quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

PRESO VIOLENTADO NO CÁRCERE - Ação Indenizatória


“PROCURADORIA GERAL DO ESTADO
   PROCURADORIA REGIONAL DE TAUBATÉ
PROCURADORIA DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA
                                     Pça. Cel. Vitoriano, 113 - Centro
                                      Cep - 12020-020 - Taubaté-SP

EXMO(A). SR(A). DR(A). JUIZ(A) DE DIREITO DA  VARA CÍVEL DA COMARCA DE TAUBATÉ:









J. L. C. X., brasileiro, solteiro, servente de pedreiro, portador do RG n. ........-SSP/SP, residente e domiciliado na Rua ...... nesta, pelo Procurador do Estado, que esta subscreve, no exercício das funções afetas à Defensoria Pública ( “ex vi” do art. 134 C.F. c.c. art. 10 da A.D.C.T. da Carta Paulista) por isso dispensado de apresentar instrumento de mandato por força do disposto no art. 16, parágrafo único, da Lei Federal nº 1.060/50, vem, fundamentado nos arts. 5º,X c.c. 37, §6º ambos da Constituição Federal e art. 100, V, “a”, § único, do C.P.C.,  intentar AÇÃO INDENIZATÓRIA em face da FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, com endereço para citação junto a Procuradoria Geral do Estado, sito na Av. São Luis, 99, 4º andar,  Centro, São Paulo-SP, lastreado nos motivos fáticos e jurídicos abaixo aduzidos:






“ Eram vinte e cinco homens. Eram vinte e cinco homens, entre uma porta de ferro, e úmidas e frias paredes. Eram vinte e cinco homens espremidos, empilhados, esmagados de corpo e alma, num cubículo onde mal caberiam oito pessoas. Eram vinte e cinco homens espremidos, empilhados, esmagados de corpo e alma, mais o desespero, o tédio, a desesperança e o tenebroso ócio, numa imunda cela onde mal caberiam oito pessoas. Eram vinte e cinco homens colocados no imundo cubículo para morrer. Para morrer aos poucos. Para morrer de forma que parecesse natural.  Para morrer. Para morrer sem feder. Para morrer sem estremecer as relações internacionais dos cidadãos contribuintes. Para morrer simplesmente”.
(PLINIO MARCOS)



MEMÓRIAS DO CÁRCERE...




A Justiça Penal foi implacável!

Pelo menos com o ora demandante, foi.

Por não ter tido recursos econômicos para adimplir uma mísera pena pecuniária que lhe foi imposta em decorrência de infração ao art. 32 da Lei das Contravenções Penais – que tipifica a conduta de dirigir sem habilitação – o autor viu essa coima ser convertida em 10 dias de detenção a pedido da Promotoria de Justiça, e, no infausto dia 16 de agosto de 1994, foi preso e despejado em uma das superpovoadas e infectas celas da cadeia pública local, iniciando-se, assim, a vingança pública que lhe penitenciou pela insípida violação às leis dos “homens livres”.

A cela era conhecida como “xadrez 04”. Ali não se encontravam criminosos que malbarataram o patrimônio público em privatizações obscuras, nem mesmo banqueiros que suprimiram, em meio à ciranda financeira, economias poupadas com sacrifícios de seus clientes. Também nunca nenhum congressista que vive a parasitar verbas orçamentárias em benefício próprio irá ali adentrar.

A cela, assim como os demais cubículos erigidos no sistema prisional do Estado, é destinada, apenas, àqueles que atentaram contra a sacrossanta propriedade privada, aos que ousaram manipular alucinógenas substâncias e aos que, por força de uma indesejada miséria, não tinham como pagar pena de multa por dirigir sem habilitação...

Havia 11 homens num espaço onde caberiam, no máximo, quatro pessoas.

O autor, desacostumado com o hostil e degradado ambiente “ressocializador” do cárcere –  jamais havia tido qualquer desventura mais séria com a Justiça – logo foi identificado como “novato” pelos demais condôminos daquele pestilento depósito humano.

Como “novato” num lugar onde as leis derivam da total ausência do Estado, teria que ser, ainda que forçadamente, “a noivinha da cela” naquela primeira noite de cárcere.

São os escopos “ressocializantes” do sistema prisional, cuja moral pragmaticamente estabelecida pelo descaso das autoridades estatais, centra-se no aforismo de que “afrontou a Lei tem que pagar!”, ainda que essa afronta se cristalize numa parca desobediência a uma tíbia figura contravencional, e ainda que seja primário o ofensor da Lei, deverá conviver com a barbárie vicejada por aqueles que estão há mais tempo – e mais visceralmente – mergulhados no perverso sistema punitivo.

Assim, mal apagaram-se as luzes do cárcere, o autor foi subjugado pelos condôminos daquelas pestilências, foi espancado, amarrado, prenderam um cinto em seu pescoço, e encostaram uma navalha em sua garganta, amordaçaram sua boca e o submeteram a uma série de coitos anais, a felações e a inefável sorte de misérias que se estendeu, ininterrupta, pelo resto da noite daquele infausto dia onde a Lei dos “homens livres” foi aplicada.

Só cessaram a sessão de canhestras orgias à desoras, quando saciada a lascívia do ócio e do esquecimento.

No dia seguinte, relatados os horrores penitenciais a parentes, estes, mais sensíveis do que os servidores estatais que deveriam, em tese, preservar a incolumidade física dos encadeados, angariaram, através de rateio, a quantia necessária para adimplir a coima, cuja soltura só se deu dois dias após essas pungências e quando já transferido de cela pelos agentes estatais encarregados de preservar a “ordem” no cárcere.

Foi assim - assim mesmo! - que o autor sofreu sua penitência em função da ínfima violação a uma comezinha e inerme figura incrustada na lei das contravenções penais.

Não se sabe se com seu castigo a sociedade dos “homens livres” se apascentou mais um pouco...Só se recorda o autor que em meio ao horror dos violentos coitos tentou suplicar pela ajuda divina. Quimérico rogo! Assim como a decência, Deus estava bem longe dali.
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AS CAUSAS:


“Ninguém ignora que todas as leis devem ser cumpridas: a lei que descreve as circunstâncias elementares constitutivas do fato criminoso e a resposta estatal a esta realização; a lei que regulamenta o processo válido. Apurador da autoria e da materialidade delituais, e a lei que prescreve o modo como e o lugar em que se concretizará, no caso de uma condenação, a execução penal.
Ninguém ignora que, respectivamente, faz-se referência ao Código Penal, ao Código de Processo Penal e à Lei de Execução Penal.
Na exatíssima projeção fática da tipicidade e na atenção às demarcações quantitativa e qualitativa da pena, exige-se o mais severo respeito ao Código Penal. O Estado cumpre a lei.
Reverencia-se com religiosidade um processo penal a desenvolver-se sob o império intocável do contraditório. O Estado cumpre a lei.
Compactua-se, contudo, com acintosa afronta à lei de execução penal (e à Constituição), ao ser admitida a submissão dos condenados à pena privativa de liberdade nas cadeias públicas. O Estado descumpre a lei ( e a Constituição).
(RUI CARLOS MACHADO ALVIM)
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“Tem-se inocentado demais o Estado...”
(AMARO CAVALCANTI).

Consoante relatório sobre a situação dos Direitos Humanos no Brasil, elaborado pela Comissão de Direitos Humanos da O E A – Organização dos Estados Americanos - em meados de 1997, “em 1994, um censo oficial indicou que dos 297 estabelecimentos penais existentes no Brasil, 175 se encontravam em situação precária e 32 em construção”.

 A população carcerária, na época, girava em torno de 130 mil presos, dos quais 96, 31% eram homens e 3,69% mulheres.

Quanto aos motivos da detenção, tal relatório enfatizava que 51% dos presos haviam cometido furto ou roubo, 17% homicídio, 10% tráfico de drogas e o restante outros delitos, acentuando a notícia de que 95% dos presos eram indigentes e 97% analfabetos ou semi-analfabetos segundo os parâmetros estabelecidos pela ONU para aferir o nível de desenvolvimento humano e cultural. ( pág. 61 da edição divulgada no Brasil pela Secretaria Geral da OEA).

Continua  o documento a  consignar que “a capacidade das penitenciárias brasileiras está estimada oficialmente em 51.639 vagas. Isso significa que, com um universo de 130 mil internos, existe atualmente um déficit de cerca de 75 mil vagas e que cada vaga atual está sendo ocupada por 2,5 presos em média. Essa falta de espaço, o amontoamento e a superpopulação foram constatados pela Comissão sobretudo na visita a Casa de Detenção do Carandirú e ao 3º Distrito Policial da cidade de São Paulo. Um funcionário policial deste último centro afirmou que a delegacia era um verdadeiro “depósito de presos”. É tamanha a superpopulação e a promiscuidade ali existentes que a Comissão pode comprovar que em um espaço de três metros por quatro ( 12 m2), destinados a alojar seis presos, se alimentavam e dormiam, sem leitos, nem qualquer comodidade por mínima que fosse, muitas vezes sentados ou em pé por falta de espaço, quase 20 presos. O pátio central, a que esta Comissão teve acesso, oferecia um quadro impressionante, com presos de pé, sujos e seminus ocupando praticamente cada centímetro de sua superfície. Era tal a falta de espaço que, para que os membros da Comissão pudessem se movimentar e conversar com os detentos, eles tinham de se comprimir para abrir caminho. Segundo se informou à Comissão, esse pátio serve de moradia para muitos deles, que dormem amontoados, às vezes sentados, de pé ou até pendurados nas grades, expostos à chuva e às intempéries. Alguns presos mostraram ferimentos nas pernas, causados pela posição em que eram obrigados a dormir no chão.

Chamou especial atenção da Comissão o fato, confirmado pelo censo penitenciário, de que, como consequência da falta de estabelecimentos penais e de espaço dentro destes, 48% dos presos judicialmente condenados cumprem pena nas cadeias dos distritos policiais, que são prisões de caráter provisório ou de trânsito, o que implica que muitas vezes detentos simples, suspeitos ou primários são colocados juntos com outros condenados por graves delitos, o que constitui, como se verá mais adiante, uma aberta violação das normas internacionais, e acarreta graves prejuízos para certas categorias de presos”. ( mesma obra, pág. 62).

Tanta desgraça não sufocou a acanhada conclusão estampada pelos vedores internacionais em meio ao dito documento de que ” as penitenciárias brasileiras não estavam cumprindo bem sua função ressocializante”.

Exatamente nesse ambiente cronicamente enfermiço que o autor, só por ter violado uma insignificante figura contravencional , foi despejado em meio a outros detentos, abandonados nos subterrâneos do sistema prisional.

Como visto, ali violaram sua honra e ceifaram sua dignidade como adorno ao castigo que lhe foi imposto, sem maiores conjeturas, pelos órgãos repressivos do Estado.

Por ser simplesmente mais um “João”  encadeado no patíbulo, os órgãos persecutórios estatais não se preocuparam em tentar antever as absurdas consequências da severa coima.

Sequer cumpriram a lei no que tange a execução da pena que foi tributada ao demandante. Para que? Era mais um “João”!

 Aqui, a primeira falta do Estado a patentear sua imensa responsabilidade pelo sucedido.

Mesmo à época em que os fatos se consumaram, a Lei determinava que se  tentasse exaurir o procedimento executivo comum, com possibilidade de penhora dos bens do devedor, antes de converter-se a pena de multa em detenção. Bastava aos órgãos repressores analisarem o § 1º do art. 164 da Lei de Execuções Penais antes de relegar o autor à sua triste sina.

Mas era mais um “João” a ser despejado no fétido patíbulo...

De tão insueta e atentadora aos objetivos conclamados pela própria Lei de Execuções Penais, o instituto da conversão da multa em detenção foi extinto alguns anos após a ocorrência do evento que aqui se tenta revivescer.

Hoje, a pena pecuniária não mais sujeita o condenado à reversão da privação de sua liberdade. Ela se converte em título da dívida pública para ensejar oportuna execução, por quantia certa,  em face do devedor.

Mais um dado a denotar o erro e a inconsequência dos órgãos repressórios do Estado.

Mais há erros outros, mais graves.

Se nossos neoliberais governantes, que nada atentam para a valorização da pessoa humana, se preocupassem menos em vilipendiar a Constituição, em alterá-la e retalhá-la em função dos exclusivos interesses dos Fundos Monetários Internacionais da vida e, ao invés, cumprissem seus mandamentos, talvez vivêssemos em um país livre, justo e solidário, ( art. 3º,I, C.F.), onde fosse efetivamente garantido o desenvolvimento nacional ( inc. II, mesmo artigo), onde a miséria já tivesse sido pelo menos amenizada ( inc. III) e onde existisse a real e sincera promoção do bem de todos, sem qualquer espécie de discriminação ( inc. IV) para, enfim, jamais ocorrer a qualquer de seus habitantes a bizarra pungência que recaiu sobre o autor.

Como vimos, o demandante foi punido de maneira cruel num país onde penas cruéis são constitucionalmente proibidas ( art. 5º, XLVII, “e”, C.F.).

Foi ele despejado no seio de um amontoado humano, circunscrito à quatro paredes imundas e sobrecarregadas de recrudescências, para se ver escoimado por  uma parca e inofensiva infração normativa num país onde as penas deveriam ser cumpridas em estabelecimentos distintos, sempre observadas a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado ( art. 5º, XLVIII, C.F.).

Foi violentado em sua honra e intimidade, vilipendiado no conveniente abandono do cárcere, num país onde se entorna a promessa constitucional de respeito à integridade física e moral do preso ( art. 5º, XLIX, C.F.).

Foi, enfim, conduzido aos rigores da cela, da mesma forma como almocreves alojam o gado no redil, num país que ostenta, dentre seus princípios fundamentais,  a prevalência dos Direitos Humanos ( art. 4º, II, da C.F.).

Note-se que como condenado, cativo da Justiça, portanto,  detinha o autor o direito de ser penalizado “em condições para a harmônica integração social”. ( art.1º da LEP) e ver assegurados “todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”. ( art. 3º do mesmo diploma normativo).

Ainda segundo a LEP o autor, como cativo da Justiça, deveria ser alojado em cela individual, com dormitório, aparelho sanitário e lavatório, em ambiente com requisitos básicos de salubridade pela concorrência de fatores de areação, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana e área mínima de 06 metros quadrados. ( art. 88).

Jamais poderia ter sido depositado, como o foi, em cadeia pública ( art. 102, LEP), que são destinadas – tão só no espírito da norma – para os presos provisórios.

Essa extensa relação da sistemática afronta estatal a princípios básicos titularizados pelos condenados do sistema prisional, deixa transparecer bem a abismal dimensão da responsabilidade do Estado pelos nefastos sucedimentos dos quais o autor foi vítima, cuja culpa e malefícios, foi magistralmente delineada por  RUI CARLOS MACHADO ALVIM, em estudo intitulado “A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E A CADEIA: UM CASO DE INCOMPATIBILIDADE DE GÊNEROS”, “in” Revista PGE/SP, pág.229 e seguintes, que assim se expressou sobre o tema em questão:

“A persistência em que a pena celular continue a efetivar-se nas cadeias públicas e nos cárceres distritais mostra-se também de segurança fictícia, à medida que a degradação máxima, material e moral, das condições ali existentes, longe de reinstalar o egresso na bitola do convívio social – resultado que decorreria da seriedade do programa penitenciário ou, quando menos, de uma vida intramuros minimamente decente – provoca-lhe uma mudança negativa, convertendo-se de criminoso em besta incontrolável: ninguém suporta incólume tanta desgraça.

(...) O descaso, por parte do Estado, a tantos dispositivos legais e constitucionais e sua  indiferença à condição carcerária dos sentenciados que se apinham nas cadeias públicas e nos cárceres distritais não poderia ficar social, política, humanitária e moralmente intangível: com sistemática e aterradora regularidade retumbam daqueles lugares horrores inomináveis: o sorteio de presos, eleitos para morrer, numa forma desesperada de pressionar as autoridades à solução, como houve em 85, no depósito de presos da Lagoinha, em Belo Horizonte, e como aconteceu em abril de 90, na Cadeia Pública de Santo André, um macabro ritual que, de uma hora para outra, ameaça repetir-se; o homicídio coletivo praticado por policiais nas dependências do 42º Distrito Policial de São Paulo, no último carnaval: os apelos, em quase todas as cadeias, dos atingidos pela tuberculose, pela aids, pela hepatite, e de seus companheiros de cela, aqueles, por socorro e tratamento, estes, pelo isolamento daqueles...
Será preciso mais?”

Infelizmente, para o autor, foi!

Em que pesem as contínuas advertências feitas muito antes pelo nobre jurista, e por outros, que há muito vêm se debatendo nessa inglória luta pela dignidade da pessoa humana nesta pátria, o Estado não se sensibilizou com nada. Nem com as roletas russas a detonar vidas e vagas no sistema prisional, nem com o caos em que vivem lá seus cativos, nem mesmo com a periculosidade das azêmolas em que se transformaram os homens despejados e esquecidos na cela 04 no fatídico dia em que o autor ali adentrou para remir sua “culpa”.

Advertências ignoradas pelos feudatários do neoliberalismo. Advertências inauditas; tal qual os brados que ROBERTO LYRA, desde a década de 30, entoava no seio de seu “Projeto de Código Penitenciário”:

“Bandidos? O Estado deve imitá-los? Se continuar a fazê-lo, quem sofrerá os efeitos? O próprio Estado que os causou. Antes do castigo, o abandono. Depois, o abandono.
(...) Aliás, as durezas, de que os caturras fazem questão para os outros, constituiriam matéria para o Código Penal. Que querem mais? Matar, retalhar o cadáver, exibir os pedaços na esquina, amaldiçoar o sangue? A justiça só terá tranquilidade e segurança para punir quando a execução das penas que ela aplica não for mais criminosa do que o crime”.


 A HONRA:



A partir de uma incipiente posição ossificada e conservadora, onde se relutava em aceitar-se a viabilidade do pleito de reparação por danos morais, a jurisprudência pátria, com suporte em sucessivas interpretações sistemáticas do ordenamento jurídico, veiculadas por notórios doutrinadores, evoluiu seu renitente posicionamento para hodiernamente sedimentar o entendimento que acena para a plena reparabilidade dos prejuízos emergentes dos danos imateriais, independentemente da existência de reflexos patrimoniais do evento.

Com efeito, tendo-se como premissa os objetivos reparatórios ou simplesmente penalizantes de tal modalidade de indenização,  a verdade é que essa assertiva tem sido sucessivamente esposada por vários arestos oriundos dos mais graduados Tribunais do país, como, por exemplo, o emitido pela 3ª Turma do STJ no julgamento do Rec. Esp. nº 7.072, onde ficou assentada pelo Min. CLAUDIO SANTOS em sua vencedora declaração de votos, a orientação, abaixo transcrita,  que sintetiza bem a evolução pretoriana sobre a matéria:

“A idéia de que o dano simplesmente moral não é indenizável pertence ao passado.
Na verdade, após muita discussão e resistência, acabou impondo-se o princípio da reparabilidade do dano moral.
Quer por ter a indenização a dupla função reparatória e penalizante, quer por não se encontrar nenhuma restrição na legislação privada vigente em nosso país. Ao contrário, nos dias atuais, destacáveis são os comandos constitucionais quanto ao agravo através dos meios de comunicação e à violação da intimidade, respectivamente estabelecidos nos incisos V e X, do Art. 5º da Constituição da República.
(...) O nosso envelhecido Código Civil de 1916, aliás, em seu conhecido art. 159, já não estabelecia limitação à obrigação de indenizar ante a violação de qualquer direito, admitindo, em seu art. 76, o interesse meramente moral para a propositura da ação. A propósito, CLÓVIS BEVILACQUA, intérprete de justo prestígio da Lei civil brasileira, lecionava: “Se o interesse moral justifica a ação para defendê-lo, é claro que tal interesse é indenizável, ainda que o bem moral não se exprima em dinheiro. É por mera necessidade dos nossos meios humanos, sempre insuficientes, e, não raro, grosseiros, que o Direito se vê forçado a aceitar que se computem em dinheiro o interesse de afeição e outros interesses maiores”. ( “Código Civil Comentado”, vol. 1, comentário ao art. 76).
Vitoriosa, assim, na doutrina e no direito positivo bem como na jurisprudência, é a tese do ressarcimento do dano moral”. ( Acórdão publicado na AASP nº 1711, p. 250, em 1991).

Outro exemplo dessa linha evolutiva que hoje predomina na jurisprudência se extraí do julgamento emitido sobre a matéria pelo 2º Grupo de Câm. Cíveis do Tribunal de Alçada do Estado do Rio de Janeiro, em acórdão da lavra do Juiz SEVERO COSTA, proferido no julgamento de Embargos Infringentes na Apelação n. 44.186, inserido na obra sobre “Jurisprudência da Responsabilidade Civil” compilada por R. LIMONGI FRANÇA, pág. 35/40, onde cunhou-se a seguinte ementa:

“RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE FERROVIÁRIO - INDENIZAÇÃO PLEITEADA POR PAI DE VÍTIMA - DANO MORAL - REPARAÇÃO - AÇÃO PROCEDENTE - FIXAÇÃO - CORREÇÃO MONETÁRIA .
- Todo e qualquer dano causado a alguém, ou seu patrimônio, deve ser indenizado, de tal obrigação não se excluindo o mais importante deles, que é o dano moral, que deve autonomamente ser levado em conta.
O dinheiro possui valor permutativo, podendo-se, de alguma forma, lenir a dor com a perda de um ente querido pela indenização, que representa também punição e desestímulo do ato ilícito.
Impõe-se a indenizabilidade do dano moral para que não seja letra morta o princípio “neminem laedere”.

Esses posicionamentos pretorianos podem ser ainda confirmados em inúmeros outros arestos, contidos na RJTJESP 18/108; 14/182, JTACSP 123/156; 111/142 e RT 614/120, bem como, em manifestações do Colendo Supremo Tribunal Federal insertas na RTJ 39/38, 39/67; 103/1.315 e 104/1.276, dentre outras fontes.

As provas incontestes dos malefícios morais experimentados pelo autor estão corporificadas nas cópias do Proc. Penal. Nº 1.456/94 ( docs. 1 a 64, anexos), que apurou, naquela seara jurisdicional, os lamentáveis fatos aqui revivescidos.

O nexo causal entre a conduta delituosa da administração pública no trato de seus cativos e os inegáveis danos à honra do ofendido estão, assim, claramente denotados em tais documentos.

A responsabilidade do Estado, calcada na teoria do risco administrativo, encontra-se sedimentada no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, que se constituiu no esteio do sistema da responsabilidade objetiva dos órgão públicos,  a impor a reparação dos danos emergentes do malsinado evento  independentemente da comprovação da  culpa dos agentes administrativos, coisa que neste caso é totalmente despicienda face a clamorosa responsabilidade estatal pelas imerecidas pungências vivenciadas pelo demandante.

Infere-se, destarte, que  o direito à indenização por danos morais titularizado pelo demandante é inquestionável sob o pálio não só das diretrizes jurisprudenciais, supra citadas, como, também, da garantia consagrada no já mencionado inciso X do art. 5º da Constituição Federal, que sedimentou em sí toda a tendência pretoriana que informava a matéria.

Restá-nos, agora, estabelecer os critérios para a estipulação  do “quantum” inerente a vindicada reparação, a ser feita por arbitramento judicial, consoante preconiza o Art. 1.553 do Estatuto Material Civil.


A LENIÊNCIA:

Já foi frisado que a teoria da reparabilidade do dano moral não visa  a alcançar o enriquecimento ilícito às custas da dor sofrida em decorrência da supressão ou lesão de um dos atributos da personalidade humana. Isso, por imoral, seria inadmissível.

Todavia, salienta-se, neste passo, que o objetivo almejado pelo demandante encontra-se na busca da necessária penalização contra o causador do absurdo evento do qual, imerecidamente,  foi vítima.

Tal objetivo deve, pelo Juiz e só por ele, ser contemplado à luz da equanimidade e a par de critérios que, além de uma solução ponderada, consigam satisfazer o dogma constitucional da mais completa indenização.

Não são  ignoradas pelo autor as dificuldades práticas para se estabelecer o montante indenizatório. Porém, não consegue ele  esquecer da força motriz que o impulsiona, cingida na busca de um “quantum” reparatório que sirva como fator de desestímulo, para que malefícios como os aqui retratados não mais ocorram.

Frente à essas dificuldades,  doutrina e jurisprudência criaram fórmulas práticas, extraídas de casos semelhantes , e que servem como diretrizes ao juiz no momento do arbitramento do “quantum” indenizatório.

CARLOS ALBERTO BITTAR,  dentre outros,  nos dá a idéia da natureza desses critérios ao enunciar que: “para auxiliar o trabalho dos magistrados, certos parâmetros e certos critérios têm sido ideados e, mesmo, sufragados em decisões judiciais e em textos de Lei. (...). Referem-se eles à reparação, ao correspondente modo e ao alcance da indenização, tanto quando pecuniária, como quando pessoal a fórmula adotada na decisão judicial. (...). Descrevem-se, então, como parâmetros, certas linhas diretivas, retidas na análise fática, tais como o comportamento das partes, as correspondentes posições econômicas, a intensidade do dano e fatores outros que, apontados na doutrina, encontram guarida em certas codificações, como a portuguesa”.

Diante dessas premissas, arremata apontado civilista: “em consonância com essas diretrizes, a indenização por danos morais deve traduzir-se em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que se não aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo advindo...”

...”Consubstancia-se, portanto, em importância compatível com o vulto dos interesses em conflito, refletindo-se de modo expressivo, no patrimônio do lesante, a fim de que  sinta, efetivamente, a resposta da ordem jurídica aos efeitos do resultado lesivo produzido. Deve, pois, ser quantia economicamente significativa, em razão das potencialidades do patrimônio do lesante”. ( “Reparação Civil por Danos Morais”, RT, 1993, págs. 215/220).

Em face desses parâmetros, poderíamos apontar vários exemplos de arbitramento judicial em indenizações por danos morais, cuja característica predominante é a sensível variação de critérios para a fixação dos valores de acordo com a condição social da vítima. Se pobre, os valores são menores dos que aqueles apurados quando o lesado provém de classe social mais elevada.

Essa oscilação, tem motivado muitas críticas ao comportamento do Judiciário quando chamado a atuar em tais questões. Críticas como a emitida por GALENO LACERDA em monografia intitulada “INDENIZAÇÃO DO DANO MORAL”, publicada na RT 728/ 94.

O  processualista gaúcho, nesse estudo, após pontificar que o objetivo da indenização do dano moral é proporcionar à vítima um “status” material diferenciado de conforto, minimizando a dor através de um equivalente pecuniário que contrabalance o sofrimento, salienta  que a elaboração teórica acerca da questão não tem impedido que os valores das indenizações estejam sendo arbitrados sem qualquer relação uns com outros, produzindo a impressão de uma incômoda falta de norte a respeito do tema.

Assim, relata alguns leading cases, como, por exemplo, “o do Desembargador gaúcho que recebeu 1.000 salários mínimos porque figurou indevidamente numa lista de aponte para protesto publicada em jornal (...) e outras situações, como a do jovem de 18 anos preso por dois meses por engano, que mereceu apenas 10 salários mínimos pelo injusto sofrimento. ( decisão da 1ª Vara de Santa Maria - Zero Hora, 19.03.1993, p. 63)”. ( op. cit., p. 94/95).


Todavia, para imprimir a necessária coesão e justiça no momento da estipulação judicial do “quantum” reparatório, o apontado jurista sugere uma diretriz que, por ser a mais condizente com os objetivos reparatórios e penalizantes do pleito, fica aqui adotada.

Com efeito, preleciona GALENO LACERDA que o direito civil pátrio contém um sistema de quantificação do dano, onde se incluí o dano moral.

"Destarte, obrigatoriamente teremos “de concluir que o arbitramento previsto no referido art. 1.553 C.C., para casos omissos, haverá de ter os patamares valorativos dos casos expressos na lei como referencial necessário, até porque o direito não pode ser visto como um universo de compartimentos estanques, incomunicáveis entre sí.

"Importa, pois, expressar em valores o paradigma indenizatório do Código Civil para o caso de exclusivo dano moral, previsto no art. 1.547, que reza: “A indenização por injúria ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido. Parágrafo único: Se este não puder provar prejuízo material, pagar-lhe-á o ofensor o dobro da multa no grau máximo da pena criminal respectiva”.

"A norma remete ao direito penal, onde o tema da quantificação, por óbvio, preocupou muito antes - e muito mais - os juristas. As últimas reformas do Código Penal, especialmente a da Lei 7.209/84, trouxeram considerável avanço relativamente a este ponto, da quantificação, ajustando o valor da multa à capacidade econômica do réu.

"Para tanto, a busca do “quantum” passou a ser uma operação genérica ( daí a previsão dela na parte geral do CP), superando a previsão particularizada de valores para cada um dos tipos penais tradicionalmente utilizada no direito criminal brasileiro.

"Então, o máximo da pena de multa que, em tese, poder-se-á, no sistema atual do CP, atribuir a qualquer delito, inclusive calúnia ou injúria, paradigma da lei civil ( art. 1.547) é de 5.400 salários mínimos, valor que se obtém seguindo o roteiro legal, senão vejamos:

"O art. 49 do CP diz que a multa máxima corresponderá a 360 dias-multa. E o valor máximo do dia-multa, diz o § 1º, daquele artigo, é cinco salários mínimos. Então, 360 X 5 = 1.800 salários mínimos.

"Mas o art. 60, § 1º do mesmo CP salienta que “a multa pode ser aumentada até o triplo, se o juiz considerar que, em virtude da situação econômica do réu, é ineficaz, embora aplicada no máximo”.

"Então, a multa máxima do Código Penal para qualquer delito, inclusive injúria e a calúnia, repita-se, é de 5.400 salários mínimos.

"E como o art. 1.547, parágrafo único, do Código Civil, prevê o dobro da pena pecuniária criminal, chega-se a um total máximo, no cível, de 10.800 salários mínimos.

"Vale dizer, em se tratando de um réu muito rico, que cometa o delito de calúnia ou injúria contra alguém, poder-se-á chegar, mediante simples aplicação do roteiro da lei, a uma indenização pelo dano moral de até 10.800 salários mínimos”. ( op. cit., págs. 95/96, grifei).

Esses critérios, que pela justiça que lhes inspira, seguem, aqui, adotados,  foram delineados, como se percebe, no teor do art. 1.547 do Código Civil, alusivo ao delito de injúria ou calúnia.

Ficou, de outra parte evidente nos autos, que a penitência  excessiva e injustificada sofrida pelo autor  quando do evento já noticiado, extrapolou, em muito, os limites dos delitos contra a honra, de forma a resplandecer, a primeira vista, que tais critérios, ante ao conteúdo do art. 1.547, não teriam aplicação sobre este caso.

Todavia, o art. 1.550 do mesmo código é preciso ao ordenar que “A indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido, e no de uma soma calculada nos termos do parágrafo único do art. 1.547”.

Infere-se, portanto, que embora taxado de vetusto, o nosso código civil consegue, ainda, concentrar solução precisa para a plena solvência do caso em epígrafe.

Pois bem! Levando-se em consideração os critérios supra estabelecidos, e jamais olvidando da gravidade das ofensas morais impingidas ao autor  por atos incompreensivelmente brutais perpetrados quando a mercê e responsabilidade do Estado, que deveria dar o exemplo, como frisado, de respeito aos direitos humanos; considerando-se, ainda, o objetivo maior deste pleito, que é o de evitar que novas barbáries se repitam, fica aqui vindicado, como sendo suficiente e adequado à reparação das pungentes dores experimentadas pelo autor, a quantia equivalente a 10.800 salários mínimos, valor que adere bem não só a situação econômica e reincidente da ré como, também, a teratológica gravidade dos atos consumados por seus agentes.


O PEDIDO:



ISTO POSTO, requer a citação da ré, via precatória e junto ao endereço referido no preâmbulo, para, querendo, oferecer resposta, sob pena de revelia, devendo, a final, ser JULGADO PROCEDENTE O PEDIDO para condená-la a pagar ao autor indenização por danos morais no valor de 10.800 salários mínimos, equivalentes, hoje, à quantia de R$ 1.404.000,00 ( Hum milhão, quatrocentos e quatro mil reais).


 Requer, outrossim, os benefícios da assistência jurídica, por ser pessoa pobre na acepção jurídica do termo.

 Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, notadamente com os documentos que instruem a presente, que atestam de maneira ampla a patente responsabilidade da ré,  e todos os necessários ao deslinde da questão.

 Com amparo no art. 128, I da Lei Complementar Federal n. 80/94 c.c. art. 5º, § 5º, da Lei n. 1.060/50, requer que este Defensor Público ou quem faça às suas vezes, seja pessoalmente intimado de todos os atos praticados no feito, contando-se-lhe em dobro  os respectivos prazos.

Dá-se à causa o valor de R$ 1.404.000,00 ( Hum milhão, quatrocentos e quatro mil reais).


  Taubaté, Janeiro de 1999.







                             WAGNER GIRON DE LA TORRE

  PROCURADOR DO ESTADO

                                         DEFENSOR PÚBLICO

                                                                   OAB/SP 91.971 “







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