“Tecnologias de controle criam novas situações de
dano moral
(Dom, 23 Set 2012, 07:00)
As relações laborais tentam acompanhar os avanços tecnológicos, mas o
monitoramento no ambiente do trabalho tem implicado desdobramentos peculiares
nas relações entre patrões e empregados, exigindo da Justiça do Trabalho uma
nova visão doutrinária, jurisprudencial e legal sobre a questão.
Somos hoje constantemente vigiados. Em shoppings, edifícios ou nas ruas,
câmeras monitoram nossas vidas e, pela Internet, empresas vasculham nossos
interesses, sendo quase impossível a privacidade. Também no âmbito do trabalho,
o uso de câmeras de vigilância está cada vez mais comum, somente sendo proibido
em banheiros e refeitórios. Todavia, seu uso ostensivo pode representar abuso
do poder de fiscalização e acarretar ofensa à honra e à intimidade do
trabalhador.
O monitoramento por imagens há algum tempo tem sido fonte de conflito
entre patrões e trabalhadores, da mesma forma que o controle de emails e as
escutas e gravações de ligações telefônicas dos empregados. São questões que a
justiça trabalhista está aprendendo a contemporizar, já que demonstram alterar
a convivência no ambiente de trabalho e dizem respeito à saúde do trabalhador.
Para o professor de psicologia da Universidade de Brasília (UnB), Wanderley
Codo, tudo indica que existem sim influências nocivas para o trabalhador com
este tipo de vigilância, no entanto ainda não há bons estudos que comprovem que
o uso ostensivo de câmeras influencia ou não a psique do trabalhador.
"Teríamos que colocar dois grupos de trabalhadores, um vigado por câmeras,
outro não, para poder avaliar o problema, e acredito que isso ainda não tenha
sido feito até hoje", afirmou. Para o professor, seria muito bom se as
entidades jurídicas pudessem propor esses estudos.
A discussão, apesar de trabalhista, gera debates sociais, por serem
privacidade e intimidade palavras normalmente reservadas à vida pessoal.
Contudo, pedidos de indenizações nesse sentido são cada vez mais comuns hoje em
dia (artigo 5º, inciso X da Constituição). A
jurisprudência diz que o monitoramento eletrônico representa poder diretivo do
empregador e não constitui violação à intimidade, à vida privada ou à dignidade
da pessoa, salvo se for excessiva, ostensiva ou com o fim de constranger os
empregados.
As empresas se defendem afirmando que o uso de câmeras visa à segurança
dos trabalhadores e à proteção do patrimônio empresarial. "Somos
constantemente vigiados. Se conversamos com os colegas, se mexemos nos nossos
celulares e, principalmente, quando levantamos para ir ao banheiro, sabemos que
tudo está sendo visto", desabafa uma ex-empregada de call center que entrou na Justiça do Trabalho
contra empresa após ter sido diagnosticada com depressão e síndrome de pânico.
"Me sentia uma prisioneira". Ela conta que o chefe no final do
expediente chamava quem ele achasse que tivesse apresentado comportamento
"fora do normal".
Pela jurisprudência dominante no TST, é devida a indenização por danos
morais quando há abuso do poder, ou seja, a filmagem não pode ser forma
ostensiva, e o funcionário deve ter conhecimento dos dispositivos de
segurança. Para fixar o valor da indenização, o magistrado leva em conta
critérios como proporcionalidade, razoabilidade, da justiça e da equidade. Não
há norma legal que estabeleça a forma de cálculo a ser utilizada para resolver
a controvérsia. O valor varia conforme o caso e a sensibilidade do julgador, ou
seja, de maneira subjetiva.
Prova
Todavia, o sistema de vigilância pode ser usado também como meio de
prova. Esse foi o entendimento da Quinta Turma do Tribunal Superior do
Trabalho, que considerou lícita a filmagem feita por uma empresa de saneamento, com o objetivo de provar que um
empregado não estava incapacitado para o serviço, como alegou ao ser
dispensado. De acordo com o TRT, "afora a perícia médica, nem sempre
infalível", não havia mesmo outro caminho, a não ser a filmagem, para
demonstrar a verdade.
Mas e se uma babá tiver suas atividades secretamente monitoradas pela
patroa, isso representaria abuso do poder de fiscalização? É o que uma
trabalhadora de Porto Alegre (RS) tenta provar há dois anos, quando decidiu
procurar a Justiça ao perceber que estava sendo filmada secretamente pelos
patrões. Ela descobriu o dispositivo sem querer e contou para o marido. Os dois
buscaram orientação de um advogado. Os patrões foram acionados e tiveram de se
explicar.
O uso banalizado de aparelhos de filmagem, a oferta de produtos e
facilidade de utilizá-los é tão grande que basta uma busca na internet para
acharmos empresas especializadas em "vigilância de babás e empregados
domésticos". Para quem defende o uso, esse é um direito
dos pais, e não representaria uma violação da privacidade da babá, desde que o
aparelho não seja instalado no quarto da funcionária. Do contrário, dizem,
ajuda a acompanhar a rotina, monitorar o aprendizado e as brincadeiras.
Se a utilização é realmente uma rotina, não se pode pretender que as
empresas estejam alheias a essa realidade. Contudo, faz pensar que princípios
basilares da relação de emprego, como boa-fé e respeito mútuo sejam mediados com
a utilização de tecnologias, e não pelas relações interpessoais. Muitos se
perguntam se não seria necessária uma regulamentação de normas para o controle
do uso de câmeras e para a busca de um ambiente de trabalho harmonioso”.
(Ricardo Reis/RA)
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