A
doação de bens feita em vida pelo pai aos filhos gerados no casamento,
excluindo a filha fruto de outro relacionamento, é nula quanto à parte
que obrigatoriamente deve ser destinada a ela por herança. Assim como os
três meios-irmãos por parte de pai, a filha também é herdeira
necessária de um quarto da metade dos bens do genitor.
Com base nessa regra do direito civil brasileiro, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) determinou que 6,25% do valor bruto de dois imóveis, doados e
posteriormente vendidos, sejam entregues à herdeira que não foi
contemplada na doação. Um terceiro imóvel deve ser colocado em processo de inventário para partilha entre os herdeiros necessários, resguardada a metade doada pela viúva aos seus próprios filhos.
O processo
Em
1992, o genitor e sua esposa doaram aos filhos do casal três imóveis.
Ele faleceu, e a filha não contemplada com a doação requereu sua parte
na Justiça, com uma ação declaratória de nulidade de negócio jurídico.
O juízo de primeiro grau julgou o pedido procedente. Declarou a
nulidade dos atos de transmissão da propriedade e determinou o retorno
dos bens ao espólio do falecido, para futura partilha em inventário. A decisão foi mantida em segundo grau.
Os
irmãos recorreram ao STJ alegando que metade dos imóveis foi doada pela
mãe deles, de forma que a irmã apenas por parte de pai não teria
legitimidade para pedir em juízo a declaração de nulidade do negócio.
Sustentaram
que, em relação à metade doada pelo pai comum, a invalidade da doação
deveria recair somente sobre a parte que excede o que o genitor pode
dispor livremente, que corresponde à metade de seu patrimônio. Assim, a
outra metade deve ser dividida entre os quatro herdeiros necessários,
cabendo a cada um 6,25% de cada um dos imóveis doados.
Legitimidade
Para
relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, a autora tem legitimidade
para propor a ação a fim de obter sua parte na herança. Seu objetivo é a
declaração de nulidade da doação para posterior abertura de inventário dos bens deixados pelo pai falecido, com sua inclusão no rol de herdeiros necessários.
“O
fato de a recorrida ter realizado a cessão de direitos hereditários não
lhe retira a qualidade de herdeira, que é personalíssima, e, portanto,
não afasta sua legitimidade para figurar no polo ativo desta ação,
porque apenas transferiu ao cessionário a titularidade de sua situação
jurídica, de modo a permitir que ele exija a partilha dos bens que
compõem a herança”, explicou a relatora.
Doação universal
Os recorrentes também alegaram no recurso que houve julgamento fora do pedido feito na ação, pois foi declarada a nulidade da doação com
base no artigo 1.175 do Código Civil de 1916: “É nula a doação de todos
os bens, sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência
do doador.”
Nancy
Andrighi afirmou que não se pode falar em julgamento fora do pedido
(extra petita), porque nulidades absolutas podem ser conhecidas de
ofício pelo julgador. Por outro lado, ela destacou que a caracterização
da doação universal de que trata o referido artigo exige a demonstração
de que o doador não tinha condições de garantir a própria subsistência, o
que não ocorreu no caso.
Portanto,
a situação nesse processo, segundo a relatora, não é de julgamento
extra petita nem de doação universal, pois não se pode presumir que a
após a doação o pai tenha assumido estado de miserabilidade.
Doação inoficiosa
A
jurisprudência do STJ estabelece que a doação a descendente que exceder
a parte da qual o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em
testamento é qualificada como inoficiosa – portanto, nula.
Segundo
a relatora, houve clara preterição da filha que ajuizou a ação, na
medida em que todos os imóveis foram doados aos meios-irmãos, não
restando qualquer outro bem a ser inventariado quando aberta a sucessão.
Na
hipótese julgada, quatro são os herdeiros necessários. Do patrimônio
total do pai deles, os três filhos do casamento poderiam receber em
doação até 87,5%: 50% correspondentes à parte com a qual o pai poderia
fazer o que quisesse, acrescidos das frações a que cada um
obrigatoriamente tem direito, ou seja, 12,5%.
Considerando
que o pai tinha metade dos imóveis – a outra metade era de sua esposa
–, a parte obrigatória de cada herdeiro do genitor corresponde a 6,25%
de cada imóvel. A fração restante da doação, segundo Nancy Andrighi, é
plenamente válida e eficaz.
Processo relacionado: REsp 1361983
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
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