terça-feira, 24 de julho de 2012


"Apertem os cintos, o copiloto sumiu!

LUIZ ANTONIO RIZZATTO NUNES – Desembargador

A ANAC-Agência Nacional de Aviação Civil, baixou a Resolução nº 218, que entrou em vigor neste mês de junho, para estabelecer procedimentos para divulgação de percentuais de atrasos e cancelamentos de voos do transporte aéreo público regular de passageiros. O art. 2º da norma define: “As informações de que trata a presente Resolução visam: “I - a divulgação das características dos serviços ofertados; e II - a transparência das relações de consumo”.
Para garantir a tal transparência, o art. 8º dispõe: “Os percentuais de atrasos e cancelamentos de voos serão divulgados pela ANAC e pelas empresas de transporte aéreo público regular doméstico e internacional de passageiros que operam no Brasil e seus prepostos”.
E o art. 10 diz: “Os percentuais de atrasos e cancelamentos de voos do transporte aéreo público regular doméstico e internacional de passageiros no Brasil deverão ser disponibilizados pelas empresas e seus prepostos, para cada etapa básica de voo, no início do processo de comercialização dos serviços, por ocasião de sua oferta.
§ 1º Para os efeitos desta Resolução, o processo de comercialização inicia-se quando o adquirente do bilhete de passagem informa o itinerário e as datas desejadas ao transportador ou seus prepostos.
§ 2º As informações serão disponibilizadas ao adquirente do bilhete de passagem em todos os canais de comercialização utilizados e corresponderão aos dados divulgados pela ANAC.
§ 3º Na oferta presencial e telefônica do serviço, a informação deverá ser apresentada ao adquirente do bilhete de passagem, mediante solicitação.
§ 4º As informações apresentadas ao adquirente do bilhete de passagem devem corresponder ao mês mais recente divulgado pela ANAC”
Qual a finalidade do estabelecido? Segunda a própria agência, foi para “aumentar a transparência na relação de consumo  entre empresa e passageiro, que poderá analisar o histórico dos percentuais de atrasos e cancelamentos de voos antes de concluir a compra do bilhete”.
Com tanta coisa importante para se regular e controlar na aviação civil brasileira e sai essa norma, que literalmente não muda nada em lugar nenhum: na qualidade do atendimento, nas condições dos aeroportos e aeronaves, no respeito aos direitos estabelecidos etc. Trata-se apenas de estatística que, parece-me, só por isso, não gerará mudanças na atitude do consumidor em comprar passagens. Este está interessado no preço cobrado (algo que está completamente fora de controle – voltarei a esse assunto em outro artigo), na existência de voos para onde lhe interessa e no dia e horário escolhidos (muitas vezes ele só tem uma opção) e não é porque haja atrasos estatisticamente estampados que ele decidirá comprar aqui ou ali. Como diria meu amigo Outrem Ego, após ler a Resolução, “Trata-se de conversa mole para boi dormir”.
Mas, veja que, tão logo entrou em vigor a norma (em 4 de junho passado), o  Procon de São Paulo foi fiscalizar as companhias aéreas, como se tivesse sido encontrada uma solução mágica para o problema da aviação civil no país e, como se, de fato,  agora haverá mais transparência da relações e como se isso, de per si, pudesse gerar competição entre as empresas do setor.
Deixarei meu amigo Outrem Ego narrar o que aconteceu com ele, dois dias depois, em 6 de junho, quando tentava embarcar com parte da família para a cidade de Juiz de Fora, saindo do aeroporto de Guarulhos. Leia:
“Iria passar o feriado em Juiz de Fora, visitando a família de minha mulher. E, como São Paulo provavelmente seja a cidade mais congestionada do mundo e ainda por cima era véspera de feriado, saí de casa às 14:45 para pegar um voo às 19:00. Demoramos, da avenida Pacaembu até o aeroporto de Cumbica, nada mais nada menos que uma hora e cinquenta e cinco minutos. Tudo bem. Chegamos, pegamos uma filinha que já estava formada à frente do balcão da Trip – a companhia aérea – e nos dirigimos à sala de embarque. Duas, na verdade: de uma primeira abarrotada de pessoas, quase não dando para se mexer e até respirar, fomos levados de ônibus para uma segunda também lotada. Era, então, 17:45. Perguntei algumas vezes se o voo estava no horário e sempre me responderam que sim. Aliás, no painel eletrônico estava cravado que o embarque estava próximo (‘Trip voo 5642 - Juiz de Fora – 19:00’).
O tempo foi passando, a sala esvaziando e somente nós da Trip Juiz de Fora por lá. Estava próximo o embarque. A cada pergunta a mesma resposta: ‘O voo está no horário’. Ok, pensei. Só que chegou 19 horas e nada de nós embarcarmos.
Só com muitos minutos de atraso é que nos colocaram num ônibus com destino à aeronave estacionada na pista. Embarcamos. E as cenas que se seguirão – embora num primeiro momento tenham feito a maior parte dos passageiros rirem – não foram nada engraçadas. O avião estava lotado. Passaram cinco, dez, vinte minutos e nada de ele sair do lugar e nem haver movimento nesse sentido. De repente, o piloto toma o microfone e anuncia: ‘Senhoras e senhores passageiros, aqui quem fala é o Comandante. O que tenho de falar é um pouco constrangedor... Nós não podemos voar porque não sabemos onde está o copiloto’. Todos riram, mas logo todos nos demos conta do imbróglio em que estávamos metidos. O Comandante prosseguiu para nos tranquilizar: ‘Anuncio que recebemos a informação de que o copiloto já está chegando ao aeroporto. Ele estava preso no engarrafamento’.
Passou uma hora e nada. O ar condicionado havia sido desligado e nós já suávamos bastante. A aeromoça surgiu com água para distribuir, avisando que o ar condicionado seria religado... Aproveitei e perguntei para ela do destino do copiloto. Por incrível que possa parecer ela disse: ‘Vou confessar a vocês. O copiloto que estava chegando não era o nosso. Era o daquela outra aeronave alí – e apontou para outro avião também parado na pista ao nosso lado. Nosso copiloto ninguém sabe onde está’
Algum tempo depois, quando já se percebia um certo vislumbre de reclamações, o Comandante retornou ao microfone para anunciar que agora sim o copiloto já se apresentara ao aeroporto e no máximo em quinze minutos chegaria ao avião. E que não valia a pena desembarcarmos para retornarmos logo depois. Todos concordaram, pois, afinal, já fazia  mais de uma hora que estávamos lá dentro.
Quinze minutos mais tarde surgiu o copiloto, muito aplaudido  -- sinal do desespero dos passageiros que olharam aliviados para o atrasado homem. Fomos para a pista, agora na fila de aeronaves,  e, uma hora e quarenta minutos de espera dentro do avião depois, levantamos voo. Pena que nossa via sacra não terminasse ali.
Com uma hora de voo, o Comandante nos avisou que o aeroporto de Juiz de Fora estava fechado e que estávamos indo para o aeroporto da Pampulha em Belo Horizonte, o que fez muitos de nós desconfiarmos que eles já sabiam do fechamento quando ainda estávamos em Guarulhos. Não explicaram também porque não fomos para o Galeão, muito mais perto do destino em Juiz de Fora.
Para completar o quadro de desinformação, antes de pousarmos na Pampulha a despreparada aeromoça leu o folheto de chegada no local, que soou como escárnio. Disse ela: ‘Bem vindos a Belo Horizonte. Esperamos que a viagem tenha sido confortável etc’.
No desembarque,  foi-nos informado que dois micro-ônibus e uma van nos esperavam para viajarmos cerca de trezentos quilômetros até Juiz de Fora. Aos que diziam que queriam pernoitar em Belo Horizonte e ir no dia seguinte (já que era mais de vinte e três horas e algumas pessoas estavam com seus filhos menores) era dito que não havia vagas nos hotéis. É mole? Véspera de feriado, milhares de pessoas saindo de BH e os hotéis lotados. Piada!(Mais uma).
Minha filha e eu fomos no micro-ônibus e, finalmente, às quatro e vinte da matina chegamos ao local de destino. Faltava arrumar um táxi, mas ele não demorou a chegar.”
Evidente que, se as condições meteorológicas não permitem o voo, se o aeroporto está fechado por questões climáticas etc, a companhia aérea nada pode fazer. Não é esse o ponto. A questão é essa da transparência e do direito do consumidor de receber prévias informações verdadeiras e precisas sobre as condições de embarque, transporte, escalas etc, do voo que irá empreender.
O episódio narrado por meu amigo Outrem Ego, com algumas variáveis semelhantes e também diferentes, é vivido diariamente por muitos usuários nos aeroportos brasileiros. Se a Agência reguladora quer mesmo que as companhias aéreas ajam com transparência no trato com seus clientes, ela deve, então, obrigá-las a dizer a verdade não só antes do embarque, como durante e depois. Infelizmente, a falta de informações e também a mentira descarada têm sido uma constante no atendimento dado pelas empresas aos consumidores.
Saber se aquele voo atrasou uma, duas ou mais vezes nos meses anteriores, fixada a informação numa tabela estatística entregue no ato da compra da passagem, não refresca a oprimida situação dos consumidores, que entregam sua sorte aos agentes aeroportuários, atendentes de companhias aéreas e demais funcionários. O que o consumidor que pretende embarcar num avião para qualquer destino quer saber e, aliás, tem direito a tanto, é se o voo sairá, se ele está no horário, se chegará ao destino programado, se as condições de voo são adequadas e, claro, é direito seu também ser conduzido por tripulação preparada, descansada, completa, receber tratamento condizente com a situação, receber em terra o atendimento devido com alimentação adequada, hospedagem quando necessário etc.
Isso sim é transparência e respeito ao direito dos consumidores. Por ora, penso que a citada Resolução não trará benefícios que digam respeito à transparência. Tudo indica que meu amigo tem razão: é mais colóquio flácido para acalentar bovino".

25/6/2012

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