“Advogados e juízes
* Rogério Medeiros
Garcia de Lima é doutor pela UFMG, professor universitário e desembargador do
TJ-MG.
O ministro Joaquim
Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal, apontou o "conluio"
entre juízes e advogados como o que existe de "mais pernicioso" na
Justiça brasileira. As declarações foram feitas durante sessão do Conselho Nacional
de Justiça (CNJ), quando foi aplicada penalidade de aposentadoria compulsória a
um juiz do Piauí acusado de beneficiar advogados (Folha de S.Paulo, 20/3).
No dia seguinte,
este jornal divulgou o vazamento de e-mail remetido pelo desembargador Tourinho
Neto para o advogado Jorge Hélio, ambos integrantes do CNJ. A notícia apontou a
suspeita de tentativa de favorecimento à filha de Tourinho Neto, a juíza
federal Lilian Tourinho (O Estado de S. Paulo, 21/3).
Não estou certo de
que o ministro Joaquim Barbosa se tenha expressado de forma genérica, mas a
generalização não é justa para com a imensa maioria dos advogados e juízes
brasileiros. A polêmica, todavia, poderá abrir saudável debate sobre o
atendimento a advogados pelos juízes.
Em 2009 surgiu
acirrada controvérsia em torno de um projeto de adoção de dispositivo
regimental para disciplinar o recebimento de advogados pelos ministros do
Supremo Tribunal Federal. Pouco antes, em dezembro de 2008, participei do Curso
de Administração Judiciária, Administração Pública e Sistema Judiciário
Norte-Americano, ministrado pelo Dean Rusk Center for International and
Comparative Law, da Universidade da Geórgia (EUA).
Fomos informados de
que os juízes da Suprema Corte dos Estados Unidos não recebem advogados para
tratar das causas em andamento naquele tribunal. Nas demais Cortes e nos juízos
de primeiro grau, federais e estaduais, o advogado somente é recebido pelos
magistrados para entrevista previamente agendada e desde que acompanhados pelo
advogado da parte contrária. Caso o magistrado receba advogado para examinar
alguma medida de emergência, tem a obrigação de dar imediata ciência, por
qualquer meio de comunicação disponível, ao advogado da outra parte.
Também participou
daquele intercâmbio o ministro Jorge Nanclares, então presidente da Suprema
Corte de Mendoza (Argentina). Nanclares afirmou que a Suprema Corte argentina
editou ato normativo segundo o qual - à semelhança do que vigora nos Estados
Unidos - o advogado só será recebido pelo ministro em entrevista previamente
agendada e desde que acompanhado pelo advogado da parte contrária.
Posteriormente, o Conselho Nacional de Justiça argentino estendeu a referida
norma a todos os tribunais e juízos do país.
No Brasil, o artigo
7.º, inciso VIII, da Lei n.º 8.906/94 (Estatuto da Advocacia) assegura ao
advogado a prerrogativa de "dirigir-se diretamente aos magistrados nas
salas e gabinetes de trabalho, independentemente de horário previamente marcado
ou outra condição, observando-se a ordem de chegada". Se aplicado literalmente
esse preceito, enfrentaremos enorme dificuldade prática.
Para exemplificar,
o Supremo Tribunal Federal tem mais de 70 mil processos em tramitação. O número
de feitos em trâmite pelo Superior Tribunal de Justiça aproxima-se da casa dos
300 mil. A 14.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG),
que integro com mais quatro desembargadores, julgou mais de 12 mil processos
somente no ano de 2012.
O que aconteceria
se todos os advogados das partes envolvidas nesses processos quisessem ser atendidos
por ministros e desembargadores, "independentemente de horário previamente
marcado ou outra condição"? Como os cerca de 14 mil magistrados
brasileiros, cada qual com milhares de processos sob sua jurisdição,
procederiam se todos os advogados pretendessem valer-se da mesma prerrogativa?
Como assegurar, inclusive nos tribunais superiores, que todos os advogados
tenham atendimento igualitário?
Na prática,
procura-se cumprir o dispositivo legal no limite da saturação. Cada minuto do
dia do magistrado é precioso para dar conta da desumana demanda de serviços.
De resto, os
magistrados têm de se precaver contra o "jeitinho brasileiro". Todo
brasileiro se indigna com escândalos fartamente noticiados. Todavia eles são a
"cara" do Brasil. Sérgio Buarque de Holanda definiu o brasileiro como
"homem cordial". Tem sociabilidade aparente para obter vantagens
pessoais e evitar cumprir a lei que o contrarie (Raízes do Brasil, 9.ª edição,
1976, páginas 105/106).
Muitos dos que
xingam duramente os corruptos são os mesmos que elegem políticos almejando
benesses pessoais. Diversos homens públicos são identificados com o slogan
"rouba, mas faz". Esses eleitores não idealizam os representantes que
administrarão e elaborarão leis em nome da comunidade, mas os "amigões do peito"
que vão "ajeitar sua vida", conseguir uma "boquinha" sem
concurso público, cancelar uma multa de trânsito ou livrá-los de problemas com
o delegado de polícia e o fiscal fazendário. São os mesmos eleitores que
sonegam Imposto de Renda, subornam funcionários públicos, compram drogas de
traficantes ou fazem apostas em jogos ilícitos. Contudo somos todos muito bons,
boníssimos. Corruptos são os outros.
Nesse contexto
cultural, com 24 anos de dedicação honesta e incansável à magistratura, posso
revelar que juízes também recebem pedidos a todo instante. Assusta-me a
sem-cerimônia com que são abordados os magistrados no Brasil. Qualquer cidadão
tem um parente, amigo ou "amigo do amigo" de um juiz. Usando esses
canais, pede "uma mãozinha" no julgamento do seu processo. Como o
Poder Judiciário brasileiro é muito lento, é costume admitir pedidos de mera
dinamização do andamento de causas. Porém - sinto dizer - na maioria das vezes
o "jeitinho" almejado, explícita ou implicitamente, é a decisão a favor
do postulante, ainda que contra a lei”.
http://www.tjmg.jus.br/portal/imprensa/artigos/detalhe-45.htm#.UWQtAKKoppw.
Acesso: 30/04/2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Qualquer sugestão ou solicitação a respeito dos temas propostos, favor enviá-los. Grata!