“FUNDAMENTAÇÃO
FILOSÓFICA DO PRINCÍPIO DE PARTICIPAÇÃO NO
DIREITO
AMBIENTAL A PARTIR DA PRAGMÁTICA HABERMASIANA*
FONDAMENTAZIONE
FILOSOFICA DEL PRINCIPIO DI
PARTECIPAZIONE
NEL DIRITTO DELL’AMBIENTE A PARTIRE DA
PRAGMATICA
HABERMASIANA
Clodomiro
José Bannwart Júnior
Valéria
Oliveira Martins
RESUMO
O
presente trabalho destaca o princípio de participação no direito ambiental e
sua
necessidade
de fundamentação a partir de pressupostos filosóficos. Tem como objetivo
apresentar
a perspectiva da ética discursiva habermasiana enquanto condição de
efetividade
do princípio de participação no contexto das sociedades pluralistas que
formam
o cenário contemporâneo solapado pelo desafio urgente do equilíbrio e da
preservação
ambiental. Nesse aspecto, inscrevem-se as origens que deram sobrevida ao
princípio,
para, em seguida, sinalizar as condições que lastrearam a necessidade – do
ponto
de vista ético e moral – de o princípio se fazer presente na teoria da
sociedade
contemporânea.
A partir da análise da incursão transcendental, com base na pragmática
universal
habermasiana, que assegura a fundamentação de tal princípio, passa-se a
delinear
como o texto constitucional brasileiro trata do tema, quando da elevação do
direito
ao ambiente a status de direito fundamental e como direito subjetivo e dever
jurídico
objetivo. Defende-se que tal dever somente pode ser cumprido através do
princípio
da participação, consubstanciado na criação das normas ambientais, na
mediação
do Poder Judiciário e na construção e execução das políticas ambientais, além
de
outras formas não mediadas pelo Estado.
PALAVRAS-CHAVES:
PARTICIPAÇÃO; MORAL; AÇÃO COMUNICATIVA;
MEIO
AMBIENTE.
RIASSUNTO
* Trabalho
publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São
Paulo –
SP
nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.
INTRODUÇÃO
O
princípio da participação no Direito Ambiental, nascido do Estado Democrático
de
Direito,
do qual não pode se separar, é o tema central do trabalho que se divide em
cinco
itens. Em um primeiro momento, busca-se estabelecer os fundamentos filosóficos
que
subsidiam a relação homem/natureza, através de uma incursão reconstrutiva desde
a
idade
média até a contemporaneidade.
Segue-se
uma discussão a respeito dos juízos éticos e morais que envolvem o princípio
da
participação, demonstrando que este é estendido universalmente e, nesse
ínterim, a
sua
fundamentação é possível de ser assegurada pelo pressuposto da ética discursiva
habermasiana,
com base na dimensão transcendental da própria linguagem.
A
teoria social haberbasiana é tema do item três. Neste momento, defende-se que o
princípio
da participação somente se efetiva em um modelo de democracia deliberativa,
perpetuado
no Direito Ambiental principalmente a partir dos movimentos sociais da
década
de 60 e, após a Conferência de Estocolmo, adquirindo status de direito
fundamental
nas constituições contemporâneas.
Os
dois últimos itens do trabalho pretendem discorrer a respeito do tratamento que
a
ordem
constitucional brasileira dispensou ao tema, imprimindo-lhe dupla dimensão,
seja
como
direito subjetivo seja como dever jurídico objetivo. O princípio da participação
é
essencial
para o cumprimento deste último, tendo o mesmo que ser observado desde o
momento
do nascimento da norma jurídica ambiental (nomogênese) até a sua aplicação,
bem
como através dos mecanismos processuais constitucionais e infraconstitucionais
que
permitem a tutela do ambiente. Além disso, outras formas de participação,
ligadas
aos
movimentos sociais, também se legitimam para que tal princípio alcance o seu telos.
2598
1 –
A VISÃO DA “NATUREZA” NA PASSAGEM DA IDADE MÉDIA PARA A
IDADE
MODERNA: A NATUREZA DO PONTO DE VISTA
EPISTEMOLÓGICO.
A
transição da Idade Média para a Idade Moderna alterou significativamente a
maneira
de o homem relacionar-se com a natureza. O cristianismo ocidental, ao longo
da
Idade Média, imprimiu a compreensão de que o homem se destinava a realização de
um telos
transcendente e, que, do ponto de vista teológico, a vida deveria ser
preenchida
nos
afazeres do dia-a-dia visando à preservação da santidade da alma para o gozo
pleno
da
vida eterna. Nesse contexto, o homem mantinha do ponto de vista utilitário uma
postura
de indiferença para com a natureza. Ele se sustentava vinculado à natureza, mas
sem
a ela pertencer integralmente. A natureza para o medievo representava antes de
tudo
a obra do Criador, a manifestação estética da beleza de Deus, devendo ser vista
primeiramente
como objeto de contemplação do que propriamente algo a ser
transformado
pela ação humana. A natureza ou cosmos já era desde a Antiguidade grega
contemplado
em sua forma harmoniosa, porém, muito mais pelo olhar das formas
geométricas
e matemáticas do que teológica. Contudo, a harmonia cósmica da natureza
foi
elemento determinante na sistematização da teologia cristã, realizada por um
dos
teólogos
e filósofos mais influente da Igreja: Santo Agostinho. Segundo Paul Tillich, o
abandono
do maniqueísmo por Agostinho, foi decorrente da sua visão da natureza,
influenciado,
sobretudo, pela astronomia.
A
astronomia lhe mostrou [a Agostinho] o movimento perfeito das estrelas, isto é,
os
elementos
fundamentais da estrutura do universo. Em face disso, não era possível a
existência
do princípio dualista [bem e mal]. Se o universo expressa a estrutura das
formas
matemáticas regulares, harmoniosas e possíveis de cálculo, onde achar os
efeitos
do
demônio na criação do mundo? As estruturas básicas presentes na criação do
mundo
são
boas; foi o que aprendeu com a Astronomia. Usava, dessa maneira, a idéia grega
pitagórica
do cosmos. E os princípios da forma e da harmonia expressos na matemática.
[...]
Esse princípio europeu grego superou para Agostinho o dualismo e a negatividade
do
Oriente. Assim, a separação de Agostinho da filosofia maniqueísta foi apenas um
evento
simbólico. Significava a liberação da ciência natural moderna, da matemática e
da
tecnologia, do pessimismo dualista e da negação da realidade na Ásia. Esse fato
foi
muito
importante para o futuro da Europa. Os filósofos e teólogos agostinianos, do
último
período da Idade Média, deram sempre ênfase à matemática e à astronomia. A
ciência
natural moderna nasceu, como o platonismo e o agostinianismo, na base da
crença
do cosmos harmonioso, determinado por regras matemáticas. Era também a
visão
do mundo da renascença.[1]
Desse
contexto é possível afirmar que a visão harmoniosa do universo e da
natureza
trazida pelos antigos e preservada pelos medievais evidencia a importância que
a
matemática aliada às formas geométricas teve na composição estética do cosmos.
Certamente
a teologia se beneficiou dessa visão positiva da natureza não apenas para
assegurar
a sua beleza, mas para sustentar a bondade e a perfeição do Criador.
2599
A
modernidade, na medida em que rompe com as estruturas medievais de pensamento,
e,
na filosofia, substitui o paradigma da essência pelo paradigma do sujeito
(consciência),
reposiciona o homem como centro absoluto da validação do
conhecimento
e de doação de sentidos às coisas. O homem passa a ser o sujeito do
conhecimento
e a natureza torna-se o objeto passível de ser manipulada e conhecida. O
mundo
que começava a se secularizar, aprofundando cada vez mais a visão
antropocêntrica,
deixou de lado a concepção contemplativa que a religião impunha à
natureza
e passou a se ocupar da decifração dos códigos matemáticos inscritos na
realidade
natural.
Na
verdade, o homem, sem Deus, passava a se preocupar, de forma cada vez mais
intensa,
com os fenômenos naturais, com as suas manifestações que causavam medo e
insegurança.[2] A
intensificação do uso da matemática e da experimentação visava
assegurar
condições para o descobrimento do funcionamento das leis causais da
natureza
e apaziguar o medo que a natureza, em momentos revoltosos de tempestades,
furacões
e epidemias imputavam à ignorância do homem. Assim, a verdade deixou de
ser
pressuposto da revelação divina e passou a ser explorada, cada vez mais, pelo
caráter
experimental,
matemático e, sobretudo, técnico da ciência moderna.
Desse
modo, o conhecimento científico e a apropriação da técnica por meio do
positivismo
suprimiram a aspiração ao conhecimento teórico do mundo, em benefício,
quase
que exclusivo, de sua utilização técnica e instrumental[3].
A
objetivação metódica da natureza foi alcançada graças à combinação da
matemática
com a atitude instrumental que, por meio da experimentação de seus objetos
disponíveis,
passou a dispor da natureza para fins de exploração e de manipulação.
Assim,
a ciência moderna, guardiã do estatuto epistemológico, acabou por conceder o
status
de conhecimento somente àquilo que se enquadra nos requisitos
científicos. Esta
fase
caracteriza-se pelo cinismo da razão à medida que a modernidade abandona a
intenção
crítica que movia seus propósitos iniciais, em benefício de um projeto oculto
de
dominação. A racionalidade torna-se cínica quando abandona o seu projeto inicial
–
o
qual tinha surgido para combater o mito e promover o esclarecimento e a
liberdade – a
favor
da sua instrumentalização, transformando-se num potencial de caráter repressivo
e
atrofiado,
ao condicionar o conhecimento a um mero instrumento a serviço da ciência.
Não
obstante tenha concretizado, na sociedade moderna, sua índole instrumental, a
razão
consolidou também o exercício da dominação da natureza e, por extensão, a
dominação
do próprio homem. O seu potencial crítico, banalizado e submetido aos
ditames
da técnica, veio revestido da crença, oriunda dos ideais da Ilustração,
de que o
avanço
tecnológico sanaria todas as mazelas da existência humana em seus aspectos
materiais
e espirituais. O progresso da tecnologia e o crescimento econômico orientado
pelo
saber técnico instrumental condicionaram as formas de ação à lógica
desenvolvida
pelo
aparato sistêmico, reduzindo as decisões dos indivíduos e a organização da vida
social
ao componente técnico científico. Na perspectiva desta racionalidade, a regulação
da
sociedade passa a mover-se numa órbita tecnocrática, “fazendo com que os
indivíduos
percam a possibilidade de crítica, submetendo-se às decisões exigidas pelo
progresso
técnico”.[4]
Assim
que a ciência e a técnica passaram a exercer a manipulação instrumental da
natureza
ocorreu também a transferência dessa mesma manipulação para o âmbito das
relações
humanas, produzindo um processo de reificação. A decorrente tecnificação do
2600
mundo
moderno impôs também no campo da moral e do direito, uma racionalidade de
índole
instrumentalizada que converteu as questões prático-morais ao âmbito das
decisões
de ordem técnica. Com esse procedimento, não foi possível a razão fundar uma
perspectiva
normativa orientada pela autonomia do sujeito, mas, antes, fez a conversão
do
homem em objeto da ciência, como se o mesmo fosse um elemento entre outro da
natureza,
passível de domínio e de manipulação. A razão instrumentalizada passou a
preocupar-se,
tão somente, com a definição de fins condicionados às circunstâncias
dadas.
Em lugar de fins últimos se devem buscar fins adequados a meios disponíveis.
Na
carência de um fim último, o sujeito moderno passou a flexibilizar sua ação por
uma
lógica
meio-fim, em que o fim, não sendo determinado, senão circunstancialmente,
possibilita
a transformação do homem em objeto, cuja ação torna-se passível de
manipulação
e de instrumentalização.
A
dimensão instrumental do agir entre humanos e, sobretudo, com a natureza tem
despertado,
desde a segunda metade do século passado, a necessidade de repensar as
nossas
fragilizadas relações normativas entre os seres humanos e também com a
natureza,
sob o ponto de vista ético e moral. Habermas tem sido nesse aspecto um dos
autores
de destacada influência no debate oriundo entre universalistas e comunitaristas
na
década de 1970. Para o nosso propósito não cabe a reconstrução desse debate,
mas
sinalizar
a importância da distinção entre ética (comunitaristas) e moral
(universalistas)
para
jogar luz ao princípio de participação no âmbito do direito ambiental, objeto
de
nossa
tematização.
2 –
PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO E O AMBIENTE: ENTRE JUÍZOS
ÉTICOS
E MORAIS.
Em
razão de o nosso objeto de pesquisa destacar as implicações epistemológicas e,
também,
normativas na relação homem/natureza, vale demonstrar a diferença que há
entre
juízos éticos e juízos morais. De início essa diferenciação é marcada pelo grau
de
dependência
e independência em relação ao contexto. A ética se prende à dimensão
valorativa,
onde se partilham comumente os valores, as tradições e os costumes; e a
moral
se atém aos princípios racionais que norteiam a prática argumentativa na
resolução
consensual de conflitos, do ponto de vista da justiça. A ética tem a ver com a
resposta
que construímos em relação à pergunta “O que devemos fazer?” quanto à
construção
do sentido de nossa existência. Ou seja, do ponto de vista ético “as escolhas
que
fazemos na vida visando realizar o bem, nós a realizamos com vistas a alcançar
aquilo
que seja bom para nossa auto-realização e autocompreensão existencial”.[5]
Quando
a pergunta “O que devemos fazer?” leva em consideração a implicação da ação
particular
(subjetiva) em relação aos interesses dos outros e exige que os conflitos
surgidos
sejam regulados imparcialmente do ponto de vista cognitivo, então adentramos
no
terreno da moral propriamente dita.
A
ética remete, para Habermas, a um dever relativizado em função do telos do
bem
viver que
2601
[...]
aponta no sentido da luta pela auto-realização, portanto, no sentido do poder
de
resolução
de um indivíduo que se decidiu por uma vida autêntica: a
capacidade de
decisão
existencial ou de escolha própria radical opera sempre no interior do horizonte
da
história de uma vida, em cujos vestígios o indivíduo é capaz de aprender quem
ele é
e
quem gostaria de ser.[6]
Ainda
segundo Habermas, a moral ocorre
[...]
unicamente a partir dos pressupostos comunicativos de um discurso de âmbito
universal,
no qual todos dos eventuais envolvidos possam tomar parte e assumir uma
atitude
hipotética e argumentativa face às pretensões de validade de normas e de modos
de
conduta tornadas problemáticas, que se constitui o nível superior de
intersubjetividade
relativa a um intercruzamento da perspectiva individual com a
perspectiva
de todos.[7]
O
problema que atualmente se verifica é o conceito restrito de moral quanto aos
dilemas
impostos
pelo meio ambiente. A moral restringe-se ao modelo antropocêntrico que
prioriza
a relação de reciprocidade entre seres racionais e essa característica própria
da
moral
secular moderna, dificulta a possibilidade de respeito às questões de
responsabilidade
moral do homem pelo seu ambiente não humano.[8] Porém,
os
dilemas
ambientais apresentados à humanidade nesse início de século têm avivado
sentimentos,
juízos e condutas no sentido de deslocar a nossa a dimensão moral –
própria
da capacidade de linguagem e de ação de seres racionais – também para a esfera
ambiental,
até então desconsiderada de tematização racional.
A
discussão atual, ao debruçar sobre questões ecológicas e de preservação das
espécies,
exige
um debate que coloque a natureza em uma dimensão normativa, porém, sem
exceder
os limites de uma ética sem metafísica, ou seja, sem exceder os limites da
moral
pós-convencional.
As
questões que se impõem hoje são de ordem normativa, como por exemplo, saber
qual
a especificidade de nossa obrigação, seja moral ou ética, para com o meio
ambiente.
A responsabilidade moral que é imputada para com a humanidade presente e
futura
estende-se também à preservação da natureza? Em suma: Quais as possibilidades
de
alargamento do âmbito de validade das nossas obrigações morais para além do
circulo
da humanidade, de modo a compreender todos os seres vivos que preenchem os
nossos
ecossistemas?[9]
Em
relação a estas questões percebemos uma barreira muito nítida. A natureza, tal
com
nós
a enxergamos, sempre objetivada em função de nossos interesses, impede que nós
tenhamos
em relação a ela uma atitude de reciprocidade fundamental, tal como
determina
o nosso comportamento moral para com os demais seres humanos.[10] A
moral
pós-convencional, tal como é concebida, traz esse limitador: como integrar-se à
natureza
e a ela devotar uma relação de moralidade, se a própria natureza ou ambiente
2602
natural
não pertence ao gênero daqueles que, disponibilizando capacidade de linguagem
e de
ação, podem entrar conosco numa relação de reciprocidade fundamental.[11]
A
questão pode ainda ser posta da seguinte forma: “Qual é, então, o estatuto dos
deveres
que
nos impõem, enquanto destinatários de normas válidas, uma determinada
responsabilidade
para a natureza, se ela, por sua vez, não pertence, porém, ao círculo
dos
possíveis destinatários de normas?” [12] A
natureza não é, na verdade, destinatária
de
nossas normas ou leis morais. Ela é destinatária de outro complexo normativo,
imposto,
segundo a ciência moderna, pelas leis naturais.
Essa
pretensa vinculação entre homem e natureza é bastante complexa, pois decorre
saber
se essa relação – como é sabida, edificada muito mais do ponto de vista
epistemológico
do que moral ou ético – assegura à natureza algum direito ao ser
humano
ou se o ser humano dispõe de deveres para com a natureza.[13] Além
da
relação
epistemológica entre homem e natureza fundada pelo paradigma técnicocientífico,
a
possível dimensão normativa que se pretende assegurar a essa relação deve
incluir
a distinção entre ética e moral e verificar qual dos discursos normativos
dariam
conta
de uma interação menos instrumental com o ambiente. Habermas a esse respeito
chama
atenção para um aspecto fundamental. “A exclusão das questões éticas do
domínio
das questões e de justiça parece ser evidente, se atendermos ao fato de que a
questão
sobre o que é bom para mim e para nós, considerando todas as circunstâncias, já
é
formulada de maneira a conduzir uma resposta que comporta uma pretensão de
validade
relativa a projetos e formas de vida anteriores. Os valores e ideais que cunham
uma
identidade não nos podem vincular incondicionalidade de um dever
categórico.”
[14]
É
nesse caso que surge a questão, a saber, se, hoje, quando discutimos a
possibilidade
de
uma ética ambiental ou ética do meio ambiente, não estamos, na verdade, criando
uma
relação deficitária de obrigações categóricas (incondicionais) para com a
natureza?
Pois
a ética, como vimos, não exige incondicionalidade, portanto, a obrigatoriedade
que
a
moral nos impõe.
Sendo
possível perceber que tanto as questões éticas – ao tratar da condução pessoal
e
da
forma de vida que escolhemos e desejamos – quanto às questões da ética do meio
ambiente
não podem receber tratamento no âmbito da discussão moral – com a
exigibilidade
de obrigações incondicionais –, resta deslocá-las para a dimensão
teleológica.
Ou seja, passamos a olhar para natureza e condicionar a nossa ação em
relação
a ela baseados no telos que estabelecemos ou objetivamos. Os vários
programas
e
metas estabelecidos por protocolos de intenções no âmbito internacional revelam
bem
isso:
estamos tratando a natureza de um ponto de vista teleológico, em função da
metas
e
objetivos estabelecidos que visam a ser alcançados com prazos pré-definidos.
O
deslocamento da questão ambiental para a dimensão teleológica reside no fato de
a
natureza
não pertencer “às partes do contrato sobre reciprocidade que serve de base à
moral
humana”.[15] No caso da ética do discurso, o dever é oriundo da relação de
participação
estabelecida entre falantes e ouvintes, norteadas pelo reconhecimento
fundamental
que serve de pressuposto iniludível para a prática comunicativa.[16] “As
interações
sociais mediadas pelo uso lingüístico orientado para a comunicação são
constitutivas
das formas de vida socioculturais”.[17] Isso
demonstra que a moral pós2603
convencional
é dependente das estruturas intrínsecas de interações linguisticamente
mediadas
e não pode se furtar desse condicionamento.
Outro
problema a destacar é que em relação à natureza não se pode imputar
personalidade,
pois é impossível falar ou comunicar algo com a natureza.[18] Tratar
a
natureza
de um ponto de vista ético é incluí-la em nossas interações, porém, em uma
relação
assimétrica. Ainda que haja esforço para esse fim, a verdade é que não podemos
assumir
uma atitude performativa para com a natureza. Se essa atitude pode ser
mitigada
em relação à determinados animais domésticos que são objetos de nossas
empatia,
não podemos dispensar a mesma atitude em relação à pedra ou a dureza
mineral,
os quais compõem também parte integrante da natureza. Por mais que nos
esforcemos,
a natureza ainda permanece a ser objeto de observação, passível de
manipulação
e instrumentalização, sobretudo, frente à dimensão técnica científica.[19]
O
que fica manifesto para Habermas é que a responsabilidade do homem para com o
ambiente
e para com a preservação das espécies e ecossistemas ameaçados, não pode,
na
sua totalidade, “ser fundamentada em termos de deveres interativos
(participativos),
isto
é, do ponto de vista moral”.[20] Porém, ainda assim, ele
alega que existem boas
razões
éticas em favor da proteção do ambiente.
São
razões que nos assaltam quando nos questionamos seriamente acerca do modo
como
queremos viver neste planeta, enquanto elementos de uma sociedade global
civilizada,
e como queremos, enquanto elementos da nossa espécie, tratar as outras
espécies.[21]
Se o
ambiente entra na pauta da discussão ética, porém, uma ética ampliada
universalmente
que leve em consideração a espécie como um todo e não apenas os
lastros
valorativos de determinado povo ou cultura, então, cabe o debate e a
tematização
acerca
de como queremos nos construir enquanto humanidade. Se, como vimos, não é
possível
estabelecer uma relação dialógica com a natureza, esta pode se realizar entre
os
sujeitos,
partes integrantes da natureza. Tal relação tem seu exercício perene e presente
no
princípio de participação (norteador do direito ambiental) que assegura a toda
a
humanidade
a possibilidade de sua autocompreensão e realização existencial integrada
ao
meio ambiente.
3 –
PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO E ESTADO DEMOCRÁTICO DE
DIREITO
A
participação popular somente encontra amparo com a consolidação do Estado
democrático
de direito, no qual os sujeitos conquistaram e conseguiram assegurar
2604
direitos
que lhes garantissem a participação política. As leis que emanam do Estado
democrático
de direito encontram a sua validade quando instituídas por via da
participação
democrática, capaz de dar expressão ao interesse geral em que todos os
concernidos
possam conceder seu assentimento a elas.
O
procedimento para satisfazer essa exigência deve conectar a legislação a
processos
tanto de decisão parlamentar, quanto de decisão pública. O processo que
assegura
legitimidade democrática “se consolida na forma de direito ao voto universal e
igual,
no reconhecimento da liberdade de organização e na participação em associações
e
partidos políticos.[22] A novidade a considerar nessa nova estrutura do Estado está no
fato
de os cidadãos serem reconhecidos enquanto tais e terem, por meio da
participação
política,
com direitos políticos assegurados, a possibilidade de legitimar as normas via
o
processo
democrático.[23]
É no
espaço alargado das instituições democráticas que se faz valer o direito de
participação,
enquanto simetria entre direitos e deveres que se estabelece na base
estrutural
do reconhecimento recíproco de sujeitos livres e iguais, e que interagem entre
si
de forma comunicativa.
As
mudanças ocorridas no mundo após a Segunda Guerra e que culminaram nas
manifestações
de 1968, alterando o comportamento individual, a estrutura familiar, a
sexualidade,
as instituições e a forma de o homem se relacionar com o meio ambiente,
foram
decisivas para a introdução da idéia de participação. Os valores decorrentes de
tais
mudanças reforçaram a necessidade de tolerância com as diferenças, exigiram
relações
mais igualitárias entre homens e mulheres, reivindicaram a promoção de justiça
e
cidadania e, por fim, chamaram a atenção para a degradação ambiental em nível
planetário.[24] A
decorrência desses fatores impactantes para a análise sociológica
evidenciou
que a dimensão da participação foi alargada para outros âmbitos – como o
da
conscientização de defesa e proteção ambiental – demonstrando que a idéia
marxista
de
participação, exigida, sobretudo, da classe proletária, era por demais
restritivas e
limitadas
aos conflitos na esfera de produção. A participação e seu espaço próprio – a
esfera
pública – se deslocaram e permitiram extensão e abrangência a todas as formas
de
organização possíveis.[25]
Portanto,
participar, ganhou a conotação geral de integração, no mais alto grau, dos
indivíduos
aos diversos grupos, movimentos, ONGs e organismos que inflam a esfera
pública
por meio da tematização crítica e reflexiva dos problemas que afligem o homem
em
sua dimensão local e global.
É
justamente nesse contexto que o filósofo alemão Jürgen Habermas, constrói nas
décadas
de 1970 e 1980 o conceito de ação comunicativa, destacando, sobretudo, a
importância
da participação como contributo dos indivíduos, desde que em igualdade de
condições,
para a formação discursiva da vontade coletiva.[26] Diz
Habermas:
“Participar
significa que todos podem contribuir, com igualdade de oportunidades, nos
processos
de formação discursiva da vontade”.[27] Para
Gutierrez “[...] participar
consiste
em ajudar a construir, comunicativamente, o consenso quanto a um plano de
ação
coletivo. Tudo o que não se enquadra nesta definição é estratégico”.[28]
Dessa
forma, a colocação da questão ambiental na pauta das discussões na década de
1960,
veio reforçar a necessidade de ampliação, do ponto de vista político, do
direito de
2605
participação.
Não se pode negar, contudo, que o tema ambiental, apesar de inserido no
debate
participativo público, enquanto objeto de tematização e reflexão, ainda
continua
sendo
parte de cálculos e interesses no âmbito do sistema capitalista, onde reinam
relações
estratégicas e não comunicativas.
A
tutela do ambiente como bem jurídico que, a partir da Conferência de Estocolmo
em
1972,
vem sendo tratado como direito de status constitucional nos textos modernos,
traz,
em seu bojo, a participação popular na medida em que o direito ambiental
representa
a consagração do ideal da democracia participativa.
Nesse
contexto, as decisões políticas a serem tomadas no âmbito da administração
pública,
da produção legislativa e da atividade jurisdicional, ganham maior
legitimidade,
a partir do envolvimento do cidadão, individualmente ou através de
entidades
associativas, nas questões de interesse público. Tais questões passam a
representar,
de forma real, os anseios das comunidades envolvidas e a refletir as
peculiaridades
sociais, econômicas e ambientais de cada região[29].
Com
efeito, o “direito é fruto da cidadania, que se traduz pela organização dos
diversos
segmentos
sociais no sentido da defesa de seus interesses e projetos. O Estado vive a
partir
da cidadania, sustenta-se pela cidadania e existe para servir aos cidadãos
[...], pois
estes
são, inversamente, a condição, a origem e a legitimidade para suas ações.” [30]
O
direito ambiental busca resgatar os princípios constitucionais de cidadania e
da
dignidade
da pessoa humana, na forma do art. 1º, II e III, e § único do texto
constitucional,
situando o cidadão como sujeito pró-ativo nos processos de formulação e
implementação
das políticas públicas de proteção do patrimônio ambiental e de tomada
de
decisões dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional do Meio
Ambiente
–
Sisnama – instituído pela lei da Política Nacional do Meio Ambiente[31].
Isso
representa dizer que cada um de nós deve fazer sua parte em relação aos bens e
valores
ambientais e, mais do que isso, exigir que todos façam a sua parte. Esse último
matiz
é que dá o colorido do princípio da participação ambiental, na exata medida em
que,
vivendo-se em um Estado Democrático de Direito, sob os princípios e objetivos
referidos
anteriormente, o que se espera da sociedade é justamente uma tomada de
posição,
altiva, altruísta, ética e participativa, mormente quando estamos diante de
valores
sagrados e essenciais à preservação da vida.[32]
4 –
A TUTELA DO AMBIENTE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA
E
SUA DUPLA DIMENSÃO: DIREITO SUBJETIVO E DEVER JURÍDICO
OBJETIVO.
O
texto constitucional brasileiro corrobora com o mister ambiental no momento
em
que inclui o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado, como bem jurídico
tutelado
autonomamente, dando uma nova dimensão ao direito à vida[33] e à
dignidade
da
pessoa humana. Elevando-o à direito fundamental da pessoa humana positivado no
artigo
225 da carta magna:
2606
Art.
225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum
do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade
o dever defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Afere-se
da norma constitucional que este direito apresenta duas dimensões,
entendidas
como faces de uma mesma moeda. De um lado o direito ambiental pode ser
tomado
como direito subjetivo, e, de outro como dever jurídico objetivo.
Como
direito subjetivo se manifesta no direito que todos os indivíduos detêm de
pleitear
o direito de defesa contra os atos lesivos ao ambiente, manifesto no artigo 5º
do
texto
constitucional em seu inciso LXXIII.[34] Este
direito subjetivo apresenta-se não
como
um direito egoístico, como se existissem pedaços de ambientes equilibrados,
pertencentes
a cada cidadão, mas antes como um “direito à idoneidade da sua
composição
qualitativa, entendido numa vertente predominantemente comunitária”.[35]
Um
direito pertencente a cada um e a todos os seres humanos configura-se como
um
direito-função[36] ou como direito-dever.[37] Isto
decorre da imposição da norma
constitucional
de que os titulares deste direito preservem o bem. Esta contraposição
entre
direito a usar/dever de preservar é uma conseqüência da garantia de
aproveitamento
de um bem, cuja fruição cabe a todos os membros da comunidade e pela
qual
todos devem responsabilizar-se[38], pois, o escopo final do
direito fundamental do
ambiente
não é a segurança individual, nem mesmo a segurança coletiva, mas sim a
preservação
do gênero humano, e, paralelamente, a natureza.[39]
A
segunda dimensão do direito do ambiente manifesta-se na incumbência que se
faz
ao Estado e à coletividade de preservar e proteger o ambiente. Ao Estado se
impõe,
constitucionalmente,
uma série de tarefas essenciais para a preservação ambiental.[40]
O Estado
é impedido de atitudes prejudiciais ao ambiente, além disso, deve promover o
controle
e a fiscalização ambiental a fim de impedir que os particulares o façam. Cabe
ao
Estado, ainda, proporcionar informação e educação ambiental, permitindo a
participação
dos cidadãos nas decisões relacionadas ao meio ambiente.
Relativamente
aos cidadãos, este dever consegue sua consecução seja pelo
efetivo
cuidado com o meio, mitigando as causas da poluição, ou de manifestações
populares
em prol de se alcançar a efetividade deste direito.
Esta
participação de toda a comunidade (entendida como a comunidade de todo
o
Planeta) é imprescindível para a efetividade do direito ao ambiente
ecologicamente
equilibrado.
Não somente de forma coercitiva e punitiva, mas, principalmente por
intermédio
da informação e da formação de uma consciência ecológica. A coletividade
pode
cumprir com esta imposição estatal também, por meio de “grandes participações
populares
na luta pela não-destruição do habitat natural e também por intermédio
de
cuidados
básicos para com o meio ambiente”.[41]
Neste
sentido, Vladimir Passos Freitas destaca a importância da participação
popular
consciente diante das ações meramente repressivas e punitivas:
2607
Quando
se pensa em proteção ambiental, vêm a mente imposições, limitações, sanções
aos
transgressores. Contudo, é evidente que a isso deve preceder o esclarecimento,
a
conscientização,
a prevenção. Os resultados serão sempre mais satisfatórios se houver o
apoio
das pessoas envolvidas. Não é possível colocar um guarda ambiental a cada 200
metros
em nosso país, vigiando permanentemente todos os brasileiros. É necessário que
todos
participem da defesa do meio ambiente, e por isso mesmo a Constituição Federal
deixou
expresso, no caput do art. 225, que a proteção ambiental é um dever
de
todos.[42]
É
mister considerar que o direito ambiental se caracteriza como um direito
fundamental
de terceira geração[43] e não de segunda, (o qual imporia deveres positivos
somente
por parte do Estado em prol do cidadão). Assim, como direito coletivo,
transindividual,
direcionado ao social, incumbe a cada um individualmente e a toda a
coletividade
este dever fundamental, não somente ao Estado.
Desse
modo, considera-se o dever fundamental à proteção ao ambiente como
associado
ao direito fundamental de usufruir de um meio ambiente são – é o que se
pode
concluir a partir das categorias dos deveres fundamentais propostas por Vieira
de
Andrade,
segundo o qual:
[...]
os direitos ao ambiente e à fruição do patrimônio cultural não se limitam ao
direito
à
intervenção prestadora do Estado, nem sequer à exigência do respeito por um bem
próprio
(individual). Implicando directamente com o tipo de comportamento de todos os
indivíduos
e sendo exercido num quadro de reciprocidade e de solidariedade [...], são
direitos
circulares, cujo conteúdo comum é definido necessariamente em função do
interesse
comum, pelo menos em tudo aquilo que ultrapassa a lesão directa de bens
individuais.[44]
O
direito de viver em um ambiente ecologicamente equilibrado, liga-se,
umbilicalmente,
ao dever de proteção a este meio, imposto, como vimos, não só ao
Estado,
mas à toda a coletividade por força da Constituição Federal.
Neste
contexto, deve se conceder especial ênfase à cooperação entre estes sujeitos
(Estado
e coletividade), através da participação dos diferentes grupos sociais na
formulação
e na execução da política ambiental, idéia esta expressa no princípio da
participação.
5 –
DEVER DE PROTEÇÃO AO AMBIENTE E PRINCÍPIO DA
PARTICIPAÇÃO
O
dever de preservar o ambiente é correlato ao direito de participação nos
processos
decisórios ambientais. O descumprimento deste dever enseja não uma sanção
objetiva
e predeterminada como uma interpretação positivista do artigo 225 da
Constituição
poderia vislumbrar, mas a perda do direito de participar, no qual “a pena
pode
ser demasiadamente severa: o desaparecimento de um patrimônio ou de um
recurso
natural”. [45]
2608
A
participação popular deve ser sempre considerada nas atividades de
elaboração,
de hermenêutica e de aplicação das normas que compõem o direito ao
ambiente.
“Afinal, o direito deve refletir as relações e os conflitos estabelecidos no
seio
da
sociedade e as necessidades daqueles que são, ao mesmo tempo, criadores e
destinatários
do ordenamento jurídico”.[46] Como propugna a Carta de 1988, “todo o
Poder
emana do povo”.[47]
Além
disso, pode-se definir, especificamente, três formas de participação na
gestão
dos recursos ambientais[48]. A primeira delas concerne à própria criação da
legislação
ambiental, derivada da possibilidade da iniciativa popular. (art. 61, caput, §
2º,
CF/88) e da realização de referendo sobre leis (art. 14, II, CF/88) e da
atuação de
representantes
da sociedade civil em órgãos colegiados com poderes normativos, como,
por
exemplo, o CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente, que tem como
finalidade
[...]
assessorar, estudar e propor ao Conselho de governo, diretrizes e políticas
governamentais
para o meio ambiente e os recursos naturais e deliberar, no âmbito de
sua
competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente
ecologicamente
equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida.[49]
A
segunda forma de participação cidadã em questões ambientais é mediada pelo
Poder
Judiciário, que pode assegurar in concreto o equilíbrio de um
ecossistema, nos
casos
em que este for ameaçado ou danificado, por meio de instrumentos processuais
que
permitem a obtenção da prestação jurisdicional na área ambiental, como a ação
civil
pública,
à ação popular e o mandado de segurança coletiva.
Os
cidadãos podem também, participar da construção e execução de políticas
ambientais
por intermédio da atuação dos responsáveis pela formulação de diretrizes e
pelo
acompanhamento da execução de políticas públicas; por ocasião da discussão de
estudos
de impactos ambientais e audiências públicas e nas hipóteses de realização de
plebiscitos.
O
princípio da participação cidadã pode ser implementado de outras formas,
além
destas mediadas pelo Estado, todavia, juridicamente possíveis e legítimas.
Estas
podem
ocorrer de maneira menos ortodoxa, como preleciona Sanchèz “[...], por
exemplo,
denúncias à imprensa, manifestações públicas, pressão por intermédio dos
políticos,
manifestações, etc.”[50] Até porque, o excesso de regulamentação pode gerar
descaracterização
da participação cidadã “na medida em que o reconhecimento político
da
cooperação e a solidariedade entre cidadãos ficam restringidos às formas de
cooperação
e de solidariedade mediadas pelo Estado”.[51] Tal
forma se aperfeiçoa, no
campo
sócio-político (no espaço além do procedimental) especialmente por força dos
movimentos
sociais.
CONCLUSÕES
Diante
dos argumentos apresentados e, considerando que o tema esteja ainda em
curso
no debate e nas reflexões da esfera pública atualmente, pode-se concluir que o
século
XXI terá a obrigação de alterar o modelo paradigmático de o homem se
relacionar
com o ambiente. Tal mudança, como sinalizamos, diz respeito à substituição
do
paradigma epistemológico por um paradigma normativo, capaz de incorporar a
natureza
como meio de realização da existência humana e não propriamente algo a ser
manipulado
e instrumentalizado em benefício de uma visão excessivamente
antropocêntrica.
Na
medida em que se exige uma relação menos epistemológica e mais normativa
com
a natureza, coloca-se o problema, a saber, qual premissa desencadeará essa
nossa
forma
de o homem interagir com o ambiente: a ética ou a moral pós-convencional?
Segundo
Habermas – conforme analisamos – é possível demonstrar que a relação
homem/natureza
passa pela necessidade de construção de um conceito ampliado de
ética:
a ética da espécie. Contudo, mesmo que o homem – visto na perspectiva da
humanidade
– possa assegurar uma interação equilibrada com o ambiente, favorecendo
sua
realização existencial de forma mais ecocêntrica, ainda assim, é preciso que,
no
âmbito
político e jurídico, a moral pós-convencional sinalize as condições de
possibilidade
para a realização e efetivação do princípio de participação.
A
consolidação, nos tempos hodiernos, de um Estado social e democrático de
direito
que caminha para a incorporação de um Estado do ambiente, requer cada vez
mais,
até pelo caráter excepcional do direito ambiental, a concretização do princípio
de
participação.
Usando a terminologia de Habermas, é urgente assegurar espaços
institucionalizados
que preservem o exercício democrático para a formação consensual
da
vontade em relação a temas cruciais para a humanidade. A questão ambiental não
avança
se não for por meio da participação coletiva. E a participação, por sua vez,
não
se
firma senão no seio do Estado democrático. Desse modo, ambiente e democracia
são
conceitos
que integrados, conduzem a uma nova configuração de Estado – Estado
ambiental
– e a uma nova forma de participação popular. Um caminho certamente
promissor
a ser trilhado"
.
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[1] TILLICH,
Paul. História do pensamento cristão. Tradução de Jaci Maraschin. São
Paulo:
Aste, 2004, p. 120.
[2] É
interessante observar que no contexto pré-moderno a natureza impunha ao homem
medo
e receio, devido, sobretudo, ao desconhecimento do funcionamento das relações
causais
que determinavam os acontecimentos dos fenômenos naturais. A compreensão
de
que a natureza era regida por caracteres matemáticos e, portanto, passíveis de
objetividade,
levou ao desenvolvimento da ciência moderna como baluarte do
descobrimento
e da fixação das leis naturais. A ciência moderna nasceu com o propósito
de
estabelecer um conhecimento objetivador da natureza, afugentando as crenças e
superstições
que brotavam do desconhecimento das leis naturais. Contudo, hoje, o
homem
vive o retorno do medo e da incerteza que a natureza lhe imputa devido ao
desenvolvimento
extremado do conhecimento técnico-científico. Segundo Jesús Martín-
Barbero,
“a sociedade vive uma espécie de volta ao medo dos pré-modernos, que era o
medo
da natureza, da insegurança, de uma tormenta, de um terremoto. Agora vivemos
em
uma espécie de mundo que nos atemoriza e desconcerta. O medo vem, por exemplo,
da
ecologia: o que vai acontecer com o planeta, o nível do mar vai subir? A
natureza
voltou
a ser um problema hoje, como aos pré-modernos”. (MARTÍN-BERBERO, Jesus.
Comunidades
Falsificadas. Entrevista. In: Folha de São Paulo. Caderno Mais, São
Paulo,
domingo, 23 de agosto de 2009, p. 10.)
[3] OLIVEIRA,
Manfredo Araújo. Ética e racionalidade moderna. São Paulo. Loyola,
1996,
p. 21.
[4] PIZZI,
Jovino. Ética do discurso: a racionalidade ético-discursiva. Porto
alegre:
Edipucrs,
1994, p. 20.
[5] BANNWART
JÚNIOR, Clodomiro José. As implicações da ação do profissional da
saúde.
In: Maquinações: Revista da Pró-Reitoria de Graduação da Universidade
Estadual
de Londrina. Londrina: Eduel, vol. 1, n.1, 2008. p. 59.
[6] HABERMAS,
Jürgen. “Acerca do Uso Pragmático, Ético e Moral da Razão
Prática”.
In: Comentários à Ética do Discurso. Tradução de Gilda Lopes Encarnação.
Lisboa:
Instituto Piaget, 1999, p. 109.
[7] Ibidem,
p. 112.
[8] HABERMAS,
Jürgen. Comentários à Ética do Discurso. Trad. Gilda Lopes
Encarnação.
Lisboa: Instituto Piaget, 1999, p. 212.
[9] Loc.
cit. p. 212.
[10] Loc.
cit. P. 212.
[11] Ibidem,
p. 213.
[12] Loc.
Cit. p. 213.
[13] HABERMAS,
Jürgen. Comentários à Ética do Discurso... p. 213.
[14] Ibidem,
p. 214.
[15] HABERMAS,
Jürgen. Comentários à Ética do Discurso... p. 215.
[16] Loc.
cit. p. 215.
2614
[17] Loc.
cit. p. 215.
[18] Loc.
cit. p. 215.
[19] Op.
cit, p. 216.
[20] Op.
cit.,p. 218.
[21] Loc.
cit. p. 218.
[22] HABERMAS,
Jürgen. Teoria de la Acción Comunicativa. Tomo II. Madrid:
Taurus
Humanidades, 1999. p. 509.
[23] A
esse respeito conferir: BANNWART JÚNIOR, Clodomiro José; OLIVEIRA,
Valéria
Martins. A Consolidação do Estado Democrático de Direito e do Estado do
Ambiente:
Estudo a partir do processo de Juridificação de Jürgen Habermas. In:
Anais
do
XVIII Encontro Nacional do CONPEDI. Maringá, 2009.
[24] GUTIERREZ,
Gustavo Luis. Gestão Comunicativa: Maximizando Criatividade e
Racionalidade.
Uma Política de Recursos Humanos a Partir da Teoria de Habermas.
Rio
de Janeiro: Qualitymark Editora, 1999, p. 56.
[25] Op.
cit., p. 57.
[26] Op.
cit., 55.
[27] HABERMAS.
Jürgen. Problemas de Legitimación em El Capitalismo Tardío.
Traduccíon
de José Luis Etcheverry. Madrid: Ediciones Cátedra, 1999, p. 159.
[28] GUTIERREZ,
op. cit., p. 59.
[29] LOURES,
Flavia Tavares Rocha. A implementação do direito à informação
ambiental.
Revista de Direito Ambiental., n. 34, p. 192.
[30] AGUIAR,
Roberto Armando Ramos. Direito do meio ambiente e participação
popular.
Brasília: MMA/Ibama, 1994, p. 30-31.
[31] Lei
6.938/81- Art. 6º. Os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito
Federal,
dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público,
responsáveis
pela proteção e melhoria da qualidade ambiental constituirão o Sistema
Nacional
do Meio ambiente – SISNAMA, assim estruturado: [...]
[32] RODRIGUES,
Marcelo Abelha. Instituições de Direito Ambiental. São Paulo: Max
Limonad,
2002, vol. I, p. 255-256.
[33] Relativamente
ao dever de proteção ao meio ambiente, Cançado Trindade refere-se
à
Conferência de Haia sobre a Atmosfera de 1989, que no § 1º dispõe que “o
direito de
viver
é o direito do qual emanam todos os demais direitos” e ainda no § 5º que “o
direito
de viver com dignidade em um meio-ambiente global viável” acarreta o dever da
comunidade
das nações em fazer tudo o que puder ser feito para preservar a qualidade
2615
da
atmosfera. Vincula o autor, claramente o “direito de viver” com a necessidade
da
preservação
ao ambiente (TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Direitos humanos e
meio-ambiente:
paralelo dos sistemas de proteção internacional. Porto Alegre: Sérgio
Antonio
Fabris, 1993, p. 77).
[34] Art.
5º, LXXIII da CF. Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular
que
vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado
participe,
à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico
e
cultural,
ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus
da
sucumbência;
[35] GOMES,
Carla Amado. O ambiente como objecto e os objectos do direito do
ambiente, Revista
Jurídica do Urbanismo e do Ambiente. Instituto de Direito do
Urbanismo
e do Ambiente: Coimbra, n. 11, jun./dez. 1999, p. 56
[36] PUREZA,
José Manuel. Tribunais, natureza e sociedade: o direito do ambiente em
Portugal,
p. 4 apud LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental. Do Individual ao
Coletivo
Extrapatrimonial. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais,
2003, p. 89
[37] NABAIS,
Casalta A. apud GOMES, Carla Amado. O ambiente como objecto e os
objectos
do direito do ambiente..., p. 49. O autor reconduz os direitos ecológicos à
categoria
de “direitos-deveres”.
[38] GOMES,
Carla Amado, op. cit., p. 49.
[39] LEITE,
José Rubens Morato, op. cit., p. 90.
[40] Art.
225 § 1º da CF. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder
Público:
I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo
ecológico
das espécies e ecossistemas; II – preservar a diversidade e a integridade do
patrimônio
genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e
manipulação
de material genético; III – definir, em todas as unidades da Federação,
espaços
territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a
alteração
e a supressão permitidas somente por meio de lei, vedada qualquer utilização
que
comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV –
exigir,
na
forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de
significativa
degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que
se
dará publicidade; V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de
técnicas,
métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e
o
meio ambiente; VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino
e a
conscientização
pública para a preservação do meio ambiente; VII – proteger a fauna e a
flora,
vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função
ecológica,
provoquem
a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
[41] MEDEIROS,
Fernanda Luiza Fontoura de. Meio Ambiente: direito e dever
fundamental.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 124.
[42] FREITAS,
Vladimir Passos de. A Constituição Federal e a efetividade das normas
ambientais.
Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2000, p. 145.
2616
[43] A
expressão “gerações de direitos do homem”[43] foi utilizada pela primeira vez
por
Karel Vasak, no ano de 1979, proferindo a aula inaugural no Curso do Instituto
Internacional
dos direitos do homem, em Estrasburgo, buscando, metaforicamente,
demonstrar
a evolução dos direitos dos humanos com base no lema da Revolução
Francesa
(liberdade, igualdade e fraternidade). A primeira geração dos direitos humanos
seria
a dos direitos civis e políticos, fundamentados na liberdade (liberté).
São
considerados
direitos fundamentais de primeira dimensão os direitos de cunho
individualista
que foram reconhecidos pelas Constituições e que são produtos do
pensamento
liberal-burguês do século XVIII. Considerados direitos de cunho negativo,
pois
exigem uma conduta de abstenção do Poder Público e não uma ação positiva.
Destacam-se
que os direitos à liberdade, à vida, à propriedade e à igualdade perante a
lei,
tinham como função defender o indivíduo em relação ao poder do Estado.
A
segunda geração, por sua vez, seria a dos direitos econômicos, sociais e
culturais,
baseados
na igualdade (égalité). Frutos da decadência do liberalismo e o
surgimento da
doutrina
socialista, com tendência à intervenção estatal fortemente sugerida como
solução
aos problemas, fez com que o Estado passasse a assumir uma atitude positiva na
realização
da justiça social. Dessa forma, as Constituições passam a tutelar os direitos
denominados
de direitos positivos que dominaram o século XX e são chamados de
direitos
sociais, culturais e econômicos. São direitos que foram positivados no segundo
pós-guerra
e por meio dos quais não mais se pretendia evitar uma ação estatal na esfera
privada
e individual e sim fazer com que o Estado possibilitasse ao indivíduo o bem
estar
social. Abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar,
destacam-se
os direitos às prestações estatais, como assistência social a saúde, a
educação
e ao trabalho, bem como agregam as denominadas “liberdades sociais”,
consistentes
na liberdade de sindicalização, o direito de greve, o direito de férias, dentre
outros.
E,
por fim, a terceira geração seria a dos direitos de solidariedade, relacionados
á
fraternidade
(fraternité). Têm como função primordial a defesa do gênero humano. São
direitos
de titularidade coletiva e difusa destinando-se à proteção de grupos humanos
como
a família, o povo, a nação etc. São dotados de conteúdos altamente humano e
universal
e se caracterizam por possuir titularidade coletiva, sendo esta, às vezes, até
mesmo
indefinida ou indeterminável. Destacam-se os direitos à paz, à autodeterminação
dos
povos, ao desenvolvimento, à qualidade de vida, ao patrimônio comum da
humanidade,
ao direito de comunicação e em especial ao direito ao ambiente.
OLIVEIRA,
Valéria Martins. O Direito ao Ambiente como Direito Fundamental e como
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da ordem econômica na Constituição Federal Brasileira.
2007. 124 páginas.
Dissertação
(Mestrado em Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito) – Centro de
Ciências
Sociais Aplicadas, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2007, p. 23 e
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Fonte: >publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/Anais/sao_paulo/2641.pdf<.
Acesso: 6/6/2012
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