terça-feira, 6 de novembro de 2012


“Meio ambiente artificial e concessão de uso em área pública
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26.09.2001 - Direito Ambiental
CELSO ANTONIO PACHECO FIORILLO
Entre as medidas provisórias que o governo editou antes da vigência de novas regras que restringem o uso de aludido mecanismo (conforme estabelece a Emenda Constitucional n. 32) está a de número 2.220, de 4 de setembro de 2001, que dispõe sobre a concessão de uso especial de que trata o § 1.º do art. 183 da Constituição Federal.
Ainda que alguns pretendessem apontar, em decorrência do conteúdo da medida provisória, a caracterização da modalidade de ação de usucapião1, estamos, por força da medida provisória, diante da denominada concessão de uso em área pública, que em hipótese alguma se confunde com maneira de aquisição de domínio.
Destarte, importa manifestar, como já destacamos em nossa obra Comentários ao Estatuto da Cidade Lei n. 10.257/2001 Lei do Meio Ambiente Artificial, que os arts. 15 a 20 da citada norma (Seção VI Da concessão de uso especial para fins de moradia) foram vetados pelo Presidente da República na medida em que teria ocorrido contrariedade ao interesse público, sobretudo por não ressalvarem do direito à concessão de uso especial os imóveis públicos afetados ao uso comum do povo, como praças e ruas, assim como áreas urbanas de interesse da defesa nacional, da preservação ambiental ou destinadas a obras públicas.
Além disso, as razões do veto informam que o caput do art. 15 do projeto de lei assegura o direito à concessão de uso especial para fins de moradia àquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados situada em imóvel público. Com efeito, mesmo que possamos admitir que a ocupação de imóveis públicos se traduza em fato da realidade brasileira na verdade a maior parte dos territórios é ocupada por pessoas que habitam os denominados bairros irregulares2 ou favelas e ainda que não seja difícil observar, na vida real, a existência de bairros inteiros que estão assentados sobre terras pertencentes a entes públicos, é clara a Constituição Federal ao impedir a usucapião de imóveis públicos (art. 183, § 3.º e art. 191, parágrafo único). Por outro lado, os bens ambientais, em decorrência de sua natureza jurídica, também não podem ser objeto de posse ou mesmo propriedade, por serem constitucionalmente definidos como bem de uso comum do povo3 (art. 225 da Constituição Federal)4.
Feitas as observações preliminares necessárias, cabe ressaltar que a Medida Provisória n. 2.200/2001 estabelece que somente poderão ser contempladas com a concessão de uso especial para fins de moradia a saber, concessão de uso de área pública as pessoas que tiverem ocupado o território em questão até 30 de junho de 2001. Além disso, fixa a medida provisória não só as dimensões do terreno (duzentos e cinqüenta metros quadrados) como idêntico critério vinculado à ocupação que pode gerar posse legítima ou usucapião: terá ela de ser por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição.
Na linha dos instrumentos de política urbana vinculados ao controle do Meio Ambiente Artificial, diretriz estabelecida para a efetividade do Estatuto da Cidade, a medida provisória indicou a possibilidade de permitir a herança da concessão de uso nas condições estabelecidas pelo § 3.º do art. 1.º da Medida Provisória (para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, na posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão). Além disso, normatizou o instituto denominado concessão de uso especial metaindividual, enquanto importante instrumento de efetividade no plano do meio ambiente artificial destinado, a teor do que estabelece o art. 2.º da Medida Provisória n. 2.200/2001 às situações em que não for possível identificar os terrenos ocupados por possuidor e adaptados aos direitos coletivos5.
Por outro lado, exatamente para superar os óbices já apontados no presente artigo doutrinário em face do veto ocorrido a dispositivos vinculados à Seção VI da Lei do Meio Ambiente Artificial, facultou o art. 5.º da Medida Provisória n. 2.200/2001 ao Poder Público garantir ao possuidor o exercício do direito a concessão de uso especial em outro local, na hipótese de ocupação de imóvel de uso comum do povo, destinado a projeto de urbanização, de interesse da defesa nacional, da preservação ambiental, da proteção de ecossistemas naturais, reservado à construção de represas e obras congêneres ou ainda situado em via de comunicação (art. 5.º, I a V, da MP n. 2.200/2001), dentro de uma visão absolutamente adequada de entender juridicamente a cidade adaptada a sua natureza jurídica ambiental (arts. 182, 183 e 225 da CF).
Concluindo, a Medida Provisória n. 2.200, de 04 de setembro de 2001, que, além de completar as regras fundamentais vinculadas à tutela do meio ambiente artificial elaboradas pelo Estatuto da Cidade, cria o Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano-CNDU (arts. 10 a 14), inova ao possibilitar a utilização da concessão de uso especial em face de finalidades comerciais (art. 9.º do Estatuto da Cidade), procedendo inclusive a importantes modificações no plano da Lei n. 6.015/73.
Já em vigor (art. 16) a Medida Provisória n. 2.220/2001 aponta novas maneiras de se entender as cidades enquanto estruturas destinadas a viabilizar a dignidade da pessoa humana dentro dos parâmetros estabelecidos no art. 6.º da Carta Magna (piso vital mínimo). É, portanto, com esse espírito, vinculado às necessidades dos brasileiros e não com os olhos voltados para interpretações infraconstitucionais superadas, que os profissionais de Direito deverão interpretar a concessão de uso especial criada pela Medida Provisória n. 2.220, de 4 de setembro de 2001.


1 Conforme já tivemos a oportunidade de comentar, o Estatuto da Cidade criou a denominadaação de usucapião ambiental, apresentando duas modalidades: 1. ação de usucapião ambiental individual; e 2. ação de usucapião ambiental metaindividual. Para estudo aprofundado, vide nosso Comentários ao Estatuto da Cidade Lei n. 10.257/2001 Lei do Meio Ambiente Artificial, no prelo.
2 Para um estudo aprofundado dos bairros irregulares vide nosso Comentários ao Estatuto da Cidade Lei n. 10.257/2001 Lei do Meio Ambiente Artificial, no prelo.
3 Para a definição de bem ambiental, vide nosso O direito de antena em face do direito ambiental no Brasil, São Paulo, Saraiva, 2000.
4 De acordo com a Secretaria Municipal de Habitação do Rio de Janeiro, o perfil das favelas cariocas facilita o processo regularização territorial com base nas regras estabelecidas pelo Estatuto da Cidade. Das quase 600 favelas existentes no Rio, conforme informação do Jornal do Brasil, edição de 12-7-2001, p. 18, pelo menos 70% estão localizadas em terrenos particulares.
5 Estabelece o art. 2.º da Medida Provisória n. 2.200/2001: Nos imóveis de que trata o art. 1.º, com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, que, até 30 de junho de 2001, estavam ocupados por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por possuidor, a concessão de uso especial para fins de moradia será conferida de forma coletiva, desde que os possuidores não sejam proprietários ou concessionários, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural.


CELSO ANTONIO PACHECO FIORILLO

Celso Antonio Pacheco Fiorillo possui Livre-Docência em Direito Ambiental pela PUC/SP (1999), Doutorado em Direito das Relações Socias pela PUC/SP (1994), Mestrado em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP(1989) e Graduação em Direito pela PUC/SP (1982). É o 1º professor Livre- Docente em Direito Ambiental do Brasil. Atualmente é assessor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, parecerista ad hoc do Centro de Estudos Judicários do Conselho da Justiça Federal, professor efetivo da Escola de Magistratura do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados-Enfam e Coordenador e professor do Programa de Pós Graduação em Direito da Sociedade da Informação (Mestrado) do Centro Universitário da Faculdades Metropolitanas Unidas - FMU bem como dos Cursos de Especialização em Direito da Comunicação Social e Liberdade de Expressão e de Direito Empresarial Ambiental do mesmo Centro Universitário. Professor efetivo das Escolas Superiores do Ministério Público do Estado de São Paulo , do Estado de Santa Catarina , do Estado do Mato Grosso e do Instituto Superior do Ministério Público do Rio de Janeiro. É professor convidado visitante da Escola Superior de Tecnologia do Instituto Politécnico de Tomar-PORTUGAL (Tutela jurídica do Patrimônio Cultural em face do Direito da Sociedade da Informação). É ainda professor convidado de vários programas de Pós-graduação(Doutorado/Mestrado/Especialização/Extensão) no Brasil. É o elaborador, coordenador e professor do I e II Curso de Especialização em Direito Ambiental da Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil-Secção de São Paulo(ESA-OAB/SP) bem como Coordenador Academico do Curso de Pós Graduação em Direito Ambiental do Instituto Superior do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro(ISMP). É professor do MBA Direito Empresarial promovido pela FUNDACE vinculada à Universidade de São Paulo(USP). É titular da cadeira 43 da Academia Paulista de Direito. É Presidente e Coordenador da Revista Brasileira de Direito Ambiental , da Revista Brasileira de DIreito da Comunicação Social e Liberdade de Expressão e da Revista Brasileira de Direito Civil Constitucional e Relações de Consumo(BRASIL)e membro convidado do Conselho Editorial da Revista Aranzadi de Derecho Ambiental(ESPANHA).Integrante do Comitato Scientifico do periódico Materiali e Studi di Diritto Pubblico da Seconda Università Degli Studi Di Napoli bem como do Comitê Científico do Instituto Internacional de Estudos e Pesquisas sobre os Bens Comuns, com sede em Paris(Institut International d Etudes et de Recherches sur les Biens Communs) e Roma (Istituto Internazionale di Ricerca sui Beni Comuni). Membro da UCN, the International Union for Conservation of Nature. 

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