terça-feira, 22 de janeiro de 2013


“Contratação ilegal de servidor público - FGTS - Aviso prévio - Pagamento - Impossibilidade


COMARCA DE PRATÁPOLIS
AUTOS Nº 0529.05.011969-0
AUTOR: MÁRIO CÉSAR GOMES
RÉU: MUNICÍPIO DE ITAÚ DE MINAS

SENTENÇA

Para facilitar o acesso de procuradores ao inteiro teor da sentença, remeta-se a íntegra da presente decisão para os respectivos endereços de correio eletrônico cadastrados nesta Comarca.

RELATÓRIO

MÁRIO CÉSAR GOMES, qualificado nos autos, propôs a presente ação ordinária de reclamatória trabalhista em face do MUNICÍPIO DE ITAÚ DE MINAS, representado.
Alega que foi contratado pelo requerido para o cargo de MAGAREFE (matadouro municipal) em 23/12/1998, sem registro, sendo demitido, sem justa causa, em 29/04/2005, com o último sálario de R$ 443,00.
Relata que começava a trabalhar às 00:00horas e parava às 09:00horas, com exceção às sextas-feiras, quando parava entre 12:00 às 14:00horas.
Alega que faz jus aos valores de fundo de garantia, não recolhidos, ao aviso prévio não indenizado, às horas extras, adicional noturno, férias intervalo intrajornada e multa de rescisão de 40% (quarenta por cento)
Pede a condenação do requerido ao pagamento das parcelas pleiteadas, cujo valor estipula em R$ 33.550,00 (trinta e três mil, quinhentos e cinquenta reais).
Junta documentos de ff. 13/18.
O Município requerido ofereceu contestação às ff. 21/28, alegando que o autor foi contratado pelo regime jurídico do servidor público, razão pela qual sua CTPS não foi anotada. Alega que foram pagos todos os direitos trabalhistas quando do término do contrato de trabalho. Assevera que se tratou de contrato temporário, de modo que não houve aviso prévio. Defende que as férias foram indenizadas e que não houve sobrejornada. Alega que o requerido iniciava sua jornada às 05:00horas, razão pela qual não faz jus ao adicional noturno. Argumenta que não há FGTS, multa de 40% tampouco seguro desemprego no regime administrativo. Pede a improcedência do pedido inicial.
Juntou documentos de ff. 28/127.
Impugnação à contestação às ff. 131/134.
Às ff. 139/141, o juízo trabalhista de Passos se declarou incompetente e remeteu os autos a este juízo.
Novamente citado, o requerido pugnou pela utilização da peça de resistência constante às ff. 25/125 dos autos.
Audiência de instrução à f. 161, na qual as partes ofereceram as alegações finais orais.
Vieram-me os autos conclusos para sentença.
É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

Verifico presentes os pressupostos processuais e as condições de ação e ausente nulidade a ser sanada, tampouco preliminar a ser apreciada.
Trata-se de ação reclamatória trabalhista pela qual o autor, contratado para trabalhar no matadouro do município réu, pretende o recebimento de aviso prévio, férias, horas extras, adicional noturno, intervalo intrajornada, FGTs, multa de 40% e seguro desemprego.
O Município réu alega que o autor foi contratado pelo regime administrativo e que todas as parcelas a que fez jus lhe foram pagas.
Compulsando os autos, verifico que o autor foi admitido por meio de contrato de trabalho por prazo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público (ff. 107/116). Assim, o vínculo firmado entre as partes decorre do artigo 37, IX, da Constituição da República, e do artigo 8º da Lei Complementar nº 1, de 24 de julho de 1990.
Indubitável concluir, portanto, que a espécie de contratação relatada nos autos, embora alheia ao concurso público, possui natureza jurídica administrativa ¿ e não trabalhista.
O Supremo Tribunal Federal, a partir do julgamento da Medida Cautelar da ADin n.º 3.395/DF, consolidou o entendimento de que a relação entre a Administração Pública e os servidores admitidos por contrato temporário não é regida pela CTL.
Por oportuno, transcreva-se o seguinte precedente da Suprema Corte:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. RECLAMAÇÃO. MEDIDA LIMINAR NA ADI 3.357. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIDORES PÚBLICOS. REGIME TEMPORÁRIO. JUSTIÇA DO TRABALHO. INCOMPETÊNCIA.
1. No julgamento da ADI 3.395-MC, este Supremo Tribunal suspendeu toda e qualquer interpretação do inciso I do artigo 114 da CF (na redação da EC 45/2004) que inserisse, na competência da Justiça do Trabalho, a apreciação de causas instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo.
2. Contratações temporárias que se deram com fundamento na Lei amazonense nº 2.607/00, que minudenciou o regime jurídico aplicável às partes figurantes do contrato. Caracterização de vínculo jurídico-administrativo entre contratante e contratados.
3. Procedência do pedido.
4. Agravo regimental prejudicado. (STF, Rcl n.º 5.381-AgR, Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, j. DJe 08/08/2008.)
Deve-se registrar, no entanto, que, embora o município alegue que houve a configuração de situação excepcional de interesse público a justificar a contratação do autor, o período de quase cinco anos em que o autor foi contratado, de 1999 a 2004, afasta, sem sombras de dúvida, a configuração de caráter transitório ou emergencial na alegação e assim extrapola a finalidade do contrato. A recontratação frequente do autor não atende aos princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa, sendo que à Administração Pública estavam dispostos outros mecanismos para a prestação do serviço em questão.
Assim, resulta claramente verificada a ilegalidade da contratação, pois desnaturou a necessidade transitória ou emergencial que a subsidiou.
Se as atividades tiveram continuidade vários meses, passaram a ter cunho de habitualidade, devendo ser organizadas em atribuições afetadas a determinado cargo ou emprego público que, por sua vez, deverão ser providos por meio de concurso público, como impõe o art. 37, II, da Constituição Federal.
A anulação do ato administrativo tem por regra a retroatividade de seus efeitos, desde a sua origem. Entretanto, tal solução se mostra injusta e desrespeitosa a vários princípios basilares, como a vedação ao enriquecimento sem causa, a segurança jurídica e a boa-fé objetiva, já que deixaria o autor sem a contraprestação pelos serviços realizados.
Desse modo, pelos serviços prestados faz jus o trabalhador não apenas ao seu salário, mas a outros direitos sociais constitucionalmente assegurados aos trabalhadores em geral, tanto sob o regime celetista quanto nas relações com a Administração Pública, por força da previsão do art. 39, §3º, da Constituição Federal, incluindo o décimo terceiro salário e o gozo de férias remuneradas, com o acréscimo de, ao menos, um terço do seu valor (art. 7º, VIII e XVII, da Constituição Federal).
No entanto, o autor não faz jus às verbas de cunho trabalhista. A contratação ilegal de servidores públicos que se prolonga de forma a evidenciar a natureza permanente e habitual das necessidades da Administração, apesar de viciada de nulidade, não acarreta a submissão do vínculo ao regime celetista, sobretudo quando estabelecido no ente público o regime jurídico único administrativo.
Cabe ressaltar que, tratando-se de vínculo administrativo, não procede também o pedido de compelir o município a anotar o vínculo na CTPS do autor.
A propósito:

SERVIDOR TEMPORÁRIO - ART. 37, IX, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - MATÉRIA DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM - DECISÃO DO STF - EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO - EXERCÍCIO DE FUNÇÃO PÚBLICA - NATUREZA PRECÁRIA E TEMPORÁRIA DO VÍNCULO - VERBAS TRABALHISTAS - CLT - INAPLICABILIDADE - LEI 10.254/90 - SUBMISSÃO AO REGIME ESTATUTÁRIO. 1 - Ao servidor em exercício de função pública, designado em caráter precário e temporário, para atender interesse temporário e excepcional do Poder Público, não se aplicam as disposições da Consolidação das Leis do Trabalho. 2 - Em razão de o serviço público ser firmado na intenção de estabilidade, não se adota o FGTS, sendo que, em caso de dispensa do servidor temporário, o funcionário somente faz jus às verbas estatutárias. (TJMG, AC 1.0024.09.550627-5/001, rel. Des. Sandra Fonseca, p. 18/06/2010).

Não há como conceder ao autor garantias próprias da relação de emprego, como FGTS e multa de 40%. Isso porque a precariedade do trabalho já era conhecida pelo autor, que estava sem garantias pela própria natureza do contrato. O erro da Administração Pública foi perpetuar tal precariedade e assim subverter a natureza do contrato. Por isso, dar-lhe garantias próprias de outro contrato é pactuar com tal desvirtuamento do contrato temporário para necessidade temporária.
Assim tem decidido o egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:
DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO TEMPORÁRIO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. REGIME PRÓPRIO. FGTS. DIREITO QUE NÃO SE ESTENDE. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. COMPROVAÇÃO DO PAGAMENTO. RECURSO IMPROVIDO. O contrato firmado entre o ente de direito público e seus servidores, a título temporário, previsto pelo artigo 37, inciso IX, da Constituição da República, é contrato de direito administrativo, e como tal não se confunde com o contrato trabalhista. O servidor público temporário está sujeito a regime próprio de direito administrativo, não lhe sendo devido o pagamento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, diante da ausência de extensão expressa de tal direito. (Apelação Cível nº 1.0702.07.372927-0/001, relatora a Desembargadora Maria Elza, DJ de 11.06.2008)
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR MUNICIPAL. CONTRATO ADMINISTRATIVO TEMPORÁRIO. PRORROGAÇÃO. ILEGALIDADE. FGTS. Se o município contratante instituiu o "Regime Jurídico Único" para os seus servidores, não é devido o FGTS a nenhum deles, inclusive aos que foram contratados para atender necessidade de excepcional interesse público, pouco importando a nulidade de tal contratação. (Apelação Cível nº 1.0118.06.006577-8/001, relator o Desembargador Antônio Sérvulo, DJ de 29.05.2009)
APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO ADMINISTRATIVO - SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL - CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS POR PRAZO DETERMINADO - CARÁTER ADMINISTRATIVO - COMPETÊNCIA DO PODER JUDICÁRIO ESTADUAL - QUESTÕES DECIDIDAS PELO STF - REDISCUSSÃO INVIABILIZADA - COBRANÇA DE VERBA RESCISÓRIA DE NATUREZA TRABALHISTA - FGTS - IMPROCEDÊNCIA - MANUTENÇÃO. Incabível reabrir discussão quanto à natureza do contrato temporário de trabalho firmado entre o particular e o Poder Público, se o STF, órgão judiciário máximo do País, concluiu pelo nítido caráter administrativo, e, por conseguinte, estabeleceu a competência do Poder Judiciário Estadual para dirimir a controvérsia relativa à verba rescisória pleiteada. Aos servidores públicos são devidos os direitos previstos no art.7º da Constituição da República que estejam elencados em seu §3º, do art. 39, dentre os quais não está inserido o ""fundo de garantia do tempo de serviço".(Apelação Cível nº 1.0210.08.055231-3/001, relator o Desembargador Afrânio Vilela, DJ de 007.05.2009)
Portanto, o autor não faz jus à indenização do aviso prévio, FGTS e multa de 40%.
Dessa maneira, somente devem ser examinadas apenas as parcelas constitucionalmente previstas.
Os documentos de ff. 117/125 dão conta de que o autor recebeu parcelas de férias em 2001 (contrato de 01/02/1999 a 31/12/2000), parcela de férias e 13º proporcionais em 2002 (01/01/2001 a 31/03/2002), férias e 13º proporcionais em 2003 (01/04/2002 a 30/09/2003) e 2004 (01/10/2003 a 31/03/2004).
Não há prova de outros vínculos do autor, razão pela qual entendo que tais parcelas (1/3 de férias, indenização de férias não gozadas e décimo terceiro) foram devidamente pagas ao autor.
Por fim, quanto aos pedidos de horas extras e adicional noturno, o autor não fez prova de suas alegações, sem arrolar testemunhas ou juntar outros documentos e pede a pena de confissão pelo fato de o município réu não ter trazido aos autos controle de frequência.
Entretanto, por foça do art. 333, I do Código de Processo Civil, competia ao autor comprovar, ou ao menos trazer indícios, suas alegações. A prova testemunhal era absolutamente possível no caso. O fato de que não houve controle de frequência, como alegado pelo Município, não é suficiente para consolidar convicção a favor das alegações de jornada do autor.
Sendo assim, o autor não faz jus a horas extras e adicional noturno.
Portanto, sendo algumas parcelas próprias de vínculo empregatício e outras sem comprovação das alegações que as embasam, os pedidos do autor não devem prosperar.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, extinguindo o processo com resolução de mérito, nos termos do art. 269, I do CPC.
Condeno o autor ao pagamento das custas processuais e aos honorários advocatícios, que arbitro em R$ 1.000,00 (um mil reais), nos termos do art. 20, §4º do Código de Processo Civil.
P.R.I.

Pratápolis, 17 de agosto de 2011.


Rafael Niepce Verona Pimentel
Juiz de Direito Substituto


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