“APLICAÇÃO DOS
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO DIREITO MILITAR
Paulo Tadeu Rodrigues
Rosa
1.
Introdução
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu princípios e garantias que
alcançam não apenas os brasileiros, natos ou naturalizados, mas também os
estrangeiros residentes no país ou mesmo no exterior que estejam de passagem
pelo território nacional. A Convenção Americana de Direitos Humanos
complementou as garantias que foram estabelecidas pelo texto constitucional,
que se aplicam tanto aos civis como aos militares.
O direito militar ainda é um ramo da ciência jurídica pouco divulgado,
mas com o advento da nova CF vem passando por várias modificações. O militar,
que é um cidadão que integra a sociedade, é responsável pela preservação da
segurança, externa e interna, sem a qual um país não se desenvolve e não
realiza os seus objetivos nacionais.
A especialização desse ramo do direito que se divide em direito
administrativo militar ou disciplinar militar, direito penal militar e direito
processual penal militar, em nenhum momento afasta a aplicação dos princípios
constitucionais, que devem ser observados e respeitados, sob pena da prática do
crime de abuso de autoridade.
O militar devido às particularidades de sua profissão está sujeito a
diversos regramentos, que são rigorosos, mas ao mesmo tempo deve e necessita
que seus direitos e garantias fundamentais sejam observados. As acusações
apresentadas pela administração pública militar devem permitir o exercício da
ampla defesa e o contraditório, sem os quais os atos processuais são nulos de pleno
direito, como vem decidindo os Tribunais superiores.
Atualmente, por força da CF/88, a palavra militar possui um significado
mais amplo que deve ser distinguido. Os integrantes das forças armadas,
Exército, Marinha e Força Aérea, são denominados de militares federais, e são
responsáveis pela preservação da segurança nacional em todo o território
brasileiro. Os integrantes das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros
Militares são os militares estaduais, sendo responsáveis pela preservação da
ordem pública em seus três aspectos: segurança pública, salubridade pública e
tranqüilidade.
As nações organizadas e desenvolvidas possuem as suas forças policiais
que observam e respeitam a Constituição Federal, as autoridades constituídas e
a lei. O mesmo ocorre com a República Federativa do Brasil, onde as forças
armadas são as responsáveis pela defesa da ordem estabelecida e da Constituição
Federal. Mas será que os princípios
constitucionais têm sido aplicados de forma efetiva aos militares?
Segundo o art. 5º, caput, da Constituição
Federal, todos são iguais perante a lei, sem qualquer distinção de raça, cor,
ou credo religioso. A democracia tem como fundamento o cumprimento da lei e das
garantias constitucionais. O militar é o responsável pela preservação da
segurança e deve ser tratado como profissional, sendo-lhe asseguradas todas as
prerrogativas necessárias ao exercício de suas funções como ocorre com as
demais pessoas que vivem em solo brasileiro.
A não observância das regras as quais está sujeito poderá levar o
militar a um processo-crime, ou a um processo administrativo. No primeiro caso,
o militar poderá perder a sua liberdade, como ocorre com qualquer pessoa que
venha a praticar um ilícito previsto no Código Penal e nas Leis Especiais. No
processo administrativo, o militar fica sujeito a perda do posto ou da
graduação, mas em qualquer situação até que se prove o contrário será
considerado inocente. Assim preceitua a Constituição Federal.
2. Processo
administrativo e princípios constitucionais
Segundo o art. 5º., inciso LV, “aos litigantes, em processo judicial
ou administrativo, e aos acusados em geral são asseguradas o contraditório e a
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Mas será que os princípios da ampla defesa e do contraditório são uma
realidade nos processos que os militares respondem pela prática de uma
transgressão disciplinar militar, leve, grave ou gravíssima?
Antes do advento do novo texto constitucional, ao praticar em tese uma transgressão disciplinar o militar
em regra apresentava apenas uma justificativa, que era analisada pela
autoridade militar. Com base nas informações prestadas, a autoridade decidia
pela punição ou não do infrator. Atualmente, esse procedimento foi modificado,
ou deve ser afastado por contrariar os princípios da ampla defesa e do
contraditório.
O direito administrativo militar recebeu um aspecto de processualidade,
ou seja, as garantias observadas em juízo também devem ser aplicadas ao
processo administrativo. O militar não mais pode ser apenas um objeto de
investigação, a não ser que exista um inquérito policial militar em andamento,
mas mesmo assim por meio de um advogado constituído o acusado poderá acompanhar
as provas produzidas, indicar testemunhas, ter acesso aos autos, sob pena de
cerceamento das garantias que foram asseguradas a todos os brasileiros e
estrangeiros residentes no país.
A prisão administrativa militar cautelar deve ser usada com moderação
pelas autoridades militares. Não basta uma mera justificativa para que o
militar seja encarcerado, sendo necessária a existência de indícios que
indiquem autoria e materialidade. A prisão indevida do militar traz como
conseqüência a obrigação do Estado de indenizar o administrado pelos danos
morais e materiais que foram suportados em atendimento ao art. 37, § 6º, da CF,
responsabilidade objetiva do Estado.
O princípio da inocência também se aplica ao processo administrativo
militar, por mais que se afirme que a administração pública possui poderes
especiais e que na dúvida o princípio a ser aplicado é o in dubio pro administração. A punição caso fique configurada a
falta deve ser aplicada de forma justa, não se permitindo meros juízos de valor
ou de especulação. Os bens, a vida das pessoas, e a liberdade, não podem ser
limitados com meros indícios. As provas devem ser concretas, seguras, caso
contrário não se alcançará a Justiça, mas a iniqüidade, que é incompatível com
a democracia.
No curso de um processo administrativo, o militar não perde a sua dignidade
como profissional ou como pessoa, e portanto tanto o acusado como o seu
advogado devem ser tratados com urbanidade e respeito. O advogado é essencial
para a efetiva aplicação da Justiça. Como ensina Piero Calamandrei em sua obra,
“Eles os juízes vistos por um advogado”, o primeiro juiz da causa, que
conhece o sofrimento da pessoa é o advogado.
A observância do princípio da legalidade é uma outra questão que tem sido motivo de controvérsia no direito
administrativo militar, mesmo com o advento da CF/88. As acusações relativas às transgressões disciplinares não podem ser
genéricas como se pretende nos termos acusatórios. O princípio da legalidade é
específico e impede a existência de uma acusação que não esteja previamente
estabelecida antes do fato delituoso em tese.
O direito administrativo militar possui particularidades que o afastam
do direito administrativo aplicado aos funcionários civis. A possibilidade de
cerceamento da liberdade do militar traz como conseqüência a necessidade da
existência de normas claras e precisas, que possam permitir o exercício da
ampla defesa e o conhecimento prévio das faltas os quais acusado se encontra
sujeito, afastando a possibilidade do arbítrio.
A justiça deve ser exercida com imparcialidade em respeito as garantias
que estão asseguradas aos administrados. O princípio da imparcialidade também
se aplica ao direito administrativo militar, mas sofre limitações quando a
mesma pessoa é a responsável pela colheita e julgamento da prova. O acusado é
submetido a um parecer que é elaborado por pessoas que participaram ativamente da instrução processual, o que fere o
sistema da livre apreciação das provas que é adotado no direito penal.
Mesmo este sistema não admite meros juízos de
valor para a imposição de uma penalidade ou sanção.
Por fim, pode-se afirmar que os regulamentos militares estão se
adequando ao texto da CF. Não mais se admite que qualquer alteração seja feita
por meio de decretos.Somente a lei que seja proveniente do Poder Legislativo
é que poderá estabelecer quais são os atos considerados como ilícitos
administrativos. O Estado de São Paulo buscando se adequar ao disposto na
Constituição Federal editou uma Lei Complementar que substitui o Regulamento
Disciplinar até então vigente na Polícia Militar.
Os princípios constitucionais estão se incorporando as normas
administrativas militares, o que tem permitido o exercício da ampla defesa. O
militar deve ser punido e até mesmo afastado de suas funções quando fique
comprovado que este praticou um ilícito, mas deverá ser julgado em conformidade
com a lei fundamental de seu país.
3. Princípios constitucionais e
inquérito policial militar
O inquérito policial tem por objetivo apurar a autoria e a materialidade
de um ilícito (contravenção ou crime) para que o titular da ação penal pública,
Ministério Público, ou o titular da ação penal privada, ofendido ou seu
representante legal, tenham os elementos necessários para o oferecimento da
ação penal ou a propositura de pedido de arquivamento em atendimento a lei
processual.
Por força do art. 144, § 4º, da CF, a Polícia Civil é o órgão
responsável pela a apuração das infrações penais comuns excetuadas àquelas que
sejam de competência da Polícia Federal. Com base no texto constitucional, não
cabe a Polícia Civil ou a Polícia Federal apurar as infrações criminais de
natureza militar.
Os militares dividem-se em duas categorias: a. os militares federais,
que são os integrantes das Forças Armadas; b. os militares estaduais, que por
força de lei (art. 42, da CF) tornaram-se militares e são integrantes das
Forças Auxiliares e reserva do Exército. No exercício de suas funções os
militares encontram-se sujeitos ao Código Penal Militar, Leis Penais Especiais,
Código de Processo Penal Militar, e Estatuto do Militares (militares federais).
Em tempo de guerra, o Código Penal Militar permite em determinados
crimes, como por exemplo a espionagem, a aplicação da pena de morte. A
Constituição Federal veda a aplicação da pena de morte, salvo em caso de guerra
declarada, art. 5º, inciso XLVII. Essa pena somente será aplicada aos militares
em tempo de guerra e em determinados crimes, devendo ser assegurado ao acusado
a ampla defesa e o contraditório na forma do art. 5º, inciso LV, do texto
constitucional.
As forças policiais, civil e federal, não possuem competência para
apurar os crimes militares, sendo esta atribuição exercida pela Polícia
Judiciária Militar, que é constituída por autoridades militares e seus
auxiliares. Ao tomar conhecimento da prática de um ilícito, o Comandante da Unidade
a qual pertence o militar por meio de portaria determinará a abertura de
Inquérito Policial Militar (IPM) nomeando um oficial para apurar a autoria e a
materialidade do fato. Caso o autor do ilícito seja conhecido, o oficial
nomeado deverá possuir posto ou patente acima do indiciado.
No caso de prisão em flagrante delito, o acusado deverá ser apresentado
a autoridade militar que esteja no exercício da função de Polícia Judiciário
Militar, o qual lavrará o auto de prisão na forma do Código de Processo Penal
Militar, que é semelhante o auto de prisão em flagrante lavrado pela Polícia
Civil, ouvindo-se o condutor, as testemunhas, e o militar (federal ou estadual)
acusado da prática do ilícito em
tese.
O inquérito policial militar serve como peça informativa ao promotor de
justiça para que este se assim o entender possa propor perante a autoridade
judiciária a competente ação penal militar. No Estado de São Paulo, os
promotores que atuam perante a Justiça Militar são oriundos do Ministério
Público Estadual. Na Justiça Militar Federal, a acusação é exercida pelos
Procuradores da República que pertencem ao quadro do Ministério Público Militar
Federal.
A Justiça Militar Estadual destina-se ao julgamento dos policiais
militares e dos bombeiros militares nos crimes militares definidos em lei, art.
125, § 4º, da C F. Com base neste artigo um civil não mais poderá ser julgado
perante a Justiça Castrense Estadual. Caso seja processado poderá propor
um habeas corpus para trancamento da ação penal militar. Os militares federais são
julgados perante a Justiça Militar Federal que poderá julgar civis caso estes
venham a praticar qualquer crime militar, próprio ou impróprio, no interior de
uma Organização Militar (OM), em uma área sujeita a administração militar ou em
co-autoria com outro militar.
Com o advento da nova Constituição Federal, o inquérito policial militar
que também é sigiloso encontra-se sujeito aos preceitos constitucionais sob
pena da prática do crime de abuso de autoridade previsto na Lei Federal n.º 4898/65. Segundo o art. 133 do texto
constitucional, o advogado é indispensável à administração da Justiça, seja dos
Estados, da União ou das Justiças Especializadas, entre elas a Justiça Militar
Estadual ou Federal.
A autoridade que preside o inquérito policial militar não poderá cercear
o direito do advogado de ter acesso aos autos, inclusive fotocopiar
as peças que considere essenciais para a defesa do seu constituinte. O IPM não pode e
não deve ser um procedimento administrativo onde seja vedado ao advogado
acompanhá-lo. O sigilo que se menciona no Código de Processo Penal Militar
passou a ser relativo, e encontra-se sujeito aos dispositivos
constitucionais e ao Estatuto da Advocacia.
No mesmo sentido, caminha a disposição do art. 17 do Código de Processo
Penal Militar que permite a autoridade militar decretar durante o inquérito
policial a incomunicabilidade do acusado. Com o advento da CF/88, essa
disposição foi revogada e a autoridade militar que não respeitar o direito do
advogado de comunicar-se reservadamente com o seu cliente estará praticando o
crime de abuso de autoridade.
A hierarquia e a disciplina continuam sendo os preceitos basilares das Forças Armadas e das Forças
Auxiliares, que são responsáveis pela manutenção da ordem e da segurança
pública. Mas, quando se trata de processo administrativo ou penal deve-se
observar os preceitos constitucionais, que são direitos e garantias
fundamentais assegurados aos cidadãos (civil ou militar).
Durante a colheita das provas no inquérito policial militar, o indiciado
poderá estar presente em todos os atos com o seu advogado, que não poderá
interferir na presidência do procedimento administrativo, mas não permitirá que
os princípios constitucionais sejam violados e caso seja necessário usará da
palavra na forma do Estatuto da Advocacia.
O indiciado não está obrigado a responder as perguntas que lhe sejam
feitas na fase do inquérito policial, e a sua recusa não poderá ser entendida
como sendo violação ao preceito de faltar à verdade, que é considerado
transgressão disciplinar grave.
O inquérito policial militar continua sendo inquisitivo, mas isso não
significa que a autoridade militar que o preside poderá durante o seu curso
desrespeitar os princípios constitucionais que são assegurados aos todos os
brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, em atendimento ao art. 5.º, caput, e seus incisos.
4. Processo-crime
militar e princípios constitucionais
O processo penal militar que é regido pelo Código de Processo Penal
Militar vem passando por modificações que tem como fundamento a Constituição
Federal de 1988, a denominada constituição cidadã. As garantias processuais e
constitucionais têm sido asseguradas de forma efetiva ao militar (federal ou
estadual), o que significa a certeza de um julgamento justo que é o fundamento
de uma democracia livre e soberana onde todos devem ser iguais perante a
lei.
A ação penal militar assim como ocorre com a ação no Direito Penal
aplicado aos civis tem como titular o Ministério Público Militar. No âmbito
federal, o Ministério Público Militar é constituído por promotores e
procuradores que ingressaram na carreira por meio de um concurso de provas e
títulos. Esses profissionais exercem de forma exclusivamente a função a
titularidade da ação penal cabendo a eles decidirem ao final do inquérito
policial militar (IPM) a decisão pelo arquivamento, realização de novas
diligências ou o oferecimento da ação. Nos Estados-membros da Federação, o
titular da ação penal militar também é o Ministério Público em atendimento ao
disposto na Constituição Federal, mas existem algumas particulares que se
afastam do sistema que vem sendo adotado pela União.
No Estado de São Paulo, os promotores que atuam na Justiça Militar
Estadual não prestam concurso de provas e títulos para serem exclusivamente
promotores militares. Os promotores que atuam na Justiça Castrense são
escolhidos junto aos seus pares do Ministério Público Estadual. Com base na
Constituição do Estado e na Constituição Federal a estes profissionais são
asseguradas todas as garantias necessárias ao exercício de suas funções,
inamovibilidade, vitaliciedade e irredutibilidade de vencimentos.
O inquérito policial na área militar é presidido
não por Delegados de Polícia como ocorre na Justiça Comum, mas por oficiais que
seguem as mesmas regras na busca da autoria e materialidade que são essenciais
para o oferecimento da ação penal. No IPM também não se aplica o princípio da ampla
defesa e do contraditório, sendo o militar em tese infrator sujeito de
investigação, o que não afasta em nenhum momento as garantias
constitucionais.
Por força do texto constitucional os Códigos Penal e Processual Penal
Militar possuem artigos que foram tacitamente revogados, como por exemplo o
art. 17 do CPPM, que determinava a incomunicabilidade do acusado inclusive com
o seu advogado. Atualmente, mesmo que se negue esta garantia sob pena de abuso
de autoridade, o advogado tem o direito de conversar reservadamente com o seu
cliente a qualquer hora do dia ou da noite, mesmo que este esteja preso em um
quartel das Forças Armadas ou Forças Auxiliares acusado da pratica de um crime
comum ou militar.
No âmbito da Justiça Militar, Estadual ou Federal, os princípios
enumerados no art. 5º, da CF, são observados de forma efetiva, sendo assegurado
ao acusado a mais ampla defesa, que somente deve ser exercida por um
profissional devidamente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil
e que tenha pleno conhecimento da matéria militar. Na dúvida, ou seja, na
ausência de provas seguras que demonstrem a autoria e materialidade dos fatos
descritos na ação penal militar, o princípio da inocência é aplicado de forma
efetiva. O cerceamento da liberdade não admite juízos de valor, mas apenas a
existência de provas concretas. Na dúvida, como ensina Eliezer
Rosa, é melhor absolver o
culpado do que condenar o inocente.
A Lei 9099/95 que institui o Juizado Especial Criminal a princípio foi
aplicada na Justiça Militar, e depois por força de Lei Federal foi vedada a sua
aplicação. Com o advento da Lei n º 10259/01, a discussão será reaberta e o
militar poderá receber os mesmos benefícios que são concedidos aos civis em
respeito ao princípio da igualdade. O art. 2.º, parágrafo
único, da Lei n.º 10.259/01, deve ser aplicado tanto na Justiça Comum como na
Justiça Militar (Federal ou Estadual) em atendimento ao art. 5º, caput, da CF, e também a Convenção Americana de Direitos Humanos, que foi
subscrita pelo Brasil por meio de decreto legislativo e decreto do poder
executivo.
Com o advento da Lei dos Juizados Especiais Federais que não fez
qualquer ressalva quanto a sua aplicação na Justiça Estadual ou mesmo na Justiça
Militar (Federal ou Estadual) não há que se falar em uma interpretação diversa
da pretendida pelo legislador. O direito penal assegura que a Lei não poderá
retroagir, salvo para beneficiar o réu. A nova Lei é muito mais benéfica e
portanto possui aplicação imediata. Não é justo que um civil que tenha
praticado em tese o crime de desacato em área sujeita a administração pública
militar federal não tenha direito ao benefício da transação, enquanto que um
outro civil que tenha praticado o mesmo crime de desacato tendo como vítima um
funcionário da Justiça Federal possa receber este benefício.
Portanto, o respeito aos princípios constitucionais é assegurado a todos
os militares em qualquer lugar do território nacional. A construção de um país
livre e soberano tem como fundamento o cumprimento da lei, sem a qual o Estado
não tem condições de exercer as suas funções. Todos devem respeitar a lei, que
foi o sistema adotado pelo Brasil que segue a tradição da família
romano-germânica.
5. Princípio da inocência como garantia constitucional
O devido processo legal que deve ser observado no processo-crime e no
processo administrativo não se limita apenas a observância do disposto na lei
na busca da efetiva aplicação da justiça. Somente em um julgamento onde todas
as garantias são asseguradas é que se poderá afirmar que no caso sob análise a
Justiça foi feita. A lei é uma das principais conquistas da sociedade no
decorrer dos anos, que deve ser respeitada pelo Estado juntamente com a
administração pública.
O acusado deve estar em igualdade com a acusação na instrução
probatória, caso contrário estará sendo negado o direito ao devido processo
legal, e as ordálias ou juízos de valor estarão retomando o seu lugar na
história. Essa espécie de prova foi afastada em nome dos princípios que foram defendidos
por Beccaria em sua obra “Dos Delitos e das Penas”.
A legalidade é um princípio que se aplica a administração pública, art.
37, caput, da C. F, e também a administração
pública militar. As normas administrativas militares (decretos, portarias,
resoluções e outras) foram recepcionadas pela CF de 1988, mas existem
dispositivos (artigos, incisos, alíneas) que não foram recepcionados por
contrariarem as garantias estabelecidas no art. 5º, da CF.
A defesa da aplicação do princípio da inocência no direito
administrativo militar ainda é uma novidade em uma área em que existe o
entendimento segundo o qual a autoridade administrativa militar possui
discricionariedade no julgamento dos seus subordinados. Na dúvida, quando da
realização de um julgamento administrativo onde o conjunto probatório é
deficiente não se aplica o princípio in dubio pro
administração, mas o princípio do in dubio pro reo, previsto na Constituição Federal e na Convenção Americana de Direitos
Humanos que foi subscrita pelo Brasil.
No direito penal, ninguém pode ser condenado sem a existência de provas
concretas que demonstrem a autoria e a culpabilidade. O jus libertatis é um direito fundamental do cidadão,
não admitindo meras ficções ou suposições para ser cerceado. A
prova é feita de forma dialética, devendo existir igualdade
entre defesa e acusação na busca da verdade dos fatos. No campo disciplinar
assim como ocorre no direito penal vige o princípio da verdade real, e não
formal, como ocorre no processo civil.
O direito administrativo militar é um ramo autônomo do direito,
possuindo seus próprios fundamentos e princípios, mas estes possuem estreitas
relações com o direito penal, sendo que muitas faltas administrativas podem
levar a um processo crime perante as auditorias militares. O militar que
cometer uma transgressão disciplinar poderá ter o seu jus libertatis cerceado por até 30 dias em regime
fechado, devendo permanecer no quartel até o cumprimento da punição.
No processo administrativo, a prova da acusação é feita pelo próprio
órgão julgador, o que lhe retira a imparcialidade necessária para a realização
da Justiça. Para aplicação do devido processo legal seria necessária a
instituição da figura do oficial acusador que ficaria responsável pela colheita
dos elementos de prova, o que permitiria ao oficial julgador ter isenção no
momento do julgamento.
No curso da instrução probatória, pode ocorrer a dúvida quanto aos
depoimentos colhidos que não levam a certeza da autoria ou materialidade da
transgressão disciplinar, o que não autoriza a prolação de um seguro decreto
condenatório. A transgressão disciplinar exige a comprovação da autoria e
materialidade, sob pena de se estar praticando excesso ou até mesmo uma
arbitrariedade. A manutenção da hierarquia e da disciplina deve ser feita em
conformidade com os princípios da legalidade e do devido processo legal, para
que o Estado democrático de Direito não seja violado.
A ausência de provas seguras ou de elementos que possam demonstrar que o
acusado tenha violado o disposto no regulamento disciplinar leva a sua
absolvição com fundamento no princípio da inocência, afastando-se o
entendimento segundo o qual no direito administrativo militar vige o princípio in dubio pro administração, que foi revogado a partir de 05 de
outubro de 1988.
A Constituição Federal no art. 5.º, inciso LVII, diz que, “ninguém
será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Deve-se observar, que o art. 5.º, inciso LV, preceitua que, “aos
litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes.
Com fundamento nos dispositivos constitucionais fica evidenciado que o
princípio da inocência é aplicável ao direito administrativo militar. A ampla
defesa e contraditório pressupõem o respeito ao princípio do devido processo
legal, no qual se encontra inserido o princípio da inocência. As questões administrativas que envolvem punições (sanções) não são mais
meros procedimentos mas processos. A C.F igualou o processo judicial e o
administrativo e assegurou as mesmas garantias processuais e constitucionais
aos litigantes em questões administrativas (civis ou militares).
A autoridade administrativa militar (federal ou estadual) deve atuar com
imparcialidade nos processos sujeitos a seus julgamentos, e quando esta
verificar que o conjunto probatório estampado nos autos é deficiente deve
entender pela absolvição do militar. A precariedade do conjunto probatório deve
levar a absolvição do acusado para se evitar que este passe por humilhações e
constrangimentos de difícil reparação, que poderão deixar suas marcas mesmo
quando superados, podendo se refletir nos serviços prestados pelo militar à
população, que é o consumidor final do produto de segurança pública e segurança
nacional.
Devido a estrutura adotada nos processos administrativos militares, onde
existe uma mistura entre a figura do acusador e a do julgador, fica
difícil para a autoridade administrativa
entender pela absolvição do acusado com fundamento no princípio da inocência. Além disso, em muitos casos, ainda existe uma confusão entre
discricionariedade e arbitrariedade. A primeira fica sujeita ao princípio da
legalidade e da moralidade previstos no art. 37, caput, da CF. A liberdade do administrador deve se pautar pelo respeito à lei,
porque este foi o sistema adotado por nosso país. Para se evitar possíveis
arbitrariedades no campo administrativo militar se faz necessário a edição de
uma lei que trate dos princípios e normas que devem ser observadas nos
julgamentos aos quais ficam sujeitos os militares (federais ou
estaduais).
O princípio da inocência é uma realidade do processo administrativo
militar e deve ser aplicado pelo administrador quando o conjunto probatório for
deficiente e impeça a prolação de um seguro decreto condenatório. A justiça é
elemento essencial de qualquer instituição, pois somente com a observância do
devido processo legal e das garantias constitucionais é que se pode alcançar os
objetivos do Estado democrático de Direito. O respeito à lei em todos os seus
aspectos é condição essencial para a construção de uma sociedade melhor, justa,
fraterna e livre da violência e das desigualdades sociais.
6. Aplicação da Convenção Americana de
Direitos Humanos (CADH) no Direito Administrativo Militar
O § 2º, do art. 5.º, da CF, que trata dos direitos e garantias
fundamentais do cidadão, diz que, “Os direitos e garantias expressos nesta
Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do
Brasil seja parte”.
Segundo o art. 5o, caput, da CF, todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer
natureza. Esse princípio aplica-se ao cidadão civil ou militar no exercício de
suas funções, não podendo existir na lei infra-constitucional limitações que
não foram impostas pelo legislador constituinte.
O servidor militar assim como o civil é sujeito de direitos e obrigações
sendo regido por estatuto próprio, o qual deve obedecer a CF sob pena de
inconstitucionalidade. Os militares estaduais continuam sendo regidos por
regulamentos disciplinares editados por meio de decretos, que foram
recepcionados, mas que não mais podem ser alterados por esse instrumento.
Eventuais alterações nos diplomas disciplinares somente podem ocorrer por meio
de lei, art. 5.º, inciso LXI, da CF. Ao servidos militar aplicam-se os
preceitos constitucionais sob pena de abuso de poder ou arbitrariedade.
O Estado democrático de Direito é uma conquista decorrente de anos de
lutas, e deve se fazer presente em todos os setores da sociedade. O militar
(federal ou estadual) é um cidadão e deve ser tratado como tal. As garantias
constitucionais aplicam-se integralmente aos servidores militares.
Nos processos administrativos militares, as garantias constitucionais
têm sofrido limitações em nome da hierarquia e da disciplina. Esses princípios
fundamentais das corporações militares podem ser observados, não sendo
necessário violar os preceitos esculpidos na CF. O administrador deve entender
que a partir de 05 de outubro de 1988, o direito administrativo passou por
profundas modificações e estas alcançam a área militar.
Em nenhum momento, busca-se suprimir da administração militar seu
legítimo direito de punir o militar faltoso, que viola os princípios de
hierarquia e disciplina. Mas, a punição não deve ser arbitrária, sendo
necessário assegurar ao militar a ampla defesa e o contraditório, em
atendimento ao art.5o, inciso LV, da CF.
O Brasil por meio de decreto legislativo e presidencial subscreveu a
Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), conhecida como Pacto de São
José da Costa Rica. Com fundamento no art. 5o, § 2o, da
CF, esse tratado internacional aplica-se a todos os brasileiros e aos
estrangeiros residentes no país, não existindo nenhuma vedação ao fato dos
brasileiros serem civis os
militares.
O administrador militar, principalmente o administrador militar
estadual, ainda não reconhece nos processos administrativos o princípio da inocência, segundo o qual na
ausência de provas seguras, cabais, que possam demonstrar a culpabilidade do
acusado vige em seu favor o princípio do in dubio pro reo. Esse princípio
encontra-se consagrado na Constituição Federal e na Convenção Americana de
Direitos Humanos. Não se admite como querem alguns administradores que na
dúvida seja aplicado o princípio in dubio pro
administração.
O ônus da prova como vem entendendo a doutrina pertence a administração
pública que é titular do jus puniendi. A administração militar precisa entender que prova da culpabilidade do
agente lhe pertence, o qual será inocente até prova em
contrário. Na dúvida, o servidor deve ser absolvido, não cabendo ao
administrador suprir provas ou as deficiências da acusação.
O mesmo ocorre com a vedação do cabimento de habeas corpus nas transgressões disciplinares
militares. O art. 5o, LXVIII, da C.F, não limita
o seu cabimento. Esse cerceamento constante do art. 142,
§ 2º, da C.F, é inconstitucional. Segundo o art. 60, § 4º, inciso IV,
da CF, os direitos e garantias fundamentais assegurados aos brasileiros ou
estrangeiros residentes no país não admitem nem mesmo Emenda Constitucional.
Como pode um outro artigo da Constituição Federal pretender limitar o cabimento
desse remédio ? A Convenção Americana de Direitos Humanos em nenhum momento
limitou o cabimento de habeas corpus nas questões civis ou militares, devendo essa garantia não sofrer
qualquer tipo de vedação em nome do Estado democrático de Direito.
Em respeito ao princípio da legalidade que também foi consagrado pelo
Pacto de São José da Costa Rica não se pode admitir a amplitude das
transgressões disciplinares, que podem levar a prática do arbítrio, da
intolerância e do abuso de autoridade. O rigor da disciplina militar não deve
afastar a efetiva aplicação dos preceitos constitucionais. O infrator deve ser
punido e quando necessário afastado dos quadros militares, mas em conformidade
com a lei, com observância do devido processo legal.
As autoridades militares assim como as autoridades administrativas civis
encontram-se sujeitas aos princípios consagrados no art. 37, caput, da CF, legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e
eficiência. Esses princípios devem reger os processos administrativos na busca
da efetiva aplicação da justiça que é o pilar mais sólido de
Deus.
As normas militares devem respeito à Constituição Federal, que em nosso
sistema encontra-se no ápice da hierarquia das leis. Não existe decreto ou lei
que possa estar acima da Constituição Federal. O militar infrator deve ser
punido em conformidade com a lei, sendo-lhe assegurado às garantias previstas
no art. 5o da Constituição Federal.
Segundo a Convenção Americana de Direitos Humanos, aos acusados deve ser
assegurado o direito de ser assistido por um advogado. Os regulamentos
militares permitem que o militar possa ser defendido por um oficial ou por uma
praça que seja bacharel em direito. Essa previsão fere o princípio da ampla
defesa e do contraditório e deve ser modificada. O militar somente poderá ser
bem assistido por meio de um advogado, que não esteja sujeito à hierarquia e a
disciplina ou ao temor reverencial.
Os julgamentos administrativos militares devem se pautar pelo respeito
ao princípio da imparcialidade, com a efetiva aplicação da justiça. O julgador
militar não deve se esquecer que suas decisões precisam ser motivadas, e que
estas poderão ser revistas pelo Poder Judiciário, em atendimento ao art. 5o,
inciso XXXV, da CF. A decisão injusta, contrária a prova dos autos, e que venha
a causar prejuízos ao administrado poderá motivar uma ação de indenização por
danos morais e materiais, na forma do art. 37, § 6o, da CF.
Com o advento da CF/88, os militares acusados da prática de ilícitos
penais ou administrativos não podem mais ser punidos sem que lhes sejam
assegurados os direitos previstos no texto constitucional. Além dessas
garantias, os militares ainda encontram-se amparados pelos instrumentos
internacionais subscritos pelo Brasil, como a Convenção Americana de Direitos
Humanos e a Declaração de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas –
ONU.
O militar que garante a nossa segurança externa, Forças Armadas, ou a
nossa segurança interna, Forças Auxiliares, deve ser julgado por meio de um
julgamento justo, onde lhe sejam assegurados a ampla defesa e o contraditório,
o devido processo legal, o princípio da imparcialidade e o princípio da inocência,
além de outras garantias necessárias a efetiva aplicação da Justiça, que
fortalece o Estado democrático de Direito.
7. Conclusão
A liberdade é o bem mais precioso que o cidadão civil ou militar possui
em sua vida. O Estado como responsável pela preservação dos direitos e
garantias fundamentais da pessoa deve assegurar o respeito à lei e a
Constituição Federal, que é a norma fundamental de uma nação.
As infrações penais ou administrativas que possam levar ao cerceamento
da liberdade devem estar previamente estabelecidas em respeito ao princípio da
legalidade. O cidadão deve conhecer os seus direitos e as suas obrigações para
que não fique sujeito a regras, que impeçam o exercício das garantias
processuais.
A prática de um ato ilícito traz como conseqüência o direito do Estado
por meio de seus representantes legais em buscar a punição do infrator. A
impunidade não deve existir no Estado democrático de direito, mas a imposição
da pena e o processo deve seguir as regras que foram estabelecidas no texto
constitucional.
O direito militar, administrativo ou processual, possui regras próprias
que estão previstas nos regulamentos disciplinares e nos códigos
militares. O respeito a hierarquia e a disciplina
é fundamental nas instituições militares, que são responsáveis pela preservação
da ordem pública interna e da soberania do país. Uma nação que não possui
forças militares regularmente constituídas poderá sofrer atos que podem ferir a
sua autonomia, a chamada auto-determinação dos povos.
A observância da hierarquia e da disciplina não afasta o respeito aos
princípios constitucionais e as garantias processuais que são asseguradas a
todos os acusados e aos litigantes em geral, em processo administrativo ou
judicial. Todos possuem o direito de terem uma defesa, com a produção de provas
e a presença de um advogado.
A Constituição de 1988 estabeleceu garantias que se aplicam a qualquer
ramo do direito. Não mais se admite punições que não respeitem o princípio da
legalidade ou que violem os procedimentos previamente estabelecidos. O Supremo
Tribunal Federal de forma reiterada tem reconhecido a nulidade dos processos
administrativos que não asseguram aos acusados a ampla defesa e o
contraditório, que somente é exercida de forma efetiva com a presença de um
advogado regularmente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do
Brasil.
As normas militares anteriores a 5 de outubro de 1988 e que estejam em
desacordo com o vigente texto constitucional não possuem mais eficácia. A
qualquer momento o militar (federal ou estadual) que tiver um direito
constitucional violado poderá buscar a proteção do Poder Judiciário, Militar ou
Civil, com base no art. 5 º, inciso XXXV, da CF.
A construção de uma sociedade, justa, fraterna e igualitária, se faz com
a união de todos os seus segmentos civis ou militares. O respeito a lei e a
ordem é uma necessidade para que os objetivos nacionais possam ser alcançados.
Os infratores devem ser punidos, e quando necessário a sua liberdade cerceada,
mas é preciso que as garantias sejam respeitadas para que o processo não esteja
marcado por vícios que podem levar a reforma da decisão.
O direito militar assim como os demais ramos do direito sofreu
modificações com o advento da nova CF/88, que não afastaram a possibilidade da
aplicação de punições quando comprovado que o militar praticou um crime ou uma
transgressão disciplinar. A punição deve ser justa com base em provas que
demonstrem a autoria e a materialidade do ato imputado ao acusado. Caso
contrário, a pessoa deve ser absolvida com fundamento no princípio da
inocência, que se aplica a qualquer ramo do direito, penal ou administrativo”.
http://www.policiaeseguranca.com.br/principios.htm
Acesso: 13/11/2012
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