“Querela nullitatis insanabilis (ação declaratória
de inexistência de sentença) na coisa julgada inconstitucional
Guilherme Fortes Monteiro de Castro
Resumo: O
presente estudo visa analisar o instituto da Querela Nullitatis
Insanabilis, ou ação declaratória de nulidade insanável que, apesar de
ter origem no Direito Medieval, ainda sobrevive no Direito Processual
brasileiro. Adentraremos no universo de alguns atos processuais, como: citação
e rescisória. Por fim, mostraremos as razões da permanência da querela
nullitatis insanabilis em nosso ordenamento jurídico.
Palavras-chave:
Querela Nullitatis insanabilis. Ação declaratória de inexistência de sentença.
Direito processual.
1 APRESENTAÇÃO
Estabelece
o sistema jurídico brasileiro, constitucionalmente através do art. 5º XXXVI da
CF, a garantia da coisa julgada. Torna definitiva e imutável a sentença
proferida que não caiba mais recurso ordinário ou extraordinário (art. 467 do
CPC). Fundamental é esta disposição, para a manutenção da segurança jurídica.
Porém, isto não garante, em absoluto, que a coisa julgada não esteja sujeita a
desconstituição. O mesmo sistema que garante esta imutabilidade prevê hipóteses
excepcionais para sua desconstituição. São hipóteses legais: Ação rescisória e
a ação anulatória. Existe ainda uma hipótese não prevista na legislação
brasileira, porém, recepcionada pelos tribunais, que é a ação declaratória de
inexistência de sentença.
O
presente estudo dará ênfase à primeira hipótese legal demonstrada, qual seja,
ação rescisória, e a hipótese sem previsão legal, porém aceita no ordenamento
jurídico brasileiro, que é a ação declaratória de inexistência de sentença (querela
nullitatis insanabilis)
Ao
examinar as fases processuais, por vezes nos deparamos com atos viciados
capazes de contaminar todo o processo. O ato de citar o réu de maneira
inadequada, por exemplo, produzirá efeitos em todo o processo. A sentença não
poderá surtir efeitos, visto que a citação, primeiro ato processual com
participação do réu, está viciada, errada. A querela nullitatis
insanabilis tem o objetivo de sanar tais vícios, ora considerados
insanáveis, tornando a sentença inexistente em razão de um defeito pré-concebido,
e que por isso contaminou todos os demais atos processuais.
2 - QUERELA NULLITATIS INSANABILIS –
BREVE HISTÓRICO
O
primeiro registro da querela nullitatis está marcado no direito
romano. Em princípio, eram duas espécies dequerela, sendo elas: nullitatis
sanabilis e nullitatis insanabilis. A primeira (sanabilis), com o
passar dos tempos, fundiu-se com os recursos de apelação, vista a possibilidade
de saneamento dos vícios de menor gravidade. Já a segunda (insanabilis), com
vícios não passíveis de convalidação, muito em razão da gravidade, permanece em
nosso ordenamento jurídico, passando a figurar na ação declaratória de
inexistência de sentença.
Sabe-se que a origem da querela nullitatis também
está ligada à sentença laica e canônica, sendo a primeira mais estável do que a
segunda, com meios próprios para impugná-la mais vastos do que aqueles vistos
no ordenamento civil, especialmente no que se diz em relação a prazos.
A sobrevivência da querela nullitatis
insanabilis em nosso ordenamento jurídico, mesmo sem previsão legal, se dá
em razão da carência de ações próprias, capazes de sanar vícios considerados
insanáveis. Dentre os defeitos capazes de tornar a sentença inexistente, temos:
Vício na citação, surgimento de uma nova prova após o prazo decadencial
da rescisória, afronta direta a princípios constitucionais, etc.
Neste sentido, é o posicionamento do Colendo
Superior Tribunal de Justiça brasileiro:
"PROCESSUAL CIVIL - NULIDADE DA CITAÇÃO
(INEXISTÊNCIA) - QUERELA
NULLITATIS. I - A tese da querela nullitatis persiste
no direito positivo brasileiro, o que implica em dizer que a nulidade da
sentença pode ser declarada em ação declaratória de nulidade, eis que, sem a
citação, o processo, vale falar, a relação jurídica processual não se constitui
nem validamente se desenvolve. Nem, por outro lado, a sentença transita em
julgado, podendo, a qualquer tempo, ser declarada nula, em ação com esse
objetivo, ou em embargos à execução, se for o caso.
II - Recurso não conhecido." (REsp 12.586/SP, Rel. Min. WALDEMAR
ZVEITER , DJU de 04.11.1991)
3 -TERMINOLOGIA
É
comum que os termos nulidade e inexistência sejam dados como equivalentes pelos
doutrinadores. Fato é que, apesar de ter a ação origem no Direito Romano, a
distinção dos termos é matéria recente no universo jurídico brasileiro.
Literalmente,
temos como definição das palavras citadas: “NULIDADE: 1. Qualidade
de nulo. 2. Falta de validez.5. Insignificância. 6. incapacidade.
INEXISTÊNCIA: 1. Não existência. 2. Falta, carência.”1
Juridicamente,
ato nulo é o “Ato desprovido de requisitos substanciais ou que fere a
norma jurídica, sendo inquinado de ineficácia absoluta” e Ato
inexistente é aquele que “não constitui um ato propriamente dito, de
vez que a própria expressão ato inexistente constitui uma contradictio in
adiectio”2.
Esta
confusão em relação à querela se dá em razão do termo nullitatis, que
nos remete ao entendimento equivocado de “nulidade”, ou ação que objetiva
atacar sentenças nulas. O correto é referir-se ao termo “nullitatis” no
sentido de inexistência, ação que objetiva atacar sentenças inexistentes.
Como
se não bastasse o impasse doutrinário a respeito da definição e utilização do
termo, o próprio Tribunal equivoca-se quanto à terminologia, vejamos:
“Não se conhece de agravo retido nos autos se a
parte não requer expressamente, nas razões ou na resposta da apelação, sua
apreciação pelo Tribunal. É irrelevante o nomem juris atribuído à actio,
podendo a ação anulatória de ato jurídico ser apreciada como declaratória de
nulidade (querela nullitatis) se a causa é fundada na ausência de citação, pois
o essencial é a pretensão jurídica e a narrativa fática da inicial,
prestigiando-se o brocardo narra mihi factum dabo tibi jus. Ação declaratória
de nulidade por vício de citação é imprescritível, uma vez que a sentença não
transita em julgado em razão de inexistir formação válida da relação
processual. A falta de autenticação de cópia de documento é insignificante se
não há impugnação de seu conteúdo. É nula, de pleno direito, a sentença
proferida em ação de usucapião em que não foi citado aquele que possui o
registro de imóvel sobreposto pela área usucapida (AC 41437 SC 2006.004143-7)”.
Esta
distinção é indispensável, já que a ação rescisória é a ação adequada para
atacar sentenças nulas, desde que observado o prazo de dois anos a contar do
trânsito em julgado da sentença, e as sentenças inexistentes poderão ser
declaradas ou atacadas a qualquer tempo pela ação declaratória de inexistência
de sentença.
Diante
de tudo aquilo que foi exposto acima e daquilo que passará a ser demonstrado, é
certo que o termo correto a ser utilizado para definir a querela
nullitatis insanabilis é ação declaratória de inexistência de
sentença.
4 -CITAÇÃO
Como
dito anteriormente, a citação é o primeiro ato processual com a participação do
réu; é o momento em que ele toma ciência de que há uma ação correndo em seu
desfavor. Trata-se de um ato formal, onde se documenta a comunicação efetuada
ao sujeito passivo da relação processual. É a partir daí que se iniciam os
princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
Assim,
o CPC, através do artigo 213, conceitua citação: “Citação é o ato pelo
qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender.”
Sob
o aspecto legal, não há de se falar em processo sem a citação. Assim expõe o
artigo 214 do Código de Processo Civil:“Art. 214. Para a validade do
processo é indispensável a citação inicial do réu.”
São
quatro as modalidades de citação enumeradas no artigo 221 do Código de Processo
Civil: via correio; por oficial de justiça; por edital e por meio eletrônico.
4.1CITAÇÃO VIA CORREIO
A
citação via correio, é a forma mais comum utilizada pelo direito processual brasileiro.
É assim feita para qualquer comarca do país, sendo a citação na modalidade
real. Apesar de ser a mais utilizada em nosso direito processual, a citação por
correio é restringida em algumas situações pelo próprio CPC:
“Art.
222. A citação será feita pelo correio, para qualquer comarca do País, exceto:
a) nas ações de estado;
b) quando for ré pessoa incapaz;
c) quando for ré pessoa de direito público;
d) nos processos de execução;
e) quando o réu residir em local não atendido pela
entrega domiciliar de correspondência;
f) quando o autor a requerer de outra forma.”
4.2 - CITAÇÃO POR OFICIAL DE JUSTIÇA
A
citação por oficial de justiça será utilizada nas ressalvas da citação pelo
correio, supracitadas, ou quando frustrada.
O
mandado de citação deverá conter todos os requisitos expressos no artigo 225 do
CPC, sendo eles:
“Art.
225. O mandado, que o oficial de justiça tiver de cumprir, deverá conter:
I - os nomes do autor e do réu, bem como os
respectivos domicílios ou residências;
II - o fim da citação, com todas as especificações
constantes da petição inicial, bem como a advertência a que se refere o art.
285, segunda parte, se o litígio versar sobre direitos disponíveis;
III - a cominação, se houver;
IV - o dia, hora e lugar do comparecimento;
V - a cópia do despacho;
VI - o prazo para defesa;
VII - a assinatura do escrivão e a declaração de
que o subscreve por ordem do juiz.
Parágrafo único. O mandado poderá ser em breve
relatório, quando o autor entregar em cartório, com a petição inicial, tantas
cópias desta quantos forem os réus; caso em que as cópias, depois de conferidas
com o original, farão parte integrante do mandado.”
Efetivada
a citação por oficial de justiça, dar-se-á por completo o primeiro ato
processual com a participação do réu.
4.3 - CITAÇÃO POR EDITAL
Far-se-á
a citação por edital quando:
“Art. 231. Far-se-á a citação por edital:
I - quando desconhecido ou incerto o réu;
II - quando ignorado, incerto ou inacessível o
lugar em que se encontrar;
III - nos casos expressos em lei.
§ 1o Considera-se inacessível, para
efeito de citação por edital, o país que recusar o cumprimento de carta
rogatória.
§ 2o No caso de ser inacessível o lugar
em que se encontrar o réu, a notícia de sua citação será divulgada também pelo
rádio, se na comarca houver emissora de radiodifusão.”
Apesar
de ser a modalidade menos utilizada no dia-a-dia, é na citação por edital onde
se aponta o maior número de defeitos. Comumente, a parte que requer a citação
por edital a fim de alcançar a revelia alega, dolosamente, que o domicílio do
réu é desconhecido ou incerto.
Ensina-nos,
Theotonio Negrão3, que será “nula a citação por edital se previamente não
foram esgotados todos os meios possíveis para a localização do réu (JTA
121/354)"
4.4 - CITAÇÃO POR MEIO ELETRÔNICO
A
citação por meio eletrônico é a modalidade mais recente prevista no CPC. Sua
previsão legal está no artigo 221, inciso IV do CPC e regulado pela Lei
nº11.419/06.
Para
que seja válida a citação por meio eletrônico, deverão ser atendidos dois
requisitos básicos legais: a) prévio cadastro de usuário do portal próprio do
Poder Judiciário; b) acesso à íntegra dos autos pelo citado. Na falta de algum
dos requisitos, ou mesmo que algum esteja incompleto ou errado, considerará
defeituosa a citação.
Por
ser recente (2006), a citação por meio eletrônico ainda é uma modalidade pouco
utilizada nos dias de hoje.
Demonstradas
todas as modalidades de citação, vale frisar que sendo inválida, nula ou
inexistente, todo o processo estará viciado, pois não ciente de que tenha uma
ação a seu desfavor, o réu não poderá exercer o princípio constitucional da
ampla defesa e do contraditório, tornando assim a sentença inexistente de plano
direito.
Nesse
mesmo sentido, leciona Cândido Rangel Dinamarco4:
"[...]
Considerada toda essa importância política e sistemática da citação,
solenemente a lei a declara indispensável para a validade do processo (art. 21,
caput). À falta dela, o processo todo será viciado, inclusive o ato final
consistente na sentença de mérito (processo de conhecimento) ou entrega do bem
(execução).”
Assim
também é entendimento dos renomados professores Nelson Nery Junior e Rosa
Maria de Andrade Nery5:
"3.
Pressuposto processual de validade. Uma vez realizada, o sistema exige que a
citação tenha sido feita validamente. Assim, a citação válida é pressuposto de
validade da relação processual. Em suma: a realização da citação é pressuposto
de existência e a citação válida é pressuposto de regularidade da relação
processual. Em suma, pressuposto de validade da relação processual: citação
válida"
5 - QUERELA NULLITATIS NA
CITAÇÃO VICIADA
Como dito anteriormente, Querela nullitatis
insanabilis é, a grosso modo, uma ação declaratória de inexistência de
sentença. Encontra-se neste instituto um instrumento capaz de solucionar vícios
insanáveis que afetam todo o processo.
Sendo inválida a citação, todo o processo estará
viciado. Não há possibilidade nem cabimento dar prosseguimento ao
processo, já que um dos atos mais indispensáveis está viciado. A citação é o
ato em que o réu é chamado ao processo, é o momento em que ele toma ciência da
existência de uma ação em seu desfavor. Por isso, esta deve estar em perfeita
sintonia com o processo e desprovida de defeitos.
São encontrados muitos defeitos nas citações,
algumas dolosas pela parte, e outras simplesmente defeituosas desde sua
formulação, como seria o caso da citação por meio eletrônico com a ausência de
algum dos requisitos legais. A citação por edital, com um rol taxativo de
possibilidades de utilização, é um dos que demonstram uma maior quantidade de
vícios, estes que perduram, por vezes, até a sentença, tornando-a viciada e, em
consequência, inexistente.
A querela nullitatis insanabilis, é uma
maneira pouco utilizada, porém eficaz no saneamento de tais vícios. Este é o
entendimento jurisprudencial e doutrinário. Diz-nos Pedro Ubiratan Escorel de Azevedo6
“É dizer: a tese da querela nullitatis insanabilis
sobrevive no direito brasileiro? Dúvida não há, nesse sentido, no que concerne
à ação em que a citação do réu não ocorreu ou ainda se deu em
circunstância de manifesta nulidade (v.g., para o primeiro caso, a
ação de usucapião em que confrontante conhecido ou a pessoa em nome de quem o
imóvel está registrado não foi citada e, para o segundo, citação de menor,
conhecido seu tutor ou curador)”
Neste
mesmo sentido é o entendimento do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª região:
“QUERELA NULLITATIS. CABIMENTO.
Pretendendo-se extirpar do mundo jurídico uma
sentença judicial por vício insanável comprometedor da sua própria existência,
como na hipótese da inobservância do disposto no art. 47 do CPC, a doutrina
admite a propositura de ação declaratória, a qual denomina de querela
nullitatis, com amparo no art. 4º, I, do CPC. Recurso ordinário conhecido e
provido. (RO 954200900410000 DF 00954-2009-004-10-00-0 )”
Por
fim, comunga este entendimento o nosso Egrégio Supremo Tribunal Federal:
“Ação declaratória de nulidade de Sentença por ser
nula a citação do réu revel na ação em que ela foi proferida.
1. Para a hipótese prevista
no artigo 741, I do atual CPC – que e a da falta ou nulidade de citação,
havendo revelia – persiste, no direito positivo brasileiro – a “querela
nullitatis”, o que implica dizer que a nulidade da sentença, neste caso, pode
ser declarada em ação declaratória de nulidade, independentemente do prazo para
a propositura da ação rescisória, que em rigor, não é cabível para essa
hipótese(RE 97589 SC)”
6 - AÇÃO RESCISÓRIA
Ação
rescisória é uma ação autônoma que objetiva desfazer efeitos da sentença já
transitada em julgado, ou seja, aquela que não caiba mais nenhum tipo de
recurso, visando um vício existente que a torne anulável.
Para
alguns, a ação rescisória tem natureza desconstitutiva (tira os efeitos de uma
outra decisão que está vigorando). Para outros, a natureza da ação é
declaratória de nulidade da sentença (reconhecer, através dos vícios
apresentados, que a sentença não poderá surtir efeitos).
A
ação rescisória visa, tão somente, atingir aquelas sentenças anuláveis, que
serão sanadas desde que dentro do prazo decadencial para sua propositura.
O
rol de admissibilidade da ação rescisória pelo CPC é bastante enxuto e taxativo,
sendo ele exposto através do Artigo 485 do CPC:
“Art. 485. A sentença de mérito, transitada em
julgado, pode ser rescindida quando:
I - se verificar que foi dada por prevaricação,
concussão ou corrupção do juiz;
II - proferida por juiz impedido ou absolutamente
incompetente;
III - resultar de dolo da parte vencedora em
detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a
lei;
IV - ofender a coisa julgada;
V - violar literal disposição de lei;
Vl - se fundar em prova, cuja falsidade tenha
sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória;
Vll - depois da sentença, o autor obtiver
documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz,
por si só, de Ihe assegurar pronunciamento favorável;
VIII - houver fundamento para invalidar confissão,
desistência ou transação, em que se baseou a sentença;
IX - fundada em erro de fato, resultante de atos ou
de documentos da causa;
§ 1o Há erro, quando a sentença admitir
um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente
ocorrido.
§ 2o É indispensável, num como noutro
caso, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o
fato.”
A
ação rescisória é de competência dos Tribunais Superiores. Ensina-nos Luiz
Rodrigues Wambier7:
”A ação rescisória é de competência originária do
segundo grau de jurisdição. É, portanto, demanda intentada diretamente
nos tribunais de segundo grau, com exceção dos casos em que a
competência cabe aos tribunais superiores STF e STJ.”
7AÇÃO RESCISÓRIA X QUERELA NULLITATIS
Ação rescisória é uma ação autônoma que visa
desconstituir os efeitos da sentença depois de transitado em julgado, ou seja,
para aquelas sentenças que não caibam mais recursos e que tenham algum vício
que poderá torná-la anulável. Sua natureza é desconstitutiva ou declaratória de
nulidade de sentença.
O prazo decadencial será de dois anos após o
trânsito em julgado da decisão que se pretende atacar, rescindir. Diz-nos o
artigo 495 do código de processo civil: “Art. 495. O direito de propor ação
rescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da
decisão”.
A
ação rescisória se difere da querela nullitatis insanabilis, basicamente,
no que se refere ao prazo decadencial, prescricional e cabimento.
A
primeira distinção, ou seja, o prazo decadencial, deverá a ação rescisória ser
proposta no prazo de dois anos a contar do trânsito em julgado da sentença a
ser atacada (art. 495 do CPC). Já a querela nullitatis, não
segue este mesmo rito, podendo ser proposta a qualquer tempo, já que não é sujeita
à decadência nem à prescrição.
Em
relação às hipóteses de cabimento, a ação rescisória está adstrita a aquele rol
enumerado pelo artigo 485 do CPC e a querela nullitatis tem o
“poder” de suprir qualquer vício, desde que emanado de matéria constitucional.
8. CABIMENTO
Como em toda matéria jurídica, grandes conflitos
são uma constante, logo, na matéria aqui abordada não poderia ser diferente.
Grande parte deste conflito se dá pela falta de previsão legal em nosso
ordenamento jurídico acerca da matéria tratada.
Desde já, é importante ressaltar a diversidade de
entendimentos sobre o cabimento da Querela Nullitatis insanabilis. Há
aqueles que acham que a querela nullitatis será admitida em diversas
situações, em contrapartida, alguns admitem um rol mais enxuto de
possibilidades de cabimento. Porém, dentre todos estes entendimentos, uma coisa
é certa e pacífica: A Querela nullitatis, apesar de não ter previsão
legal expressa, é cabível em nosso sistema jurídico.
Tereza Arruda Alvim Wambier8 aponta a existência de
uma íntima relação entre coisa julgada e rescindibilidade da sentença. Somente
sentenças transitadas em julgado podem ser atacadas, nos termos do artigo 485
do CPC. Por outro lado, diz a Professora que sentenças inexistentes por
natureza em hipótese alguma transitam em julgado. Sendo assim, nessa situação,
é cabível a ação declaratória de inexistência de sentença.
Cita, Tereza Arruda Alvim algumas
possibilidades de cabimento, sendo elas:
“a) sentenças com ausência de decisório;
b) sentenças proferidas em processos instaurados
por meio de uma ação, faltando uma de sua condições;
c) sentenças em que teria a citação nula aliada à
revelia;
d) sentenças em que não tenha citado litisconsórcio
necessário unitário;
e) sentenças que não contenham assinatura do Juiz
ou não estejam escritas.”
Compõe
o rol dos tratantes que apontam uma possibilidade de aplicação mais enxuta,
Roque Komatsu9. Diz o referido autor que a sentença inexistente não precisa ser
rescindida, pois não se convalida pela “res judicata”, diferentemente das
causas de nulidade e anulabilidade. Cita as hipóteses do artigo 37,
parágrafo único do CPC e de inexistência de citação no processo em que
proferida a sentença, como hipóteses de cabimento da querelas nullitatis.
Existe
ainda um entendimento no sentido de que seria mais apropriada uma interpretação
mais extensiva do artigo 495 do CPC, fazendo assim com que a ação rescisória,
quando tratar de matéria constitucional, possa perfeitamente dispensar a aplicação
do prazo referido no artigo supracitado.
Sendo
a ação rescisória um meio que objetiva desconstituir uma decisão judicial
transitada em julgado que contenha defeitos, ou seja, que esteja comprometida
em razão de um vício existente, em um grau capaz de expor o processo a um nível
de imperfeição que poderá torná-lo impossibilitado de permanecer na esfera
jurídica, não poderá ser usada a qualquer modo, devendo seguir pressupostos
indispensáveis que são: Sentença de mérito transitada em julgado e invocação de
algum dos motivos previstos no artigo 485 do CPC. Como as decisões
inconstitucionais são sentenças consideradas inexistentes, sem aptidão para
gerar coisa julgada, não caberá ação rescisória em razão do primeiro
pressuposto acima citado, este que exige a sentença de mérito transitada em julgado.
Neste
sentido ensina-nos Tereza Arruda Alvim10:
"na esteira do que entende a doutrina mais
qualificada e felizmente boa parte da jurisprudência, estas sentenças não têm
aptidão para transitar em julgado e, portanto, não devem ser objeto de ação
rescisória, já que não está presente o primeiro dos pressupostos de cabimento
daquela ação: sentença de mérito transitada em julgado. Em nosso entender,
pode-se pretender, em juízo, a declaração no sentido de que aquele
ato se consubstancia em sentença juridicamente inexistente por meio de ação de
rito ordinário, cuja propositura não se sujeita à limitação temporal".
Portanto,
quando a matéria a ser atacada for objeto constitucional, não há de se falar em
ação rescisória, eis que ausente o primeiro pressuposto. A querela
nullitatis torna-se o meio mais adequado para desconstituir estas
decisões inconstitucionais inexistentes, a qualquer tempo.
9 -COMPETÊNCIA
Tão
delicada, como toda a matéria aqui abordada, é a competência para apreciar a querela
nullitatis insanabilis. É pacífico o entendimento acerca do seu cabimento
no ordenamento jurídico brasileiro. Porém, há controvérsias sobre de quem é a
competência para julgá-la.
Sugere
Leonardo de Faria Beraldo11, na obra “A Relativização da Coisa Julgada que
Viola a Constituição”, que aquerela nullitatis, por se tratar de matéria
constitucional, seja julgada pelo Supremo Tribunal Federal. Tal entendimento é
minoritário dentre os doutrinadores tratantes do tema. Entretanto, afirma o
autor supracitado, que, até uma eventual emenda constitucional, a competência
para julgar a querela nullitatis é do juiz de direito.
O entendimento de que seria competente para julgar
a querela nullitatis o juiz da instancia ordinária, parece-nos
coerente, já que se trata de uma nova ação de conhecimento.
Discute-se também, de quem seria a competência para
julgar aquelas sentenças a serem declaradas inexistentes quando proferidas
pelos Tribunais. O entendimento jurisprudencial sobre esta competência aponta
no sentido de que seria competente o próprio Tribunal que proferiu a sentença a
ser declarada inexistente, desde que a ação seja de sua competência originária.
Este entendimento sobre a competência é
compartilhado pelos Tribunais brasileiros:
“A
ação de nulidade (querela nulittatis) consubstancia num meio de impugnação
previsto para decisões proferidas em processos em que não houve citação ou no
caso de nulidade desta, sendo cabível, portanto, in casu. A competência para
seu processamento é do juízo que proferiu a decisão nula.” TJMG, processo
4482920-37.2008.8.13.0079 Relator: Des.(a) ANTÔNIO BISPO
Neste
mesmo sentido pensa o TJDF:
“Processual
civil – Ação Anulatória – Querela Nullitatis – Competência. A competência para
o exame da alegada nulidade de citação (querela nullitatis) é do prórpio juízo
por onde tramitou o feito.” APC 20070111048982 DF
Por
fim, ensina-nos Fredie Didier Junior e Leonardo José Carneiro da Cunha12:
"a competência para a querela nullitatis é do
juízo que proferiu a decisão nula, seja o juízo monocrático, seja o tribunal,
nos casos em que a decisão foi proferida em processo de sua competência
originária"
Portanto,
o mais correto entendimento é que a competência para julgar a “actio nullitatis” e
declarar a inexistência da sentença é do próprio juízo onde tramitou a demanda
e que proferiu a sentença inexistente, ou seja, do juízo monocrático ou do
tribunal, nos casos em que a decisão foi proferida em processo de sua
competência originária.
10 - ALEGAÇÕES FINAIS
O presente estudo apresentou a querelas
nullitatis insanabilis ou ação declaratória de inexistência de sentença,
que com a falta de norma regulamentadora, leva-nos a entendimentos diversos,
conflitantes, fazendo assim com que a matéria, apesar de ter origem remota
(Direito Medieval), fique quase que no total desuso, muito em razão do
desconhecimento.
Foram demonstradas, passo a passo, as
possibilidades de cabimento da ação, a competência, o prazo decadencial e sua
divergência com a ação rescisória.
É importante frisar que a querela nullitatis
insanabilis é um eficiente instrumento processual que visa sanar vícios
que seriam insanáveis quando dependentes das ações previstas no ordenamento
jurídico. Sua adequação não está restrita a rol de possibilidades, ficando ela
apenas condicionada a algum vício constitucional presente em qualquer momento
processual e que, assim, torne a sentença inexistente”.
Bibliografia
http://www.priberam.pt
Http://www.advogado.adv.br/artigos/2005/marcusviniciusguimaraesdeso
uza/fatoaton egociojuridico.htm. Acesso em 23 mai 2011
NEGRÃO,
Theotônio, Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 34ª
ed. São Paulo : Saraiva, 2002.
DINAMARCO,
Cândido Rangel, Instituições de Direito Processual Civil, Ed.
Malheiros, São Paulo, 2004, volume II.
NERY
JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade, Código de Processo Civil
Comentado e Legislação Extravagante. Ed. São Paulo, São Paulo, 2008.
http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/regulariza2
/doutrina911.html - Acesso em 24 mai 2011
WAMBIER,
Luiz Rodrigues, Curso Avançado de Processo Civil, RT, 2002, volume
I.
WAMBIER,
Teresa Arruda Alvim, é uma advogada e professora universitária brasileira. É
doutora, mestre e livre-docente pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, onde leciona Direito Processual Civil nos cursos de mestrado, doutorado,
especialização (pós-lato sensu) e graduação.É membro da diretoria do Instituto
Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e autora de livros e artigos
científicos.
KOMATSU,
Roque, Mestre e Doutor em Direito Processual Civil pela FADUSP; Professor
Doutor da Fadusp aposentado; Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo; Advogado no período de 1963 a 1965 e a partir de abril de
1991; Obras publicadas: A citação no direito processual civil, São Paulo: RT,
1977 e Da invalidade no processo civil. São Paulo: RT, 1991.
WAMBIER,
Teresa Arruda Alvim e MEDINA, José Miguel Garcia. O Dogma da Coisa
Julgada: hipóteses de relativização, Ed Revista dos Tribunais, São
Paulo, 2003.
BERALDO,
Leonardo de Faria. A Relativização da Coisa Julgada que Viola a
Constituição, Ed. América Jurídica, Rio de Janeiro, 4ª ed. 2004.
DIDIER,
Fredie e CUNHA, Leonardo José Carneiro. Curso de direito processual
civil. Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais,
Ed. Edições Podivm, Salvador, 2007, volume III.
CARNELUTTI,
Francesco - Instituições de Processo Civil, Ed. Servanda,
Campinas-SP, 1999, volume, II.
CHIOVENDA,
Giuseppe - Instituições de Direito Processual Civil, Ed.
Bookseller, Campinas-SP, 1998, volume III.
FALAZARI,
Elio - “La sentenza in rapporto alla struttura e all’oggetto del processo”,
artigo inserto em “La sentenza in Europa, metodo, tecnica e stile”, Ed.
Cedam, 1988.
SOUZA,
Daniel Barbosa Lima Faria Corrêa de. Da inexistência de citação e a actio
querela nullitatis insanabilis. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 nov.
2009. Disponivel em:
. Acesso
em: 18 maio 2011.
Informações Sobre o Autor
Guilherme Fortes Monteiro de Castro
Graduação
em Direito pela Fundação Universidade de Itaúna, FUIT, Brasil; Doutorando em
Ciências Sociais pela Universidade de Buenos Aires, UBA, Argentina.
Especialista em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais – PUC-Minas; Pós-Graduado em Direito do Trabalho pela Fundação
Getúlio Vargas - FGV; Advogado”
http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11223.
Acesso: 28/3/2013