“Ministro Walmir Oliveira da Costa explica
critérios para arbitramento de indenizações
(Dom, 23 Set 2012, 07:00)
Integrante da Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, o
ministro Walmir Oliveira da Costa é especialista em dano moral. Sua tese de
mestrado na Universidade Federal do Pará sobre o tema foi publicada como livro
em 1998, com o título "Dano Moral nas Relações Laborais – Competência e
Mensuração", no qual dá ênfase à mensuração do dano moral em casos
específicos, propondo parâmetros que ajudem o juiz a definir o valor da
compensação.
Em entrevista exclusiva à Secretaria de Comunicação do TST, ele aborda
este e diversos outros aspectos das ações relativas ao dano moral no ambiente
de trabalho, entre elas a dificuldade do TST em uniformizar as decisões sobre o
tema. "Temos de uniformizar critérios, e não valores", defende.
Quais os parâmetros legais para fixação
das indenizações por dano moral?
Ministro Walmir - No Código Civil de 1916, o critério era o do tarifamento, ou seja, havia
a prefixação do valor da indenização. Tínhamos também a Lei de Imprensa, que
estabelecia entre 20 e 200 salários mínimos, que depois foi declarada
inconstitucional pelo STF, e o Código Nacional de Telecomunicações (artigo 61),
que fixava valores de até cem salários mínimos para situações de violação de
direitos. Hoje, porém, é vedada a indexação ao salário mínimo. Quando o dano
moral envolvia injúria, usava-se a pena de multa Código Penal. A Constituição
Federal de 1988 adotou um sistema aberto, acabando com o sistema de
tarifamento.
É possível quantificar uma lesão de
caráter subjetivo?
Ministro Walmir - A violação da intimidade da personalidade e de atributos valorativos do
ser humano é muito difícil de mensurar. É aquela discussão: a dor tem preço?
Não, a dor não tem preço. Mas a repercussão da dor na esfera da vítima gera uma
responsabilidade para quem ofendeu, e não pode ficar impune.
E como se chega a essa punição?
Ministro Walmir - Hoje, o juiz não tem critérios objetivos ou determinantes para fixar o
valor da indenização. O Código Civil se limita a estabelecer que a indenização
se mede pela extensão do dano. Eu, particularmente, acho que, na esfera
trabalhista, não se trata de indenização, porque indenizar é restituir ao
estado anterior. Entendo que é apenas uma compensação pela dor. Não há
possibilidade, na esfera trabalhista, de restituir. A reparação pode ser
pecuniária, mas também o que chamamos de reparação in natura: pedido de desculpas, declaração reparatória, que
não é em dinheiro.
O que se deve levar em conta no exame
dessa reparação?
Ministro Walmir - Em primeiro lugar a extensão do dano, que é um conceito subjetivo. Para
avaliá-la, deve-se examinar a gravidade e a potencialidade do dano, a
repercussão da lesão na esfera da intimidade, e se essa repercussão transcendeu
aos limites da empresa, ou seja, se foi tornada pública. Não é o fato em si da
publicidade que determina a mensuração do dano. A publicidade é uma causa de agravamento.
Deve-se levar em consideração também a situação econômica do ofensor e da
vítima, a natureza da ofensa, se houve lesão física, doença ocupacional, culpa
– enfim, todas as circunstâncias do caso. A teoria da compensação do dano se
alicerça num tripé: punir o infrator, compensar a vítima e prevenir novas
condutas dessa natureza. Eu não concordo em fixar previamente os valores, com o
tarifamento.
Não se pode, ainda, aplicar uma indenização que enriqueça a vítima, o
chamado enriquecimento ilícito. Hoje, o critério aberto prevê o arbitramento
por equidade, ou seja, a avaliação do juiz no caso concreto.
E como se aplica a equidade?
Ministro Walmir - Aqui no TST, tentamos uniformizar o procedimento. Em casos de chacotas e
brincadeiras ofensivas, por exemplo, chegamos a um valor médio, que vai de R$
15 mil a R$ 80 mil. Esta semana julgamos, na Primeira Turma, o caso de um
ex-ilustrador do Estadão, portador do vírus HIV. Mandamos reintegrá-lo e
fixamos R$ 35 mil por danos morais, mas não pela discriminação: o dano alegado
por ele não foi por isso, e sim pelas gozações dos colegas por sua orientação
sexual.
A capacidade econômica gera diferenças
nos valores?
Ministro Walmir - Sim, tanto do ofensor quanto da vítima, devido ao caráter punitivo e
didático da condenação. Lembro-me de um caso vindo do Rio Grande do Sul de uma
empregada doméstica chamada de "negrinha", em que condenamos o
patrão, um industrial, a indenizá-la em R$ 10 mil. Ele não recorreu. Noutro
caso, um gerente da Light virou alvo de uma charge no jornal por causa de um
corte de energia. O Regional deu R$ 660 mil, porque era um gerente, tinha
padrão de vida elevado. Chegamos, no fim, a R$ 180 mil. Não tem um critério
objetivo além da jurisprudência.
Lesões semelhantes não deveriam levar a
indenizações equivalentes?
Ministro Walmir - Em alguns casos, a lesão pode ser aferida mais objetivamente para
quantificar o dano. Por exemplo: a lesão por esforço repetitivo (LER), em
qualquer pessoa, acontece mais ou menos do mesmo jeito, tanto no chefe de serviço,
gerente, subgerente, diretor, caixa, digitador. Muitas vezes um ganha R$ 25
mil, outro R$ 150 mil, há casos até de R$ 350 mil por LER. Eu parto da lesão e
das consequências da lesão. O juiz não tem parâmetro, por isso me valho do
balizamento da jurisprudência.
Na maioria das vezes, porém, não se pode fixar o mesmo valor devido às
circunstâncias do caso. É preciso fazer uma gradação da punição. Um mesmo valor
de indenização para uma padaria acaba com a padaria, mas se for um grande
banco, ele não vai sentir nenhum impacto. Ao mesmo tempo, não é porque se trata
um grande banco que vou fixá-la em milhões.
O tempo de serviço entra nessa conta?
Ministro Walmir - Não deveria, porque, do ponto de vista subjetivo, uma ofensa pode
atingir com a mesma intensidade um empregado que tem um ano de casa e um que
tem 20 anos. Muitos juízes utilizam o critério do artigo 478 da CLT, sobre
indenização no caso de rescisão conforme o tempo de serviço do empregado que
tinha estabilidade decenal, que mandava pagar um mês de remuneração por ano de
serviço. Mas não é um critério razoável: por ele, um empregado que tenha apenas
11 meses não vai ganhar nada. Eu defendo até mesmo o dano moral pré-contratual,
tanto para o candidato quanto para a empresa. Não se pode exigir, por exemplo,
teste de gravidez na fase de seleção.
A vítima tem de provar que sofreu com o
dano?
Ministro Walmir - A lesão decorre da própria conduta ofensiva, por isso não se exige que
se faça prova do dano. A rigor não se prova o dano, mas o ato danoso, o nexo de
causalidade e a culpa, quando for subjetiva.
Como caracterizar o ato danoso, por
exemplo, na instalação de filmadoras no ambiente de trabalho?
Ministro Walmir - A Constituição Federal protege a honra e a intimidade. Por isso,
entendemos que é proibido, por exemplo, a instalação de câmeras no banheiro. Se
o empregador vai utilizar a câmera para fiscalização de suas dependências, como
salvaguarda do patrimônio empresarial, não há problema, desde que não invada a
intimidade do trabalhador. Tudo tem de usado com moderação e tendo em vista a
finalidade do empreendimento.
O Código Civil diz que temos direitos e prerrogativas. Se você
exorbitar, você perde – é o chamado abuso de direito. Não há lei que proíba a
instalação de câmeras. Há sim um constrangimento, mas natural, e todos nós
estamos diariamente sujeitos a isso. Hoje, pela modernidade, não podemos deixar
de conviver com esses instrumentos. Só o fato de estar sendo filmado, de forma
impessoal, com conhecimento do próprio trabalhador, não gera dano moral.
O empregador também pode pedir
indenização do empregado?
Ministro Walmir - O dano moral é via de mão dupla. O empregador, seja pessoa física ou
jurídica, também sofre dano moral. Imagina um empregado que venda um segredo
industrial para o concorrente, por exemplo. Ele deve reparar o dano causado.
É possível unificar a jurisprudência
sobre o valor da indenização?
Ministro Walmir - Devemos uniformizar critérios, e não valores. Acredito que os Regionais
devem se orientar pelas decisões do TST para evitar os excessos nas
condenações, para mais ou para menos. Não se pode enriquecer alguém ou acabar
com uma empresa, assim como não se pode dar apenas R$ 700 porque se trata de
empregada doméstica. É muito difícil para o TST fazer o controle de legalidade
e constitucionalidade das indenizações devido à vedação do reexame de fatos e
provas. Acabamos caindo no critério da "teratologia" do valor –
absurdamente alto ou ínfimo -, que também não é objetivo porque não é visto à
luz dos fatos e provas.
O que a parte pode fazer se quiser que
o valor seja revisto pelo TST?
Ministro Walmir - É preciso que o recurso chegue ao TST corretamente fundamentado,
apontando os dispositivos pelos quais se entende que o valor deve ser aumentado
ou diminuído. A parte às vezes vem e alega violação ao artigo 157 da CLT, que
trata de segurança do trabalho, e não de dano moral. Tem de se apontar o 927 ou
o 944 do Código Civil, específicos sobre o tema. Outra coisa, o fato é
necessário. Se o Regional não coloca os fatos, a parte tem de embargar pedindo
que se manifeste sobre eles, para que possamos examiná-los no TST a partir do
acórdão. Se o TRT não o fizer, pode-se arguir nulidade por negativa de prestação
jurisdicional, e podemos mandar o processo voltar”.
(Carmem Feijó e Ricardo Reis / RA)
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