"Apertem os cintos, o copiloto sumiu!
LUIZ ANTONIO RIZZATTO NUNES – Desembargador
A ANAC-Agência Nacional de Aviação Civil, baixou a Resolução nº 218, que entrou em vigor neste mês de junho, para estabelecer procedimentos para divulgação de percentuais de atrasos e cancelamentos de voos do transporte aéreo público regular de passageiros. O art. 2º da norma define: “As informações de que trata a presente Resolução visam: “I - a divulgação das características dos serviços ofertados; e II - a transparência das relações de consumo”.
Para garantir a tal transparência, o art. 8º
dispõe: “Os percentuais de atrasos e cancelamentos de voos serão divulgados
pela ANAC e pelas empresas de transporte aéreo público regular doméstico e
internacional de passageiros que operam no Brasil e seus prepostos”.
E o art. 10 diz: “Os percentuais de atrasos e
cancelamentos de voos do transporte aéreo público regular doméstico e
internacional de passageiros no Brasil deverão ser disponibilizados pelas
empresas e seus prepostos, para cada etapa básica de voo, no início do processo
de comercialização dos serviços, por ocasião de sua oferta.
§ 1º Para os efeitos desta Resolução, o processo de
comercialização inicia-se quando o adquirente do bilhete de passagem informa o
itinerário e as datas desejadas ao transportador ou seus prepostos.
§ 2º As informações serão disponibilizadas ao
adquirente do bilhete de passagem em todos os canais de comercialização
utilizados e corresponderão aos dados divulgados pela ANAC.
§ 3º Na oferta presencial e telefônica do serviço,
a informação deverá ser apresentada ao adquirente do bilhete de passagem,
mediante solicitação.
§ 4º As informações apresentadas ao adquirente do
bilhete de passagem devem corresponder ao mês mais recente divulgado pela ANAC”
Qual a finalidade do estabelecido? Segunda a
própria agência, foi para “aumentar a transparência na relação de
consumo entre empresa e passageiro, que poderá analisar o histórico dos
percentuais de atrasos e cancelamentos de voos antes de concluir a compra do
bilhete”.
Com tanta coisa importante para se regular e
controlar na aviação civil brasileira e sai essa norma, que literalmente não
muda nada em lugar nenhum: na qualidade do atendimento, nas condições dos
aeroportos e aeronaves, no respeito aos direitos estabelecidos etc. Trata-se
apenas de estatística que, parece-me, só por isso,
não gerará mudanças na atitude do consumidor em comprar passagens. Este está
interessado no preço cobrado (algo que está completamente fora de controle –
voltarei a esse assunto em outro artigo), na existência de voos para onde lhe
interessa e no dia e horário escolhidos (muitas vezes ele só tem uma opção) e
não é porque haja atrasos estatisticamente estampados que ele decidirá comprar
aqui ou ali. Como diria meu amigo Outrem Ego, após ler a Resolução, “Trata-se
de conversa mole para boi dormir”.
Mas, veja que, tão logo entrou em vigor a norma (em
4 de junho passado), o Procon de São Paulo foi fiscalizar as companhias
aéreas, como se tivesse sido encontrada uma solução mágica para o problema da
aviação civil no país e, como se, de fato, agora haverá mais transparência
da relações e como se isso, de per si, pudesse gerar competição entre as
empresas do setor.
Deixarei meu amigo Outrem Ego narrar o que
aconteceu com ele, dois dias depois, em 6 de junho, quando tentava embarcar com
parte da família para a cidade de Juiz de Fora, saindo do aeroporto de
Guarulhos. Leia:
“Iria passar o feriado em Juiz de Fora, visitando a
família de minha mulher. E, como São Paulo provavelmente seja a cidade mais
congestionada do mundo e
ainda por cima era véspera de feriado, saí de casa às 14:45 para pegar um voo
às 19:00. Demoramos, da avenida Pacaembu até o aeroporto de Cumbica, nada mais
nada menos que uma hora e cinquenta e cinco minutos. Tudo bem. Chegamos,
pegamos uma filinha que já estava formada à frente do balcão da Trip – a
companhia aérea – e nos dirigimos à sala de embarque. Duas, na verdade: de uma
primeira abarrotada de pessoas, quase não dando para se mexer e até respirar, fomos
levados de ônibus para uma segunda também lotada. Era, então, 17:45. Perguntei
algumas vezes se o voo estava no horário e sempre me responderam que sim.
Aliás, no painel eletrônico estava cravado que o embarque estava próximo (‘Trip
voo 5642 - Juiz de Fora – 19:00’).
O tempo foi passando, a sala esvaziando e somente
nós da Trip Juiz de Fora por lá. Estava próximo o embarque. A cada pergunta a
mesma resposta: ‘O voo está no horário’. Ok, pensei. Só que chegou 19 horas e
nada de nós embarcarmos.
Só com muitos minutos de atraso é que nos colocaram
num ônibus com destino à aeronave estacionada na pista. Embarcamos. E as cenas
que se seguirão – embora num primeiro momento tenham feito a maior parte dos
passageiros rirem – não foram nada engraçadas. O avião estava lotado. Passaram
cinco, dez, vinte minutos e nada de ele sair do lugar e nem haver movimento
nesse sentido. De repente, o piloto toma o microfone e anuncia: ‘Senhoras e
senhores passageiros, aqui quem fala é o Comandante. O que tenho de falar é um pouco
constrangedor... Nós não podemos voar porque não sabemos onde está o copiloto’.
Todos riram, mas logo todos nos demos conta do imbróglio em que estávamos
metidos. O Comandante prosseguiu para nos tranquilizar: ‘Anuncio que recebemos
a informação de que o copiloto já está chegando ao aeroporto. Ele estava preso
no engarrafamento’.
Passou uma hora e nada. O ar condicionado havia
sido desligado e nós já suávamos bastante. A aeromoça surgiu com água para
distribuir, avisando que o ar condicionado seria religado... Aproveitei e
perguntei para ela do destino do copiloto. Por incrível que possa parecer ela
disse: ‘Vou confessar a vocês. O copiloto que estava chegando não era o nosso.
Era o daquela outra aeronave alí – e apontou para outro avião também parado na
pista ao nosso lado. Nosso copiloto ninguém sabe onde está’
Algum tempo depois, quando já se percebia um certo
vislumbre de reclamações, o Comandante retornou ao microfone para anunciar que
agora sim o copiloto já se apresentara ao aeroporto e no máximo em quinze
minutos chegaria ao avião. E que não valia a pena desembarcarmos para
retornarmos logo depois. Todos concordaram, pois, afinal, já fazia mais
de uma hora que estávamos lá dentro.
Quinze minutos mais tarde surgiu o copiloto, muito
aplaudido -- sinal do desespero dos passageiros que olharam aliviados
para o atrasado homem. Fomos para a pista, agora na fila de aeronaves, e,
uma hora e quarenta minutos de espera dentro do avião depois, levantamos voo.
Pena que nossa via sacra não terminasse ali.
Com uma hora de voo, o Comandante nos avisou que o
aeroporto de Juiz de Fora estava fechado e que estávamos indo para o aeroporto
da Pampulha em Belo Horizonte, o que fez muitos de nós desconfiarmos que eles
já sabiam do fechamento quando ainda estávamos em Guarulhos. Não explicaram
também porque não fomos para o Galeão, muito mais perto do destino em Juiz de
Fora.
Para completar o quadro de desinformação, antes de
pousarmos na Pampulha a despreparada aeromoça leu o folheto de chegada no
local, que soou como escárnio. Disse ela: ‘Bem vindos a Belo Horizonte.
Esperamos que a viagem tenha sido confortável etc’.
No desembarque, foi-nos informado que dois
micro-ônibus e uma van nos esperavam para viajarmos cerca de trezentos
quilômetros até Juiz de Fora. Aos que diziam que queriam pernoitar em Belo
Horizonte e ir no dia seguinte (já que era mais de vinte e três horas e algumas
pessoas estavam com seus filhos menores) era dito que não havia vagas nos
hotéis. É mole? Véspera de feriado, milhares de pessoas saindo de BH e os
hotéis lotados. Piada!(Mais uma).
Minha filha e eu fomos no micro-ônibus e,
finalmente, às quatro e vinte da matina chegamos ao local de destino. Faltava
arrumar um táxi, mas ele não demorou a chegar.”
Evidente que, se as condições meteorológicas não
permitem o voo, se o aeroporto está fechado por questões climáticas etc, a
companhia aérea nada pode fazer. Não é esse o ponto. A questão é essa da
transparência e do direito do consumidor de receber prévias informações
verdadeiras e precisas sobre as condições de embarque, transporte, escalas etc,
do voo que irá empreender.
O episódio narrado por meu amigo Outrem Ego, com
algumas variáveis semelhantes e também diferentes, é vivido diariamente por
muitos usuários nos aeroportos brasileiros. Se a Agência reguladora quer mesmo
que as companhias aéreas ajam com transparência no trato com seus clientes, ela
deve, então, obrigá-las a dizer a verdade não só antes do embarque, como
durante e depois. Infelizmente, a falta de informações e também a mentira
descarada têm sido uma constante no atendimento dado pelas empresas aos
consumidores.
Saber se aquele voo atrasou uma, duas ou mais vezes
nos meses anteriores, fixada a informação numa tabela estatística entregue no
ato da compra da passagem, não refresca a oprimida situação dos consumidores,
que entregam sua sorte aos agentes aeroportuários, atendentes de companhias
aéreas e demais funcionários. O que o consumidor que pretende embarcar num
avião para qualquer destino quer saber e, aliás, tem direito a tanto, é se o
voo sairá, se ele está no horário, se chegará ao destino programado, se as
condições de voo são adequadas e, claro, é direito seu também ser conduzido por
tripulação preparada, descansada, completa, receber tratamento condizente com a
situação, receber em terra o atendimento devido com alimentação adequada,
hospedagem quando necessário etc.
Isso sim é transparência e respeito ao direito dos
consumidores. Por ora, penso que a citada Resolução não trará benefícios que
digam respeito à transparência. Tudo indica que meu amigo tem razão: é mais
colóquio flácido para acalentar bovino".
25/6/2012
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