Meio ambiente de trabalho. Precaução e prevenção.
Princípios norteadores de um novo padrão normativo
TEREZA APARECIDA ASTA GEMIGNANI[1] - Desembargadora do TRT da 15ª
Região
DANIEL GEMIGNANI[2] - Auditor fiscal do Ministério do
Trabalho
A vida é curta demais para ser pequena
Benjamin Disraeli
...a
vida líquida é uma vida precária, vivida em
condições e incerteza constante,em que há
envelhecimento rápido, obsolescência quase
instantânea e veloz rotatividade.
Zygmunt
Bauman
Resumo: Num mundo pautado pela lógica do descarte,
que assim tenta enquadrar o próprio ser humano, surge uma nova questão social,
marcada por acirradas controvérsias em relação a segurança, saúde e integridade
física no meio ambiente de trabalho. Neste contexto é preciso que o binômio
dever ser/sanção, que estruturou o sistema jurídico da modernidade, passe a
revestir-se de uma nova conotação, incorporando os princípios da
precaução e prevenção como norte de um novo padrão normativo, a fim de manter
sua eficácia na contemporaneidade e resguardar a efetividade dos direitos
fundamentais trabalhistas postos pela Constituição de
1988.
Palavras-chave: Direitos fundamentais. Meio ambiente do trabalho.
Princípios da precaução e da prevenção. Inversão do ônus da prova.
Sumário: 1- Introdução; 2-A lógica do descarte; 3- Repristinação
da questão social?; 4-As consequencias; 5- A função promocional do Direito; 6-O
princípio da precaução e o princípio da prevenção; 7- Da responsabilidade.
Teoria da menor desconsideração; 8-Do ônus da prova; 9- A edificação de um novo
padrão normativo trabalhista; 10- A importância da perspectiva preventiva; 11-
A atuação proativa do Poder Judiciário. A experiência de Cuiabá; 12- Conclusão.
13- Referências Bibliográficas.
Abstract: In a world ruled by the logic of disposal, which
just tries to reduce the human being's dignity, a new social issue arises,
marked by hard controversy regarding the safety, health and physical integrity
of the employee in the work environment. In this context it is necessary that
the binomial legal obligation/punishments, which structured the legal system of
the modernity, shall be used with new meanings, including the principles of
precaution and prevention, as the main directions of a new normative standard,
in order to maintain its enforcement in contemporary moment and assure the
effectiveness of fundamental labour rights, set forth by the 1988 Brazilian
Constitution.
Keywords: Fundamental rights.Work environment.Principles of
precaution and prevention. Reversal of the burden of proof.
1-Introdução
O ordenamento jurídico da modernidade foi edificado
sob o binômio dever ser/sanção. As normas de conduta estabelecem determinados
comportamentos. Se violados, ensejam a aplicação de certa penalidade. O
Estado-juiz atua somente quando provocado, em caso de ameaça concreta ou após a
ocorrência de lesão.
A intensificação do conflito social, que marcou as
últimas décadas, veio demonstrar que isso não era suficiente para que o Direito
pudesse cumprir seu objetivo de dirimir conflitos e obter a pacificação social
com justiça.
Nestes tempos de sociedade líquida, como define o
sociólogo Zygmunt Bauman, a estratégia de obsolescência programática, que num
primeiro momento foi engendrada para estimular a atividade econômica, chegou a
um impasse.
Com efeito, o que se convencionou denominar
“obsolescência programada” surgiu como alternativa na primeira metade do século
passado, visando estimular a atividade industrial para superar a grande
depressão causada pelo crash de 1929. Consistia na prática de reduzir a
vida útil dos equipamentos para poder vender mais e, assim, impulsionar a
retomada econômica. Com o tempo, consertar o que estava quebrado ficou tão
caro, que era melhor jogar fora e comprar um novo. Jogar fora o velho
produto e comprar a última novidade tecnológica devia ser estimulado, porque se
as pessoas continuassem a comprar, a atividade econômica permaneceria aquecida
e todos teriam emprego.
Entretanto, a intensificação deste processo
de troca do velho (embora ainda passível de conserto) pelo novo,
também levou ao desperdício de grandes quantidades de matéria-prima, água e
energia, não só das utilizadas na produção dos que estão sendo jogados fora,
mas também dos que são freneticamente produzidos para durar pouco, o que vem
causando sérias preocupações quanto ao esgotamento dos bens da natureza,
provocando danos ao ecossistema e ao meio ambiente, e comprometendo as
condições de vida das próximas gerações.
Neste sentido o documento intitulado O futuro
que queremos, recentemente divulgado pela ONU- Organização das Nações
Unidas[3], chamando atenção para a importância de
uma governança ambiental, diretriz que serve de referência também para o
ambiente onde o trabalhador passa grande parte de sua vida produtiva.
Mas não é só.
Esse “modus operandi marcado pela lógica
do descarte, calcado na idéia matriz de que tudo tem que ser
substituído rapidamente, vem gerando uma mentalidade que passou a ser aplicada
também em relação à própria pessoa do trabalhador, sua segurança, saúde,
integridade física e mental.
Este artigo se propõe a examinar tais questões,
focando a análise em seus desdobramentos no meio ambiente de trabalho e
os efeitos que provoca na formação de um novo padrão normativo.
2-A lógica do descarte
O intercâmbio comercial trouxe muitos benefícios
para a humanidade. A troca de produtos, serviços e informações sempre se
constituiu num importante motor de
desenvolvimento.
Entretanto, na contemporaneidade, a lógica da compra/venda
passou a monitorar os demais atos da nossa vida, aniquilando o conceito de
valor e substituindo-o pela idéia de preço. Assim, pouco importa o valor,
basta saber qual é o
preço.
O mais assustador é que essa mentalidade vem sendo
aplicada também ao ser humano, destituindo-o da condição de sujeito e
transformando-o num objeto passível de troca, cujo “preço” é aferido pela
possibilidade “de uso”.
Nesta toada, pouca importância se dá às condições
de segurança e saúde no meio ambiente de trabalho pois, quando um
trabalhador fica incapacitado, é mais fácil descartá- lo e substituí-lo
por um novo.
Se durante todo o século XX lutamos bravamente para
impedir que o trabalho fosse reduzido a situação de mercadoria, no início deste
novo século nosso desafio é maior ainda: impedir que a própria pessoa do
trabalhador seja reduzida à condição de mercadoria, num momento em que a
descoberta de novas tecnologias e a exigência de intensificação dos
ritmos das tarefas tem precarizado o meio ambiente de trabalho,
aumentando os acidentes e provocando o surgimento de novas doenças.[4]
Neste contexto, se revelam cada vez mais
insuficientes as singelas respostas até hoje oferecidas, seja a consistente no
pagamento de um adicional pela prestação laboral em condições de insalubridade
e periculosidade, seguida de um rápido “descarte” do ser humano quando perde
seu “uso”, seja a sedimentação da que se pode denominar “cultura do EPI -
Equipamento de Proteção Individual”, que a transfere ao empregado do ônus de se
proteger dos riscos ambientais como algo natural, ao invés da adoção de
equipamentos de proteção coletivo, os denominados EPC, ou de modificações na
organização do trabalho, de modo que o meio ambiente de trabalho seja adequado
ao ser humano, que despende lá importante parte de seu tempo de vida[5].
3- Repristinação da questão social?
A chamada questão social começou a aflorar
com maior intensidade em meados do século XIX, em decorrência das penosas e
adversas condições de trabalho, que provocavam lesões cuja reparação não
encontrava resposta no direito comum.
A necessidade de construir um novo direito que
olhasse além das teóricas categorias jurídicas codificadas, prestasse mais
atenção à realidade da vida e dos fatos cotidianos, teve que percorrer um longo
caminho até conseguir a edificação de uma nova base axiológica, que lhe desse
suporte para a autonomia, tarefa para a qual, na América do Sul, tanto Cesarino
Junior[6] quanto Américo Plá Rodriguez[7] contribuíram de forma
significativa para a consolidação do Direito do Trabalho como ramo
autônomo, regido por conceitos próprios, assim passando a regular o mundo
peculiar das relações trabalhistas.
Entretanto, as décadas finais do século XX
registraram mudanças significativas, inclusive na maneira de trabalhar e na
organização dos núcleos produtivos. A grande fábrica fordista deu lugar a
conglomerados autônomos, marcados por atuação interrelacionada e pela
intensificação do ritmo de trabalho.
A utilização do telefone celular e do computador
transformaram as ferramentas de trabalho, aumentando as horas à disposição do
empregador e invadindo os tempos da vida privada, criando de maneira camuflada
e sub-reptícia novas formas de servidão.
O estímulo à atividade econômica, mediante a
generosa concessão de financiamentos por longo prazo, veio formatar aquilo que
o sociólogo Zygmunt Bauman[8] define como vida à crédito. Explica que
antes, na sociedade dos produtores, o “adiamento da satisfação costumava
assegurar a durabilidade do esforço do trabalho”, por isso era preciso
sacrificar o presente para poder gozar no futuro. Hoje, na sociedade dos
consumidores, é preciso garantir a “durabilidade do desejo”, gozar acelerada e
exaustivamente o presente, vivendo “de crédito”, cuja amortização se dará
posteriormente, obrigando o ser humano a trabalhar intensamente para poder
pagar o extenso rol dos débitos que assumiu, na pretensa satisfação de
desejos que nunca terminam, gerando novas situações de servidão, que vão formar
o caldo de cultura para o ressurgimento da questão social.
Embora se apresente com nova roupagem, na verdade o
que ocorre é uma repristinação da questão social do século passado, que volta
com força ante a dimensão da lesão que se avizinha, exigindo novas formas de
proteção jurídica para evitar que o estado de constante servidão transforme o
ser humano num objeto descartável.
Ao lado de um movimento de ascensão do
individualismo, marcado pelo mote nietzschiano[9] “devo completar-me de mim mesmo”, e
de rejeição do solidarismo, que tem reduzido a participação dos
trabalhadores na vida sindical, observa-se uma preocupante intensificação das
macro lesões, notadamente no meio ambiente de trabalho, trazendo para o foco da
discussão a questão dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos,
colocando em cheque o modelo de acesso à Justiça pela categorização de
interesses e direitos.
Por isso Cássio Scarpinella Bueno[10] chama atenção para a necessidade de
aprimorar, ampliar e otimizar a eficiência do acesso coletivo à Justiça,
superando a baliza da categorização. Ressalta que:
“[...] os direitos e interesses difusos, tanto
quanto os coletivos e os individuais homogêneos, não são classes ou tipos de
direitos preconcebidos ou estanques, não interpenetráveis ou relacionáveis
entre si. São – é esta a única forma de entender, para aplicar escorreitamente,
– a classificação feita pela lei brasileira - formas preconcebidas, verdadeiros
modelos apriorísticos, que justificam, na visão abstrata do legislador, a
necessidade da tutela jurisdicional coletiva. Não devem ser interpretados,
contudo, como realidades excludentes umas das outras, mas, bem diferentemente,
como complementares.”
O meio ambiente de trabalho, pela dimensão e
importância que apresenta, congrega direitos difusos, coletivos e individuais
homogêneos, cuja análise deve ser feita sob a perspectiva constitucional.
Com efeito, a constitucionalização dos direitos
trabalhistas é a resposta que vem sendo apresentada pelo sistema normativo à
nova questão social surgida na contemporaneidade, apontando para a edificação
de um novo padrão axiológico, que a doutrina vem sedimentando na aplicação dos
direitos fundamentais também às relações entre particulares, superando o antigo
modelo que os restringia às relações do cidadão com o Estado.
Conforme já ressaltamos em outro artigo[11], uma “das características mais
expressivas da pós-modernidade, que marca a época contemporânea, é a
intensificação das relações de poder entre os particulares”. Num momento de
fragilidade das instituições, o sistemático descumprimento da lei causado pelo
descrédito em sua atuação coercitiva, tem acirrado as disputas de poder nas
relações privadas, entre as quais as trabalhistas”. Quando se trata de meio
ambiente de trabalho, essa relação entre particulares se reveste de
especial importância, porque gera efeitos ainda mais amplos, em decorrência das
consequências que pode provocar em seu entorno social.
4- As consequências
O direito de trabalhar num ambiente saudável e
seguro, disposto no inciso XXII do artigo 7º da Constituição Federal ao
garantir a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de
saúde, higiene e segurança” alberga direitos difusos, coletivos e individuais
homogêneos.
Além disso se reveste de inequívoca socialidade,
por ser evidente o predomínio do interesse social sobre o meramente
individual, assim ensejando a aplicação dos princípios da boa-fé objetiva,
função social do contrato, função social da empresa e função social da
propriedade, pois os efeitos provocados não atingem apenas as pessoas dos
contratantes, de modo que se revela insuficiente a alternativa de apenas
pagar um adicional (de insalubridade ou periculosidade) ao invés de melhorar,
de forma efetiva, as condições do meio ambiente do trabalho.
O trabalhador acidentado, “descartado do processo
produtivo”, vai engrossar a legião dos excluídos, passando a ser sustentado
pela previdência, num momento em que o modelo conhecido como Estado do
bem estar social se desintegra a olhos vistos.
Neste contexto, qual a função do Direito?
5- A função promocional do Direito
Como bem ressaltou Norberto Bobbio[12]
“[...] não se trata de saber quais e quantos são
esses direitos, qual é a sua natureza e o seu fundamento, se são direitos
naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais
seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes
declarações, eles sejam continuamente violados.”
Assim sendo, em relação ao meio ambiente de
trabalho, o direito contemporâneo não pode esgotar sua capacidade de atuação
apenas na apresentação de resposta às situações de ameaça concreta, ou na
função reparatória da lesão já ocorrida. A intensificação da função promocional
do Direito e o estímulo à atuação preventiva mais abrangente se tornam
cada vez mais importantes.
Em relação ao trabalhador, assegurar meio ambiente
de trabalho seguro e saudável evita lesões incapacitantes ainda na idade
produtiva, diminuindo os custos da previdência social com afastamentos por
doenças e aposentadorias precoces.
Também evita inegável dano à sociedade, pois um
trabalhador acidentado ou doente, que é “encostado”, leva para a exclusão
social toda sua família. A queda da renda prejudica os filhos, que tem sua
formação profissional comprometida, porque precisam entrar mais cedo no mercado
de trabalho, a fim de contribuir para o próprio sustento.
A intensificação do ritmo das obras de construção
civil, exempli gratia as premidas pelos curtos prazos de entrega e
conclusão em virtude da Copa do Mundo, a ser realizada no Brasil em 2014,
vem delinear um quadro preocupante, pois leva à inequívoca precarização das
regras de segurança, o que pode aumentar, e muito, o número de acidentes e doenças
profissionais.
Portanto, é chegado o momento de ponderar que, para
garantir meio ambiente saudável e equilibrado no local de trabalho não basta
efetuar pagamentos por danos já ocorridos, cujos efeitos via de regra são
irreversíveis e a restitutio in integrum impossível. É preciso agir
antes. Nesta perspectiva, as idéias de precaução e prevenção entram no
ordenamento como princípios reitores da edificação de um novo modelo de
normatividade, pois tem o escopo de evitar que o dano ocorra.
Apesar de já ter adotado uma Política Nacional de
Segurança e Saúde no Trabalho (PNSST), o Brasil ainda não ratificou a Convenção
nº 187 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que prevê a adoção de
medidas mais efetivas para preservação da segurança e saúde, por
constatar que a maioria dos danos ambientais de grande proporção está
relacionada ao desempenho de uma atividade econômica e exercício de um
trabalho.
No entanto a Convenção 155 da OIT, que trata da
segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho, foi aprovada
pelo Brasil (Decreto-Legislativo n. 2/1992 e Decreto
n. 1.254/1994). O disposto em seu artigo 3º, alínea “e”, estabelece
que a saúde não pode ser definida apenas como “ausência de doenças”,
abrangendo também os “elementos físicos e mentais que afetam a saúde e
estão diretamente relacionados com a segurança e higiene no
trabalho”. Em seu artigo 4º, item 2, determina que a política estatal deve ser
direcionada para “[...] prevenir os acidentes e os danos à saúde que
forem consequência do trabalho, tenham relação com a atividade de trabalho, ou
se apresentarem durante o trabalho, reduzindo ao mínimo, na medida em
que for razoável e possível, as causas dos riscos inerentes ao meio
ambiente de trabalho. (g.n.)
A
Convenção 161 da OIT , também aprovada pelo Brasil (Decreto-Legislativo 86/1989
e Decreto
n. 127/1991), caminha neste mesmo sentido, ao priorizar em seu
artigo 1º, I e II as funções essencialmente preventivas dos
serviços de saúde no trabalho, que devem orientar o empregador, os
trabalhadores e seus representantes na empresa sobre os
“I. requisitos necessários para estabelecer e
manter um ambiente de trabalho seguro e salubre, de molde a favorecer uma saúde
física e mental ótima em relação com o trabalho”;
“II. a adaptação do trabalho às capacidades
dos trabalhadores, levando em conta seu estado de sanidade física e mental”
Assim, o antigo critério de limitar a atuação
da norma à exigibilidade do pagamento de um adicional pela precarização das
condições de saúde e segurança, provocada pela prestação laboral em condições
adversas de insalubridade e periculosidade, a execrada monetização do
risco, não pode mais subsistir.
Desde o julgamento do RE 466.343-SP, o STF
vem adotando as razões de decidir exaradas no voto do Ministro Gilmar Mendes,
apontando para uma nova hermenêutica no sentido de que, em conformidade
com o disposto no parágrafo 2º, do artigo 5º, da CF/88, os preceitos
internacionais ratificados pelo Brasil antes da EC 45 entram no ordenamento
jurídico nacional como norma supralegal.
Portanto, a alusão à “lesão ou ameaça de direito”,
constante do inciso XXXV do artigo 5º da CF/88, no que se refere ao meio
ambiente de trabalho, deve ser interpretada sob a ótica de uma nova
mentalidade. Ao invés da atuação restritiva, como resposta a ameaça concreta ou
lesão já consumada, deve prioritariamente evitar a ocorrência da lesão, diretriz
calcada nos princípios da precaução e da prevenção, que passam a ser aplicados
e ter efeitos irradiantes também no direito trabalhista.
Neste sentido a reflexão de Norma Sueli
Padilha [13], ao ressaltar que
“[...] quando a Constituição Federal, em seu art.
225, fala em meio ambiente ecologicamente equilibrado, está mencionando
todos os aspectos do meio ambiente. E, ao dispor, ainda, que o homem para
encontrar uma sadia qualidade de vida necessita viver neste ambiente
ecologicamente equilibrado, tornou obrigatória também a proteção do ambiente no
qual o homem, normalmente, passa a maior parte de sua vida produtiva, qual
seja, o do trabalho.”
A leitura da matriz constitucional deve atentar
para os novos tempos vividos neste início de século, em que a “economia
capitalista produz uma enorme instabilidade, que ela é incapaz de dominar e
controlar... e muito menos de evitar- assim como é incapaz de corrigir os danos
perpetrados por essas catástrofes” como alerta Zygmunt Bauman[14], o que gera efeitos relevantes quando se
trata de saúde e segurança no trabalho.
6- O princípio da precaução e o princípio da
prevenção.
Tanto o princípio da precaução, como o da
prevenção, atuaram decisivamente na formação do direito ambiental. Com o tempo
a doutrina, que os reputava sinônimos, evoluiu no sentido de constatar e
demonstrar que se tratavam de conceitos distintos.
Explica Germana Parente Neiva Belchior [15]que o princípio da prevenção exsurge
expressamente do constante dos incisos II,III,IV e V do parágrafo 1º do
artigo 225 da CF/88. Consiste na adoção antecipada de medidas definidas que
possam evitar a ocorrência de um dano provável, numa determinada situação,
reduzindo ou eliminando suas causas, quando se tem conhecimento de um risco
concreto.
Já o princípio da precaução consiste na adoção
antecipada de medidas amplas, que possam evitar a ocorrência de possível ameaça
à saúde e segurança. Aponta para a necessidade de comportamento cuidadoso,
marcado pelo bom senso, de abrangência ampla, direcionado para a redução ou
eliminação das situações adversas à saúde e segurança.
Assim, enquanto o princípio da prevenção tem o
escopo de evitar determinados riscos, o princípio da precaução aponta para a
adoção de condutas acautelatórias gerais, considerando o risco abstrato e
potencial como esclarece Paulo Affonso Leme Machado[16]
Cristiane Derani[17] ressalta que a aplicação do princípio da
precaução objetiva “garantir uma suficiente margem de segurança da linha de
perigo” e, por isso, antecede a sua manifestação. É um comportamento de cautela,
que visa precaver-se para evitar um possível risco, ainda que indefinido,
procurando reduzir o “potencial danoso oriundo do conjunto de atividade”.
Precaução é atitude de cuidado, in dubio pro securitate, que assim
surgiu como linha mestra do direito ambiental, cuja aplicação passa a ter
importância cada vez maior, inclusive em se tratando de meio ambiente do
trabalho, notadamente após a promulgação do Código Civil de 2002, que no
parágrafo único do artigo 927 agasalhou a teoria do risco na fixação da
responsabilidade objetiva.
Marcelo Abelha Rodrigues[18] esclarece que, enquanto “a prevenção
relaciona-se com a adoção de medidas que corrijam ou evitem danos previsíveis,
a precaução também age prevenindo, mas antes disso, evita-se o próprio risco
ainda imprevisto”.
Neste contexto se torna imprescindível proceder à
leitura constitucional dos preceitos, como enfatiza José Afonso da Silva[19], de modo que tais princípios encontram
fértil campo de aplicação também no meio ambiente de trabalho. O empregador que
deixa de garanti-lo em condições equilibradas de saúde e segurança viola também
o princípio da boa fé objetiva e desatende à função social do contrato de
trabalho, cujos efeitos vão muito além da pessoa dos contratantes, atingindo o
entorno social em que estão envolvidos.
Em escala mundial, o desafio de se criar uma
“economia verde”, eleito pela ONU como tema central da Rio + 20, está imbricado
com o meio ambiente de trabalho, por implicar na adoção de um novo tipo de
sistema produtivo, marcado pela eficiência no uso dos recursos naturais e
garantia de inclusão social pelo solidarismo, a fim de construir um
modelo de desenvolvimento sustentável para todos.
O tema é abordado pelo Programa das Nações Unidas
para o meio ambiente (Pnuma) desde 2008, quando foi lançada a iniciativa para
uma economia verde, questão que notoriamente espraia seus efeitos para as
relações trabalhistas.
Isto porque a preservação do meio ambiente,
incluído o do trabalho, exerce forte influência na quantificação do IDH
(Índice de Desenvolvimento Humano), cuja aferição considera, além da média de
desenvolvimento, as diferenças nos indicadores de renda, educação e saúde entre
a população. O relatório divulgado em novembro de 2011 pelo PNUD (Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento) mostra o Brasil em 84º entre 187 nações[20], marca que não se revela aceitável.
7- Da responsabilidade. Teoria da menor
desconsideração
No que se refere à responsabilidade é necessário
tecer algumas reflexões.
O artigo 50 do Código Civil de 2002 adotou a teoria
da maior desconsideração, que admite a desconsideração da personalidade
jurídica em caso de abuso, assim considerado quando há desvio de
finalidade ou confusão patrimonial, imputando à pessoa física dos sócios
a responsabilidade pelos débitos inadimplidos da pessoa jurídica.
Nestes casos haverá desvio de finalidade quando a
personalidade jurídica for utilizada com fins diversos daqueles para os quais
foi constituída. A confusão patrimonial ocorrerá quando houver dificuldade para
saber de quem é determinado patrimônio, se do sócio ou da empresa, quando
aquele se utiliza reiteradamente do patrimônio desta, sem haver
qualquer tipo de controle.
Importante registrar que critério inverso vem sendo
adotado em situações contrárias. Há decisões recentes aplicando a teoria
inversa de desconsideração[21], também com fundamento no artigo 50 do
Código Civil, atribuindo à pessoa jurídica a responsabilidade pela quitação dos
débitos contraídos pela pessoa física, a fim de impedir o desvirtuamento
de bens em prejuízo do credor.
O direito ambiental também aplica a desconsideração
da personalidade jurídica, inclusive quanto ao critério inverso, mas vem trilhando
outra vertente, para tanto aplicando a teoria da menor desconsideração
explicitada no artigo 4º da Lei 9.605/1998, estabelecendo que poderá “ser
desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao
ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente”, ou
seja, independentemente de ter ocorrido abuso, conceito que encontra guarida
nas questões afetas ao meio ambiente de trabalho. Destarte, a imputação de
responsabilidade ocorre de forma mais ampla, tendo em vista a importância do
bem jurídico tutelado.
8- Do ônus da prova
A inversão do ônus da prova pode decorrer de
lei ( ope legis), ou de determinação judicial (ope judicis). A
distribuição do ônus da prova, além de constituir regra de julgamento dirigida
ao juiz (aspecto objetivo), apresenta-se também como norma de conduta para as
partes, pautando seu comportamento processual conforme o ônus atribuído a cada
uma delas ( aspecto subjetivo).
A diretriz, até então adotada de forma majoritária,
no sentido de que a inversão ope judicis ocorreria por ocasião do
julgamento da causa pelo juiz (sentença) ou pelo Tribunal ( acórdão), vem sendo
cada vez mais questionada, pois o modo como distribuído o ônus da prova
influi no comportamento processual das partes ( aspecto subjetivo), que assim
atuam na fase de instrução.
Previsão neste sentido consta do art. 358 parágrafo
1º do novo Projeto de Código de processo Civil- PL 166/2010.
Em julgamento proferido no Resp 802832/MG- Recurso
Especial 2005/0203865-3 -STJ 2ª Seção- 13/04/2011- publicado DJE 21/09/2011, o
Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino- ressaltou ser preciso estabelecer
uma diferenciação entre duas modalidades de inversão do ônus da prova :
Quando ope legis, a própria lei,
atenta às peculiaridades de determinada relação jurídica, excepciona a
regra geral de distribuição do ônus da prova estabelecido nos artigos 818 da
CLT e 333 do CPC. Nessas hipóteses, não se coloca a questão de estabelecer qual
o momento adequado para a inversão do ônus da prova, pois a inversão foi feita
pelo próprio legislador e, naturalmente, as partes, antes mesmo da formação da
relação jurídico-processual, já devem conhecer o ônus probatório que lhe foi
atribuído por lei.
Quando ope judicis, ou seja, a
inversão decorre da determinação do magistrado, a aplicação dos princípios da
prevenção e da precaução nas questões afetas ao meio ambiente de trabalho
respalda a inversão do ônus e sua imputação ao empregador, não só porque é ele
quem tem maior aptidão para produzir a prova, mas também porque cabe a ele a
adoção e a efetiva implementação das condutas de prevenção e precaução.
Nestes casos, qual o momento processual mais
adequado para que o juiz, verificando a presença dos pressupostos legais,
determine e inversão da distribuição do ônus probatório?
Não se desconhece que as normas relativas ao ônus
da prova constituem, também, regra de julgamento, a fim de evitar o non
liquet, pois as consequencias da falta de comprovação de fato ou
circunstância relevante para o julgamento da causa devem, quando da decisão,
ser atribuídas à parte a quem incumbia o ônus da sua prova. Trata-se do aspecto
objetivo do ônus da prova, que é dirigido ao juiz.
No entanto o aspecto subjetivo da
distribuição do ônus da prova mostra-se igualmente relevante norteando, como
uma verdadeira bússola, o comportamento processual das partes. Com efeito,
participará da instrução probatória com maior empenho a parte sobre a qual
recai o encargo probatório de determinado fato controvertido no processo.
Portanto, como a distribuição do encargo probatório influi decisivamente na
conduta processual das partes, elas devem ter exata ciência do ônus atribuído a
cada uma delas para que possam, com vigor e intensidade, produzir oportunamente
as provas que entenderem necessárias.
Portanto, como o empregador é o responsável por
adotar condutas de precaução e prevenção para garantir meio ambiente de
trabalho seguro, detém melhor aptidão para a produção da prova, de modo que
quando a inversão se opera ope judicis, assim deve ser explicitado pelo
juiz na fase de instrução,a fim de conferir maior certeza às partes
acerca dos seus encargos processuais, preservando o devido processo legal e
evitando a insegurança
jurídica.
9- A edificação de um novo padrão normativo
trabalhista
Além do artigo 5º já ter incluído no sistema as
Convenções internacionais que tratam do meio ambiente do trabalho, os artigos
6º e 7º, inciso XXII, considerarem a saúde e a redução dos riscos
inerentes ao trabalho como direito fundamental, a Constituição Federal do
Brasil estabeleceu no inciso VIII, do artigo 200, que ao sistema único de
saúde compete colaborar na proteção do meio ambiente “nele compreendido o do
trabalho”, enquanto o artigo 225 atribui a todos o direito ao meio ambiente
equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, assim incluindo o meio
ambiente do trabalho.
As novas formas de trabalhar e os diferentes modos
de organização produtiva provocaram o surgimento de uma nova questão social. Em
conhecido filme, que foi sucesso de público[22] por retratar a complexidade dos novos
desafios contemporâneos, ao se deparar com uma situação em que o personagem
interpretado por Edward Norton é tratado como objeto descartável, igual “aos
sachês de adoçante servidos com o café”, além de suportar constante pressão no
trabalho para entregar inúmeros relatórios com rapidez, apresentando
dificuldades para dormir, o ator Brad Pitt manifesta veemente inconformismo com
estilo de vida que obriga a trabalhar em situações adversas, com o objetivo de
ter dinheiro e poder trocar incessante e desnecessariamente carros, móveis e
utensílios da casa, além de comprar objetos que não precisa, para garantir um
espaço de inclusão e evitar ser descartado da vida em sociedade.
No século XXI a questão social surge imbricada com
a conscientização de ser preciso evitar, que a disseminação da perversa lógica
do descarte seja aplicada ao próprio ser humano no ambiente de trabalho,de
sorte que a precaução e a prevenção, princípios que inicialmente atuaram
na formação do direito ambiental, passam a permear também a edificação de um
novo padrão normativo trabalhista, pois é impossível dissociar o envolvimento e
comprometimento da pessoa do trabalhador com a prestação do trabalho,
submetido a certas condições, num determinado local.
A intensificação da violência na sociedade e seus
reflexos no ambiente de trabalho, onde pessoas tem que conviver por longos
períodos num local em que via de regra há elevado nível de stress, vem
desencadeando novas doenças e lesões, que comprometem a integridade física e
mental, levam ao absenteísmo elevado e decréscimo de produtividade, causando
prejuízo a todos os envolvidos. Neste contexto, pautar normas de conduta pelos
princípios da precaução e prevenção fortalece a efetividade e confere ao
Direito do Trabalho musculatura mais vigorosa para lidar com os novos desafios,
fazendo valer o princípio da não reversibilidade dos direitos fundamentais.
Como destaca Cristina Queiroz[23], os direitos fundamentais “devem ser
compreendidos e inteligidos como elementos definidores e legitimadores de toda
a ordem jurídica positiva. Proclamam uma cultura jurídica e política determinada,
numa palavra, um concreto e objetivo sistema de valores”.
Esta interpretação encontra amparo em nossa Carta
Política, que fixa diretriz assentada em um tripé formado pela interrelação
entre o crescimento econômico, a proteção ambiental dos recursos naturais do
planeta e a garantia de ambiente seguro, saudável e equilibrado no
local da prestação laboral, a fim de preservar a saúde física e mental do
trabalhador, padrão axiológico que imputa ao direito de propriedade e ao
contrato de trabalho uma função social, além de exigir a observância da boa fé
objetiva.
Importante registrar que na seara trabalhista já há
um arcabouço infraconstitucional para sustentação deste modelo. Com efeito, o
inciso I, do artigo 157 da CLT, imputa às empresas a obrigação de “cumprir e
fazer cumprir” as regras de segurança, enquanto o item II, do mesmo artigo, a
de “instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às
precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças
ocupacionais”, e o artigo 158 atribui aos empregados o encargo de
“observar as normas de segurança e medicina do trabalho, inclusive as
instruções” acima referidas.
A instituição da CIPA – Comissão Interna de
Prevenção de Acidentes de Trabalho ( NR 5) SESMT -Serviço Especializado em
Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho- (NR 4), o PPRA- Programa de
Prevenção de riscos ambientais ( NR 9) e o PCMSO Programa de Controle Médico e
Saúde Ocupacional ( NR 7) foram iniciativas pioneiras que demonstraram a
importância da conduta de prevenção e precaução para evitar lesão à saúde do
trabalhador, abrindo uma nova senda quanto a edificação do padrão
normativo destinado a disciplinar o meio ambiente de trabalho.
Também os institutos do embargo
e da interdição, colocados à disposição da Inspeção do Trabalho pelo
art. 161 da CLT, voltam-se para a proteção da saúde e segurança dos
trabalhadores. Nos termos do item 1º da Norma Regulamentadora n. 3, com redação
dada pela Portaria SIT n. 199/2011, são o “embargo e [a] interdição (...)
medidas de urgência, adotadas a partir da constatação de situação de trabalho
que caracterize risco grave e iminente ao trabalhador”. Por risco grave e
iminente entende-se, com fulcro no artigo 2º, §1º da mesma Portaria MTE n.
40/2011, tratar-se de “toda condição ou situação de trabalho que possa causar
acidente ou doença relacionada ao trabalho com lesão grave à integridade física
do trabalhador.”
Após longo embate acerca da natureza dos institutos
do embargo e da interdição, o Ministério do Trabalho fixou o entendimento,
sedimentado no art. 21 da Portaria MTE n. 40/2011, de que não se tratam de
medidas sancionatórias, mas sim, acautelatórias, adotadas em caso de grave e
iminente risco ao trabalhador. Tanto assim é que o referido artigo não impede
sejam lavradas autuações por infrações constatadas, inocorrendo, portanto,
qualquer forma de bis in idem, bem como não há qualquer necessidade de
ao embargo ou à interdição corresponder, necessariamente, uma infração a
legislação trabalhista. O critério é, assim, o grave e iminente risco, o
fundamento, a imprescindível prevenção/precaução de acidentes ou doenças do
trabalho e, o mote, a saúde e segurança do trabalhador.[24]
O Decreto n. 7.602 de 7 de novembro de 2011, que
dispõe sobre Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho – PNSST,
prioriza as ações de promoção, proteção e prevenção sobre as de assistência,
reabilitação e reparação, apontando para a necessidade de eliminação ou redução
dos riscos nos ambientes de trabalho.
Estabelece a inserção de tais disposições num Plano
Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho, estruturado sobre as seguintes
diretrizes:
a) inclusão de todos trabalhadores
brasileiros no sistema nacional de promoção e proteção da saúde;
b) harmonização da legislação e
articulação das ações de promoção, proteção, prevenção, assistência,
reabilitação e reparação da saúde do trabalhador;
c) adoção de medidas especiais para
atividades laborais de alto risco;
d) estruturação de rede integrada de
informações em saúde do trabalhador;
e) promoção da implantação de sistemas
e programas de gestão da segurança e saúde nos locais de trabalho;
f) reestruturação da formação em
saúde do trabalhador e em segurança no trabalho e o estímulo à capacitação e à
educação continuada de trabalhadores; e,
g) promoção de agenda integrada de
estudos e pesquisas em segurança e saúde no trabalho.
Ademais, além da imputação de responsabilidade
subjetiva ao empregador “quando incorrer em dolo ou culpa” como prevê o
inciso XXVIII do art. 7º da CF/1988, o art. 927 do Código Civil trouxe à baila
a questão da responsabilidade objetiva “quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os
direitos de outrem”.
A configuração do que é atividade de risco tem
gerado muita controvérsia, não só doutrinária mas também jurisprudencial. A
Convenção 155 da OIT em seu artigo 11, inciso b, imputa às autoridades
competentes o dever de controlar “as operações e processos que serão
proibidos, limitados ou sujeitos à autorização”, assim como “a determinação das
substâncias e agentes aos quais estará proibida a exposição no trabalho”,
devendo “ser levados em consideração os riscos para a saúde decorrentes
da exploração simultâneas a diversas substâncias ou agentes”, o que demonstra a
importância de adotar no ambiente de trabalho condutas e procedimentos em
conformidade com os princípios da precaução e prevenção.
O artigo 21 A da lei 8.213/91 prevê a
caracterização da natureza acidentária da incapacidade apresentada quando
constatado nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e a lesão, decorrente
da relação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da
incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças – CID. Para
afastá-lo,conforme preceituado nos parágrafos 1º e 2º, cabe ao empregador o
ônus de demonstrar a inexistência do nexo, o que inclui a comprovação de que
tomou todas as providencias necessárias para a precaução e a prevenção da
ocorrência da lesão.
Em relação aos trabalhadores expostos à agentes
nocivos à saúde, desde 2004 o empregador é obrigado a entregar na rescisão
contratual o documento denominado perfil profissiográfico previdenciário ( em
lugar do anterior DIRBEN- 8030), que deve conter as informações
referentes a atividade exercida e ao meio ambiente de trabalho, conforme prevê
o artigo 58 da Lei 8213/91 e a IN INSS/DC 96/2003. O parágrafo 2º do artigo
anteriormente referido consigna que deste documento deve constar se é adotada
no local de trabalho “tecnologia de proteção coletiva ou individual, que
diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e
recomendação sobre sua adoção pelo estabelecimento respectivo”, o que denota a
importância dos princípios da precaução e da prevenção.
Conforme dados apresentados pelo TST[25] há mais de 700 mil acidentes de trabalho
por ano no Brasil e a média de sete mortes por dia, sendo que a Previdência
Social gasta R$ 10,4 bilhões por ano com acidentes de trabalho.
Investir na melhoria das condições de trabalho,
para que o ambiente seja saudável e seguro, cria um circulo virtuoso em
beneficio de todos os envolvidos. Traz vantagens para o empregador, que não
perde o tempo e dinheiro investidos no treinamento e pode contar com um
empregado sadio e bem treinado. Reduz o número de acidentes e doenças
profissionais, diminuindo os gastos previdenciários com auxilio-doença e
aposentadorias precoces, evita o comprometimento da empregabilidade futura do
trabalhador, a desagregação familiar e os casos recorrentes de alcoolismo e
violência doméstica.
Além disso, há outra consequência importante.
O artigo 120 da Lei 8213/91 prevê o ajuizamento, pela previdência, de ação
regressiva contra os responsáveis, quando constatada “negligência quanto às
normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas para a proteção
individual e coletiva”. Em observância a tal diretriz, a Recomendação 21/2011
expedida pela CGJT, estabelece que Desembargadores e Juízes do Trabalho
encaminhem à Procuradoria da Fazenda Nacional cópias de sentenças/acórdãos que
reconheçam a conduta culposa do empregador em acidente de trabalho, assim
possibilitando o ajuizamento dessas ações regressivas.
Por causa do alto número de acidentes no Brasil,
responder a tais ações regressivas implicará no gasto de valores expressivos
pelo empregador, que deverá incluir o pagamento de despesas médicas,
previdenciárias e indenização aos dependentes das pessoas vitimadas ou mortas.
10- A
importância da perspectiva preventiva
No início do século passado o médico Oswaldo Cruz
atuou intensamente para vencer resistências e propagar a idéia de que era
melhor prevenir doenças, do que tentar curar as que podiam ser evitadas.
A conhecida guerra da vacina lhe trouxe muitos dissabores, mas deixou
seu nome ligado a importante mudança de paradigma, que conferiu um salto de
qualidade na vida do brasileiro.
Este desafio está sendo apresentado ao Direito um
século depois.
As obras afetas à Copa do Mundo de 2014, Olimpíadas
de 2016, exploração do petróleo em águas profundas com o trabalho a ser
desenvolvido em plataformas e unidades de perfuração, num modelo que atribui à
Petrobrás a situação de operadora de todas as reservas do pré-sal, suscita
questionamentos importantes quanto a segurança e condições de saúde no meio
ambiente de trabalho, por ser inevitável o enfrentamento de problemas provocados
por novas tecnologias, que certamente advirão.
Neste contexto, ante a evidente insuficiência da
regulação jurídica meramente reparatória da lesão já ocorrida, chega com força
a idéia de ser necessário atuar com precaução e bom senso na prevenção dos conflitos,
mediante a formatação de um novo padrão de normatividade em relação às questões
que tratam do meio ambiente de trabalho.[26]
Esta nova perspectiva demonstra que, enquanto a
reparação do dano já ocorrido é prejuízo, como um número expressivo de acidente
de trabalho é evitável, o que se gasta na prevenção é investimento e não custo,
pois traz mais segurança para o exercício da atividade econômica e melhor qualidade
de vida ao trabalhador. Ademais, garantir condições de trabalho decente confere
seriedade ao marco institucional do país e consequente up grade no
cenário internacional, além de propiciar inestimáveis benefícios à sociedade
brasileira como um todo, ao reduzir a conflitualidade e aumentar os níveis de
bem estar dos atores sociais.
Como ressalta o constitucionalista peruano Omar
Cairo Roldán[27]
“[...] a conduta dos órgãos públicos e dos cidadãos
deve ser coerente com os fins colimados pelo estado Democrático. Dentro deste
esquema, a economia deve orientar-se pelo desenvolvimento, garantindo sempre a
dignidade e a liberdade das pessoas, para que o desenvolvimento econômico
ocorra em conjunto com o bem-estar geral”.
11- A atuação proativa do Poder Judiciário. A
experiência de Cuiabá
Esta mudança de eixo torna insustentável a antiga
configuração de um Judiciário inerte, que só age quando provocado, exigindo que
assuma postura proativa, como um dos agentes de transformação do marco
normativo.
Nesta senda, o TST organizou nos dias 20 e
21/10/2011 um Seminário sobre Prevenção de Acidentes de Trabalho, atento aos
sinais que demonstram a possibilidade de intensificação da ocorrência dos
acidentes nesta fase de aceleração das obras de construção civil para a Copa do
Mundo de 2014 e Olimpíadas de 2016. A taxa atual de trabalhadores acidentados
na construção civil é de 17,8% por 100 mil habitantes, enquanto a taxa geral é
de 6,1% por 100 mil habitantes[28], o que vem demonstrar a importância da
implementação dos princípios da prevenção e precaução em relação ao meio
ambiente de trabalho neste setor de atividade.
Consciente disso, Osmair Couto, então presidente do
Tribunal Regional do Trabalho do Mato Grosso, organizou uma audiência pública
em novembro de 2011, em que proferi palestra de abertura na condição de
desembargadora, ressaltando a necessidade de adotar e divulgar boas
práticas, prevenir litígios, reduzir os acidentes de trabalho e estimular
o trabalho decente, destacando a importância da atuação proativa do Direito na
obtenção da pacificação com justiça e diminuição dos níveis de conflito,
através do estimulo à prevenção e à precaução.
O evento contou com a participação de
representantes da Secretaria Regional de Trabalho e Emprego (SRTE) do
Ministério do Trabalho, Ministério Público do Trabalho[29], sindicatos, Prefeituras de Cuiabá e
Várzea Grande, Assembléia Legislativa de Mato Grosso, OAB-MT, Associação dos
Advogados Trabalhistas (Aatramat) e Associação dos Magistrados do Trabalho de
Mato Grosso (Amatra 23).
Durante as discussões, os participantes ressaltaram
a necessidade de se adotar medidas para evitar que, ao fim das obras realizadas
para a Copa de 2014, não fique para trás um contingente de trabalhadores
acidentados ou mesmo sem receber direitos trabalhistas básicos.
Representantes das entidades envolvidas na
realização e fiscalização das obras da Copa do Mundo de 2014 na região
assinaram a Carta de Compromisso de Cuiabá.
Entre os onze compromissos firmados, os
subscritores destacaram a importância da observância dos deveres pertinentes à
higidez do meio ambiente do trabalho, a responsabilização solidária do
empregador e do tomador dos serviços pela observância das normas atinentes ao
meio ambiente do trabalho. Ressaltaram que eventual alegação de necessidade de
cumprimento de prazos na realização de grandes obras, inclusive em relação à
Copa do Mundo de 2014, não poderá ser aceita como justificativa para o
descumprimento das normas de proteção da saúde e segurança dos trabalhadores. Destacaram
que apesar das controvérsias jurídicas a respeito da responsabilidade
trabalhista do dono da obra, todos os que atuam na execução de empreendimentos
na construção civil (donos da obra, empreiteiras e empresas especializadas
subcontratadas) devem envidar esforços para o cumprimento de todos os deveres
referentes à segurança dos trabalhadores, considerando que todos são
responsáveis pelo meio ambiente de trabalho saudável.
Por fim, comprometeram-se em manter aberto um canal
permanente de interlocução com os diferentes atores sociais, visando estimular
a adoção concreta de boas práticas para prevenir litígios, reduzir
acidentes de trabalho e construir uma cultura de precaução e prevenção, a fim
de garantir a prestação de trabalho decente.
12- Conclusão
Ao constatar a mutabilidade que a
caracteriza, processada num ritmo cada vez mais intenso, o conceituado
sociólogo Zygmunt Bauman esclarece que vivemos numa sociedade líquida, assim
classificada porque os liquidos mudam de forma rapidamente, sem qualquer
pressão, e por sua natureza não tem condições de se solidificarem.
Na sociedade instável e invertebrada, a questão
social ressurge com a mesma força de séculos atrás, porém com maior poder de
destruição, por tentar transformar o trabalhador num dado líquido, incutindo
nas relações laborais a lógica do descarte, que corrói de forma insidiosa os
pilares de sustentação do direito trabalhista.
Neste cenário cresce de importância a atuação dos
sindicatos, que conhecem mais de perto os locais de trabalho e os riscos
existentes. Também se revela significativa a atuação do Ministério Público do
Trabalho, seja na celebração dos Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) que
detém força executiva conforme dispõe o artigo 876 da CLT, seja no ajuizamento
de Ação Civil Pública nos termos do artigo 83 III da LC 75/93.Por
derradeiro, indiscutível a importância da atuação assertiva e efetiva da
Inspeção do Trabalho, através de seus Auditores Fiscais, na implementação da
legislação protetiva, bem como na adoção de medidas acautelatórias de efeito
imediato, como o embargo e interdição. Em suma, a atuação conjunta e sinérgica
dos atores sociais e instituições estatais envolvidas.
O padrão normativo da Era Moderna foi edificado com
base no pensamento do filósofo Parmênides, mas os novos tempos da
posmodernidade contemporânea são de Heráclito, que apostou na constante
mutação.
Neste contexto, a função promocional do Direito
indica a necessidade de intensificar a atuação preventiva, formando uma nova
mentalidade com o escopo de evitar a ocorrência da lesão, por considerar que
assegurar meio ambiente equilibrado no local de trabalho constitui direito
fundamental, albergado pela Constituição de 1988.
Por isso é preciso que o binômio dever ser/sanção,
que previa a adoção de medidas meramente reparatórias, adote uma nova
perspectiva, incorporando os princípios da precaução e prevenção, que vão atuar
como marcos de resistência, preservando o núcleo inalienável que garante
ao trabalhador a condição de sujeito, impedindo a precarização provocada pela
lógica que o reduz a objeto de descarte, assim atuando como norte
de um novo padrão normativo, a fim de preservar a funcionalidade do sistema
jurídico e manter a eficácia do Direito na contemporaneidade.
13 -Referências bibliográficas
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apresenta-se sobre o título: Fair play nas negociações coletivas: rumo a
um sistema normativo mais republicano,e está disponível em http://www.ibret.org.br/ui/evento/anais/cdirca/trabalhos/2919.pdf
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SÜSSEKIND,Arnaldo. Convenções da OIT. 2. ed.
São Paulo: LTr, 1998.
[1] Tereza Aparecida Asta
Gemignani é Desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas-
15ª Região- Doutora pela USP- Universidade de São Paulo- nível de pós
graduação stricto sensu - Membro da Academia Nacional de Direito
do Trabalho- ANDT-cadeira 70 e Membro da REDLAJ- Rede Latino
Americana de Juízes.
[2] Daniel Gemignani -Bacharel em
Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e Auditor
Fiscal do Ministério do Trabalho.
[4] Exempli gratia, os riscos
ergonômicos - hoje tratados pela Norma Regulamentadora nº 17 e seus anexos, com
redação dada pela Portaria MTPS n.º 3.751, de 23 de novembro de 1990 - e as
doenças ocupacionais, cuja constatação vem
recebendo maior atenção, principalmente após a implantação do Nexo Técnico
Epidemiológico - NTEP, pela Previdência Social. Esses temas serão tratados ao
longo de todo o texto.
[5] A crítica a sedimentação da
mencionada “cultura do EPI” é tema dos mais interessantes em matéria de meio
ambiente do trabalho. Imagina-se que capacetes, máscaras e macacões sejam
métodos de proteção do trabalhador. Nada mais equivocado. A questão da proteção
do trabalhador deve ser guiada, precipuamente, pela eliminação dos
fatores de risco de forma coletiva - seja por meio de EPC ou por modificações
no organização do trabalho -, sem empurrar a quem labora, além dos seus
afazeres, os riscos e a responsabilidade de inevitáveis lesões. Trata-se,
logicamente, da imputação dos riscos da atividade produtiva a quem dela se
beneficia, sem transferi-los para o trabalhador.
[6]
Cesarino Junior, Antonio Ferreira –Direito Social Brasileiro 1ª edição 1940
[7]
Plá Rodriguez, Américo- Princípios de Direito do Trabalho- Editora LTr -SP- 3ª
edição- 2004
[8]
Bauman, Zygmunt- Modernidade líquida- tradução Plínio Dentzien- Jorge Zahar
Editor- Rio de Janeiro- 2001- págs 183 e seguintes
[9]
Nietzsche, Friedrich Wilhelm- Assim falava Zaratustra- tradução Ciro Mioranza-
Editora Escala- São Paulo- pag.147
[10] Bueno, Cássio Scarpinella- Tutela
Coletiva em Juízo: uma reflexão sobre a alteração proposta para o artigo 81,
parágrafo único, inciso III, do CDC in Revista do Advogado n.114-
dezembro de 2011- págs 18 a 30
[11] Sobre o tema conferir GEMIGNANI,
Daniel e GEMIGNANI, Tereza A. A. A eficácia dos direitos fundamentais nas
relações de trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região,
nº. 35, julho/dezembro. Campinas. 2009- pag 70
[12] Bobbio, Norberto- A era dos
direitos- Tradução Carlos Nelson Coutinho - Editora Campus- Rio de Janeiro –
1992- pag 25
[13]
Padilha, Norma Sueli- Do meio ambiente do trabalho equilibrado- Editora LTR-
São Paulo 2002- pag 32
[14]
Bauman, Zygmunt- Vida à crédito- conversas com Citlali Rovirosa Madrazo-
Tradução de Alexandre Werneck- Rio de Janeiro – Editora Zahar- 2010.
[15]
Neiva Belchior, Germana Parente- Hermenêutica Jurídica Ambiental- Editora
Saraiva 2011- São Paulo-págs 208 e seguintes
[16]
Leme Machado, Paulo Affonso- Direito Ambiental Brasileiro- Malheiros Editores
2006- pag 65 e seguintes
[17]
Derani, Cristiane- Direito Ambiental Econômico- Editora Saraiva- 3ª
edição- 2008- pags. 149 a 152
[18]
Rodrigues,Marcelo Abelha- Elementos de Direito Ambiental- parte geral- Editora
Revista dos Tribunais, 2005- pag. 207
[19]
Afonso da Silva, José- Direito Ambiental Constitucional- 6ª edição- São Paulo-
Malheiros 2007- pag 22
[21]
A tese foi levantada, primeiramente, no julgamento do Agravo de Instrumento n.
33.453/01 de relatoria do desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, pelo
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP).
[22]
Clube da Luta- Fight Club- 1999- dirigido por David Fincher
[23]
Queiroz, Cristina- O princípio da não reversibilidade dos direitos
fundamentais- princípios dogmáticos e prática jurisprudencial- Coimbra Editora
limitada- 2006.- pag 119
[24]
Ademais, cumpre consignar que, nos termos do item 3.5 da Norma Regulamentadora
n. 3, com redação dada pela Portaria SIT n. 199/2011, “durante a paralisação
decorrente da imposição de interdição ou embargo, os empregados devem receber
os salários como se estivessem em efetivo exercício.” Ou seja, ao deve a
adoção, pela Inspeção do Trabalho, de medidas acautelatórias significar
prejuízos aos empregados, na medida em que não são desses, como é obvio, os
riscos da atividade econômica exercida pelo empregador.
[26]
O tema foi abordado por nós em trabalho inicial apresentado no 7ª ILERA - Regional
Congress of the Americas and 5ª - IBRET - Instituto Brasileiro de
Relações do Emprego e Trabalho - Conference, com trabalho
cujo título é: Fair play on the negotiate table: heading to a self-regulated
model, realizado em São Paulo, em 2011.O texto completo apresenta-se sobre
o título: Fair play nas negociações coletivas: rumo a um sistema
normativo mais republicano, e pode ser acessado em http://www.ibret.org.br/ui/evento/anais/cdirca/trabalhos/2919.pdf.
[27]
Roldán, Omar Cairo- Escritos Constitucionales- Communitas- Cuadernos Jurídicos-
vol 1-Editorial Cordillera S.A.C- Lima- Peru- pag. 142
[29]
No âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), cumpre destacar a criação
do Grupo Móvel de Fiscalização de Grandes Obras, cujo fim principal é o
destacamento de Auditores Fiscais do Trabalho dedicados à fiscalizar o
andamento de grandes obras Brasil afora, dedicando atenção especializada a
empreendimentos de vulto.