Seqüestro Internacional de Crianças
Sede da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado
Em situações de normalidade, as escolhas que definem o trato e a criação de quaisquer crianças são atributos inerentes aos pais, a quem cabe, em paridade, o exercício do poder familiar em relação aos filhos. Ocorrendo divergências quanto aos rumos que devem ser dados à vida destas crianças e adolescentes, o Poder Judiciário deve ser acionado.
Com efeito, em tais situações os conflitos paternos configuram lides que, em Estados de Direito, devem ser levadas à apreciação do Poder Judiciário, uma vez que vedados a autotutela e o exercício arbitrário das próprias razões.
Nesse contexto, há muito tempo, os atores da comunidade internacional conviviam com conflitos causados por pais que, visando exercer com exclusividade o direito de guarda e tentando suprimir a influência do outro genitor sobre a prole comum, transferiam os filhos para outros países, onde, distorcendo os fatos, logravam decisões judiciais que conferiam aparência legal às situações ilícitas criadas, sepultando permanentemente os direitos do genitor ludibriado.
Assim, a efetividade da justiça, aliada ao princípio do interesse superior da criança, serviu de mote para que se firmasse, em 1980, na cidade da Haia, a Convenção sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças, cuja natureza é de norma-quadro de cooperação jurídica internacional, justamente por estabelecer obrigações recíprocas entre os Estados-Partes.
A cooperação jurídica internacional visa, a partir do trabalho conjunto dos Estados, impedir, por exemplo, que um simples transpor de fronteiras ou a permanência irregular em território estrangeiro torne determinado indivíduo inacessível ao Poder Judiciário. Para fazer frente aos desafios próprios de um mundo globalizado, é crescente o esforço dos sujeitos de Direito Internacional no sentido de celebrarem tratados que sirvam de base jurídica para a prestação de auxílio jurídico recíproco. Com a cooperação interjurisdicional, um Estado (o Estado requerido) pode funcionar como longa manus de outro (o Estado requerente), adotando providências em proveito e no interesse deste último, garantindo que se dê efetividade à justiça.
Um dos aspectos principais da Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças é o mecanismo criado para evitar que as dificuldades impostas pelas fronteiras estatais consolidassem a situação de retenção ilícita da criança. Desse modo, estabeleceu, em linhas gerais, que o foro competente para apreciação de questões sobre a guarda de menores é o correspondente ao local onde eles possuem residência habitual; que a retirada das crianças dos países de residência habitual sem autorização do co-detentor do direito de guarda é considerada ilícita e exige a reparação pelos Estados envolvidos; e, que as decisões obtidas em ações de guarda manejadas para dar aparência ilícita à subtração do menor não podem influir nos processos de restituição da criança ao país de origem.
Percebe-se que, ao objetivar que as relações parentais sejam exercidas dentro da legalidade e que os vínculos familiares não sejam quebrados por atitudes unilaterais de qualquer dos pais, a Convenção da Haia nada mais fez do que proteger os melhores interesses de crianças e preservar a dignidade que a condição humana lhes garante.
Por tudo isso, a Convenção da Haia estabeleceu que os Estados-Parte devem cooperar entre si com o objetivo de restituir ao país de residência habitual toda e qualquer criança que tenha sido objeto de retenção ou transferência internacional ilícitas, isto é, quando há violação do direito de guarda de um dos genitores ou de qualquer outra pessoa ou instituição responsável pelo menor (artigo 3º).
Conforme definição do artigo 5º da citada Convenção, o "direito de guarda compreenderá os direitos relativos aos cuidados com a pessoa da criança, e, em particular, o direito de decidir sobre o lugar da sua residência".
Note-se que o pedido de restituição é cabível não só nos casos em que a guarda esteja sendo exercida de forma exclusiva por um dos genitores, mas também, quando tal direito esteja sendo exercido de forma compartilhada - quer seja na vigência de uma relação conjugal, quer seja em situação de separação do casal - em razão de normas do ordenamento jurídico do país de residência habitual, por decisão judicial ou, ainda, por acordo celebrado entre os genitores.
Importante ressaltar, porém, que o direito de guarda, exclusivo ou compartilhado, deve estar sendo efetivamente exercido no período imediatamente anterior à subtração ou retenção ilícita. Além disso, cabível a restituição da criança ao local de residência habitual sempre que aquele que estiver requerendo tal medida seja titular de "direitos relativos aos cuidados com a pessoa da criança" e/ou detenha o "direito de decidir sobre o lugar da sua [da criança/adolescente] residência".
Ademais, embora a Convenção presuma que o retorno da criança/adolescente ilicitamente transferido ou retido em local diferente daquele de sua residência habitual seja a medida que melhor atende aos interesses das crianças (art. 227, CF/88), o próprio texto convencional estabelece expressamente algumas exceções a sua aplicação, como a comprovação de riscos físicos ou psíquicos graves a criança caso seja determinado seu retorno ou a verificação de que a criança atingiu idade e grau de maturidade que possibilitem a consideração de suas opiniões e ela manifeste a vontade de não retornar. A aplicação dessas exceções é, todavia, restrita e deve ser analisada a luz das circunstâncias apresentadas pelo caso concreto.
PROCEDIMENTO NO BRASIL
Tendo o Brasil aderido à Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças e incorporado-a ao ordenamento jurídico interno por meio do Decreto 3.413/2000, fica evidente a obrigação jurídica do Estado brasileiro de adotar todas as medidas necessárias para promover a restituição ao país de residência habitual dos menores ilicitamente trasladados para ou retidos no território nacional.
Internamente, os procedimentos para restituição de crianças têm início com a chegada de solicitação formulada pelo Estado de residência habitual da criança.
Após o recebimento do pedido pelo Estado brasileiro, estando presentes os requisitos administrativos para admissão do requerimento, a Autoridade Central brasileira - a Secretaria Especial dos Direitos Humanos - SEDH - busca solucionar a questão de forma amigável.
Havendo resistência na restituição amistosa da criança, a Autoridade Central brasileira encaminha o caso à Advocacia-Geral da União para análise jurídica e eventual promoção da ação judicial cabível.
Depois de proposta a demanda judicial, sobrevindo uma decisão favorável à restituição da criança ao país de origem, a Advocacia-Geral da União e a Secretaria Especial dos Direitos Humanos envidam esforços, junto à Justiça, para que uma série de precauções sejam adotadas, de modo a garantir a higidez física e psicológica do menor e um traslado seguro durante o retorno ao país de residência habitual.
QUADRO ATUAL E PERSPECTIVAS
Atualmente, tramitam perante a Justiça nacional inúmeros processos judiciais, nos quais a União, representada por sua Advocacia-Geral, busca a restituição de menores ilicitamente trazidos para ou retidos no território brasileiro. Além disso, a União tem participado, na condição de assistente do autor, de demandas de busca, apreensão e restituição movida por particulares, desde que cumpridos certos requisitos.
Por outro lado, a Autoridade Central brasileira informa que de 2003 a 2009 o Brasil recebeu, de outros países, 210 (duzentos e dez) pedidos com base na Convenção e enviou, a outros países, 82 (oitenta e dois) pedidos sobre o tema.
Considerando-se as facilidades oferecidas pelo mundo globalizado, seja no que diz respeito à comunicação, seja quanto ao trânsito internacional de pessoas, além da difusão do conhecimento sobre a Convenção, pode-se dizer que é certo o crescimento do número de casos do gênero nos próximos anos. As estatísticas confirmam essa tendência.
Com efeito, em tais situações os conflitos paternos configuram lides que, em Estados de Direito, devem ser levadas à apreciação do Poder Judiciário, uma vez que vedados a autotutela e o exercício arbitrário das próprias razões.
Nesse contexto, há muito tempo, os atores da comunidade internacional conviviam com conflitos causados por pais que, visando exercer com exclusividade o direito de guarda e tentando suprimir a influência do outro genitor sobre a prole comum, transferiam os filhos para outros países, onde, distorcendo os fatos, logravam decisões judiciais que conferiam aparência legal às situações ilícitas criadas, sepultando permanentemente os direitos do genitor ludibriado.
Assim, a efetividade da justiça, aliada ao princípio do interesse superior da criança, serviu de mote para que se firmasse, em 1980, na cidade da Haia, a Convenção sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças, cuja natureza é de norma-quadro de cooperação jurídica internacional, justamente por estabelecer obrigações recíprocas entre os Estados-Partes.
A cooperação jurídica internacional visa, a partir do trabalho conjunto dos Estados, impedir, por exemplo, que um simples transpor de fronteiras ou a permanência irregular em território estrangeiro torne determinado indivíduo inacessível ao Poder Judiciário. Para fazer frente aos desafios próprios de um mundo globalizado, é crescente o esforço dos sujeitos de Direito Internacional no sentido de celebrarem tratados que sirvam de base jurídica para a prestação de auxílio jurídico recíproco. Com a cooperação interjurisdicional, um Estado (o Estado requerido) pode funcionar como longa manus de outro (o Estado requerente), adotando providências em proveito e no interesse deste último, garantindo que se dê efetividade à justiça.
Um dos aspectos principais da Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças é o mecanismo criado para evitar que as dificuldades impostas pelas fronteiras estatais consolidassem a situação de retenção ilícita da criança. Desse modo, estabeleceu, em linhas gerais, que o foro competente para apreciação de questões sobre a guarda de menores é o correspondente ao local onde eles possuem residência habitual; que a retirada das crianças dos países de residência habitual sem autorização do co-detentor do direito de guarda é considerada ilícita e exige a reparação pelos Estados envolvidos; e, que as decisões obtidas em ações de guarda manejadas para dar aparência ilícita à subtração do menor não podem influir nos processos de restituição da criança ao país de origem.
Percebe-se que, ao objetivar que as relações parentais sejam exercidas dentro da legalidade e que os vínculos familiares não sejam quebrados por atitudes unilaterais de qualquer dos pais, a Convenção da Haia nada mais fez do que proteger os melhores interesses de crianças e preservar a dignidade que a condição humana lhes garante.
Por tudo isso, a Convenção da Haia estabeleceu que os Estados-Parte devem cooperar entre si com o objetivo de restituir ao país de residência habitual toda e qualquer criança que tenha sido objeto de retenção ou transferência internacional ilícitas, isto é, quando há violação do direito de guarda de um dos genitores ou de qualquer outra pessoa ou instituição responsável pelo menor (artigo 3º).
Conforme definição do artigo 5º da citada Convenção, o "direito de guarda compreenderá os direitos relativos aos cuidados com a pessoa da criança, e, em particular, o direito de decidir sobre o lugar da sua residência".
Note-se que o pedido de restituição é cabível não só nos casos em que a guarda esteja sendo exercida de forma exclusiva por um dos genitores, mas também, quando tal direito esteja sendo exercido de forma compartilhada - quer seja na vigência de uma relação conjugal, quer seja em situação de separação do casal - em razão de normas do ordenamento jurídico do país de residência habitual, por decisão judicial ou, ainda, por acordo celebrado entre os genitores.
Importante ressaltar, porém, que o direito de guarda, exclusivo ou compartilhado, deve estar sendo efetivamente exercido no período imediatamente anterior à subtração ou retenção ilícita. Além disso, cabível a restituição da criança ao local de residência habitual sempre que aquele que estiver requerendo tal medida seja titular de "direitos relativos aos cuidados com a pessoa da criança" e/ou detenha o "direito de decidir sobre o lugar da sua [da criança/adolescente] residência".
Ademais, embora a Convenção presuma que o retorno da criança/adolescente ilicitamente transferido ou retido em local diferente daquele de sua residência habitual seja a medida que melhor atende aos interesses das crianças (art. 227, CF/88), o próprio texto convencional estabelece expressamente algumas exceções a sua aplicação, como a comprovação de riscos físicos ou psíquicos graves a criança caso seja determinado seu retorno ou a verificação de que a criança atingiu idade e grau de maturidade que possibilitem a consideração de suas opiniões e ela manifeste a vontade de não retornar. A aplicação dessas exceções é, todavia, restrita e deve ser analisada a luz das circunstâncias apresentadas pelo caso concreto.
PROCEDIMENTO NO BRASIL
Tendo o Brasil aderido à Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças e incorporado-a ao ordenamento jurídico interno por meio do Decreto 3.413/2000, fica evidente a obrigação jurídica do Estado brasileiro de adotar todas as medidas necessárias para promover a restituição ao país de residência habitual dos menores ilicitamente trasladados para ou retidos no território nacional.
Internamente, os procedimentos para restituição de crianças têm início com a chegada de solicitação formulada pelo Estado de residência habitual da criança.
Após o recebimento do pedido pelo Estado brasileiro, estando presentes os requisitos administrativos para admissão do requerimento, a Autoridade Central brasileira - a Secretaria Especial dos Direitos Humanos - SEDH - busca solucionar a questão de forma amigável.
Havendo resistência na restituição amistosa da criança, a Autoridade Central brasileira encaminha o caso à Advocacia-Geral da União para análise jurídica e eventual promoção da ação judicial cabível.
Depois de proposta a demanda judicial, sobrevindo uma decisão favorável à restituição da criança ao país de origem, a Advocacia-Geral da União e a Secretaria Especial dos Direitos Humanos envidam esforços, junto à Justiça, para que uma série de precauções sejam adotadas, de modo a garantir a higidez física e psicológica do menor e um traslado seguro durante o retorno ao país de residência habitual.
QUADRO ATUAL E PERSPECTIVAS
Atualmente, tramitam perante a Justiça nacional inúmeros processos judiciais, nos quais a União, representada por sua Advocacia-Geral, busca a restituição de menores ilicitamente trazidos para ou retidos no território brasileiro. Além disso, a União tem participado, na condição de assistente do autor, de demandas de busca, apreensão e restituição movida por particulares, desde que cumpridos certos requisitos.
Por outro lado, a Autoridade Central brasileira informa que de 2003 a 2009 o Brasil recebeu, de outros países, 210 (duzentos e dez) pedidos com base na Convenção e enviou, a outros países, 82 (oitenta e dois) pedidos sobre o tema.
Considerando-se as facilidades oferecidas pelo mundo globalizado, seja no que diz respeito à comunicação, seja quanto ao trânsito internacional de pessoas, além da difusão do conhecimento sobre a Convenção, pode-se dizer que é certo o crescimento do número de casos do gênero nos próximos anos. As estatísticas confirmam essa tendência.
DOCUMENTOS
RELACIONADOS
- Convenção sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças - Decreto No 3.413, de 14 de abril de 2000 (.1 MB)
- Convenção Interamericana sobre a Restituição Internacional de Menores - Decreto Nº 1.212, de 3 de agosto de 1994 (.1 MB)
- Relatório Explicativo por Elisa Perez-Vera (5.67 MB)
- Fluxograma - tramitação dos pedidos de cooperação em casos de sequestro internacional de menores (.05 MB)
- Número de pedidos de cooperação enviados e recebidos (até set/09) - Fonte: ACAF (0 MB)
- Número de casos solucionados (até set/09) - Fonte: ACAF (.01 MB)
- folder da Autoridade Central - dúvidas frequentes (.03 MB)
LINKS
RELACIONADOS
- Conferência da Haia de Direito Internacional Privado
- Organização dos Estados Americanos - OEA
- Secretaria de Direitos Humanos (Autoridade Central brasileira)
- Grupo de Trabalho Governamental de Combate ao Seqüestro Internacional de Crianças
- Base de dados sobre Seqüestro Internacional de Menores da Conferência da Haia - INCADAT
- Judges' Newsletter on International Child Protection
- Lista de países que ratificaram a Convenção da Haia sobre Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças
http://www.agu.gov.br/sistemas/site/TemplateImagemTextoThumb.aspx?idConteudo=113473&ordenacao=1&id_site=4922. Acesso: 4/3/2014
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