Rafael Jacques Rodrigues
Mestre em Geografia pela UFMG e bacharel em Relações Internacionais pela PUC Minas. É analista ambiental da Assessoria de Assuntos Internacionais do Ministério do Meio Ambiente A questão ambiental tem ocupado um papel cada vez mais relevante nas relações internacionais contemporâneas. A negociação e implementação de tratados, acordos, convenções e a realização de reuniões internacionais com agendas amplas e complexas – como a RIO-92 – dão contornos a um sistema internacional multilateral imerso em conflitos e contradições. Novos processos emergem no cerne da dinâmica capitalista e contribuem para uma nova geopolítica global, como o fim da Guerra Fria, a reestruturação produtiva, a globalização econômico-financeira, a propagação da ideologia neoliberal e os avanços tecnológicos e científicos, principalmente no campo da biotecnologia. Algumas temáticas ambientais, cujos impactos extrapolam as fronteiras dos Estados Nacionais, têm surgido com maior destaque na política internacional e influenciado a (re)configuração da geopolítica mundial. Neste sentido, podemos mencionar, na esteira do agravamento da crise ambiental mundial, problemas como a diminuição da camada de ozônio, a mudança do clima global, a perda da biodiversidade, a poluição dos ambientes marítimos e a devastação das florestas, além dos múltiplos desafios relacionados à água e à energia. A geopolítica contemporânea caracteriza-se, dessa maneira, pelo que Marília Steinberger definiu como “relações de poder de vários atores sobre o território”, extrapolando a perspectiva clássica de poder centrado exclusivamente no Estado. Bertha Becker, por sua vez, lembra que a geopolítica sempre foi marcada pela presença de pressões de todo tipo, intervenções no cenário internacional – desde as mais brandas até guerras e conquistas de territórios. E que esta geopolítica atua, hoje, sobretudo, por meio do poder de influir a tomada de decisão dos Estados sobre o uso do território. A geopolítica contemporânea e o meio ambiente se entrecruzam, portanto, não somente nas tensões em relação ao território em si, mas também no tocante às (im)possibilidades de seu uso. O território entendido a partir de uma dimensão de fonte e de estoque de recursos naturais – o que no capitalismo é indispensável para garantir o lucro a partir da realização contínua dos ciclos de produção, distribuição, circulação e consumo – traduz-se na possibilidade de acesso ou de restrição, prevalecendo, muitas vezes, a idéia de natureza como “capital de realização atual ou futura”, segundo expressão usada por Bertha Becker. Em outras palavras, a partir do controle do território, lócus estratégico de poder, é possível – ao mesmo tempo e de maneira dialética – permitir ou impedir o uso de riquezas naturais, normatizando também atitudes e comportamentos, segundo análise feita por Paulo César da Costa Gomes. Uma interpretação, neste sentido, é dada por Rogério Haesbaert. Para ele, “é evidente que a preservação ambiental se torna uma questão cada vez mais relevante, não só mantenedora de condições ecológicas mínimas de sobrevivência, mas também como ‘reserva (bio)tecnológica’”. Berta Becker faz referência à assimetria de poder internacional para asseverar a existência de uma disputa das potências pelos estoques das riquezas naturais, uma vez que a distribuição geográfica de tecnologia e de recursos é desigual. Segundo ela, “enquanto as tecnologias avançadas são desenvolvidas nos centros de poder, as reservas naturais estão localizadas nos países periféricos ou em áreas não regulamentadas juridicamente”. Podemos considerar que poder e território – o último entendido em suas dimensões não só material, mas também simbólica – possuem interfaces que dialogam e se interpenetram, estando cada vez mais imbricados frente à crise ambiental. A apropriação e o uso das riquezas naturais passam a ser almejados por distintos atores, cada qual com suas intencionalidades e perspectivas de ação. Um exemplo são os debates sobre “bens públicos globais”, correspondentes a riquezas naturais que deveriam ser compartilhadas entre todos os seres humanos, independentemente das fronteiras políticas e jurisdicionais existentes. Se por um lado considera a amplitude da escala dos problemas ambientais, a idéia de proteção compartilhada de riquezas naturais globais desperta, por outro, várias divergências políticas entre os países na medida em que esbarra no conceito tradicional de soberania internacional e na autonomia de organização do uso do território. Essa discussão tem se mostrado particularmente presente em relação à Amazônia, ensejando repetidas declarações por parte de representantes brasileiros – inclusive do presidente Luiz Inácio Lula da Silva – de que a Amazônia brasileira pertence aos brasileiros. Ao ser considerado elemento proeminente na definição dos contornos da geopolítica mundial, o meio ambiente projeta um cenário de desafios e possibilidades para o Brasil, que se constitui em global player (ator global) no que concerne à temática ambiental, mas que ainda busca se afirmar como tal. O Brasil ocupa uma posição de relevância na geopolítica mundial por deter um grande território, a maior biodiversidade do planeta, áreas extensas de florestas e reservas de água doce, apenas para citar algumas características. Entretanto, a busca de uma inserção mais efetiva e articulada do Brasil nas discussões da agenda ambiental internacional esbarra nas assimetrias de poder entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento. |
O Brasil tem buscado
desempenhar papel mais significativo, por exemplo, no que diz respeito à
produção dos agrocombustíveis. Essa questão suscita muitas controvérsias, ao
tratar, simultaneamente, de três grandes desafios da atualidade: segurança
energética, mudança climática e combate à fome e à pobreza. Para o Brasil, o
grande dilema, em âmbito interno, é conciliar a necessidade de desenvolvimento
econômico e social, sem prejudicar a conservação dos recursos naturais. No
plano internacional, o desafio é provar que a produção de biocombustíveis do
Brasil atende a requisitos de sustentabilidade social e ambiental, o que vem
sendo questionado por acadêmicos, organismos internacionais, ONGs e diversos
países, principalmente produtores de petróleo que se beneficiam do predomínio
da matriz energética de base fossilista. Os interesses econômicos são o “pano
de fundo” mais amplo dessa e de outras problemáticas ambientais, influenciando
sobremaneira os contornos da geopolítica global.
Nas últimas décadas, os processos cooperativos internacionais surgem com a promessa de que podem ter papel relevante na promoção do desenvolvimento econômico, social e ambiental dos países. Em contraponto à ajuda internacional meramente assistencialista – presente, por exemplo, nas políticas americanas preconizadas pelo Plano Marshall no período pós-Segunda Guerra –, emerge uma nova roupagem para a cooperação internacional, na medida em que teria capacidade de proporcionar benefícios que extrapolariam a fronteira dos Estados nacionais e proporcionariam soluções “coletivas” para problemas comuns, como a crise ambiental global.
Entretanto, um grande desafio ainda permanece como elemento precípuo da geopolítica global face à crise ambiental: desenvolver um sistema internacional mais justo e igualitário entre povos e países”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Qualquer sugestão ou solicitação a respeito dos temas propostos, favor enviá-los. Grata!