terça-feira, 8 de janeiro de 2013

“PRESSUPOSTOS DO ATO ADMINISTRATIVO – VÍCIOS, ANULAÇÃO, REVOGAÇÃO E CONVALIDAÇÃO EM FACE DAS LEIS DE PROCESSO ADMINISTRATIVO
Dra. Maria Silvia Zanella Di Pietro (Mestre e Doutora em Direito Administrativo pela USP)


Eu começaria agradecendo, especialmente, ao Dr. Antonio Carlos Caruso, pela honra do convite, para vir falar nesse I Seminário de Direito Administrativo do Tribunal de Contas do Município. Fico honrada com a presença dos Senhores Conselheiros e especialmente grata pelas palavras generosas com que eu fui apresentada. Só para ouvir essas palavras, já valeu a pena a minha vinda até o Tribunal.

O meu tema é Pressupostos do Ato Administrativo – Vício, Anulação, Revogação e Convalidação em face das Leis de Processo Administrativo. Foi dito na apresentação que eu participei do grupo que elaborou o Projeto da Lei Federal que dispõe sobre processo administrativo e, realmente, eu participei, embora, de certa forma, fosse contra a elaboração de uma Lei de Processo Administrativo, porque, na realidade, eu acho que a lei, nessa parte processual, praticamente absorve muita coisa ou quase tudo que já estava na doutrina, com exceção de algumas coisas mais específicas, como as referentes a prazo; quer dizer, tudo o que consta da lei já se fazia na prática. No entanto, fiquei bastante aliviada com a presença do Professor Caio Tácito, que presidiu o grupo. Ele optou por fazer uma norma de caráter bem geral, sem descer a muitos detalhes, exatamente para evitar o excesso de formalismo dentro da Administração Pública.

À medida que for explanando, eu vou mencionando a maneira como a matéria está disciplinada na Lei Federal e na Lei Estadual. A Lei Estadual já é um pouco mais detalhada do que a Federal, embora seja uma lei boa também.

Aliás, aqui no Direito Brasileiro, eu diria que todo nosso Direito Administrativo começou antes na doutrina e depois passou para o direito positivo, porque nós construímos o nosso Direito Administrativo a partir do Direito Francês, que é de formação jurisprudencial. Mas, nós copiamos os princípios, copiamos as teorias, copiamos a doutrina e aos poucos fomos pondo no direito positivo, hoje nós temos quase tudo no direito positivo.

Se formos pensar, por exemplo, na matéria de Contrato, antes do Decreto-Lei 2.300 não havia, na esfera federal, uma lei tão ampla estabelecendo normas sobre a matéria. No entanto, tudo aquilo que foi posto no Decreto -Lei 2.300, e que hoje está na Lei 8.666, já se encontrava nos livros de doutrina. Todas aquelas cláusulas exorbitantes, a matéria das teorias do fato do príncipe, da imprevisão, tudo isto já era doutrina. A lei apenas absorveu aquilo que era doutrina e transformou em direito positivo.

É muito semelhante o que está acontecendo em relação ao ato administrativo. Quer dizer, aquilo que está na lei é, em grande parte, aquilo que era já anteriormente aplicado.

Eu vou começar falando alguma coisa a respeito do próprio conceito de ato administrativo, porque não existe um critério muito uniforme para definir o ato administrativo. Dependendo do ponto de vista que se adote, nós podemos definir o ato administrativo como todos os atos praticados pela Administração Pública; ou, adotando um conceito mais restrito, nós vamos excluir do conceito uma série de atos que a Administração pratica.


Eu opto por um conceito restrito e, por isso, que não têm natureza de ato administrativo, propriamente dito, os atos de direito privado, praticados pela Administração Pública, porque eles não estão sujeitos ao regime jurídico tipicamente administrativo. Eles se submetem ao direito privado e apenas parcialmente ao direito público.

Também não considero como atos administrativos, os atos de conhecimento, atos que são meramente enunciativos, como os atestados, as certidões, os votos, porque são atos que, sozinhos, não produzem efeito jurídico. Eu acho que a produção de efeito jurídico é essencial para o conceito de ato administrativo, assim como acontece no direito privado.

Excluo, também, os atos políticos do conceito de ato administrativo, pelo fato de que os atos políticos estão submetidos a um regime constitucional.

Excluo os contratos do conceito de ato administrativo e isto é bem diferente do que acontece no direito privado, porque no direito privado nós vemos que os atos, hoje chamados de negócios jurídicos, são unilaterais ou bilaterais; o contrato seria modalidade de ato jurídico. No âmbito do direito administrativo, falar em ato administrativo é falar em ato unilateral, porque o ato administrativo tem alguns atributos que não aparecem no contrato, especialmente os atributos da imperatividade e da auto executoriedade, que não existem no contrato administrativo. Não podemos dizer que o contrato seja modalidade de ato se ele tem características diferentes.

Excluo, também, do conceito de ato administrativo, os atos normativos da Administração Pública, como os regulamentos, as resoluções, as portarias, Eu diria que o ato administrativo é hierarquicamente subordinado aos atos normativos, mas, ele tem um regime jurídico próprio. Por exemplo, quanto à impugnação, nós não podemos recorrer de um ato normativo como podemos recorrer de um ato administrativo. Não podemos ir a juízo para impugnar um ato normativo, a não ser por via de ADIN. Os atos administrativos podem ser impugnados individualmente, por qualquer cidadão.

Num conceito assim bem restrito, eu diria que o ato administrativo é uma declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, sob regime jurídico de direito público, sujeita à lei e ao controle pelo Poder Judiciário.

Note-se que eu não conceituo como ato da Administração e sim como ato do Estado, porque os três Poderes podem praticar atos administrativos, dentro da idéia de que cada qual exerce predominantemente uma função, mas exerce acessoriamente as funções dos demais. Nós temos que reconhecer que todos os Poderes, praticam atos administrativos; daí eu falar que o ato administrativo é uma declaração do Estado ou de quem o represente, porque qualquer particular que esteja agindo no exercício de uma função administrativo, a qualquer título, pratica atos administrativos. Nós podemos pensar no pessoal dos cartórios extrajudiciais que praticam atos tipicamente administrativos dotados da mesma fé pública que têm os atos da Administração.

Continuando o conceito, o ato administrativo produz efeitos jurídicos imediatos. A produção de efeitos jurídicos constitui característica essencial ao ato administrativo, considerado em sentido restrito. Produzir efeitos jurídicos significa criar, extinguir, transformar direitos. E imediatos, porque os efeitos se produzem no caso concreto. Com essa afirmação, ficam afastados do conceito de ato administrativo os atos normativos, porque produzem efeitos gerais e abstratos.
Quando digo que o ato administrativo se submete a regime jurídico de direito público, eu afasto os atos de direito privado da Administração. Quando digo que ato administrativo está sujeito a controle pelo Poder Judiciário, estou distinguindo da sentença judicial, que também produz efeitos jurídicos no caso concreto e também se sujeita à lei.

Com relação aos pressupostos do ato administrativo, eu começaria fazendo uma observação sobre a própria palavra pressuposto. Alguns autores preferem falar em elementos do ato administrativo, outros falam em requisitos. O Professor Celso Antônio Bandeira de Mello é que gosta de falar em pressupostos, em um tratamento todo diferenciado dado à matéria. Eu falo em elementos e em requisitos. Elementos seriam as condições de existência do ato; no direito privado, são elementos o sujeito, o objeto e a forma. Requisitos são as condições de validade. Desse modo, quando falamos em agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei, estamos falando nos requisitos de validade.

Na realidade, a terminologia – elemento, requisito ou pressuposto – é meio irrelevante, porque o que importa é analisar cada um desses elementos e requisitos de validade. Eu opto por essa terminologia, porque ela está consagrada no direito positivo brasileiro, em especialmente na Lei de Ação Popular – Lei nº 4.717/1965. No artigo 2º, ela define os vícios dos atos administrativos e fala nos cinco elementos do ato: competência, objeto, forma, motivo e finalidade. Nos parágrafos do mesmo dispositivo, a lei define os vícios de cada um dos elementos.

Portanto, essa é a terminologia que adoto, com uma ressalva quanto à indicação da competência entre os elementos; na realidade, a competência é um atributo ou um requisito de validade do sujeito. Por isso, eu prefiro falar em sujeito, objeto, forma, motivo e finalidade como elementos do ato administrativo.

Eu queria chamar a atenção para o fato de que, no direito privado, fala-se apenas em três elementos: sujeito, objeto e forma, enquanto no direito administrativo existem dois elementos a mais, que são o motivo e a finalidade. Esses dois elementos passaram a ser vistos como elementos do ato administrativo exatamente para permitir a ampliação do controle do Poder Judiciário sobre os atos da Administração Pública. Inicialmente, só se admitia o controle judicial sobre o sujeito, o objeto e a forma. Não se admitia, por exemplo, que o Judiciário examinasse os fatos, para verificar se existiram ou não, se eles têm ou não têm fundamento legal, porque se entendia que a apreciação dos fatos é matéria de apreciação discricionária da Administração Pública. Para ampliar o controle, elaborou-se a teoria dos motivos determinantes e se passou a aceitar que o Judiciário possa examinar o motivo. Daí a razão pela qual o motivo hoje é considerado um elemento do ato administrativo.

A mesma coisa aconteceu com relação à finalidade. Inicialmente se entendia que a finalidade, a intenção com que o ato é praticado, é alguma coisa que diz respeito à moral e, portanto, ficava fora do controle judicial. Com a teoria do desvio de poder, passou-se a admitir ao Judiciário examinar a finalidade do ato, que passou a ser considerada elemento do ato administrativo.

Examinando, separadamente, cada um dos elementos, pode-se afirmar, em primeiro lugar, que, com relação ao sujeito, são diferentes os requisitos de validade do ato administrativo, quando comparado com os atos de direito privado. Com efeito, no direito privado, o requisito de validade é a capacidade do agente. No direito administrativo, exige-se capacidade também, mas principalmente se exige competência, entendida como uma atribuição outorgada por lei. A competência tem que ser analisada em relação a três aspectos: em primeiro lugar, em relação à pessoa jurídica, para definir se a competência é da União, dos Estados ou dos Municípios; a distribuição de competência, no caso, consta da Constituição Federal. Em segundo lugar, a competência tem que ser analisada em relação aos órgãos administrativos; dentro de cada pessoa jurídica, a Administração Pública é organizada, estruturada, por meio de lei, com a distribuição de competências entre os vários órgãos que compõem a estrutura administrativa. Finalmente, a competência tem que ser vista em relação ao agente público a que a lei confere a atribuição.

Toda a competência decorre de lei. Porém, às vezes, ocorre uma omissão legislativa. Havia uma grande dificuldade, quando eu trabalha na Procuradoria do Estado, quando surgia essa pergunta: quem é competente para praticar determinado ato quando a lei é omissa? Eu adotava o entendimento de que, na omissão da lei, o competente é o Chefe do Executivo, porque ele congrega todas as competências da Administração Pública. Tudo aquilo que não foi outorgado a nenhum órgão é da competência do Chefe do Poder Executivo.

Na lei federal de processo administrativo, foi adotada outra norma, no artigo 17: inexistindo competência legal específica, o processo administrativo deverá ser iniciado perante a autoridade de menor grau hierárquico para decidir. Como a norma consta da lei federal, só aplicável à União, continuo a entender que nos Estados e Municípios, continua a aplicar-se o entendimento de que, na omissão da lei, a competência é do Chefe do Poder Executivo.

A competência tem alguns requisitos. Em primeiro lugar, ela decorre da lei. Quando se fala em lei, nesse caso, tem-se em vista lei como ato legislativo; não há possibilidade da competência ser definida por via de decretos, portarias, resoluções, a não ser que se trate de uma distribuição interna de competências, que produz efeitos apenas internamente.

Além de prevista em lei, a competência é irrenunciável ou é inderrogável pela vontade da Administração ou de terceiros. Isto porque a competência é dada à autoridade pública para ser exercida no interesse público e não no interesse da própria autoridade. Ela não pode deixar de exercer uma competência, porque todos os poderes da Administração são irrenunciáveis. A Administração não pode deixar de punir se verificou uma infração, não pode deixar de apurar um fato se teve denúncia de irregularidade, não pode deixar de exercer o poder de polícia, porque são poderes outorgados em benefício do interesse público. A omissão no exercício do poder, hoje, caracteriza ato de improbidade, quando não caracteriza crime contra a administração.

Outra característica da competência é que ela é delegável, a não ser que se trate de competência outorgada com exclusividade para determinado órgão ou autoridade. Por exemplo, a Constituição Federal, no artigo 84, prevê as competências privativas do Presidente da República e, no parágrafo único, diz quais as competências que podem ser delegadas. São apenas quatro; todas as demais são indelegáveis.

Na esfera federal, a Lei de Processo Administrativo contém uma norma no artigo 11, segundo a qual a competência é irrenunciável e se exerce pelos órgãos administrativos a que foi atribuída como própria, salvo os casos de delegação e avocação, legalmente admitidos. Depois, no artigo 12, diz que um órgão administrativo e seu titular poderão, se nãop houver impedimento legal, delegar parte da sua competência a outros órgãos ou titulares, ainda que esses não lhe sejam hierarquicamente subordinados, quando for conveniente, em razão de circunstâncias de índole técnica, social, econômica, jurídica e territorial. Parece estranha essa possibilidade de delegar competência a uma autoridade que não esteja hierarquicamente subordinada àquela que faz a delegação. Isto contraria o próprio conceito de hierarquia da Administração Pública, mas está previsto na lei. A lei estadual não previu essa possibilidade e cuida da matéria no artigo 19, permitindo a delegação, salvo proibição legal e, no artigo 20, diz quais são as hipóteses em que a delegação não pode ser feita. Por exemplo, não pode ser delegada competência normativa, não pode ser delegada competência política. 

A possibilidade de avocação também é uma característica da competência. O artigo 15 da Lei federal restringiu a possibilidade de avocar, só permitindo, em caráter excepcional e por motivos relevantes, devidamente justificados, porque a avocação é sempre sentida pelo servidor quase como uma punição. A Lei estadual limita-se a permitir a avocação e não prevê nenhuma restrição.

Com relação aos vícios relativos ao sujeito, eu diria que um deles é a incapacidade. Existe um entendimento defendido por parte da doutrina, no sentido de que, quando o ato é vinculado, a incapacidade ou capacidade do agente é irrelevante. Uma vez até caiu uma pergunta em um concurso de Procurador do Estado. A hipótese era a seguinte: um servidor requereu a aposentadoria compulsória e teve seu pedido deferido; depois se descobriu que a autoridade que concedeu a aposentadoria era louca, literalmente louca. Daí a pergunta: o ato é válido? É nulo? É anulável? É convalidável? A resposta considerada certa era a de que aquele ato era válido, porque se adotou o entendimento de que, no ato vinculado, como é o caso da aposentadoria compulsória, a capacidade do agente é irrelevante, porque a aposentadoria teria que ser concedida obrigatoriamente.

Eu já acho que, mesmo para os atos vinculados, a capacidade é relevante; naquele caso específico houve coincidentemente o deferimento do pedido. E se o pedido tivesse sido indeferido? Entendo que a decisão tinha obrigatoriamente que ser revista por uma autoridade capaz, para verificar se o ato está ou de acordo com a lei. Não é porque se trata de ato vinculado que o louco vai caminhar para a solução correta. No caso, eu consideraria esse ato anulável e convalidável.

O outro vício relativo ao sujeito é a incompetência, que é o vício mais comum, que ocorre quando a autoridade pratica o ato sem ter competência legal para praticá-lo. Dentro dessa modalidade, existem várias possibilidades. Além dessa simples incompetência, existe a hipótese de usurpação de função, que é um crime previsto no artigo 328 do Código Penal. Nesse caso, o ato é praticado por que não tem a condição de servidor público de nenhuma espécie. Ele simplesmente se apossou do exercício de um cargo público e praticou um ato qualquer. Esse ato é ilegal ou, segundo alguns, é inexistente.

Outro vício, ainda relativo à competência, seria o excesso de poder, que ocorre quando a autoridade vai além daquilo que ela teria competência para praticar. Por exemplo, ela só pode aplicar a pena até de suspensão, mas aplica a pena de demissão. Outro exemplo é o do policial que se excede no uso da força. Ele tem competência para atuar, mas se excede no uso dos meios que a lei lhe dá para atingir os fins de interesse público. No caso de excesso de poder, existem algumas hipóteses que são previstas como crime de abuso de autoridade na Lei 4.898, de 1965.

Outra irregularidade, ainda com relação ao sujeito, é o chamado exercício de fato da função pública. O exercício de fato (que permite falar em funcionário de fato, em oposição ao funcionário de direito) seria a prática do ato por pessoa que está investida em cargo, função ou emprego público, mas existe uma irregularidade na sua investidura. Por exemplo, o servidor precisava ter nível superior e não tem; ou foi nomeado para cargo inexistente; ou continua a trabalhar após completar 70 anos de idade. Em todos esses casos, existiu o ato de investidura, porém de alguma forma a situação contraria a lei.

A grande peculiaridade desse vício é que ele não acarreta necessariamente a invalidação do ato. Embora praticado por uma pessoa que não está regularmente investida, o ato é considerado válido, em respeito à boa-fé do terceiro beneficiário do ato. Apenas no caso de má-fé do terceiro é que o ato vai ser invalidade.

A Lei federal previu ainda dois vícios de incapacidade que seriam o impedimento e a suspeição, que não estão previstos na lei estadual, mas ainda assim podem ser aplicados, até por analogia com o direito judiciário. Quando uma pessoa, que seja impedida ou que seja suspeita, pratica um ato, na realidade, há uma certa infringência ao princípio da moralidade e ao princípio da impessoalidade. O impedimento traz uma presunção absoluta, que não admite prova em contrário, tanto que, se a pessoa impedida praticar o ato, diz a lei que ele pratica falta grave, para efeitos disciplinares. Seria o caso da pessoa que tem interesse direto ou indireto na matéria, que tenha participado ou venha a participar como perito, testemunha ou representante, ou se tais situações ocorrem quanto ao cônjuge, companheiro ou parentes afins até o terceiro grau e, ainda, quando ele esteja litigando, judicial ou administrativamente, com o interessado ou respectivo cônjuge ou companheiro. Tais situações caracterizam impedimento absoluto.

Já a suspeição encerra uma presunção apenas relativa, porque, se ninguém invocá-la, o ato fica válido. É o que acontece quando a pessoa tem amizade íntima ou inimizade notória com algum dos interessados ou com os respectivos cônjuges, companheiros, parentes e afins até o terceiro grau.

Quer dizer que a solução que a Lei federal adotou, por analogia ao próprio Código de Processo Civil, tem normas muito semelhantes às deste. O fato de não haver na Lei estadual ou municipal uma norma prevendo impedimento ou suspeição não impede que isto seja aplicado, como já se aplicava anteriormente. Como é que se poderia admitir, por exemplo, que numa banca de concurso pública participasse uma pessoa que é irmão, parente ou cônjuge de um candidato? Isto fere o princípio da moralidade administrativa.

O segundo elemento do ato administrativo é o objeto. O objeto é o efeito jurídico que o ato produz. O que o ato faz? Ele cria um direito? Ele extingue um direito? Ele transforma? Quer dizer, o objeto vem descrito na norma, ele corresponde ao próprio enunciado do ato. Quando se diz: fica aplicada a pena de demissão ao servidor público, esse é o objeto do ato. Ele está atingindo a relação jurídica do servidor com a Administração Pública. O objeto decorre da própria lei.
Requisitos de validade do objeto: ele tem que ser lícito, possível de fato e de direito, certo quanto aos destinatários, moral, ou seja, tem que ser honesto, tem que estar de acordo com o senso comum, com os padrões comuns de honestidade.

O vício. Quando o objeto é ilegal? Pela lei de ação popular, a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou ato normativo. Na realidade, ela está considerando apenas uma hipótese de ilegalidade do objeto, em que ele contraria uma norma legal, mas existem outras hipóteses de objeto inválido. Uma delas é a do objeto imoral; outra é a do objeto impossível, como a nomeação de uma pessoa para um cargo que não existe; também é o caso do objeto indeterminado quanto aos destinatários.

No que diz respeito à forma, costumo dizer que ela pode ser entendida em dois sentidos: podemos considerar a forma em relação ao ato, isoladamente, e, nesse caso, ela pode ser definida como a maneira como o ato se exterioriza; ele pode ter a forma escrita, verbal, ter a forma de decreto, de resolução, de portaria; o ato é considerado isoladamente. Em outro sentido, a forma pode ser entendida como formalidade que cerca a prática do ato: aquilo que vem antes, aquilo que vem depois, a publicação, a motivação, o direito de defesa; abrange as formalidades essenciais à validade do ato. Seja no caso de desobediência à forma, seja no caso de faltar uma formalidade, o ato vai poder ser invalidade.

No artigo 2º da lei de ação popular, está estabelecido que o vício de forma consiste na omissão ou na observância, incompleta ou irregular, de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato.

Normalmente se diz que a Administração Pública está sujeita a excesso de formas, mas na Lei federal de processo administrativo o princípio que se adotou como regra foi o do informalismo. Como regra geral, os atos do processo administrativo não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigi; quer dizer que, se a lei não exigir nada, a forma é livre.

No artigo 2º da lei, onde estão mencionados os princípios, há algumas orientações importantes também relativas à forma. Por exemplo, os incisos VIII, IX e X. O inciso VIII determina a observância apenas das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados. Por outras palavras, o formalismo somente se justifica na medida em que seja essencial à garantia dos administrados; devem ser evitadas as formas inúteis, que não servem para nada.

O inciso IX estabelece como norma a adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados. E o inciso X garante os direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio.

Na realidade, a forma e a formalidade, no direito administrativo, são importantes como meios de controle da Administração Pública, porque se o ato não ficar documentado,, se ele não tiver uma forma escrita, se ele não observar determinadas formalidades, fica difícil o controle, tanto pelo Judiciário como pelo Tribunal de Contas ou pela própria Administração Pública. Como é que ela vai controlar aquilo que não seja documentado? E a forma também é importante para proteção dos administrados, dos direitos individuais, na medida em que a forma é que vai permitir o controle. Porém, não se deve exagerar no formalismo.

Com relação ao motivo, eu sempre o relaciono com o fato; motivo é o fato. Costuma-se definir o motivo como o pressuposto de fato e de direito do ato administrativo. O motivo precede à prática do ato, ele é alguma coisa que acontece antes da prática do ato e que vai levar à administração a praticar o ato. Por exemplo, o funcionário pratica uma infração, a infração é o fato. O ato é a punição e o motivo é a infração; ele tem um fundamento legal, embora nem sempre a lei defina o motivo com muita precisão; normalmente quando nós falamos com base no artigo tal, nós estamos mencionando o motivo, o pressuposto de direito, porque aquele fato vem descrito ou vem previsto na norma; na hora em que aquele fato descrito na norma acontece no mundo real, surge um motivo para a administração praticar o ato.

Por exemplo, a lei diz: o funcionário que faltar 30 dias consecutivos incide em abandono de cargo. A falta por 30 dias é a infração, que levara a Administração a instaurar o processo e aplicar a pena.

Cabe ressaltar que o motivo não é a mesma coisa que a motivação. A motivação, embora tenha muita relação com o motivo, é uma formalidade essencial ao ato, ela não é o próprio motivo. Na motivação, a Administração Pública vai indicar as razões, quais foram os fatos, qual é o fundamento de direito, qual o resultado almejado; ela vai dar a justificativa do ato; ela pode até na motivação indicar qual foi o motivo, qual foi o fato que a levou a praticar aquele ato, mas não é a mesma coisa.

Quando dizemos que o ato é ilegal com relação ao motivo? Quando o fato não existiu ou quando existiu de maneira diferente do que a autoridade está dizendo. Quando ela diz que está mandando embora o funcionário porque não tem verba para pagar, o motivo é inexistência de verba, mas se existir verba, aquele motivo é falso, ela alegou um fato inexistente. Ou um funcionário pratica uma infração e a autoridade o pune por outra infração, diferente daquela que justificaria uma outra punição, então o motivo é ilegal.

Pela Lei de Ação Popular, o vício relativo ao motivo ocorre quando a matéria, de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido. Vejam vocês que essa Lei é de 1965 e já no conceito referido está embutido o princípio da razoabilidade, quando ela fala que é ilegal o motivo, se for materialmente inexistente ou juridicamente inadequado ao resultado obtido. Ele está praticando que exigindo uma relação entre meios e fins; sem usar a expressão razoabilidade, o dispositivo já consagrou o princípio.

A finalidade. A finalidade é o resultado do ato administrativo, só que, enquanto o objeto é o efeito jurídico imediato, a finalidade é o resultado mediato que se quer alcançar. Quer-se alcançar a disciplina, quer-se alcançar a boa ordem, quer-se alcançar uma série de coisas, fundamentalmente, quer-se alcançar o interesse público. Mas a palavra finalidade também é vista em dois sentidos. Por exemplo, no livro do Helly Lopes Meirelles, é dito que a finalidade de todo ato administrativo é o interesse público; nesse caso, a finalidade é considerada em sentido amplo; qualquer ato que seja contrário ao interesse público é ilegal.

Por exemplo, uma desapropriação que seja feita, não porque a administração necessita daquele bem, mas porque está querendo prejudicar, aborrecer um inimigo político, não está sendo feita para atender o interesse público.

Mas existe um outro sentido para a palavra finalidade que é o resultado específico que cada ato deve produzir em decorrência da lei. Para cada finalidade que a Administração quer alcançar, existe um ato adequado para atingi-la. Se a Administração quer expulsar dos quadros do funcionalismo um funcionário que praticou uma falta muito grave, a única medida, o único ato possível é a demissão. Ela não pode usar, com essa finalidade punitiva, um ato que não tem finalidade punitiva , ela não pode exonerar, por exemplo, ainda que seja um funcionário em comissão, que praticou uma infração; se ela está exonerando com a intenção de punir, o ato é ilegal, quanto à finalidade, porque a exoneração não tem caráter punitivo; isto caracteriza um vício de finalidade, conhecido como desvio de poder.

Um exemplo muito comum: remover o funcionário “ex-officio”, a título de punição; isto é muito comum, o funcionário é mandado para o outro lado do fim do mundo, a título de punição. Então, ao invés de se instaurar um processo e aplicar a penalidade adequada, usa-se a remoção, com caráter punitivo, quando ela não tem uma finalidade punitiva; isso é um vício relativo à finalidade.
Esse vício é chamado desvio de poder ou desvio de finalidade e está definido na lei de ação popular; ocorre quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência. 

Vocês sabem que hoje o desvio de poder é um ato de improbidade administrativa. O artigo 12 da lei de improbidade, quando fala dos atos que atentam contra os princípios da administração, sem usar a palavra desvio de poder, dá um conceito que equivale ao de desvio de poder. Uma autoridade que pratica um ato com uma finalidade diversa, está praticando um ato de improbidade administrativa.
Todos sabem que a grande dificuldade do desvio de poder é a prova, pois é evidente que a autoridade que pratica um ato com desvio de poder, procura simular, procura mascarar; ela pode até fazer uma justificação dizendo que está praticando o ato porque quer beneficiar tal interesse público, está removendo funcionário para atender à necessidade do serviço; ela não vai dizer que é por uma razão ilegal. Então, o desvio de poder é uma simulação, porque mascara a real intenção da autoridade.

Existem casos de desvio de poder confessos, mas são meio raros. Eu sempre conto a esse propósito o caso de um Governador, que, perguntado porque construiu um teatro tão grande e tão oneroso numa cidade tão pequena, respondeu: pedido de sogra não se rejeita. Ele quis construir porque a sogra era daquele município e sonhava em ter um teatro. Isto é um caso de desvio de poder, em que o seu autor confessou o ato e sua declaração saiu em todos os jornais; mas é evidente que isto é uma coisa difícil de acontecer.

Bom, vistos os cinco elementos, vamos falar um pouqo sobre as ilegalidades, quer dizer, as nulidades do ato administrativo.

No Direito Civil, nós temos as nulidades absolutas e as relativas que estão previstas nos artigos 166 e 171 do Código Civil. Sabemos que no Direito Privado, quando a nulidade é absoluta, o vício não pode ser sanado e o juiz pode decretá-la de ofício, não dependendo de provocação do interessado.

E na nulidade relativa, o vício é sanável e o juiz só vai decretá-la se houver provocação do Ministério Público ou de algum interessado.

No Direito Administrativo, alguns negam a possibilidade de se aplicar a mesma distinção; e quando eu falo em alguns, eu estou incluindo aquele que foi o papa do Direito Administrativo durante muito tempo, Helly Lopes Meirelles; ele dizia em seu livro que não existe no Direito Administrativo aquela distinção; ele achava que qualquer tipo de ilegalidade no Direito Administrativo caracteriza uma nulidade absoluta, porque a Administração Pública tem sempre o poder de anular, de invalidar os próprios atos, nunca dependendo de provocação do interessado.

Agora não é, evidentemente, o pensamento que prevalece e nem aquele que se aplica na prática, porque na prática da Administração Pública é muito comum a convalidação dos atos administrativos. Mas a distinção que fica no Direito Administrativo é a seguinte: a nulidade é relativa quando o ato pode ser convalidado e a nulidade é absoluta quando o ato não pode ser convalidado. E é aí que vem a pergunta: quando ele pode e quando não pode ser convalidado? A resposta é: depende do vício do ato, ou seja, depende do elemento do ato administrativo que está eivado de vício.

Eu diria que dois tipos de vícios admitem convalidação: o vício relativo ao sujeito e o vício relativo à forma, só. Os outros elementos, se estiverem viciados, geram nulidade absoluta e não permitem a convalidação do ato.

Com relação ao sujeito, se o ato é praticado por uma autoridade incompetente, é perfeitamente possível que a autoridade competente venha convalidar o ato. Na Lei Estadual sobre processo administrativo, o artigo 11 diz: a Administração poderá convalidar seus atos inválidos quando a invalidade decorrer de vício de competência ou de ordem formal. Está repetindo, está falando aquilo que eu disse e que já era entendimento de doutrina, desde que, na hipótese de vício de competência, a convalidação seja feita pela autoridade titulada para a prática do ato e não se trata de competência indelegável. E na hipótese de vício formal, este possa ser suprido de modo eficaz.

É evidente que se tratar de competência, a minha idéia é a seguinte: se o vício de incompetência for relativo à pessoa jurídica, eu acho que ele gera nulidade absoluta e não admite convalidação. Por exemplo, a competência era da União e o Município praticou o ato, não há como convalidar.
Agora, se for um vício dentro da mesma pessoa jurídica, como a hipótese em que a competência era de um órgão e foi outro que praticou o ato, ou se era uma autoridade e foi a outra que praticou, eu acho que é perfeitamente possível a convalidação.

No caso relativo á forma, vocês sabem que existem algumas formas essenciais e algumas formas acessórias. A grande dificuldade é a gente saber quando a forma é essencial e quando é acessória.
Em alguns casos, é fácil. Por exemplo, se uma formalidade é exigida pela própria Constituição, é evidente que ela é essencial. Você vai aplicar uma penalidade sem assegurar o direito de defesa, você está gerando uma nulidade absoluta, você tem que invalidar o processo pelo menos até o ponto em que seja necessário assegurar o direito de defesa, você volta e repete todos os atos.
Na licitação, que é um procedimento formalista rígido, você pode ter feito a convocação dos interessados por todos os meios admitidos em direito, pela internet, fax, telefone, ofício, porém, se você não publicou o edital, que é um ato essencial, você não tem como convalidar.

Se for uma forma acessória é mais fácil, mas continua aquela idéia, às vezes ficam dúvidas se é acessória ou não.

A Lei Estadual deu algumas indicações que podem servir de orientação. 

Agora, hipóteses em que não cabe convalidação são aquelas em que o vício seja relativo ao motivo, ao objeto e à finalidade.

No caso do motivo e da finalidade, eu diria que há uma impossibilidade até de fato, porque a lei não precisa dizer; imaginem que a Administração Pública praticou um ato e o motivo, quer dizer, o fato não existiu ou o fato foi diferente daquele que a administração declarou; como é que você vai corrigir o fato? É impossível corrigir o fato.

A administração aplicou uma pena porque diz que o servidor praticou uma infração, mas ele não praticou a infração; como é que você vai corrigir? É uma nulidade absoluta.

É a mesma coisa com relação à finalidade. Se a autoridade praticou o ato com uma finalidade que não era aquela própria do ato, você também não tem como corrigir o desvio de poder, que é alguma coisa que está na intenção da pesso; não há como corrigir a intenção.

Vejam que o desvio de poder, eu acho que já falei no começo, era originariamente um vício de moralidade, por isso ele escapava ao controle do Poder Judiciário, justamente porque ele diz respeito à intenção da pessoa. Ele passou a ser considerado um vício de ilegalidade para permitir o controle pelo Poder Judiciário, mas nem por isso se admite a convalidação.

E com relação ao objeto, o que é possível é a figura da conversão que é muito pouco aplicada na Administração Pública, porque no caso da conversão, aquele mesmo ato que seria ilegal para um determinado fim, pode ser legal de uma outra forma. Por exemplo, a concessão de uso de bem público exige autorização legislativa e a permissão de uso não exige.

A administração fez uma concessão de uso sem autorização legislativa. Aquele ato, como permissão precária, seria válido, porém, como concessão, é inválido. Então, o que a Administração Pública pode fazer é converter a concessão numa permissão, porque como permissão vai ser válida e vai dar efeito retroativo. 

A utilidade da convalidação e da conversão é aproveitar os efeitos já produzidos, porque se você for anular, você vai ter que apagar todos os efeitos, se você convalidar ou se você converter o ato, você está dizendo que aqueles efeitos já produzidos são válidos, são legais”.

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