sábado, 20 de abril de 2013


“Agrocombustíveis: a caminho de um novo imperialismo ecológico?


Doutor em Geografia, pesquisador e professor visitante do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC Minas e pesquisador do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (Gesta) da Fafich
Klemens Laschefski
O ano passado foi marcado pelo debate sobre as mudanças climáticas. Os cientistas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) confirmaram as evidências sobre a existência do efeito estufa e alertaram para a necessidade imediata de enfrentar o problema. Nesse contexto, foi enfatizada a reestruturação da matriz energética, ainda primordialmente dependente de combustíveis fósseis como petróleo e carvão mineral, cuja queima é considerada a principal fonte emissora de gás carbono, causador do efeito estufa. Conseqüentemente, intensificou-se a busca por alternativas energéticas, sobretudo em torno dos biocombustíveis, denominados pelos seus críticos de “agrocombustíveis”.  

As mudanças climáticas não são a única motivação para estimular a produção e a comercialização de combustíveis alternativos. Também em 2007, o Fórum Econômico Mundial em Davos abordou questões relacionadas à segurança energética, embora com enfoque na instabilidade política dos países produtores de petróleo, sobretudo o Iraque. Também observamos uma recente intensificação de encontros diplomáticos entre os
países produtores de agrocombustíveis e grandes consumidores de energia. Tudo indica que, muito além da preocupação com o aquecimento da Terra, está em jogo a reestruturação dos mercados energéticos,  processo que terá também implicações na distribuição dos poderes na geopolítica internacional. 

Em meio a essa tendência, assistimos também a um debate sobre os riscos ambientais e sociais do crescimento das áreas necessárias à produção dos agrocombustíveis, cuja expansão descontrolada constitui-se em preocupação expressa por campanhas internacionais organizadas por organizações não-governamentais. De fato, uma série de pesquisas, entre elas as desenvolvidas pelo Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (Gesta) da UFMG, mostra que já são bem visíveis as conseqüências sociais e ambientais da expansão de culturas – cana-de-açúcar, soja, mamona, óleo de palmas, entre outras – que servem como matéria-prima para a produção do etanol ou do biodiesel. Além disso, teme-se que as plantações afetem a segurança alimentar e contribuam para a elevação dos preços de alimentos básicos.
 

A questão ambiental também foi tema da visita da chanceler alemã Angela Merkel ao Brasil, em maio último, quando foi assinado o acordo brasileiro-alemão sobre energias renováveis. Na ocasião, os representantes do governo brasileiro voltaram a associar a suposta preocupação ambiental a uma “postura protecionista” para defender os produtores de agrocombustíveis na União Européia contra produtores mais competitivos de outras regiões. Dessa forma, a exigência de políticas ambientais e sociais pode ser entendida como uma forma de imperialismo ecológico.

Além das negociações internacionais no âmbito dos Estados, observa-se uma forte articulação entre ONGs preocupadas com as conseqüências negativas da expansão agrícola e o setor privado interessado nesse novo negócio. Desdobramento disso é a Mesa-redonda para biocombústiveis sustentáveis, criada com o objetivo de elaborar princípios e critérios ambientais e sociais como base para uma futura certificação dos agrocombustíveis. Participam a iniciativa ONGs ambientalistas como WWF e Oxfam; corporações transnacionais como Shell, Petrobras, Toyota, DuPont, Genencor e Bunge; e organizações internacionais como o próprio Fórum Econômico Mundial e a Agência Internacional para Energia (International Energy Agency).
Apesar da “agenda de mercado” explícita dessa iniciativa, as primeiras propostas de critérios e indicadores para um esquema de certificação parecem bastante rígidas e incluem exigências para o relacionamento com a população local. Entre elas, as empresas certificadas devem evitar displacement effects (efeitos de deslocalização) de outros usos da terra e respeitar as comunidades locais.
Porém, segundo os pesquisadores do Gesta, existem experiências que mostram como a aplicação desses critérios encontra dificuldades na prática. Isto porque, em princípio, a certificação configura uma justificativa para aumentar o espaço ambiental dos consumidores de agrocombustíveis às custas das comunidades locais ainda não inseridas na lógica do mundo urbano-industrial-capitalista. Em relação a essas comunidades não fica claro como a promessa do “desenvolvimento” através da inserção no “mercado” é capaz de “mitigar e compensar” as perdas materiais que o espaço físico “ocupado” oferecia aos seus antigos usuários.

Estudos sobre o Forest Stewardship Council (Conselho de Manejo Florestal, ou simplesmente FSC), iniciados pelo WWF em 1993 e que serviram como exemplo para as propostas atuais de certificação de agrocombustíveis, mostram a complexidade de tais contradições. O esquema prevê a formulação de políticas de “diálogo” com as populações atingidas com a finalidade de alcançar um consenso sobre as modalidades de convivência entre as partes envolvidas. Entretanto, a certificação não muda o fato de que as empresas estão se apropriando materialmente de áreas também reivindicadas pelas comunidades locais. 

Essa problemática ficou evidente em fevereiro de 2007, quando um camponês foi assassinado em Minas Gerais nas plantações de empresa certificada pelo FSC desde 1999. O crime foi cometido por um membro da milícia particular da empresa, quando o agricultor coletava lenha nos eucaliptais da mesma. O episódio foi o ápice de uma longa história de conflitos vividos pelas comunidades que disputam o seu território com os plantadores de eucalipto na região. 
Nos anos 70, o governo de Minas Gerais cedeu terras devolutas para as plantações de eucalipto dentro de um contexto de políticas públicas para fornecer energia (carvão vegetal) à emergente siderurgia mineira. Após o estabelecimento das plantações, as comunidades locais continuaram a coletar lenha nos eucaliptais que substituíram a vegetação de cerrado utilizada anteriormente de forma coletiva por meio do extrativismo. 

A empresa via a coleta de lenha como roubo, pois entendia que a madeira era produzida em sua propriedade. Um agricultor local, por outro lado, alegou que seus pais e avós poderiam ir aonde quisessem para buscar as coisas de que precisavam para sustentar suas famílias. Do seu ponto de vista, os plantadores de eucalipto roubaram das comunidades a sua “territorialidade”, termo que ele usou como sinônimo de “liberdade”.

Esse entendimento de territorialidade é diretamente vinculado à necessidade do uso flexível dos ecossistemas do Cerrado em que a variabilidade climática influencia os ciclos e a extensão do manejo da terra pela população local. O conflito estourou entre duas visões de territorialidade: a) a da sociedade capitalista, em que o espaço é definido pela posse ou pelo uso privado; b) a dos grupos tradicionais, que têm uma visão de ocupação flexível dos territórios, utilizados de forma coletiva.

Dessa forma, os conflitos territoriais configuram obstáculos que dificilmente podem ser superados através de estratégias de diálogo – como preconizam os defensores da certificação da produção de agrocombustíveis em larga escala –, pois a expansão de monoculturas afeta irreversivelmente a vida social dos grupos atingidos. A certificação serve como meio para impor o modelo hegemônico de desenvolvimento às populações locais. 
Tudo indica que estamos diante de uma nova modalidade de imperialismo que se sustenta no discurso da “modernização ecológica” utilizado pelas corporações transnacionais. Esse imperialismo e o seu discurso legitimador surgem como novidades no atual cenário político-econômico, mas o objetivo não difere muito do acalentado em outras épocas: a obtenção de vantagens competitivas no mercado global”.

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