrabando ou descaminho, violação de
sigilo funcional qualificada (se da ação ou omissão resulta dano à
Administração Pública ou a outrem), usurpação de função pública qualificada (se
do fato o agente aufere vantagem), tráfico de Influência, corrupção ativa,
contrabando ou descaminho majorados (se o crime é praticado em transporte
aéreo), inutilização de edital ou de sinal, subtração ou inutilização de livro
ou documento, sonegação de contribuição previdenciária, corrupção ativa em
transação comercial internacional, tráfico de influência em transação comercial
internacional, denunciação caluniosa (salvo se a imputação é de prática de
contravenção), fuga de pessoa presa ou submetida a medida de segurança
qualificada (se o crime é praticado a mão armada, ou por mais de uma pessoa, ou
mediante arrombamento), exploração de prestígio.
[8] A fundamentação, portanto, é
vinculada. O legislador limita o poder geral de cautela do juiz, restringindo
as hipóteses de fundamentação jurídica indispensável à legalidade da medida. O
juiz, para decretar a prisão preventiva, está adstrito à demonstração de que o
fundamento fático contido nos elementos de convicção coligidos no processo
corresponde a um dos fundamentos de direito, não podendo ampliar o elenco nem
se pautar em conjecturas.
[9] O § 2º do art. 325 pela lei n.
8.035, de 27.4.1990, previa que, nos casos de prisão em flagrante pela prática
de crime contra a economia popular ou de crime de sonegação fiscal, não se
aplicava a concessão de liberdade provisória por insubsistência dos motivos da
preventiva, e trazia uma disciplina peculiar, agora abolida com a reforma
encampada pela lei oriunda do projeto 4.208/2001.
[10] Deve-se conjugar, aqui, a
expressão “instrução criminal” com o disposto no art. 311, no sentido de que
cabe a prisão preventiva para a instrução provisória do inquérito ou probatória
do processo.
[11] Cuida-se, aqui, de dispositivo
similar ao que já se encontrava previsto para os casos de violência doméstica
ou familiar contra a mulher (“antigo” inciso IV do art. 313, CPP, cuja redação
foi agora modificada pela lei oriunda do projeto 4.208/2001).
[12] Essa modalidade pode ser
decretada sem o preenchimento dos elementos constitutivos do art. 312, CPP,
porém apenas quando não for o caso de substituição (ou reforço) da cautelar por
outra (expressão “último caso”, do art. 282, §4º)..
[13] Logo, para que o juiz converta o
flagrante em preventiva torna-se imprescindível a representação da autoridade
policial ou o requerimento do Ministério Público – que sempre será ouvido
previamente à decisão, sob pena de nulidade.
[14] Hipótese em que será obrigatória
a prévia oitiva do Ministério Público, dada a titularidade da ação penal.
[15] Pressuposto implícito no rol do
art. 1o, III, da Lei 7.960/89, correlato à prova da existência do
crime exigida para a decretação da prisão preventiva (objetivo).
[16] A análise da fiança era feita
subsidiariamente, no caso do sujeito que não era primário ou não tinha bons
antecedentes; primário e de bons antecedentes, então, recorria em liberdade.
[17] Se a prisão era efeito da
sentença condenatória, não haveria necessidade de fundamentação: este era o
espírito da lei. Com o advento da CR/88, determina-se a fundamentação de todas
as decisões, além de se erigir, em sede constitucional, o princípio da
presunção de inocência. Controvertiam, a respeito, os doutrinadores pátrios,
várias teorias surgindo: a) efeito automático da condenação recorrível (Weber
M. Batista); b) medida cautelar obrigatória (Damásio E. de Jesus); c) execução
provisória da pena (Afrânio Silva Jardim); d) regra procedimental condicionante
da apelação (Júlio F. Mirabete); e) prisão de natureza processual (Rogério
Lauria Tucci); f) prisão de natureza cautelar (Tourinho Filho et al).
Noutra oportunidade, sobre o tema, escrevemos: “Às vezes a análise
jurídico-científica, em assuntos que dizem respeito à Segurança Pública e ao
controle da criminalidade, por influência extrínseca aos organismos
institucionais insertos na persecução penal, cede lugar ao argumento da
política criminal. Nesse paradoxo, controvertem-se ideários opostos: abolicionistas,
questionando a legitimidade ou proclamando a mínima intervenção do Direito
Penal (ultima ratio); sectários do movimento da lei e da ordem,
com discurso retórico e simbólico, ao argumento falacioso da segurança social.
Tal embate político de idéias tem favorecido, a par da atecnia e da 'inflação
legislativa' (Miguel Reale), a degradação do conjunto normativo como sistema
harmônico. Tal contexto lança seus reflexos também na seara processual, em que,
posto dissimuladamente, a investigação doutrinária sucumbecede ao autoritarismo
legiferante ou, noutras vezes, à interpretação jurisprudencial voltada ao
pretenso controle jurisdicional da criminalidade - é o Estado suprindo, pela
imposição do Direito, a omissão (legislativa e social) do próprio Estado. Assim
ocorre com a prisão em virtude de sentença condenatória recorrível, transmudada
pela interpretação pretoriana e pela doutrina dominantes em prisão de natureza
cautelar, aproximando-a artificialmente da prisão preventiva, no afã de
travestir de constitucionalidade uma medida inconstitucional. Por que
“transmudada artificialmente”? Vejamos... Investigando a natureza jurídica da
prisão decorrente de condenação criminal recorrível, a doutrina diverge.
Damásio E. de Jesus (apud Gomes, Luiz Flávio, "Direito de Apelar em
Liberdade", São Paulo, Revista dos Tribunais, 1994, p.23) e Weber
Martins Batista (apud Gomes, Luiz Flávio, op. cit., p. 22) concluem
pela necessidade de recolhimento à prisão como condição para apelar,
admitindo-se a presunção (legal) de periculosidade do condenado. A nosso
ver, conceber a 'necessidade abstrata' baseada em critérios legislativos
apriorísticos é reconhecer a obrigatoriedade da prisão ('efeito automático da
condenação recorrível'), subtraindo do juiz a verificação concreta da
necessidade da medida a partir do periculum libertatis: violação da
presunção de inocência! Luiz Flávio Gomes aduz que "a prisão
derivada de sentença recorrível só pode ter natureza cautelar(...)”(op.
cit, p. 31). Para nós, a prisão em virtude de condenação não trânsita só
poderia ser cautelar, justificada pela instrumentalidade e extrema
necessidade da medida, se a lei processual, e somente a LEI, tivesse conferido
a tal espécie de prisão contornos tipicos de cautelaridade. No mesmo passo,
Frederico Marques salienta que "não sendo execução provisória,
apenas medida cautelar, na verdade se traduziria em autêntica prisão preventiva
obrigatória, o que também viola o princípio constitucional de inocência”.
(apud Gomes, Luiz Flávio, op. cit., p. 25.) Como não é, em sua natureza,
cautelar, não foi recepcionada pela Constituição - malgrado entendimento
contrário consolidado no STJ (Súmula nº 9 do STJ: "A exigência da prisão
provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de
inocência”) e no STF. Com efeito, observa Afrânio Silva Jardim ("Direito
Processual Penal", Rio de Janeiro, Forense, 7ª edição, 1999, p. 276) que a
prisão para apelar não possui, tecnicamente, característica cautelar: a) não há
vínculo de acessoriedade com o resultado pretendido na ação condenatória, é o
próprio acolhimento da pretensão punitiva; b) é a própria pena pleiteada na
denúncia, aplicada sob condição resolutiva; c) não visa, na sistemática do CPP,
à prevenção de prováveis danos (periculum in mora); d) a sentença
condenatória sequer deriva de cognição sumária (fumus boni juris), mas é
o exame do próprio mérito da pretensão punitiva - afirmação do jus puniendi
estatal; e) a marca da provisoriedade é mitigada, em que pese a condição
resolutiva; f) e principalmente não há conotação da instrumentalidade.
Mesmo Tourinho Filho (apud Gomes, Luiz Flávio, op. cit., p. 28), posto defenda
a cautelaridade da medida, admite que, quando da elaboração do CPP,
considerava-se tal prisão como uma provisória execução da pena (art. 669, I);
todavia, com a LEP (art. 105), exige-se trânsito em julgado para o início da
execução. Conclui o eminente processualista, então, que até o advento da LEP
tínhamos execução provisória da pena: depois da CR/88, tal concepção afronta a
presunção de inocência. Para nós, a superveniência de lei que impossibilita a
execução provisória da pena (LEP), tratando especificamente da matéria,
conduziria à revogação do artigo do CPP que a consagrava. Ora! Não se admitindo
a possibilidade da execução provisória da pena, a prisão decorrente de sentença
condenatória recorrível teria sido revogada pela Lei de Execução Penal.
Defendendo-se a tese contrária, para se afirmar que a prisão só pode ser
cautelar (quando não é), a partir do momento em que a nova ordem constitucional
preconiza, como princípio informador do sistema, a presunção de inocência, pelo
escalonamento da ordem jurídica, não seria (como não foi) o instituto
recepcionado. O que se fez (e ainda se faz) ‘e distorcer a análise técnica do
instituto, ampliar artificialmente o sentido da lei para justificar a privação
(inconstitucional) da liberdade. Ao aproximar a prisão em virtude de condenação
recorrível da prisão preventiva (modalidades autônomas e fundamentalmente diversas),
criaram nova espécie, sem respaldo normativo, ferindo o princípio da
legalidade. Não se pode dizer que a prisão, neste caso, não é sanção
provisoriamente executada, mas privação cautelar da liberdade - que apenas
poderia ser admitida como limitação legal ao status libertatis,
em hipóteses taxativamente configuradas e fundamentadas pelo Juiz. Com acerto
registra Rogério Lauria Tucci (apud Gomes, Luiz Flávio, op. cit., p. 30)
que não se pode confundir a prisão provisória tipicamente cautelar (flagrante,
preventiva e temporária) com a de natureza processual. A derivada de sentença
recorrível (e a de pronúncia) tem por pressuposto o proferimento de ato
decisório. E conclui: somente quando for o caso de prisão provisória
tipicamente cautelar é que, por não ocorrer apriorística consideração de culpa
do acusado, nenhuma afronta sofrerá o preceito constitucional (art. 5º, LVII).
Leciona Edoardo Ricci (Le nuove leggi civili commentate, Legge 2 dicembre 1995,
n. 534, p. 650) que só podem ser 'cautelares' as tutelas destinadas a
viabilizar a satisfatividade do direito, sem, contudo, a sua satisfação
imediata. "Só pode ser instrumental em relação à tutela de mérito uma
tutela que não coincida com esta." (A tutela antecipatória brasileira
vista por um italiano, Genesis - Revista de Direito processual civil, v. 6, p.
708). À luz da Teoria Geral (unicidade do processo), ressalvadas as
particularidades do Processo Penal, coletamos a lição de Luiz Guilherme
Marinoni sobre a provisoriedade na tutela de urgência: "A tutela
cautelar não pode satisfazer, ainda que provisoriamente, o direito acautelado.
(...) se a tutela, ainda que fundada em cognição sumária, dá ao autor o
resultado prático que ele procura obter através da própria tutela final, não é
possível dizer que esta tutela esteja apenas assegurando o resultado útil do
processo". (Novas Linhas do Processo Civil", São Paulo,
Malheiros, 3ª ed., 1999, p. 125) A instrumentalidade é, de fato, uma das notas
características da tutela cautelar, ausente na antecipação da tutela. A
provisoriedade não é ponto distintivo. Noutro passo, "a tutela que
realiza o direito material afirmado pelo autor (...) não pode ser definida como
cautelar. (...) ou, melhor, não é um instrumento que se destina a assegurar a
utilidade da tutela final". (op. cit. p. 127) Admite-se prisão
provisória, em casos de excepcional necessidade - para assegurar a utilidade e
efetividade da Jurisdição (cautelaridade). Antecipação da tutela penal
condenatória, mediante cognição sumária, seria a afronta direta à presunção de
inocência e à ampla defesa. Poderia a privação da liberdade (pena) ser
executada antes do trânsito em julgado, provisoriamente? (v., a respeito,
TJ/SP, HC nº 288.114-3/3, Barretos, 2ª Ccrim. De Julho/99, rel. des. Silva
Pinto, j. 26/07/99, v.u. - "Execução provisória. Admissibilidade, desde
que a sentença tenha transitado em julgado para o MP" - in Boletim IBCCRIM
nº 87 - fevereiro/2000). Urge a reformulação legislativa e dogmática que
traduza, para o Processo Penal, os modernos contornos da tutela de
urgência, sob pena de afronta às liberdades individuais e à segurança jurídica,
subjugadas pelo entendimento conjuntural do Judiciário. Sobretudo porque
demonstra antecipada admissão de culpa do condenado, não pode prevalecer,
diante da CR/88, a prisão decorrente de condenação não trânsita. Não cabe,
igualmente, a ampliação praeter legem do instituto para justificação da
medida, pois tal ampliação transmuda o instituto em detrimento da legalidade e
em afronta à liberdade do cidadão. Poder-se-ia discutir a extensão da prisão
preventiva além da instrução, após a sentença, para assegurar a aplicação da
lei penal. O que não podemos aceitar é que a Justiça, ao subterfúgio do
controle da criminalidade e em detrimento da liberdade constitucionalmente consagrada,
adiante-se ao legislador omisso. Cabe a ressalva de que, no cotidiano forense,
é amplamente majoritário o entendimento de que o tema da prisão provisória (em
qualquer de suas modalidades, inclusive esta em decorrência de condenação
recorrível) submete-se à análise da necessidade cautelar da medida,
sujeitando-se, então, aos fundamentos da cautelaridade e excepcionalidade da
prisão como instrumento assecuratório do processo (não da prisão como
pena).”
[18] Tourinho Filho, Fernando da
Costa. Processo Penal, vol. 3, São Paulo, Saraiva, 21a ed.,
1999, p. 496.
[19] Dispõe o art. 5o,
LVII, da CR/88: Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória.”
[20] O art. 314 c/c o art. 310,
parágrafo único, ambos do CPP prevê que “em nenhum caso” será decretada a
prisão preventiva se o juiz verificar, pelo APF, que o sujeito praticou o fato
ao amparo de causa excludente da ilicitude (art. 23, CP). De ver-se, porém, que
o caso é de cognição cautelar, provisória. Assim, se no curso da investigação
ou do processo o panorama probatório se altera, ou se o acusado começa a
influir na instrução criminal, ameaçando testemunhas p. ex., a convicção pode
ser alterada, justificando a custódia preventiva. O juízo cautelar não é de
certeza (definitivo), mas de verossimilhança: juízo provisório de
verossimilhança consubstanciado na necessidade excepcional da medida privativa
de liberdade. Por isso, nesse caso, a liberdade provisória será concedida
mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de
revogação (art. 310, parágrafo único, parte final).
[21] O art. 335 prevê, expressamente,
hipótese de recusa da autoridade policial em conceder a fiança, caso em que a
autoridade judicial decide em 48 (quarenta e oito) horas sobre o pleito.
[22] Originalmente, o projeto previa,
também, a proibição de ausentar-se do país, que, apesar de suprimida do texto,
continua contemplada. Primeiro porque, se o juiz pode estipular, como medida
cautelar, a proibição de o indiciado ou acusado ausentar-se da Comarca, também
pode valer-se de menor restrição, ou seja, proibição de ausentar-se do estado
ou do país. Segundo, porque o próprio art. 320, do CPP, diz que “a proibição de
ausentar-se do país será comunicada pelo juiz às autoridades encarregadas de
fiscalizar as saídas do território nacional, intimando-se o indiciado ou
acusado para entregar o passaporte, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas”.
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