Autor: ANTÔNIO ALBERTO
MACHADO, membro do Ministério Público do Estado de São Paulo e professor
livre-docente do curso de direito da Universidade Estadual Paulista
(Unesp), campus de Franca-S
“HONESTIDADE
EM ESTADO PURO.
Vejo nas mídias que dois catadores de lixo encontraram 20
mil reais na rua, cuja soma havia sido furtada a um restaurante de São
Paulo. A dupla procurou a polícia e fez com que o dinheiro fosse
devolvido aos donos. Os dois autores da façanha são um casal de sem-teto,
que mora sob um viaduto, ao relento, vivendo miseravelmente abandonado na
maior e mais rica capital da federação brasileira.
É
fácil ver pela aparência de ambos, estampada nos jornais, que não têm
nada de seu. Andam mal vestidos, magérrimos, sem dinheiro, sem casa, sem
saúde, sem trabalho, sem perspectivas, sem sonhos, enfim, desprovidos de tudo.
Ou melhor, de quase tudo, pois a honestidade parece que ainda não perderam.
O
filósofo Immanuel Kant costumava dizer que duas coisas lhe causavam
espanto: um céu cheio de estrelas e o universo moral dentro de si. Pois
bem, esses andarilhos dos 20 mil reais, que além de andar pelas ruas, andam no
limite da existência, são um bom exemplo desse tal “universo moral” que habita
o interior da natureza ou da alma humana. Eles não têm absolutamente nada, mas
fazem questão de ser alguma coisa: honestos. Com a atitude inusitada de
devolver o dinheiro que poderiam facilmente embolsar, ressuscitam aquele
velho dilema entre o “ter” e o “ser”.
Há algum tempo, as mídias divulgaram também uma pesquisa, ou um estudo
acadêmico, comprovando que quanto maior o nível sócioeconômico da pessoa,
maior o egoísmo e a propensão para a prática de pequenos
ilícitos e pequenas vilezas, geralmente destinados a satisfazer
a própria cobiça e a ganância.
Mas, a ganância e a cobiça,
não nos enganemos, são as grandes responsáveis pela opulência, pela
riqueza e talvez até pelo progresso econômico. São, afinal, o combustívelque move a máquina capitalista. É isto
mesmo, a competição, o desejo cobiçoso de lucro e a ganância acumulativa
são os fatores decisivos que impulsionam o progresso nas
economias de mercado e nas sociedades (também de mercado), na
era do capitalismo.
Mas, e a honestidade de que
falávamos agora há pouco, seria o combustível do quê?
A honestidade é um imperativo
moral categórico, no sentido kantiano, não é combustívelde nada. E parece que dificilmente andará de par
com o poder e com a opulência; raramente será um atributo dos
poderosos e opulentos. Estes últimos cumprem bem os contratos, mas nem
tanto os imperativos morais!
A honestidade não
é propriamente um apanágio dos de cima nem uma peculiaridade dos bem nascidos.
Ela anda por baixo, discretamente, no silêncio daquele universo moral
de que falava Kant.
Enfim, a honestidade É, e pronto. Por isso, ao contrário da
opulência, não necessita TERalguma coisa. O seu habitat natural é apenas a consciência, mas a consciência
que não se deixou corromper pelos vícios - nem da cobiça nem da
ganância. Assim, mesmo vivendo no limite, desprovido de tudo (e talvez por isso
mesmo), o homem ainda pode ser heroicamente honesto.
Mas,
diria Brecht, pobre da sociedade que precisa de heróis. Mais do que
heroísmo, porém, os dois catadores de papel de São Paulo
demonstraram uma honestidade incondicional, em estado puro, livre de
qualquer tipo de corrupção. Honestidade incompatível com o cinismo e com a
soberba de uma sociedade que fabrica esses heróis anônimos e os
obriga a viverem desgraçadamente no lixo”.
http://blogs.lemos.net/machado/. Acesso:
12/12/2012
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