“Meio ambiente artificial e
concessão de uso em área pública
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26.09.2001 - Direito
Ambiental
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CELSO ANTONIO PACHECO FIORILLO
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Entre as medidas provisórias que o
governo editou antes da vigência de novas regras que restringem o uso de
aludido mecanismo (conforme estabelece a Emenda Constitucional n. 32) está a
de número 2.220, de 4 de setembro de 2001, que dispõe sobre a concessão de
uso especial de que trata o § 1.º do art. 183 da Constituição Federal.
Ainda que alguns pretendessem
apontar, em decorrência do conteúdo da medida provisória, a caracterização da
modalidade de ação de usucapião1, estamos, por força da medida
provisória, diante da denominada concessão de uso em área pública, que em
hipótese alguma se confunde com maneira de aquisição de domínio.
Destarte, importa manifestar, como
já destacamos em nossa obra Comentários ao Estatuto da Cidade
Lei n. 10.257/2001 Lei do Meio Ambiente Artificial, que os arts. 15 a 20 da citada norma (Seção VI
Da concessão de uso especial para fins de moradia) foram vetados pelo
Presidente da República na medida em que teria ocorrido contrariedade ao
interesse público, sobretudo por não ressalvarem do direito à concessão de
uso especial os imóveis públicos afetados ao uso comum do povo, como praças e
ruas, assim como áreas urbanas de interesse da defesa nacional, da
preservação ambiental ou destinadas a obras públicas.
Além disso, as razões do veto
informam que o caput do art. 15 do projeto de lei assegura o direito à
concessão de uso especial para fins de moradia àquele que possuir como sua
área ou edificação urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados
situada em imóvel público. Com efeito, mesmo que possamos admitir que a
ocupação de imóveis públicos se traduza em fato da realidade brasileira na
verdade a maior parte dos territórios é ocupada por pessoas que habitam os
denominados bairros irregulares2 ou favelas e ainda que não seja difícil observar,
na vida real, a existência de bairros inteiros que estão assentados sobre
terras pertencentes a entes públicos, é clara a Constituição Federal ao
impedir a usucapião de imóveis públicos (art. 183, § 3.º e art. 191,
parágrafo único). Por outro lado, os bens ambientais, em decorrência de sua
natureza jurídica, também não podem ser objeto de posse ou mesmo propriedade,
por serem constitucionalmente definidos como bem de uso comum do povo3 (art. 225 da Constituição Federal)4.
Feitas as observações preliminares
necessárias, cabe ressaltar que a Medida Provisória n. 2.200/2001 estabelece
que somente poderão ser contempladas com a concessão de uso especial para
fins de moradia a saber, concessão de uso de área pública as pessoas que
tiverem ocupado o território em questão até 30 de junho de 2001. Além disso,
fixa a medida provisória não só as dimensões do terreno (duzentos e cinqüenta
metros quadrados) como idêntico critério vinculado à ocupação que pode gerar
posse legítima ou usucapião: terá ela de ser por cinco anos,
ininterruptamente e sem oposição.
Na linha dos instrumentos de
política urbana vinculados ao controle do Meio Ambiente Artificial, diretriz
estabelecida para a efetividade do Estatuto da Cidade, a medida provisória
indicou a possibilidade de permitir a herança da concessão de uso nas
condições estabelecidas pelo § 3.º do art. 1.º da Medida Provisória (para os
efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, na
posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da
abertura da sucessão). Além disso, normatizou o instituto denominado concessão de uso especial metaindividual, enquanto importante instrumento de efetividade
no plano do meio ambiente artificial destinado, a teor do que estabelece o
art. 2.º da Medida Provisória n. 2.200/2001 às situações em que não for
possível identificar os terrenos ocupados por possuidor e adaptados aos
direitos coletivos5.
Por outro lado, exatamente para
superar os óbices já apontados no presente artigo doutrinário em face do veto
ocorrido a dispositivos vinculados à Seção VI da Lei do Meio Ambiente
Artificial, facultou o art. 5.º da Medida Provisória n. 2.200/2001 ao Poder
Público garantir ao possuidor o exercício do direito a concessão de uso
especial em outro local, na hipótese de ocupação de imóvel de uso comum do
povo, destinado a projeto de urbanização, de interesse da defesa nacional, da
preservação ambiental, da proteção de ecossistemas naturais, reservado à
construção de represas e obras congêneres ou ainda situado em via de
comunicação (art. 5.º, I a V, da MP n. 2.200/2001), dentro de uma visão
absolutamente adequada de entender juridicamente a cidade adaptada a sua
natureza jurídica ambiental (arts. 182, 183 e 225 da CF).
Concluindo, a Medida Provisória n.
2.200, de 04 de setembro de 2001, que, além de completar as regras
fundamentais vinculadas à tutela do meio ambiente artificial elaboradas pelo
Estatuto da Cidade, cria o Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano-CNDU
(arts. 10 a 14), inova ao possibilitar a utilização da concessão de uso
especial em face de finalidades comerciais (art. 9.º do Estatuto da Cidade),
procedendo inclusive a importantes modificações no plano da Lei n. 6.015/73.
Já em vigor (art. 16) a Medida
Provisória n. 2.220/2001 aponta novas maneiras de se entender as cidades
enquanto estruturas destinadas a viabilizar a dignidade da pessoa humana
dentro dos parâmetros estabelecidos no art. 6.º da Carta Magna (piso vital
mínimo). É, portanto, com esse espírito, vinculado às necessidades dos brasileiros
e não com os olhos voltados para interpretações infraconstitucionais
superadas, que os profissionais de Direito deverão interpretar a concessão de
uso especial criada pela Medida Provisória n. 2.220, de 4 de setembro de
2001.
1 Conforme já tivemos a
oportunidade de comentar, o Estatuto da Cidade criou a denominadaação de
usucapião ambiental, apresentando duas modalidades: 1. ação de usucapião
ambiental individual; e 2. ação de usucapião ambiental metaindividual. Para
estudo aprofundado, vide nosso Comentários ao Estatuto da Cidade
Lei n. 10.257/2001 Lei do Meio Ambiente Artificial, no prelo.
2 Para um estudo aprofundado dos
bairros irregulares vide nosso Comentários ao Estatuto da Cidade
Lei n. 10.257/2001 Lei do Meio Ambiente Artificial, no prelo.
3 Para a definição de bem
ambiental, vide nosso O direito de antena em face do
direito ambiental no Brasil, São Paulo, Saraiva, 2000.
4 De acordo com a Secretaria
Municipal de Habitação do Rio de Janeiro, o perfil das favelas cariocas
facilita o processo regularização territorial com base nas regras
estabelecidas pelo Estatuto da Cidade. Das quase 600 favelas existentes no
Rio, conforme informação do Jornal do Brasil, edição de 12-7-2001, p. 18, pelo menos 70%
estão localizadas em terrenos particulares.
5 Estabelece o art. 2.º da Medida
Provisória n. 2.200/2001: Nos imóveis de que trata o art. 1.º, com mais de
duzentos e cinqüenta metros quadrados, que, até 30 de junho de 2001, estavam
ocupados por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos,
ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os
terrenos ocupados por possuidor, a concessão de uso especial para fins de
moradia será conferida de forma coletiva, desde que os possuidores não sejam
proprietários ou concessionários, a qualquer título, de outro imóvel urbano
ou rural.
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