sexta-feira, 15 de junho de 2012



Direito de imagem
e ética jornalística

Por Eduardo Altomare Ariente*
RESUMO



O propósito deste artigo é discutir sobre o uso ético da imagem para fins jornalísticos, sob o prisma da dignidade da pessoa humana.

PALAVRAS-CHAVE: Ética / Direito / Imagem / Legislação / Deontologia
1. Introdução
Atualmente, em se tratando de direito de imagem, podemos constatar que os abusos da imprensa constituem mais regras do que exceções. Os linchamentos midiáticos são tão comuns que parecem se legitimar pela sua freqüência.
Alguns profissionais da comunicação social, ancorados em vagos conceitos de “interesse público”T, julgam poder exibir a imagem de cidadãos indiscriminadamente.
Do mesmo modo, profissionais do direito, por vezes, dão carta branca à imprensa cometer arbitrariedades contra a reputação de suspeitos.
As ocasiões em que a publicação da imagem de pessoas sem autorização, todavia, não é tão ampla assim, de acordo com os princípios da preservação da dignidade humana e da presunção de inocência, que julgamos relevantes fundamentos éticos para a atividade jornalística. O desafio ético consiste justamente na adequação entre a liberdade de expressão, da qual a atividade jornalística e o registro fotográfico constituem espécies, e o resguardo da dignidade e da imagem das pessoas objeto das matérias.
Mesmo em nossos tribunais, não há uma unanimidade sobre o modo pelo qual se pode usar retratar a projeção física alheia. Alguns magistrados possuem visões mais restritas sobre o uso da imagem alheia, como ocorreu no episódio Daniella Cicarelli, ao passo que outros são mais tolerantes em face de eventuais excessos da imprensa, sobretudo em relação à captação de imagem de suspeitos de cometimento de delitos em Delegacias de Polícia. Talvez para a sorte de muitos veículos de comunicação social, e para a desgraça do bom jornalismo, esta segunda visão predomina atualmente em nossas cortes.
A legislação civil nem sempre vai dar respostas suficientes para resolver os conflitos sobre o direito de imagem. A ética jornalística, de todo modo, deve permear todo esse processo, desde a captação da imagem até o modo pelo qual ela vai ser exposta.
Se por um lado, muitas pessoas têm por profissão o aparecer em público, normalmente com o intuito de alavancar contratos publicitários, por outro lado jornais, revistas, e canais de televisão utilizam-se imagens chocantes ou sensacionalistas para alavancar as vendas e índices de audiência, por vezes em detrimento da reputação e da honra das pessoas.
Logo, o direito de imagem, seja pelo status positivo ou negativo, se afigura um temacomplexo de ser estudado em face de algumas características da sociedade de consumo, em que as próprias pessoas são reificadas, tornando-se meros objetos de apropriação e de lucro.
2. A proteção constitucional do direito de imagem e a dignidade da pessoa humana
O texto da nossa Constituição Federal de 1988 foi o resultado da conjuntura política e da correlação das forças políticas da ocasião. Apesar de não romper com a estrutura dos poderes econômicos e políticos que governavam e ainda governam o país, atribuiu a alguns modernos direitos civis a condição de direitos e garantias fundamentais. [1]
Dentre esses direitos, destacamos para o presente estudo, a proteção da própria imagem e a liberdade de expressão na comunicação social. [2]
Tais direitos, do ponto de vista interpretativo, devem ser exercidos de modo harmônico com os demais, posto que não há direitos absolutos. Por conseguinte, a liberdade de expressão, nos meios de comunicação social, deve se ajustar, por exemplo, ao direito de presunção à inocência, ao direito de resposta, à inviolabilidade da honra e da imagem.
Além desses, poderíamos acrescentar à atividade jornalística, e conseqüentemente, e ao uso da imagem, os princípios regentes da comunicação social:
I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;
III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;
IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família. [3]
Evidentemente, não se trata de uma equação simples, que admita soluções ou fórmulas preestabelecidas. Muito pelo contrário, demandam reflexão dos profissionais do direito e da comunicação social sobre o interesse jornalístico de determinadas matérias. O compromisso ético, com efeito, sempre precisa estar aliado a esses princípios constitucionais de modo que, na dúvida sobre o uso ou não de determinada imagem, é sempre recomendável que se opte pela preservação da dignidade e da intimidade das pessoas.
3. Abrangência do Direito de Imagem
O direito de imagem se refere a toda e qualquer projeção de um indivíduo que possa distingui-lo numa coletividade. Ao contrário do que pode parecer numa primeira impressão, o direito de imagem não visa apenas a resguardar a projeção da fisionomia facial, mas qualquer modo de identificar uma pessoa num determinado contexto.
Ademais, nem precisa ser exibido um traço físico de alguém. A pessoa, famosa ou não, pode ser violada na sua imagem e na sua honra, por exemplo, se determinada fotografia exibir o número da placa de seu veículo estacionado na frente de numa clínica de reabilitação de drogas ou na porta de um motel. Seria uma espécie de direito de imagem por extensão.
Em termos gerais, a proteção do direito de imagem significa:
a) O direito à proteção da própria imagem em face da curiosidade de terceiros, inclusive da imprensa, notadamente quando a exposição puder ensejar vexame ou constrangimento;
b) O resguardo da esfera íntima do indivíduo contra bisbilhotice e a intriga, bem como o direito ao recato em relação à coletividade, em locais públicos ou não. Vale dizer, significa respeitar o direito de quem opta por preservar sua vida íntima da curiosidade coletiva.
c) O direito à presunção de inocência. As pessoas, em regra, têm o direito de escolher de que maneira e em quais ocasiões devem aparecer em público.
4. Hipóteses de uso da imagem para fins jornalísticos
Inicialmente, cumpre lembrar que a dignidade da pessoa humana, juntamente com os outros direitos e garantias fundamentais, longe de serem meras declarações de direitos, constituem importantíssimos paradigmas através dos quais todo um sistema normativo democrático deve se adequar. Além disso, os direitos e garantias fundamentais devem ser observados não apenas pelas polícias e pelo Poder Judiciário, mas por toda a coletividade, inclusive pela imprensa.
No que se refere ao direito de imagem, a matéria é regida pelo Código Civil editado em 2002:
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais (Grifos do autor).
As conseqüências jurídicas para a violação ao direito de imagem podem ser, isolada ou cumulativamente: a) A proibição da veiculação de imagem de pessoa determinada, b) Indenização pelo uso indevido de imagem; c) Indenização por danos morais.

4.1. Hipóteses permitidas do uso da imagem [4]
A classificação colocada a seguir divide o uso de imagem em três categorias:
1) o uso mediante consentimento tácito para fins jornalísticos,
2) o uso mediante consentimento expresso para fins jornalísticos;
3) o uso mediante consentimento expresso com propósitos comerciais. A dificuldade vai residir em diferenciar as duas primeiras categorias.
4.1.1. Uso mediante consentimento tácito para fins jornalísticos
Aqui reside, a nosso ver, um dos pontos mais controversos do direito de imagem. Muitos defendem que, havendo “interesse público”, a fotografia de pessoas em locais públicos pode ser realizada, sem qualquer preocupação com a anuência do protagonista, ou mesmo em caso extremos contra expressa manifestação da pessoa.
Importante se dizer que, de fato, a lei civil autoriza a exposição da imagem para fins informativos de pessoas em locais públicos independentemente de autorização expressa, desde que não acarrete vexame ou constrangimento. Vale dizer, prescinde de autorização imagens de pessoas caminhando em parques, torcedores nas arquibancadas de estádios ou aposentados sentados em bancos de praças. Não é suficiente uma pessoa ser alvo de uma fotografia, per si, para pedido de indenização em razão de uso indevido de imagem.
Por outro lado, é importante dizer que, ao focalizar determinada pessoa em local público, o veículo está assumindo o risco de causar constrangimento à pessoa. Por exemplo, citamos uma pessoa que está com amante num estádio de futebol e seu cônjuge assiste às imagens do casal em determinado canal de televisão. Portanto, sempre é mais prudente expor a imagens de pessoas na condição de componentes de um todo, num contexto em que não existe protagonista facilmente identificável.
Os abusos mais comuns e mais graves, contudo são os acontecimentos em que autoridades policiais retiram suspeitos já presos na cela para serem expostos às câmeras de televisão ou vestirem suspeitos com determinados trajes com propósitos políticos. [5] Via de regra, a imagens de suspeitos são utilizadas para “dar uma resposta à sociedade” e mostrar empenho das autoridades policiais na solução de crimes.
As pessoas presas sob custódia do Estado, convém lembrar, só perdem o direito de locomoção e os direitos políticos, de votarem e de serem votadas, mantendo intactos os outros direitos, inclusive o de proteção da própria imagem. Ademais, importante mencionar que funcionários públicos que exibem presos à imprensa podem incorrer no delito de abuso de autoridade por expor pessoa a vexame ou constrangimento não autorizado por lei. [6]
A problemática de uso de imagem sem autorização, mesmo em locais públicos, considerando os casos de autorização da lei civil vai muito além. Por exemplo, não seria conveniente que o repórter fotográfico deixe de registrar um momento de dor ou aflição de pessoa, ainda que em local público, em virtude do respeito ao sofrimento alheio?
Podemos citar o caso da bancária que, na iminência da venda do Banespa, com destaque numa multidão, é fotografada chorando numa rua do centro de São Paulo; o choro dos parentes das vítimas de acidentes aéreos nos saguões de aeroportos, registrados à exaustão por inúmeros veículos; à fotografia da mãe que, ao ver seu filho se afogar num córrego no Município de Franca, no interior do Estado de São Paulo, se joga em águas fétidas para salvá-lo. Não questionamos o interesse jornalístico dessas hipóteses, mas simplesmente o uso indiscriminado da imagem sem autorização dos protagonistas.
Ainda que nossos Tribunais sejam permissivos em alguns casos, seria ético expor a dor alheia sem qualquer preocupação com a anuência das pessoas, simplesmente para servirem de ilustração da capa de jornais?
O núcleo da proteção do direito de imagem, lembramos, é o de proteção da exposição da própria imagem, que só pode ser rompido em determinadas situações. Portanto, salvo em casos especiais, a prudência recomenda que os profissionais da comunicação social dêem a oportunidade das pessoas escolherem o modo pelo qual aparecerão em público.
O uso da imagem mediante consentimento tácito para fins jornalísticos significa que o retratado não precisa autorizar, ainda que verbalmente, a publicação da imagem. Tal liberalidade se justifica, numa perspectiva que procura conciliar a ética jornalística com a dignidade da pessoa humana, nas hipóteses elencadas abaixo:
a) Fotografias em que o retratado sabe previamente o propósito da fotografia ou da captação da imagem por câmera de TV em locais públicos e consente; Exemplos – 1) entrevista realizada por equipe de TV nas ruas com transeuntes que concordam em responder a determinadas perguntas; 2) Coletivas de imprensa.
b) Pessoas que optam voluntariamente pela publicidade de suas imagens, por aparecer em público, pela notoriedade, em locais públicos, para fins jornalísticos, em que haja interesse público reconhecido; Exemplo –1) Atores, modelos ou esportistas em eventos públicos.
c) Pessoas anônimas, que não optam pela publicidade de suas imagens, em locais públicos, para fins jornalísticos, em que haja interesse público reconhecido; Exemplos: 1 - Acontecimentos de interesse jornalístico realizados em público por uma coletividade, como passeatas, assembléias e greves, sem um protagonista facilmente identificável; 2 – Por interesse didático ou cultural, como a Festa do Divino, Carnaval, eventos religiosos e de gênero; 3 - Motivos de segurança pública para encontrar desaparecidos ou localizar criminosos foragidos.
d) Tanto pessoas que optam por aparecer e pela notoriedade, como aquelas que desejam se manter anônimas, em local público ou não, se houver interesse público inequívoco. Exemplos: 1) Parlamentares em sessões legislativas, comissões parlamentares de inquérito, [7] audiências públicas, inauguração de obras; 2) Matérias de jornalismo investigativo com emprego de câmeras escondidas, tanto sobre expedição fraudulenta de carteiras de motorista ou exploração de máquinas de caça-níqueis, como também para evidenciar a qualidade da prestação de serviços públicos de saúde, educação, transporte e saneamento básico; 3) Flagrante de crimes, como agressões, tortura ou homicídio cometidos por agentes públicos contra cidadãos, como na filmagem do caso da Favela Naval em Diadema.
A diferença entre interesse público reconhecido e interesse público inequívoco não é despropositada. No interesse público reconhecido, existe algum interesse jornalístico em função do protagonista ser pessoa pública num contexto de acontecimento que traga algo útil, proveitoso ou vantajoso ao receptor, ocorrido em local público. Pessoas que optam pela notoriedade têm a esfera de proteção reduzida, mas não aniquilada.
No interesse público inequívoco, estaremos diante da exposição de imagens de pessoas que, mesmo não sendo reconhecidas por uma coletividade, a exposição da imagem se justifica tendo em vista o uso irregular de dinheiro público, a prestação de serviços públicos, a moralidade administrativa ou flagrante de crime.
Como no exemplo citado, o uso de câmeras escondidas, quando embasadas em situações de interesse público inequívoco, sem dúvida, servem de substancial ferramenta do jornalismo investigativo. Seu uso indiscriminado, ao revés, por tender ao sensacionalismo, é muito mais instrumento de alienação do que esclarecimento sobre determinado assunto. Além disso, vulgariza tanto a profissão do jornalista como essa importante ferramenta investigativa.
Sobre as câmeras escondidas, entendemos relevante consignar outra condicionante ética. A não ser que seja indispensável para a compreensão da matéria, deve ser evitada a exposição do rosto dos protagonistas, em homenagem à dignidade das pessoas, como veremos nos exemplos ao final.
A diferença entre interesse reconhecido e inequívoco também se impõe uma vez que as pessoas que optam pela notoriedade, naturalmente desfrutam de uma esfera de proteção menor daquelas que optam pelo recato e pelo anonimato. Em ambos os casos, repetimos que não se justifica a exposição de imagem em função de mera curiosidade, bisbilhotice ou acontecimentos da esfera íntima ou afetiva dos protagonistas. Ao contrário, devem refletir, ao menos, um fato útil, proveitoso ou vantajoso aos receptores.
A respeito do interesse pelas celebridades, impõe-se uma reflexão que pode escapar aos critérios acima expostos. Tolera-se a divulgação de imagens de pessoas conhecidas sem que haja qualquer interesse jornalístico relevante. Sucede que é muito comum a pura exibição da projeção física em troca de matérias de revistas que sobrevivem à custa da intimidade particular. Isso torna mais complexo tentarmos definir limites. Mesmo assim, acreditamos que os próprios protagonistas têm o direito de estabelecer as ocasiões em que podem ser fotografadas, ainda que a esfera do particular seja quase inexistente à vista da exposição constante das suas intimidades.
4.1.2. Uso mediante consentimento expresso para fins jornalísticos
Como já dito, defendemos que, ainda que não haja uma situação constrangedora para o protagonista da imagem jornalística, este, em regra, tem o direito de escolher como aparecer em público, caso possa ser facilmente identificado num contexto.
Logo, do ponto de vista ético, as imagens de pessoas para uso jornalístico, como regra, demandam autorização. O problema que surge em razão da necessidade de colher autorização expressa é de ordem prática. Em estádios de futebol, por exemplo, pode ser impraticável colher a manifestação escrita de determinado torcedor, sobretudo em imagens ao vivo. Em registros fotográficos, normalmente, existe maior tempo para a publicação da imagem, de sorte a permitir que o repórter indague à pessoa sobre a autorização.
Como únicas exceções, as esses critérios acima expostos, encontram-se os casos de câmeras escondidas ou ocultas, em que haja interesse público inequívoco, pois entendemos haver autorização tácita. Isto porque não seria razoável perguntar aos PMs de Diadema envolvidos no caso da Favela Naval se desejam ou não verem suas imagens exibidas no Jornal Nacional.
Em síntese, defendemos que sempre que possível, o jornalista dê a oportunidade do fotografado em local público se manifestar sobre a autorização ou não da exibição da imagem, salvo nos casos de interesse público inequívoco.
Apesar de ser posição minoritária nesse particular, acreditamos que é a posição mais coerente com a dignidade da pessoa, sobretudo em relação às pessoas mais humildes, que por vezes nem sabem que possuem a possibilidade de se opor à exposição de sua imagem.
4.1.3. Uso mediante consentimento expresso com propósitos comerciais
O uso da imagem mediante pagamento ocorre geralmente para fins publicitários, nos quais não se admite a autorização senão por escrito. A formalização, via de regra, se dá por contrato de cessão de direito de imagem, em que é bem definido o uso que vai ser dado à fotografia ou ao ensaio fotográfico. Exemplo é a fotografia de atriz para figurar na capa de revista feminina ou para campanha publicitária de algum produto. Demandam autorização expressa também a imagens de figurantes de filmes ou programas de televisão.
Outro uso comum é o direito de imagem de profissionais da televisão, que celebram com as respectivas emissoras, contratos pelos quais cedem o uso de suas imagens para exibição pública. Para esportistas, existe ainda o direito de arena que serve para colher percentual dos contratos dos clubes com as emissoras e distribuir o produto entre os atletas.
4.2. Hipóteses que devem ser evitadas
A ética no direito de imagem para finalidades jornalísticas, como há dito, não se refere apenas ao modo de edição ou exibição da imagem alheia, mas também ao modo pelo qual tais imagens serão obtidas.
Em geral, não se permite tirar fotografia de pessoas em locais que não sejam públicos. Por locais públicos, entendemos locais abertos à visitação pública, seja gratuitamente, seja mediante cobrança. Por exemplo, são considerados locais públicos para esse particular, tanto uma praça pública, uma praia, um bar ou estádio de futebol. Portanto, como conseqüência, não são toleradas fotografias de pessoas em ambientes domésticos, festas particulares, ou de entrada restrita ao público. Evita-se, desse modo, que repórteres utilizem o expediente de subir o muro de uma casa para tirar foto ou captar imagem através de janela entreaberta da residência alguém.
Ademais, podemos mencionar o uso ofensivo ou difamatório, que normalmente ocorre em fotomontagens de revistas semanais, retratando João Pedro Stédile ou Anthony Garotinho (que também é pastor evangélico) como diabos, e também a condução de presos algemados às carceragens de Delegacias de Polícias. Sobre investigados de cometimento de crimes, caso seja imprescindível a divulgação de suas imagens, aconselhamos que se dê preferência ao uso de imagens de arquivo e se evite exibir imagens da pessoa algemada.
Em relação às crianças e adolescentes, existe dupla proibição legal. Em primeiro, porque uso ofensivo ou difamatório é proibido contra quem quer que seja, independentemente da idade. Além disso, como são pessoas em formação, o Estatuto da Criança e adolescente confere, em vários artigos, proteção contra possíveis vexames ou constrangimentos. [8]
Interessante notar que a redação da lei do Estatuto da Criança e do Adolescente não difere muito da lei de Abuso de Autoridade no que se refere a vexames ou constrangimentos não autorizados por lei às pessoas suspeitas. A efetiva maior proteção às crianças e adolescentes, a nosso ver, ocorre em função do maior rigor de Juízes das Varas de Infância e Juventude sobre eventuais abusos. Alguns magistrados, em casos criminais, infelizmente, não agem do mesmo modo, como veremos ao final.
O expediente que costuma ser utilizado nos casos de adolescente suspeitos de cometer atos infracionais é o de colocar tarjas na altura dos olhos de menores infratores, que nem sempre são suficientes para impedir suas identificações.
Resumindo os principais critérios de análise, tendo em vista os direitos fundamentais das pessoas no uso de imagens, deve-se levar em conta:
1) se o local era público;
2) o grau de importância do acontecimento, se havia interesse jornalístico relevante ou inequívoco;
3) se houve propósito manifestamente difamatório;
4) se a foto era justificável por motivo de segurança pública;
5) se demandava autorização dos pais ou responsáveis;
6) se o foco era pessoa determinada ou se ela era apenas um componente do todo;
7) se o retratado optou ou não por aparecer;
8) se, mesmo em local público, a pessoa estava em momento de sofrimento e era necessário respeitar a sua dor;
9) no caso de câmeras escondidas, se a exibição da face das pessoas é imprescindível à compreensão da notícia.
5. Análise casuística
Para auxiliar no esclarecimento dos critérios e posições aqui defendidas, julgamos conveniente trazer alguns casos conhecidos e tecer alguns breves comentários.
5.1. Reportagem sobre a prisão de um comerciante que foi acusado de vender cigarros sem nota fiscal em Minas Gerais [9]
Nesse episódio, um comerciante requereu indenização por danos morais em função de uma emissora de televisão exibir o momento em que era conduzido preso à Delegacia de Polícia. Tanto em primeira como em segunda instância, os tribunais negaram o pedido, sob o fundamento de que a matéria apenas exibiu a prisão, sem afirmar que ele era culpado do crime.
Entendemos que é manifesto o constrangimento da pessoa a ser conduzida algemada para a uma dependência policial. O papel da imprensa não é julgar, tampouco condenar quem quer que seja. O linchamento midiático jamais se justifica. Por esse motivo, o Poder Judiciário não poderia dar carta branca para a imprensa cometer abusos desta sorte.
5.2. Prisão de Prefeito pela Polícia Federal [10]
O prefeito de Paracambi (RJ), André Luiz Ceciliano, foi preso em função de ser suspeito de participar da fabricação de dossiê atribuído a integrantes do PT em desfavor de tucanos na eleição de 2006. As suas imagens foram estampadas nas páginas do Jornal do Brasil com grande destaque. Inclusive, a legenda da foto da prisão detalhava: Cerco ao André da Baixada”, e o subtítulo corroborava o predicado negativo: “Prefeito era Andrezinho do ouro”.
A 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por maioria de votos, entendeu a adjetivação incompatível com o mero relato dos fatos e condenou o jornal a cerca de R$ 15 mil reais. Vale dizer, embora havia indícios contra o prefeito, não era direito do jornal difamá-lo ou condená-lo antes que o Poder Judiciário o fizesse. Além disso, houve manifesta ausência de moderação e adequação do conteúdo, posto que dificilmente as reputações das pessoas serão reconstruídas caso venham a ser absolvidas.
5.3. Reportagem exibida na Rede Record de televisão sobre uso de entorpecentes e venda de bebidas alcoólicas na ECA-USP [11]
No contexto de uma reportagem sobre ensino superior, no ano de 2007 foi levada ao ar imagem sobre alunos da USP consumindo cigarros de maconha mediante uma câmera oculta. Alguns alunos, cuja face era facilmente identificável, apareciam sentados num gramado com cigarros que aparentavam ser cannabis. Em seguida, um funcionário da cantina do centro acadêmico da Escola de Comunicações e Artes foi filmado, também por meio de câmeras escondidas, vendendo latas de cerveja ao repórter.
Novamente, a exibição dos rostos era totalmente desnecessária, pois os retratos das faces não eram fundamentais à compreensão da matéria. Logo, caso fosso intenção do profissional mostrar irregularidades ocorridas dentro do campus, que o fizesse em exibir o rosto das pessoas envolvidas.
5.4. Marco Aurélio Garcia fazendo gestos obscenos
Logo em seguida da queda do avião da TAM em meados de 2007, o Assessor da Presidência Marco Aurélio Garcia foi flagrado enquanto fazia gestos obscenos dentro do Palácio do Planalto.
Como o ambiente não era aberto à visitação pública, pois se tratava de um gabinete, entendemos que houve abuso, mesmo sendo pessoa ocupante de cargo público, que opta pela notoriedade. Seria o mesmo que retratar o Presidente da República pela janela de seu gabinete despachando assuntos cotidianos ou participando de reuniões reservadas. Assim, defendemos que não se utilize tal expediente para não se legitimar a invasão de ambientes particulares ou domésticos por lentes de câmeras com grande potencial de aproximação.
5.5. Imagens privadas de Thales Ferri Schoedl
O protagonista era recém ingressado na carreira de Promotor de Justiça e foi acusado de praticar homicídio e lesão corporal no final de 2004 na praia de Riviera de São Lourenço, litoral norte do Estado de São Paulo. O processo segue regularmente no Poder Judiciário e o suspeito aguarda o julgamento final em liberdade. A fim de verificar o cotidiano do promotor, a Rede Record de Televisão, na reportagem “Promotor acusado (sic) de homicídio permanece impune”, [12] empregou câmeras escondidas para segui-lo no supermercado, numa boate e na academia de ginástica que freqüentava.
O promotor, ao ver sua imagem repetida à exaustão na TV, entrou com pedido judicial para que a emissora se abstivesse de exibir suas imagens. A juíza do caso acolheu integralmente o pedido e proibiu a reprodução das imagens sob pena de multa de R$ 100 mil reais, considerando serem abusivas as imagens e inexistir interesse público.
Novamente, a sede por vingança foi mais forte do que ao anseio por justiça. Caso a emissora não concorde com a liberdade do suspeito, que criticasse abertamente a decisão do Juiz do caso, sem agredir os direitos do Promotor.
5.6. Caso topless em Santa Catarina [13]
O jornal Zero Hora foi processado em razão de publicar, na sua capa, fotografia de uma mulher fazendo topless na Praia Mole, litoral de Santa Catarina. A protagonista demandou reparação de danos morais e violação de direito de imagem. O processo, após ser transcorrer as instâncias ordinárias, teve recurso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça.
O Tribunal entendeu que a autora optou por expor sua imagem em cenário público, não sendo ilícita ou indevida sua reprodução pela imprensa. Segundo a decisão, não houve chamada sensacioTnalista e o periódico apenas se limitou a registrar o fato sem citar o nome da autora. Conforme o entendimento que prevaleceu, resultado diferente seria se uma moça fosse retratada desprevenida por uma onda e a peça superior da roupa de banho se encontrasse fora do lugar.
No nosso entender, apesar da autora expor voluntariamente sua intimidade, não há qualquer interesse jornalístico relevante. Ademais, o fato de a protagonista exibir os seios perante uma praia lotada, não significa sua autorização tácita para a reprodução em periódico com tiragem de centenas de exemplares. Por derradeiro, não há notícia de que ela se expôs voluntariamente ao repórter fotográfico, que talvez, de modo sorrateiro, aproveitou-se de momento de distração dela para captar a imagem.
5.7. Jornal Folha de S.Paulo e foto de menor beijando namorado no carnaval [14]
O Jornal Folha de S.Paulo estampou uma imagem de menor de idade, em baile de carnaval, beijando seu namorado. Em razão da publicação da imagem, cuja legenda identificou nominalmente os protagonistas, a menor sofreu vários constrangimentos e apelidos maliciosos.
O processo foi julgado em última instância pelo Superior Tribunal de Justiça e prevaleceu o entendimento de que o Jornal agiu abusivamente ao publicar fotografia não autorizada, ensejando condenação por danos morais. Importante destacar que, na fundamentação do acórdão, entendeu o relator que a indenização para danos morais, no caso de violação de direito de imagem, independe de vontade de prejudicar do jornal, bastando a falta de cuidado.
Essa decisão, a nosso ver, não merece qualquer reparo. O jornal, ao focalizar o casal, correu o risco de violar suas intimidades e causar constrangimento. Seria mais prudente retratar um cenário mais amplo da festividade sem destaques.
5.8. Casos de Daniella Cicarelli e Chico Buarque em praias
Talvez seja o caso mais conhecido e debatido sobre proteção à imagem tenha sido o vídeo publicado na Internet exibindo Daniella Cicarelli em momentos íntimos numa praia espanhola com seu namorado. Muitos afirmaram à época que ela era pessoa pública e, portanto, ela correu o risco de ser flagrada, pois estava em local público.
Por outro lado, questionamos se existe, de fato interesse jornalístico nas imagens ou se o fato configura apenas um modo de saciar os olhares masculinos, de sorte que as imagens foram feitas mediante lentes com grande capacidade de aproximação.
Este foi justamente o entendimento da 4a Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Segundo a decisão que proibiu sites de Internet veicular as imagens, em razão de não haver provas do consentimento do casal (pois era caso de autorização expressa), bem como pelo fato do casal ser o protagonista da imagem e não um componente de um todo que legitimasse a exibição.
Tal decisão vai ao encontro dos critérios que defendemos como uso ético da imagem jornalística.
Caso relativamente semelhante ocorreu com o cantor e compositor Chico Buarque. Chico estava dentro do mar na cidade de Rio de Janeiro aos beijos com uma mulher casada. As imagens exibiam os protagonistas em atitudes muito mais moderadas do que Cicarelli e seu namorado.
Contudo, Chico Buarque foi alvo de fotógrafo unicamente porque é conhecido, sem haver qualquer motivo jornalístico relevante. As imagens causaram, pelo que se sabe, grandes distúrbios familiares para sua companheira de banho de mar.
Assuntos de vida íntima, como os casos citados, concernem somente aos titulares, que em momento algum desejaram evidenciar os affaires à imprensa.
6. Conclusão
Os direitos individuais vêm sofrendo a cada dia seguidas agressões, seja dos governantes, seja dos meios de comunicação social. A banalidade das ocorrências parece servir como fator de legitimação do absurdo e do vilipêndio de reputações.
Nos casos criminais, a imprensa deveria, ao invés de estar na linha de frente dos abusos, criar filtros contra os sentimentos de vingança e tentar prestigiar a defesa intransigente por justiça, de acordo com o devido processo legal. Justiça instantânea não é justiça, mas apenas prestígio do linchamento público.
Assim, nestes tempos em que absurdos e atrocidades parecem ser cada vez mais comuns, impõe-se ao profissional da comunicação uma postura firme, comprometida com a dignidade da pessoa humana e com os valores mais elementares que devem nortear os padrões civilizados de convivência.
O uso comedido e moderado de imagens de terceiras pessoas não constitui obstáculo para a prática jornalística. Muito pelo contrário, valoriza a inteligência dos receptores sem agredir o direito das pessoas objeto de matérias de interesses jornalístico.
NOTAS
[1] “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.”
[2] “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:  [...]  V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XXVIII - são assegurados, nos termos da lei: a)  proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas”.  (Grifos do autor).
CAPÍTULO V - DA COMUNICAÇÃO SOCIAL Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV (respectivamente liberdade de manifestação, direito de resposta, inviolabilidade da honra e da imagem, direito à indenização pelos prejuízos causados, sigilo de comunicação e direito de reunião). § 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. § 3º - Compete à lei federal: I - regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada; II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.§ 4º - A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.
[3] Redação do Artigo 221 da Constituição Federal.
[4] CHAVES, A. “Direito à própria imagem”. In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, s/r, s/d.
[5] Em 1989, quando houve o seqüestro do empresário Abílio Diniz, restou conhecida a atitude de policiais que trajaram os suspeitos com uma camiseta vermelha do Partido dos Trabalhadores
[6] Lei n.º 4898/65 – Art. 1º - O direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa civil e penal, contra as autoridades que, no exercício de suas funções, cometerem abusos, são regulados pela presente lei. Art. 4º - Constitui também abuso de autoridade: [...]  b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei.
[7] No julgamento do Mandado de Segurança nº 24832, julgado em 2004 pelo Supremo Tribunal Federal, foi decidido que o empresário Law Kin Chong não tinha direito de proibir a transmissão pela televisão de seu depoimento como indiciado na CPI da pirataria.
[8] Lei 8069/90- Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
[9] Divulgado pelo site Consultor Jurídico em 6 maio 2008.
[10] Segundo informações do site Consultor Jurídico publicadas em 3 mar. 2008.
[11] Disponível em: http://www.mundorecord.com.br. Pesquisar: “Como o Brasil trata seus estudantes”.
[12] Tecnicamente, uma pessoa só é acusada quando pesa contra ela denúncia pela prática de infração penal. No caso do promotor, ele era apenas suspeito. Matéria divulgada pelo site Consultor Jurídico em 5 abr. 2008.
[13] Recurso Especial nº 595.600-SC, Rel. Ministro César Asfor Rocha.
[14] Recurso Especial nº 207.165-SP, Rel. Min. Antonio de Pádua Ribeiro.
*Eduardo Altomare Ariente Té professor de Deontologia e Legislação do Jornalismo na ECA-USP.


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